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A MENINA DE BÚZIOS

Ficção


Aos 13 anos, 14 talvez, ela descobriu que poderia trocar um beijo por um radinho. O que não faria para ganhar urna bicicleta?


Por FERNANDO SABINO


Sempre morei em Búzios. Comecei como pescador e foi pescando umas e outras que acabei me arranjando. Pescarias noturnas, ou melhor, desova de navio em alto-mar, que meu barco recolhia. Hoje a coisa cresceu e se organizou, entrou gente graúda, acabei ficando de fora. Mas deu para defender algum, preferi ficar na minha. Viajei pelo mundo, fiz o que bem quis. Voltei, e acabei transformando o barraco de pescador numa dessas casas de praia que Os grã-finos hoje procuram, rústica mas com certo conforto. É como eu me defendo.


Tudo começou naquele verão em que me apareceu um casal de São Paulo querendo alugar a casa. Como ofereciam bom dinheiro, concordei, desde que continuasse morando num dos quartos. O dos fundos mesmo, eu não fazia questão.


A mulher era meio sobre o bagulho, mas devia ter sido boa no seu tempo. O marido era um desses bestalhões que defendem a tradição, a família e a propriedade e só sabem falar na corrupção dos costumes de nosso tempo. Mas traziam de quebra a filha, que era de machucar: uma coisinha de seus 13 ou 14 anos, sei lá, estalando de boa dentro da roupa. O estranho é que não era dessas de biquíni que hoje se vê por aí, unia tirinha de nada, quase tudo de fora. Era recatada, discretinha que só vendo, e isso era o que mais me excitava. Usava maiô inteiro daqueles antigos, e nem calça comprida apertada, como as outras meninas, o pai deixava que ela pusesse: andava de vestidinho mesmo, saia curta, as coxas aparecendo, o que tornava ainda mais grave a situação. E foi exatamente aquele ar de inocência que ela tinha que acabou me virando a cabeça.


Nunca fui muito chegado a essas taras, pelo contrário: sempre preferi mulher bem rodada, corpo meio martelado de quem já levou batida. Seria até capaz de me interessar pela mãe dela, que ainda agüentava uma meia-sola. Mas é como estou dizendo: a menina me botou maluco. O rostinho, os olhos, os cabelos, a boca, meu Deus, a boca. Era uma boca inchadinha, sugerindo delícias. E aquele corpo que eu tentava imaginar debaixo do vestido. Ela andava sempre muito arrumadinha, parecia urna gravura antiga, sei lá. Havia qualquer coisa de misterioso naquela menina. Tinha a pele muito branca, estava em Búzios e não tomava sol, ia à praia só à tarde, quando não havia mais quase ninguém. Pois foi tudo isso que me acendeu, levantou o mastro do velho apetite já meio adormecido.


Então comecei por conquistar a confiança dos pais. Aderi ao papo-furado do homem, falei contra os desmandos da juventude, as drogas, a licenciosidade e por aí afora, como nem sermão de missa. E ele ali ouvindo e concordando, sempre de olho na cria, que não podia se afastar de sua vista. Até parecia que o pai é que era o tarado, e não eu. Não deixava a garota se enturmar com ninguém, nem mesmo para um passeio inocente. E, se por acaso saíam os dois de barco com algum casal amigo, me transferiam a responsabilidade de ficar de olho nela até que voltassem. Deixa comigo, eu dizia. E ficávamos os dois à tardinha sentados na praia em frente à minha casa, ela lendo história em quadrinhos e eu ali de vigia. Até que uma tarde...


É uma praia meio deserta, que os turistas ainda não descobriram. E nós dois ali sozinhos, o velho devasso e a menina pura. Ela riscando a areia com um pauzinho e eu pensando misérias a respeito do assunto. Às vezes tinha de entrar n'água para me refrescar um pouco, que eu já não estava cabendo no calção. Ela me fazia perguntas tolas que eu mal conseguia responder, a voz rouca de tanto desejo.


Pois eu dizia: foi numa tarde, o sol já se pondo, e os pais num passeio de lancha o dia inteiro, não sei por que não levavam a menina. Olhei para ela, agora estendida na areia a meu lado, no seu maiozinho fora de moda, que nem por ser casto e discreto comparado aos outros impedia que se adivinhasse o manjar dos deuses nele oculto. Como ela estivesse de olhos fechados, pude comê-la com os meus da cabeça aos pés. Observei tudo: os peitinhos já desabrochados, o contorno dos quadris, O pano formando na confluência das coxas uma pequenina prega... Não havia cristão que agüentasse.


Então, como se pensasse que ela dormia, murmurei comigo mesmo para que ela escutasse: "Ah, meu santo, gosto tanto dessa menina, que se eu pudesse ao menos lhe dar um beijinho sem que ela acordasse... seria capaz de dar para ela o meu rádio de pilha".


Era um rádio japonês, pequeno mas dos melhores, ondas médias e curtas — muamba dos meus tempos de trambicagem e no qual eu sabia que ela estava de olho comprido. No que falei aquilo, ela quase sorriu, embora fingisse agora que estava dormindo. Então dei um beijo dos bons naquela boquinha em flor. E ela não acordou.


No dia seguinte compareci com o rádio:


— Toma, é seu.


Ela fingiu espanto:


— Meu?


— Um presente para você.


Ela pulou de alegria, me deu um beijo (no rosto) e ficou ouvindo o radinho o dia todo. Os pais sorriam, encantados:


— Pelo menos agora ela tem com que se distrair.


O próprio pai, depois que ela ia dormir, se distraía com o rádio à noite, tentando ouvir as estações de São Paulo.


Alguns dias depois, a situação se repetindo — nós dois na praia sozinhos —, quem começou a fingir que dormia fui eu. E falei para que ela ouvisse, como quem murmura durante o sono: "Ah, se eu pudesse fazer um carinho nela. Passar as mãos nesse corpo de anjo, nesses peitinhos macios. Eu daria a ela um presente melhor ainda, aquela máquina de tirar retrato na hora, de que ela gostou tanto".


Dias antes alguém havia aparecido na praia com uma polaróide, a menina ficou fascinada pela câmera. No que falei em lhe dar uma igual, ela estremeceu de prazer a meu lado e rolou de mansinho na areia, até seu corpo encostar no meu. Não perdi tempo: como se estivesse dormindo, comecei a passar a mão devagarinho pela sua perna acima, pela coxa, por ela toda, me detendo no que havia de melhor. Acabei apertando seu corpo contra o meu e por pouco não estrago tudo, tive de me conter para não entornar o caldo.


No dia seguinte acordei cedo e saí em busca do presente prometido. Ainda tinha minhas ligações, sabia onde encontrar a tal câmera e por bom preço.


— Olha aí, um presente para você.


Os pais ficaram alegremente surpresos, a menina mais ainda. "O senhor não devia fazer isso, um presente tão caro", diziam, delicados, e ela sorria, ar de sonsa.


No primeiro dia em que eles a deixaram de novo a sós comigo, eu disse para mim mesmo: é hoje. Tudo conspirava a favor: não estávamos na praia mas em casa, era noite, os pais haviam saldo para uma festa e voltariam muito tarde. Depois de esperar um pouco — macaco velho que eu sou, poderiam voltar, ter esquecido alguma coisa —, fui ao quarto da menina, que já se havia recolhido. Aproximei-me da cama e vi que ela fingia dormir. Então me inclinei e falei ao seu ouvido: "Se eu pudesse fazer tudo que tenho vontade com esta linda menina, ai, meu santo! Eu daria para ela uma bicicleta novinha. Contanto que ela não percebesse nada, continuasse dormindo".


Dito o quê, tirei a roupa no escuro e me enfiei na cama. Tive a surpresa de ver que ela estava nua debaixo das cobertas, a safadinha! E nunca uma menina dormiu um sono tão profundo como aquele, enquanto eu fazia com ela tudo que queria e bem entendia. Não foi tão difícil como eu imaginava, pelo contrário: até parecia não ser a primeira vez. Deu só um gemidinho de quem dorme e foi deixando, procurava mesmo facilitar as coisas, sempre dormindo, abraçada a mim, lábios nos meus, como num sonho. Então não agüentei mais, fui às últimas — e ela agüentou firme. Eu sabia que o sonho dela era na verdade ganhar uma bicicleta, o pai não queria dar, achava muito perigoso. Naquele instante eu era capaz de prometer até um automóvel.


Ao entrar na cama onde a menina dormia, uma surpresa: estava nua debaixo das cobertas, a safadinha!

Não foi fácil deixar aquela cama, o que fiz no momento exato: pouco depois que me mandei para o meu quarto os pais chegavam da tal festa.


Como no dia seguinte eu deixasse correr o tempo e não lhe falasse nada, assim que ela se viu a sós comigo dependurou-se no meu pescoço e perguntou:


— E a minha bicicleta?


Fiz-me de desentendido:


— Bicicleta?


— A que você prometeu me dar de presente.


Agora era a parte pior: desconversei como pude, dizendo que em Búzios não havia bicicleta à venda, eu teria de ir ao Rio, ou pelo menos a Niterói para comprar.


— Quando é que você vai?


— Não sei. Quando puder.


Ela ficou amuada e então fez beicinho. Não adiantou eu dizer que tinha de esperar um pouco, que não podia aparecer assim de uma hora para outra trazendo uma bicicleta de presente, o pai acabava desconfiando:


— Ele próprio não quer, diz que é muito perigoso.


Então ela me ameaçou com o que eu mais temia:


— Se você não me der essa bicicleta, eu conto tudo para ele.


Passei o dia meio ressabiado, temendo que contasse mesmo — o homem era capaz de me matar. Para sorte minha, surgiu a salvação caída do céu: ele e a mulher é que iriam ao Rio. Tinham de resolver um assunto importante lá deles, voltariam no dia seguinte. Dava até para desconfiar: não levariam a filha.


— Vai terminar tarde, teríamos de deixá-la sozinha no hotel. — Podem ir tranqüilos — assegurei.


Tranqüilo fiquei eu, quando seus pais se foram. Depois de esperar algum tempo, como manda a prudência, fui procurar a menina em seu quarto. Mas ela me escorraçou:


— Vai embora. Não quero conversa com você.


Não insisti: é de boa técnica. Fiquei pela casa, me distraindo com uma coisa e outra, deixando o tempo passar. Mas meu pensamento estava preso naquele quarto, laços invisíveis me ligavam à menina, me arrastavam até ela.


Nem eu nem ela jantamos naquela noite. Dispensei a cozinheira, que dormia fora, esperei que a luz no quarto se apagasse e só então fui até lá:


— Deixa eu ficar um pouquinho com você.


A garota se recusou a me aceitar em sua cama:


— Quero minha bicicleta. Senão eu conto tudo para o meu pai.


Prometi que no dia seguinte ela teria a maldita bicicleta, prometi tudo. Não tinha dinheiro para bicicleta nem para mim, quanto mais para ela. Mas não ia perder uma ocasião daquelas, podíamos passar a noite juntos, uma noite de rei! Só pensava no que havíamos feito na noite anterior, e não conseguia me conter. Mulher é assim, seja de que idade for: insiste, que ela acaba cedendo. Apesar de continuar ameaçando contar tudo para o pai, ela instintivamente me cedeu uma beirinha se chegando para o canto, quando forcei o corpo, me insinuando em sua cama. Passou então a recusar meus carinhos, dizendo que me odiava, tinha sido enganada, não ia ganhar bicicleta nenhuma:


— Vou contar tudo para o meu pai.


Aos poucos repetia a frase como para si mesma, já deixando que minhas mãos a tocassem.


— Seu velho mentiroso. Ordinário. Safado — me dizia ao ouvido, já me acariciando também.


Foi simplesmente maravilhoso. Eu caprichava o quanto podia, e ela não deixava por menos: aprendera depressa, estava se vendo. E quando, já cansado, dei uma cochilada, ela me acordou com um longo beijo:


— Quero mais.


Mais ela teve — duas, três vezes. Raramente na minha vida tenho sido capaz de tanto em tão pouco tempo. E olha que quando moço eu não brincava em serviço. Parecia estar recuperando o atraso desses últimos anos.


Exausto, eu acabei dormindo. Creio que ela também cochilou um pouco, dando-me uma trégua. Mas a horas tantas me tirou de meus sonhos, soprando-me ao ouvido:


— Você não vai me querer mais hoje, não?


Aquilo acabou me excitando de novo: lá vou eu pela quarta vez numa noite. E ela agora se encarregava de inventar deliciosas variações.


Ela começou recusando os carinhos, mas logo mostrou o que aprendera, inventando deliciosas variações

Ao fim, caí em sono profundo. Pois nem meia hora havia passado e acabei acordando com o diabo da menina a me acariciar novamente:


— Por que a gente não faz mais uma vez?


Não havia carícia capaz de me levar a semelhante proeza. Então não tive outro recurso senão apelar para a ignorância:


— Pára com isso e dorme, garota. Se não eu conto tudo para o seu pai.


ILUSTRAÇÃO ÂNGELO BONITO



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