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ABÍLIO DINIZ | FEVEREIRO, 1990

Playboy Entrevista



Uma conversa franca com o dono do Pão de Açúcar sobre paixão por esporte, vida de descasado, ternos azuis, carros, brigas em família, Collor — e até um relato exclusivo de seu seqüestro


Esta entrevista já estava pronta na manhã de segunda-feira, 11 de dezembro, quando o empresário Abílio dos Santos Dinniz foi seqüestrado, numa operação rápida e muito bem planejada. Durante cinco dias, o seqüestro se transformou no maior segredo de polichinelo do pais: informados pelo boca-a-boca e pela A Voz do Brasil, que registrou pronunciamento do deputado Amaral Netto, do PDS, milhões de brasileiros sabiam o que havia acontecido com o dono do Grupo Pão de Açúcar, embora a imprensa continuasse a manter silêncio total sobre o assunto, a pedido da família e elas autoridades.


O segredo acabou no sábado, véspera da eleição, quando a polícia, com os repórteres nos calcanhares, chegou à casa número 59 da Praça Hachiro Miyazaki, no Jabaquara, zona sul de São Paulo, onde o empresário ficou preso, num cubículo subterrâneo. Trinta e cinco tensas horas mais tarde, um trôpego e barbado Abílio Diniz deixava a casa, sob o aplauso da multidão. Parecia um homem muito diferente do empertigado, ousado e afirmativo dublê de esportista e empresário com quem PLAYBOY havia conversado longamente, poucos dias antes do seqüestro.


Aos 52 anos, 1,82 m e 75 quilos, queimado de sol, aquele Abílio Diniz não fraquejava, nem depois. de terminar uma competição de triatlo —1 quilômetro de natação, 25 de bicicleta e mais 5 de corrida. Não tinha medo de seqüestro e imaginava que sua experiência de ex-lutador de caratê e judô, mais o manejo de um revólver, daria conta de qualquer ameaça. Vivia numa rotina praticamente imutável, dividida entre o trabalho e o treinamento para o triatlo. Morador do 14.° andar do edifício Green Park, ao lado do Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo, Diniz tem um apartamento amplo e luxuoso, mas que não atesta a fortuna pessoal de seu ocupante e onde sua condição de descasado é mascarada pela presença de uma garotinha de 4 anos — na verdade, filha do seu casal de caseiros e que ele mesmo encara como uma espécie de antídoto para os ataques de saudade, comuns a quem viveu 26 anos com a mulher, Aureluce, e os quatro filhos, até se separar em busca do que define como "melhor qualidade de vida".


Três anos e meio depois de inaugurada, a vida nova de Abílio Diniz continua visível em pequenos detalhes de sua casa: nas raros livros da estante da sala — um punhado de best-sellers, entre eles as autobiografias de Akio Monta e Lee lacocca, ao lado do similar nacional assinado por Ricardo Semler — ou na destinação de dois dos quatro quartos do apartamento. Ali estão alguns objetos que servem à ardorosa paixão de seu ocupante: uma moderníssima bicicleta ergométrica, prancha para abdominais, um conjunto para exercitar músculos do braço, antebraço e costas, e até um aparelho de raio laser para combater dores localizadas. Enfim, cômodos muito mais bem equipados que o minúsculo bar, relegado a um canto da sala de jantar e com um estoque de bebidas que qualquer supermercado de periferia supera com facilidade.


Pelo menos no seu habitat, Abílio Diniz é mais espartano do que dionisíaco — embora possa contra-argumentar que, no seu caso, a busca do prazer se confunde com o esporte e sua inevitável dose de sacrifício. Que o leva, por exemplo, a restringir ao máximo o consumo de cerveja, uma das raras bebidas alcoólicas de que realmente gosta.


Não é o esporte nem a falta de dinheiro que o levam a só ter ternos azuis-marinhos no guarda-roupa. Mas um peculiar modo de encarara vida — o mesmo modo que faz um workaholic como ele abrir tanto espaço para o que encara como diversão em sua agenda (suara camisa na pista do Pinheiros ou gastar o fôlego na piscina do clube, exatamente na hora do almoço, para depois engolir um reles sanduíche de queijo prato e pão francês, acompanhado de um copo de leite). E tudo isso que move um dos mais poderosos empresários do pais na direção da participação política, dentro de um figurino social-democrata que inclui a defesa de uma melhor distribuição de renda no Brasil.


Enfim, ele é mesmo surpreendente. Dez horas de conversa franca com o dono do sexto maior grupo econômico do país, segundo a edição "Maiores e Melhores" da revista EXAME, revelam um sujeito muito diferente de alguns clichês de sua imagem pública de durão, avesso a entrevistas, autoritário e explorador — em resumo, um típico tubarão capitalista, crucificado por governantes e candidatos em busca de votos fáceis. "Abílio Diniz não foge de nenhuma pergunta. Responde a todas com muitas pausas entre as palavras, como que buscando o melhor caminho para seu raciocínio. É bem-humorado e irônico, mas não costuma dar risada", conta o editor contribuinte de PLAYBOY, Paulo Markun, que gravou cinco sessões de entrevista, de 2 horas cada. O último encontro, onde conversaram sobre a vida pessoal do empresário e a possibilidade de um seqüestro, ocorreu quatro dias antes daquela manhã de 11 de dezembro.


Depois da libertação, Paulo Markun voltou a conversar com o empresário. Desta vez, para registrar um relato exclusivo das 135 horas mais tensas e críticas de sua vida.


PLAYBOY — Numa entrevista a VEJA, em 1983, o senhor dizia que a situação cio Brasil era crítica. E acrescentava: "O país não pode conviver com uma situação de 70% de inflação... ao ano. Se conseguirmos baixar para uns 40%, tudo bem". Nós já passamos, há muito, dos 1.000% ao ano e parece que não está longe o dia em que teremos 70% ao mês. Como é isso? O Brasil tem uma capacidade única de conviver com a crise?


ABÍLIO DINIZ — Os mecanismos de convivência com a inflação é que foram evoluindo. Quando toda a economia está indexada — e a nossa não está toda, mas está muito indexada — ou quando tudo sobe ao mesmo tempo, é quase como se nada subisse. A indexação é perversa porque realimenta a inflação. Mas ela permite essa convivência. A hiperinflação não está mais condicionada a uma taxa de inflação: pode acontecer num país com 30% ao mês e não acontecer em outro com 70%. O que caracteriza fundamentalmente a hiperinflação é o descontrole da economia, a demoralização total da moeda.


PLAYBOY — Mas, a cada momento, a desmontagem dessa bomba-relógio é adiada. Agora fala-se em fazer isso nos primeiros tempos do novo governo. Essa situação é como elástico, que vai sendo esticado mais e mais?


ABÍLIO DINIZ — Acho ótimo o exemplo. Um dia, o elástico arrebenta. Quando será, a gente não sabe. A convivência com uma inflação alta só é possível diante de certos objetivos. O grande objetivo até agora foi chegarmos à transição democrática, a um governo eleito e legitimado. É mais que evidente que a primeira coisa que o novo presidente precisa fazer é um plano de estabilização econômica que combata a inflação. Senão, o elástico arrebenta. Todos os planos já tentados, com exceção do Plano Bresser, mais de emergência, eram propostas muito ambiciosas que previam mudanças estruturais e ações imediatas e visíveis — a mais explícita era o congelamento de preços e salários. Em todos eles, foi feita exatamente essa parte visível e menos importante — o congelamento, que ajuda a combater a inflação inercial —, mas nada foi realizado em termos estruturais. Assim, para a população, todos eles foram planos postos em prática e, não se sabe por que, fracassados. A população não sabe, só que qualquer estudante de economia — não precisa ser nem um especialista — constata que eles falharam por não enfrentarem os verdadeiros problemas. Por falta de vontade política, por falta de determinação política.


PLAYBOY — O que indica que isso possa mudar no novo governo?


ABÍLIO DINIZ — É a esperança. Há pelo menos dez anos o Brasil vem sendo penalizado — desde que adotou, no governo Figueiredo, o caminho da recessão prolongada para enfrentar fatores externos. Caímos numa estagflação, que fez o PIB diminuir e cada brasileiro ficar um pouco mais pobre. O fim daquele governo foi repleto de esperança. E veio a tragédia da morte de Tancredo Neves. Quem assume? Um homem que fazia parte do esquema pós-64, que fora da Arena e do PDS, ligado a um esquema cartorial, concentrador de renda. Aplica com extrema habilidade o ditado do "para os amigos tudo, para os inimigos, a lei" e só estava na chapa por força desses arranjos que, a gente reconhece, precisam ser feitos às vezes. Tivemos mais cinco anos de concentração de renda, de empobrecimento da população, agravados agora pela inflação extremamente alta. Cinco anos de atraso para o país. E não sou eu quem diz. Basta olhar os indicadores do Banco Mundial de produtividade industrial — está lá. Voltamos para o início dos anos 70. Já disse: acho que o país não merecia isso — se bem que nessa vida a gente não recebe tudo que merece. Tivemos um governo desastroso e desastrado. Sou extremamente crítico porque participei dele e não porque fui por ele atingido. Porque, se as coisas que fizeram contra mim tivessem algum sentido, eu ainda entenderia. Não tenho nem mágoa, tenho tristeza. Seja quem for o presidente, é preciso mudar a estrutura de renda do país, acabar com os cartórios, monopólios e oligopólios, tornando o Brasil um sistema moderno, capitalista, voltado para o desenvolvimento econômico e social. E, evidentemente, voltado para o lucro também. Ao tentar mudar a estrutura de renda, você tem que mudar todo o sistema estrutural do Estado e redirecionar o seu papel...


"Sarney aplica o ditado 'para os amigos, tudo, para os inimigos, a lei'. Tivemos cinco anos de atraso para o país"

PLAYBOY — Por falar em mudanças, o que o senhor espera de um governo Collor?


ABÍLIO DINIZ — Como antes da eleição ele tinha poucos compromissos políticos; terá uma chance muito maior de preparar a sua equipe de governo livremente. Com uma boa equipe, uma pessoa equilibrada na Presidência pode fazer um bom governo. O sucesso ou o insucesso começa pela escolha dessa equipe. Se tiver gente competente para implantar a política que esboçou na campanha e que se aproxima de uma ideologia social-democrata, poderá ter sucesso.


PLAYBOY— E se fosse o Lula?


ABÍLIO DINIZ — Que ele tivesse o equilíbrio de caminhar para aquilo que está tendo mais êxito no mundo atual — a social-democracia. Com o equilíbrio de partir para um programa social-democrata, que conjugue as vantagens da economia de mercado com uma participação social, de melhoria da qualidade de vida do povo, ele teria sucesso. Se ele tentasse fazer programas radicais, que hoje são considerados obsoletos, aí eu veria dificuldades.


PLAYBOY — Nessa hipótese, qual o grau de oposição que os empresários e particularmente seu grupo poderiam oferecer?


ABÍLIO DINIZ — Eu acho que, de início, ninguém deveria oferecer oposição nenhuma. De início, deve-se dar respaldo, porque o país é maior do que todos nós. Deve-se dar chance aos governantes de praticarem as suas idéias.


PLAYBOY — E o Brasil terá capital para retomar seu desenvolvimento, já que a poupança interna está na ciranda financeira e é muito difícil conseguir dinheiro novo lá fora?


ABÍLIO DINIZ — Nossa poupança não é tão baixa assim. Pode ser elevada até uns 24% do PIB em 1995, somando a poupança privada e a pública. O problema é como direcionar esses recursos, já que é a poupança do setor privado que hoje financia o governo através do que se convencionou chamar de "ciranda financeira". Se não fosse ela, o governo já teria quebrado. Para redirecionar esse dinheiro, é preciso sanear as finanças públicas. Isso pode ser feito, mas não do dia para a noite. Do dia para a noite, só se faz a estabilização econômica.


PLAYBOY — Para a opinião pública, esse programa não vai ser meio parecido com o Cruzado?


ABÍLIO DINIZ — Não necessariamente. No Cruzado, a grande transparência e novidade foi o congelamento de preços e salários. Coisa que hoje está desgastada. Até sugiro que não se aplique um congelamento, mas se faça um certo acordo...


PLAYBOY— Um pacto?


ABÍLIO DINIZ — A palavra pacto está tão desgastada quanto a palavra congelamento. Nós temos algumas coisas de má memória no Brasil. Se o presidente toma posse e em seguida fala em pacto e congelamento, a população vai dizer: "Ah, mas esse cara vem de novo com o Cruzado!" Acho que não deveria ser assim, embora reconheça que, com uma inflação tão alta, você tem de utilizar mecanismos para combater a inflação inercial. Acho que o mais sensato seria um acordo entre os vários segmentos da sociedade. Governo, empresarios, trabalhadores. E algum controle de preços, entre os setores cartelizados. Os empresários não gostam, mas é preciso. Os programas de ajuste económico não devem fugir muito disso. São como os cardápios de restaurantes de comida francesa. Muda o tempero, muda um ou outro prato, só que tudo é comida francesa.


"Os planos de ajuste econômico são como os cardápios de comida francesa. Muda o tempero, mas é tudo comida francesa"

PLAYBOY — Como foi aquele episódio do Cruzado? Até hoje existe a idéia de que o principal executivo do Grupo Pão de Açúcar se aproveitou do fato de ser membro do Conselho Monetário Nacional para remarcar os preços na madrugada do dia da edição do Cruzado.


ABÍLIO DINIZ — Naquela madrugada, passei a noite no ministério junto com o Sylvio Luiz [Sylvio Luiz Bresser Pereira, hoje diretor geral do grupo e irmão do ex-ministro] e com a toda equipe do Dilson. [Dilson Funaro, então ministro da Fazenda]. Eu era uma pessoa considerada da casa, cooperava com eles, porque eram pessoas que mereciam cooperação. Eram pessoas sérias. Erraram — no varejo e no atacado —, mas erraram tentando acertar.


PLAYBOY — Vocês, no entanto, já sabiam que ia sair alguma coisa?


ABÍLIO DINIZ — Tínhamos uma idéia de que um choque heterodoxo estava sendo pensado. Sabíamos como seriam os princípios básicos, e que a coisa estava em andamento. Eu, pessoalmente, não estava participando da redação final do plano. Até porque isso é uma coisa que tem de ser feita por um grupo muito pequeno, por gente de governo. Na manhã da véspera do anúncio do plano, o Dilson me telefonou e pediu para estar lá às 8 horas da noite. Fui com o Sylvio e o Dilson me deu os detalhes do que estava sendo feito. Decretos foram escritos durante a noite, medidas foram redigidas durante a noite, nós modestamente demos a nossa contribuição, e assim foi a noite inteira. Sempre fui cético em relação ao Plano Cruzado. Tinha receio de que a coisa ficasse apenas na parte mais visível. E já havia àquela altura seriíssimos indícios de que os problemas estruturais não seriam atacados, por fraqueza do governo, que não estava disposto a tomar nenhuma medida impopular. A população foi imediatamente contaminada pelo Cruzado, houve um movimento coletivo de entusiasmo em relação ao plano e a necessidade de se eleger um elemento que canalizasse toda a revolta da população. No início, esse movimento não foi orquestrado. Surgiu espontaneamente. Mas acabou sendo imediatamente percebido por parte do círculo palaciano e convenientemente alimentado e explorado, dando material aos veículos de divulgação, que foram na onda, até porque nem poderiam deixar de ir. Histórias começaram a ser contadas. Que, na calada da noite, eu telefonava e tirava da cama seiscentos gerentes ao mesmo tempo e que eles, por sua vez, tiravam da cama dez ou vinte funcionários e partiam apressadamente para as lojas a fim de remarcar mercadorias-em-detrimento-do-povo.


PLAYBOY — Houve algum flagrante?


ABÍLIO DINIZ — Nada! Naquela euforia, o povo denunciava muita coisa e todo mundo era fiscal. Era a festa, era carnaval. Nós tivemos milhares de infrações entre aspas nas nossas lojas.


PLAYBOY — Consignadas pela Sunab...


ABÍLIO DINIZ — Pela Sunab, por juízes de paz no interior, por qualquer um que se designava autoridade. Nenhum desses chamados autos de infração persistiu. Não tinham consistência. Com os índices de popularidade do presidente subindo a 80%, entendo uma série de coisas. Naquela altura, eu só não entendi a atitude do Dilson. Ele era meu amigo, pessoa que, faço questão de dizer, era da maior correção, que morreu e eu tenho a satisfação e o orgulho de dizer que foi meu amigo, embora nós estivéssemos um tanto quanto afastados. Mas achei que o Dilson falhou. Ele me conhecia, tinha trabalhado conosco no pior ano da sua vida, no ano em que fez quimioterapia pesada, em que usou peruca. Trabalhou junto conosco no plano econômico que estávamos preparando a pedido do doutor Tancredo. O Dilson sabia quem nós éramos, como nós sabíamos quem ele era — uma pessoa honesta.


PLAYBOY — Ele não se manifestou?


ABÍLIO DINIZ — Sim, mas de uma forma muito fraca. Com seu carisma, bastava dizer: "Pera aí, gente, deve haver um equívoco". Não tenho mágoa, até entendo que ele enfrentou pressões enormes. Ele depois foi tão bem fritado pelo presidente Sarney, que tem um conceito descartável das pessoas, como seringas de injeção. Mas Dilson podia ter cortado essa onda com uma pequena palavra.


PLAYBOY — Esse episódio afetou o desempenho do grupo?


ABÍLIO DINIZ — Não, porque o povo logo percebe os exageros e acaba vendo como as coisas se passam. Como esse momento coincidiu com a agudização de um processo de luta pelo poder aqui dentro, me afastei da imprensa. Fiquei low-profile até que o Dilson foi fritado pelo Sarney daquela forma típica e mais desumana possível e o Luiz Carlos [Luiz Carlos Bresser Pereira, braço direito e melhor antigo de Abílio Diniz] assumiu o Ministério.


PLAYBOY — O fato de um dirigente do Pão de Açúcar tornar-se ministro da Fazenda não gera a idéia de que ele vai, de algum modo, privilegiar o grupo a que pertence?


ABÍLIO DINIZ — Quando o Luiz Carlos foi para o Ministério da Fazenda, ele estava licenciado do Pão de Açúcar há cinco anos. Era apenas um amigo nosso que, de vez em quando, vinha aqui. Ele se licenciou para participar do governo Franco Monturo.


PLAYBOY — No Plano Verão, o senhor voltou a ser acusado de crime contra a economia popular...


ABÍLIO DINIZ — No Plano Verão novamente aparecia a ponta do iceberg, mas não se conseguiu uma ilusão de ótica perante a população, como no Plano Cruzado. O governo tentou ganhar novamente popularidade com o Plano Verão, dando sinais claros de que não faria nenhuma mudança real e com um agravante: uma Constituição que dividia poderes do Executivo com o Congresso. O mesmo filme, diretor, e script, só com atores diferentes.


PLAYBOY — É com o mesmo vilão...


ABÍLIO DINIZ — Foram tentar buscar o mesmo vilão, uns quinze dias depois do Plano Verão. No dia anterior, estive numa reunião com o ministro Mailson da Nóbrega e os presidentes das associações de supermercados. Ali abordamos fartamente o assunto "óleo". Todos declararam seus estoques, foi melo falado abertamente. Eu disse, inclusive, que, se não houvesse uma corrida, nós poderíamos garantir um mês de abastecimento, com o nosso estoque. Não sei se as paredes têm ouvidos e se foi por causa disso que no dia seguinte vieram dois elementos da Polícia Federal de Brasília direto ao nosso depósito de AIphaville, em São Paulo, em busca do estoque de óleo de soja. Dessa vez, porém, vazou tudo. O negócio foi contado por gente de imprensa, de televisão, pelas várias pessoas envolvidas... Ficou claro como é que tudo foi orquestrado no Palácio do Planalto. O senhor Ronaldo Costa Couto, altamente entendido em óleo, o senhor Oscar Dias Corrêa, espumando porque queria ver os sonegadores e os atravessadores atrás das grades... Tudo dirigido contra a minha pessoa, numa atitude destinada a recuperar a popularidade perdida. Tudo para criar uma figura nova no quadro sucessório — a figura do senhor Oscar Dias Corrêa, já mordido pela mosca azul.


PLAYBOY — A imprensa deu muito destaque?


ABÍLIO DINIZ — Estimulada pelo Palácio do Planalto, a imprensa fez um verdadeiro carnaval em torno do meu nome. O meu depoimento na Polícia Federal, no dia seguinte, teria sido cômico se não fosse dramático. Hoje podemos achar interessante, mas na ocasião foi desagradável. Recebeu uma cobertura como se fosse um acontecimento da maior relevância. Entendo o papel dos veículos de comunicação.


PLAYBOY — Essa não é uma declaração diplomática apenas?


ABÍLIO DINIZ — De jeito nenhum. Entendo e quando digo que entendo é porque eu custei a entender. E isso me incomodou. Eu dizia: "Poxa, todo mundo é contra mim? Eu não tenho amigo nenhum?" É por isso que eu digo que entendo. Vocês da imprensa sabem que, quando todo mundo começa a noticiar uma coisa, não há como ficar para trás. Os mancheteiros baixaram o pau. De qualquer modo tive vários editoriais a meu favor. E uma reação do empresarial que considero inusitada. As declarações de líderes empresariais e associações de classe que foram feitas e a contundência com que atacaram o governo e, em especial, o presidente Sarney me deram ainda mais a sensação de que não podia ficar quieto. E não fiquei. O que me interessava era a minha imagem, não junto ao governo, mas junto ao país e a imagem que eu ia deixar para os meus filhos. Por isso, nós partimos para uma atitude ousada. Gravei um teipe de um minuto e mandei para todas as redes do país com duas inserções no horário nobre. Ali com a minha cara, com o meu jeito, disse o que tinha acontecido. A idéia foi uma novidade em termos de Brasil. Nos Estados Unidos, há casos, e nós nos inspiramos nuns acontecido com o Iacocca. A repercussão foi espantosa! No fim de semana, viajei para o Guarujá e fui correr. A quantidade de gente que acenava para mim ou parava para me cumprimentar foi enorme. Vários profissionais de imprensa me apoiaram. Estive no programa do Boris Casoy, que foi meu colega de Mackenzie, e dei uma longa entrevista. Fui ao programa do Alexandre Machado, na TV Gazeta, de São Paulo. Era ao vivo e aceitava perguntas dos telespectadores. No meio da conversa, percebi um pilha de fichas de telespectadores na bancada. Sabe o que elas continham? Apenas uma pergunta: por que eu não me candidatava à Presidência da República?


PLAYBOY — Por que, o senhor não se candidata?


ABÍLIO DINIZ — Já foi o tempo em que eu achava que os presidentes eram homens predestinados. Não estava nos meus planos, nunca tinha passado pela minha cabeça e não iria aproveitar um fato para embarcar num caminho que eu não tinha traçado!


PLAYBOY — Esse "estava" tem algum sentido de futuro?


ABÍLIO DINIZ — Não, não. É porque foi há alguns meses. Só isso.


PLAYBOY — Mas, em algum momento da sua vida, essa idéia passou pela sua cabeça? O senhor não pensou nem em ser ministro?


ABÍLIO DINIZ — Nunca quis um cargo que me prendesse full-time a Brasília. Se ainda fosse a única pessoa capaz, vá lá. Mas sei que isso é bobagem. Como eu, existe uma quantidade imensa de gente com as mesmas características para ocupar um cargo público — com vontade também de ocupar esses cargos. E para quem outras coisas não são tão importantes. Coloquei isso muito claramente para o doutor Tancredo, que é o homem público que conheci e por quem eu tenho a maior admiração. Disse a ele que só aceitava voltar ao Conselho Monetário Nacional. Depois disso, na substituição do Roberto Gusmão como ministro da Indústria e Comércio, o Dilson me convenceu que eu tinha de fazer parte da equipe. Aquilo complicou a minha cabeça, mas eu acabei fazendo a minha cabeça para aceitar. Mas. como tudo em política não corre como a gente planeja, quando fiz a minha cabeça, os homens fizeram a deles de maneira diferente. Aquilo que o Sarney já tinha decidido, o doutor Ulysses já tinha decidido, voltou atrás. E eu fui comunicado que ia o José Hugo Castelo Branco para a Indústria e Comércio. Confesso que no primeiro impacto senti uma certa frustração, que não chegou a durar mais do que horas. E foi substituída por uma sensação de alívio.


PLAYBOY — Então num governo futuro, nem pensar?


ABÍLIO DINIZ — Não consta dos meus planos e, na medida do possível, você deve planejar sua vida. Às vezes, não dá. Colaborar e participar, sim. Porque acho que a omissão não é permitida. Eu sou uma pessoa extremamente preocupada com o meu país. Sou o último dos desatentos e o último dos omissos. Não admito que ninguém diga que é mais preocupado com o social e com o meu país — pode ser tanto, não mais.


PLAYBOY — No campo dos supermercados a concorrência joga pesado ou há acordos de cavalheiros?


ABÍLIO DINIZ — Não conheço no mundo nenhum lugar onde a concorrência se organize, nesse campo, em cartéis de preços. E cada um procura chegar na frente do outro em matéria de tecnologia. É uma guerra permanente.


PLAYBOY — O que deve acontecer com esse setor nos próximos anos?


ABÍLIO DINIZ — O setor de distribuição de alimentos e não alimentos é muito dinâmico. Acho que os hipermercados continuarão a existir e os supermercados irão se transformando nas chamadas lojas de conveniência, localizadas mais junto de onde vivem as pessoas. Lojas menores, só que extremamente atraentes, dando uma importância muito grande a perecíveis e oferecendo serviços complementares como foto rápida, locação de vídeo etc. Haverá lugar ainda para as discount-stores — no nosso caso, os Minibox, que trabalham com a cesta básica, a preços extremamente reduzidos, sem dar nenhum conforto adicional ao cliente, que permite penetrar na periferia das grandes cidades. A grande motivação de fazer os Minibox aqui em São Paulo e os Minipreço em Lisboa foi a perversidade do sistema de distribuição, onde o rico sempre pagava muito mais barato.


PLAYBOY — Nessa campanha política, candidatos de vários partidos prometiam acaba com a intermediação, dizendo que o produtor ganha pouco, o consumidor paga muito e o intermediário fica milionário. Dá para acusar com essa imagem?


ABÍLIO DINIZ — Através dos tempos, o setor terciário da economia sempre foi considerado não nobre. Esse conceito do economês acabou passando para o povo. É um conceito arcaico. Hoje se sabe que a distribuição da produção é fundamental para a eficiência da economia. Nossa imagem é agravada em épocas de inflação alta, porque é na hora do consumo final que as pessoas constatam a perda de poder aquisitivo. E transferem a quem está no local de compra ou atrás do local de compra a sua insatisfação, o seu aborrecimento pela desvalorização do seu dinheiro.


"Nossa imagem é agravada em épocas de inflação alta. Na hora do consumo é que as pessoas constatam a perda do poder aquisitivo"

PLAYBOY — O Pão de Açúcar deve ter identificado pontos que os consumidores gostariam de melhorar no atendimento dos supermercados. Quais são eles?


ABÍLIO DINIZ — Há uma sofisticação gradual dos hábitos de consumo, que deve aumentar à medida que uma redistribuição de renda coloque mais gente no mercado consumidor. As pessoas querem produtos mais sofisticados, mais preparados para o consumo, e querem realizar seu ato de compra em locais agraciáveis. Fazer supermercado é uma espécie de lazer para muita gente. As pessoas gostam de fazer compras, mas querem cada vez mais eficiência e rapidez. Às vezes, um consumidor passa um longo tempo dentro de um supermercado sem pressa nenhuma. No momento em que vai para a fila do check out, porém, não quer encontrar ninguém — espeta ser atendido o mais rapidamente possível, pagar e ir embora, porque ele encerrou o seu momento de compra.


PLAYBOY — Mas essa operação no Brasil é realmente demorada e atrasada, não?


ABÍLIO DINIZ — É atrasada fundamentalmente por causa da lei de informática, que estabelece uma absurda reserva de mercado para as empresas nacionais. Por isso, ainda não temos aqui as máquinas de leitura ótica e o código de barras. Este ano, no Segundo semestre, eu pretendo inaugurar em São Paulo, na Avenida Francisco Moram, a melhor loja de venda de alimentos do Brasil, com código de barras e leitura ótica. Já pedimos a duas empresas nacionais de informática que desenvolvam equipamentos para leitura ótica e mesmo que a indústria ainda não esteja marcando seus produtos com o código de barras nós vamos marcá-los. Isso permitirá ao consumidor saber o que comprou e quanto pagou exatamente e vai aperfeiçoar o controle de estoque.


PLAYBOY — Ainda existe o conceito de que a feira livre tem produtos mais baratos e mais frescos?


ABÍLIO DINIZ — Esse conceito já foi mais forte, no tempo em que predominava a idéia de que ao marido cabia arranjar os dinheiro e à mulher, usa-lo da melhor forma possível. O que significava enfrentar o sacrifício de ir à feira, enfrentar as intempéries, os calor, as apalpadelas — nas frutas e fora delas — para fazer render ao máximo o dinheiro do marido.


PLAYBOY — Foi nessa época que vocês abriram os negócio?


ABÍLIO DINIZ — Foi. Meu pai construiu um prédio próprio para a doceira da família na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo. O andar de cima era um buffet e, embaixo, a idéia era fazer um cinema. Isso foi em 1959. Mas ele se decidiu por um supermercado, como os que já existiam do Sirva-se e do Pão de Açúcar. Eu comprei a idéia. Tinha 21 anos e ele, 44. Fui uma espécie de faz-tudo nessa primeira loja, de 500 metros quadrados e 35 funcionários. Viajei para os Estados Unidos para estudar Economia e voltei convencido de que aquele era o futuro em termos de distribuição de alimentos. Mas a segunda loja só saiu em 1963. Fizemos o Pão de Açúcar juntos. Eu, o jovens atirado, ousado; ele, o bom senso, a serenidade. E, como me confundi com a geração dos fundadores, meus irmãos passaram a lutar pelo seu espaço como herdeiros, com a idéia de que eu deveria me ater à condição de herdeiro também.


PLAYBOY — Foram eles que propuseram a divisão do grupo em três partes, uma para cada irmão homem e a agregação das três irmãs a cada um de vocês, não é verdade?


ABÍLIO DINIZ — Sim, só que isso foi mais adiante. No começo, a contestação era discreta e eu abri espaço para que eles atuassem no grupo. Foi por volta de 1977. A situação gerou a quebra da hierarquia, que é fundamental numa empresa. Foram dez anos de falta de comando, de perda de eficiência, de garra, de competitividade. Até que meu irmão Alcides saiu, vendeu sua parte, e o outro irmão, Arnaldo, deixou de ser executivo do grupo. Ficamos meu pai e eu como executivos. Sempre me rebelei contra a idéia da divisão, porque tenho uma ligação com o Pão de Açúcar que é um pouco mais do que uma identificação entre um ser humano e uma empresa. O Pão de Açúcar, para mim, tem vida, tem alma, tem coração. Achava que o caminho era a profissionalização e o retorno a um comando unificado. Foi um processo longo e doloroso, mas necessário.


PLAYBOY — Qual foi a posição de seus pais?


ABÍLIO DINIZ — Eles resistiram muito idéia da saída de alguns irmãos e ainda relembram, nostalgicamente, o tempo em que todos trabalhávamos juntos no negócio que eles fundaram. Mas essa é a vida... As coisas são assim, acho que se optou pelo melhor caminho. É um erro confundir família com empresa. Família é família, empresa é empresa. Foi um erro que nós conseguimos superar, equacionar. Meus irmãos estão bem, têm os seus negócios, e o grupo está reestruturado, tem outra cara, outro entusiasmo.


PLAYBOY — Nesse processo houve a participação de consultores externos?


ABÍLIO DINIZ — Vários escreveram coisas, mas nada adiantou. Você precisa ter um princípio claro: empresa é empresa, família é família. Acho que a experiência que nós vivemos foi tão sofrida, mas tão rica, que merece ser passada para outros. E vou escrever uns livro contando o que se passou dentro do Pão de Açúcar. Para que outras empresas evitem esses conflitos antes de eles aparecerem.


PLAYBOY — Seu irmão Alcides fez um bom negócio vendendo sua parte no grupo?


ABÍLIO DINIZ — Nesse caso não há bom ou mau negócio. Ele vendeu, e vendeu muito bem, tem um belíssimo patrimônio e administra esse património. Agora, sobre ele eu não tenho nada a dizer.


PLAYBOY — E o grupo fez um bom negócio?


ABÍLIO DINIZ — A empresa Pão de Açúcar fez. Tudo aquilo que ela conseguiu com a pacificação do grupo é um bom negócio. A empresa está voltada só para o trabalho, e ninguém mais se preocupa sobre para quem deve contar ou não contar cercas coisas. Agora ela precisa reconquistar a eficiência, a produtividade e a competitividade.


PLAYBOY — O senhor já declarou que pretende enfrentar e vencer seu maior concorrente, o Carrefour, com as armas do capitalismo...


ABÍLIO DINIZ — Eu disse isso porque o Carrefour andou nos provocando, principalmente em relação a um terreno da Fundação Cásper Libero. Não quero entrar em detalhes, mas eles ganharam a concorrência de uma forma, no mínimo, estranha. E o próprio pessoal do Carrefour andou falando para os jornais que é melhor que o nosso pessoal. A minha afirmação não é de vingança. É que eu não acredito nisso. Faço muito mais fé na minha pontaria. Eu sou mais eu. E em alguns pontos, como na Avenida Francisco Moram, em São Paulo, nós vamos trombar. Ali, com toda a certeza, com um compromisso assumido da minha parte, vamos fazer a melhor, não a maior, loja de alimentação desse país. Se quiser do país, do mundo, do planeta, do que você quiser. Nós vamos fazer!


PLAYBOY — Essa competitividade é uma característica sua, inclusive no campo do esporte, não?


ABÍLIO DINIZ — Se a vida não tiver competitividade, não tem graça. Ela fica chocha, chata. A vida para mim sempre foi uma competição. Nunca me deram nada de presente. O que eu tenho eu consegui com o meu esforço e, muitas vezes, com o meu sacrifício. Não gosto de ser segundo, embora às vezes a gente seja obrigado a ser terceiro, quarto, último. Mas não gosto e não é por vaidade. É que sempre levei a vida assim. E evidentemente o Pão de Açúcar sempre foi um motivo de orgulho para mim. Não por ser o maior, mas por ser uma empresa eficiente, uma empresa de ponta, uma empresa correta. E, num determinado momento, isso ficou um pouco abalado. Não a seriedade, mas a eficiência do grupo.


PLAYBOY — Com que idade o senhor foi corredor de automóvel?


ABÍLIO DINIZ — A primeira vez em 1950... em 50... em 56. Aos 19 anos. Aí tive um capotamento e machuquei o braço. Corria num Volkswagen envenenado e na primeira subida de montanha do Brasil, no Caminho do Mar, a serra velha de Santos, capotei. Acho que houve excesso de arrojo e falta de técnica. Em 1965, voltei a correr em motonáutica. Era fanático por esqui e, um dia, entrei com meu barquinho na categoria passeio e acabei ganhando. Peguei gosto, fiz um barco de competição que dava 110 milhas naquele tempo — uma velocidade bem razoável — e fui tri-campeão brasileiro de motonáutica, em 1968, 1969 e 1970. Uma época fantástica, fenomenal da motonáutica. Estava correndo com lancha e voltei timidamente a pilotar automóvel. Fiz um curso de pilotagem, participei de umas provinhas simples e fui correr com os italianos da Jolly-Gancia. Em 1970, ganhei as Mil Milhas de Interlagos contra Ferraris, Ponches 908... Foi uma corrida fantástica. Acabamos muito favorecidos porque chovia torrencialmente e as máquinas mais possantes não paravam na pista. Ganhamos as Mil Milhas, eu e o Alcides; depois as 12 Horas; fiquei em segundo nas 6 Horas; em terceiro em Tarumã, no Paraná... Sempre me dei melhor em provas longas, tinha uma constância muito grande. Em 1971, fui vice-campeão brasileiro, mas daí tornou-se incompatível com o que estava fazendo empresarialmente... Não dá para ser profissional de duas coisas. Mas foi o esporte mais excitante que já encontrei. Tanto que parei de correr no dia 7 de setembro de 1971 e nunca mais entrei num automóvel de corrida! Nunca mais. Se entrar, não sei, complica. Aquele cheiro...


PLAYBOY — Não é um esporte de maluco, sair correndo num carro a duzentos, trezentos quilômetros por hora, arriscando o pescoço?


ABÍLIO DINIZ — Não considero. É um esporte de muita técnica, de muita habilidade. Quem pensa que é só agarrar aquela roda que você tem na frente, chamada direção, com as duas mãos e com muita força se engana totalmente. É preciso tratar o carro com muita sensibilidade, com muito carinho...


PLAYBOY — Existe então uma relação entre isso e, digamos assim, o tratamento do sexo oposto?


ABÍLIO DINIZ — talvez... todas as emoções fortes acabam se confundindo um pouco. O automobilismo é uma emoção forte. A relação com o sexo oposto também. Acho um esporte bonito. É evidente que tem um certo perigo. Xadrez, pingue-pongue e bridge têm muito menos. O golfe também, embora sejam esportes e eu não os menospreze. Mas acho que a vida é assim mesmo. Em outros lugares acontecem acidentes mais sérios.


"O automobilismo foi o esporte mais excitante que já encontrei. É uma emoção forte, como a relação com o sexo oposto"

PLAYBOY — O senhor dirige normalmente o seu curro?


ABÍLIO DINIZ — Para ir e voltar do escritório eu vou sempre com o meu carro. Durante o dia, para facilitar as coisas, eu ando sempre com motorista.


PLAYBOY — E o senhor dirige rápido?


ABÍLIO DINIZ — Não, não. Hoje é muito difícil se dirigir rápido, mesmo na estrada. Elas estão muito congestionadas... Aliás, esse foi um dos pontos que me levaram a incentivar meu filho caçula, o Pedro Paulo, a entrar para o automobilismo. Porque ele se arriscava muito mais correndo pelas marginais do que num autódromo.


PLAYBOY — Depois do automobilismo, qual o seu esporte preferido?


ABÍLIO DINIZ — O pólo a cavalo. Não sabia nem montar, nem jogar pólo. Aprendi tudo junto. Evidentemente que com uma certa dose de obstinação e de sacrifício pessoal... Levantar às 5 da manhã e ir às 5h30 para a Hípica para treinar... Em 1979 acabei sendo campeão brasileiro de pólo a cavalo! E no dia 1.º de março de 1982 sentei pela última vez numa sela.


PLAYBOY — Depois nunca mais?


ABÍLIO DINIZ — Nem montar. Eu vou para a fazenda e ando de moto.


PLAYBOY — E o tênis?


ABÍLIO DINIZ — Comecei em 1976, joguei até 1986 e parei também. Alguns esportes, aprendi no” Mobral" e o ideal é começar cedo. Aprendi já velho a montar a cavalo e jogai pólo, a jogai tênis, aprendi a nadar em competição. Enquanto fazia esses esportes, já corria regularmente todos os dias para manter o preparo físico. Recentemente, descobri, junto com os meus filhos, o triatlo, que é a conjugação da natação, do ciclismo e da corrida. E é o que estou fazendo atualmente. Não estou competindo fanaticamente, embora o tenha feito outro dia e ganhado, mas estou treinando as três modalidades.


PLAYBOY — Bicicleta também?


ABÍLIO DINIZ — Também, apesar de ter tido um acidente em setembro de 1988, quando quebrei a clavícula, a costela, uma série de coisas, o que me obrigou a parar durante 44 dias. Mas continuo a treinar as três modalidades e tudo isso me faz sentir bem. Acho que o esporte sempre fez parte da minha vida. Na minha infância eu era gordinho e baixinho. Era medido não como pessoa, tuas como terreno: tinha tanto de frente por tanto de largura.


PLAYBOY— Não dá para imaginar...


ABÍLIO DINIZ — É, mas até os 12 anos, eu era realmente um pudinzinho. De repente, dei uma espichada e isso fez com que eu me voltasse para esportes até mais violentos. Fiz caratê, judô, levantamento de peso — fui vice-campeão paulista universitário de levantamento de peso. Acho que foi a única medalha que a GV [Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo] ganhou durante o tempo em que estive lá. Mas é um esporte que não recomendo. Acho saudável o esporte aeróbico. E tem ainda um esporte que eu pratiquei durante um período de trinta anos, que foi o futebol.


PLAYBOY — Em que posição?


ABÍLIO DINIZ — Eu jogava no gol. As minhas mãos mostram isso [Estica os dedos tortos]. Fiz um campo de futebol na casa que construí em Cidade Jardim. Jogavam cinco contra cinco e lá iam vários profissionais. O Leão ia sempre, o Édson [Cegonha], que foi do São Paulo, do Palmeiras, do Corinthians, o Edu [Bala], que foi do Palmeiras...


PLAYBOY — Hoje é o triatlo?


ABÍLIO DINIZ — Procuro levar uma vida o mais saudável possível. Nado todos os dias, aboli completamente o almoço de negócio, só vou ao mínimo necessário. Então, na hora do almoço, nado 2.000 metros e à noite vou correr e vario entre 6 e 8 quilômetros. Retomei ao ciclismo agora — prático mais no fim de semana e, às vezes, no meio de semana na Cidade Universitária. Com esse programa, realmente-consigo-me-sentir-sempre-bem.


PLAYBOY — E mantém o peso! O senhor come o quê no almoço?


ABÍLIO DINIZ — Um sanduíche de pão francês e queijo branco e um copo de leite. De manhã só fruta e à noite é livre. Consegui o requinte — porque acho que isso é um requinte— de fumar dois cigarros por dia. Até 1975 fumava. Foi quando comecei a correr e fazer esportes aeróbicos mais a sério. E aí parei de fumar. Há pouco tempo, experimentei um cigarro e descobri que gostava dele ainda. Então comecei a pensar se não havia uma maneira de fumar sem me prejudicar. Tentei selecionar o que seriam os dois melhores cigarros do dia. Um deles é antes do jantar, que é livre. tomando um aperitivo, que é relaxante. Nessa horam fumo um cigarro. E o outro é depois do jantar... ou à noite, dependendo da noite... [Risos]. E são dois cigarros fantásticos. Estatisticamente eu sou não fumante, não acho que isso traga nenhum prejuízo à saúde e me traz um bem-estar muito grande.


PLAYBOY — Qual será o seu próximo esporte?


ABÍLIO DINIZ — Costumo brincar com os meus amigos dizendo que, quando ficar velho, vou jogar golfe. [Risos.] E são amigos até mais novos que eu. Mas não sei, a gente sabe tudo sobre o passado e nada sobre o futuro. Meu pai está com 76 e até hoje monta a cavalo e anda muito, todos os dias. Papai tem uma disposição e uma vitalidade incríveis. O esporte é uma saída contra a violência e, em certos casos, o importante mesmo é competir. A chegada numa prova difícil, desgastaste, como a maratona, ou o triatlo, que é igualmente puxada, é muito mais importante do que você querer saber qual sua colocação ou o seu tempo.


PLAYBOY — Quer dizer que, nesse caso, sua competitividade se satisfaz com completar o percurso?


ABÍLIO DINIZ — Porque são provas de desafio consigo mesmo, no caso. Muita gente ouve falar de triatlo e não salte direito o que é. Mas você nem imagina quantos profissionais do esporte não conseguiram completar. Ele começou no Havaí, com o Iron Man, uma prova bolada para que nenhum homem conseguisse fazer: 4.000 metros de natação, 190 de bicicleta e depois, para refrescar, uma maratona em cima.


PLAYBOY— Desculpe. 190 o que?


ABÍLIO DINIZ — Cento e noventa quilómetros de bicicleta... Fizeram isso e conta a história que esse foi o início do triatlo.


PLAYBOY — E esse que o senhor correu foi de que tipo?


ABÍLIO DINIZ — Foi um short. Mil metros de natação, 25 quilómetros de bicicleta e cinco de corrida. E você marca também o tempo da transição. A pior é a da bicicleta para a corrida. Quando você larga a bicicleta, os músculos da coxa estão muito rígidos e deveriam estar soltos, distendidos. Então os primeiros passos, os primeiros metros da corrida são difíceis.


PLAYBOY — Qual é o seu norte?


ABÍLIO DINIZ — Nessa vida, deve-se ter uma preocupação constante com a busca da felicidade. Esse meu pensamento pode dar a idéia de que eu seja uma pessoa que não acredita em nada além dessa vida. Acho que precisa ficar claro que, de uma forma ou de outra, acredito na existência de algum poder para além daquilo que nós vivemos. Creio em Deus conto uma forma de força que está dentro de cada um de nós e procuro seguir nessa vida aquilo que uma crença como essa me dará como diretriz. Dentro dessa crença. acredito que se deve obedecer alguns princípios até para depois prestar conta deles. E aí. nesse ponto, não sou nada modesto — tenho um bom conceito a meu respeito. Acho até que mereço um bom lugarzinho no céu. Sei que sou excessivamente rígido no julgamento dos outros. Mas é porque felizmente, ou provavelmente infelizmente, o conceito de certo e errado é para mim o de uma linha reta. Não é fácil você viver sua vida e ignorar completamente o que está em volta. Quando se assume uma certa exposição, tem que se saber pelo menos compreender e aceitar que os outros têm o direito de pensar de você o que quiserem.


"Acredito que se deve obedecer a alguns princípios. E aí, nesse ponto, acho até que mereço um bom lugarzinho no céu"

PLAYBOY — Compreender isso foi um aprendizado muito duro para o senhor?


ABÍLIO DINIZ — Foi. Duro e às vezes ainda me revolto muito contra isso. Já disse em certos momentos da minha vida que qualquer pessoa que quisesse falar alguma coisa de mim deveria fazê-lo de frente, na minha cara, pessoalmente. [Longa e emocionada pausa.] O... Sei lá, aí vem um emaranhado de coisas na minha cabeça e prefiro que você continue perguntando... É realmente um problema você ter um grau de exposição, porque, eu noto, todas as pessoas têm uma opinião formada sobre o Abílio Dali. E essa opinião é formada não na base do conhecimento, mas na base do ouvir dizer, da impressão que se tem, do que a imprensa possa publicar, do que a cabeça das pessoas possa imaginar. E isso incomoda. Um exemplo: eu gosto de fazer compras, de entrar em lojas, até porque eu tenho lojas. Gosto de comprar camiseta, tênis, material esportivo. E não vou a uma loja no Brasil! Por quê? Porque basta entrar e sou reconhecido. As pessoas são amáveis, são solícitas, mas tolhem a minha liberdade. Quando estou viajando, entro onde quero, se me dá vontade de comprar um tênis, uma camiseta, eu compro, sei que ninguém está prestando atenção se estou tendo bom gosto ou se estou comprando o que é mais barato ou mais caro. Esse anonimato é gostoso... viver sua vida sem ter mil olhos em cima de você...


PLAYBOY — Essa falta de anonimato faz com que o senhor circule mais na área onde sua presença não chama mais a atenção. No bairro dos Jardins, por exemplo?


ABÍLIO DINIZ — Não necessariamente nos Jardins, mas faz com que eu circule mais onde as pessoas já estão até um pouco cansadas de saberem quem sou. Ali consigo uma identificação, já sabem que sou exatamente igual a qualquer pessoa. E me considero, assim — independente do grau de instrução, do nível de inteligência desenvolvida, ou do status social. Um dos meus refúgios é o clube Pinheiros, onde faço meus esportes, corro, nado e me sinto igual aos outros. Absolutamente igual. Outro é o Guarujá. Ali me sinto feliz, porque o máximo que as pessoas fazem é acenar, é cumprimentar quando corro pela praia.


PLAYBOY— O senhor não almoça. Sai daqui à noite e vai correr, tem esse problema de exposição pública. Quando é que o senhor se diverte?


ABÍLIO DINIZ — Tenho os meus momentos e não abro mão deles. As noites são minhas. Os fins de semana são meus e faço com eles o que quiser.


PLAYBOY — Que tipo de coisa?


ABÍLIO DINIZ — Todos os meus programas de lazer incluem uma certa cota de esporte. Desfruto muito do convívio com os meus filhos. Acho que minha relação com eles não é perfeita — até porque detesto a perfeição, ela é muito chata — mas é um convívio muito bom. Porque você só é pai até uma determinada altura. Depois, se quiser continuar um relacionamento bom, tem que parar com esse papel e assumir o de amigo. Há muito deixei de exercer rigidamente a idéia de pai dos meus filhos. A minha convivência com eles é de amigo e companheiro. Muitas das coisas que faço são com eles, com amigos deles, o que traz para mim uma satisfação grande... É uma roda jovem e mais descontraída do que as das pessoas mais carregadas de responsabilidade. Fora isso tenho aquilo que as pessoas precisam de complementação minha vida. Tenho uma namorada, janto fora, viajo no fim de semana, gosto do sol, gosto dos extremos em matéria de temperatura — do verão fortíssimo e do sol, principalmente na hora que nasce e que se põe, como também do inverno rigoroso, desde que você esteja preparado. Gosto de esquiar na neve, não apenas pelo prazer que o esporte propicia, mas pela natureza que traz.


PLAYBOY — A sua namorada é antiga, pública e conhecida?


ABÍLIO DINIZ — Claro que sim. É antiga... quer dizer, depois que eu me separei. Ela também tinha se separado há algum tempo e é a pessoa que tem sido minha companheira nesses últimos anos.


PLAYBOY — Quem é?


ABÍLIO DINIZ — Uma moça que se chama Rosana.


PLAYBOY — O senhor foi casado durante 26 anos e está separado há quase quatro. Foi muito difícil a adaptação?


ABÍLIO DINIZ — Foi. Depois de viver toda uma vida com uma pessoa que você admira e respeita é difícil separar, ainda que a separação seja uma busca de melhor qualidade de vida. O começo foi difícil, porém acho que a vida é assim. O importante é não passar o resto da vida se perguntando se fez bem ou mal de não tentar um outro caminho que lhe possibilitasse, talvez, mais felicidade. O melhor é partir para ele e descobrir na prática...


PLAYBOY — O senhor tem netos?


ABÍLIO DINIZ — Duas: Bruna e Bianca, que eu costumo chamar de filhas da minha filha mais velha...


PLAYBOY — A palavra "netos" o incomoda?


ABÍLIO DINIZ — Não, é só uma brincadeirinha.


PLAYBOY — Essa onda de seqüestros mudou seus hábitos? [Esta sessão da entrevista foi gravada poucos dias antes de seu seqüestro]


135 horas de tensão

"CONVIVEMOS JUNTOS E LUTAMOS PELA VIDA A CADA MINUTO"

"ENTRE A TORTURA E A MORTE, ELES PREFERIAM A SEGUNDA"


ABÍLIO DINIZ — Não, não mudou nada. Ou quase nada. Ou, pelo menos, nada que me incomode. Não ando com segurança, ando sozinho. Durante o dia, ando com motorista, até porque é mais cômodo. Nos meus carros, o motorista tem, do lado da perna direita, um revólver pronto para sair com extrema rapidez. No lado em que sento no carro, a mesma coisa. No meu carro, que eu dirijo, também tenho um revólver colocado exatamente ao lado da minha perna... Foram as únicas coisas que passaram a fazer parte da minha rotina. É uma situação até estranha, porque você vai a um restaurante, entrega o carro ao manobrista e ele vê a arma num lugar muito acessível. Tive que aprender a atirar, vou seguidamente ao estande de tiro da polícia, desenferrujar os dedos. Acho que atiro razoavelmente bem, coisa que também aprendi no "Mobral", em virtude disso. Embora eu tenha sido, até há não muito tempo, pavio curto e um tanto briguento, nunca usei arma. Sempre achei que a melhor com que podia contar eram minhas mãos, meus braços, minhas pernas. Levado pelo bom senso e aconselhado pelo pessoal de segurança, tive que aprender a usar um revólver e acho que tenho uma certa capacidade de tentar a defesa. Se isso é seguro para você não ser seqüestrado, ou coisa que o valha, não tenho a menor idéia. Sei apenas que é aquilo que posso fazer. Não estou disposto a modificara minha vida... o que vale a vida se você não tiver mais sua liberdade, se não puder fazer mais as coisas que você gosta?


PLAYBOY — O medo do seqüestro existe na sua cabeça?


ABÍLIO DINIZ — Felizmente, não. Mas também não existe uma desatenção inconseqüente. O meu pessoal de segurança, quer dizer, o pessoal da companhia, vive sempre me orientando, dizendo que não devo ter rotinas fixas, hábitos fixos, para dificultar as coisas... É difícil você fazer isso. Na medida em que posso, faço. Eles me pedem para não usar sempre a mesma rua. Na medida em que lembro, faço. Agora, quando se é um cara chamado meio pavio curto, para andar quase com um arsenal dentro do carro, é preciso fazer sua cabeça primeiro, inclusive em seu próprio benefício. Não estou disposto a, de repente, tomar um tiro de um marginal de 15 anos, parado no trânsito, porque ele quer meu relógio descartável de 30 dólares. Não é prepotência, nem excesso de confiança, nem convencimento... De um jeito ou de outro, eu acabo me virando. Mas, com os meus filhos, não estou disposto a correr esse risco! Então eles têm segurança, uma vigilância sobre eles. É o mínimo que podemos fazer. Somos muito visados. É diferente de pessoas até com maior riqueza do que nós, cujos bens estejam numa fábrica situada num local longínquo. Somos muito visíveis, por causa das nossas lojas. Por esse motivo, a gente tem uma preocupação um pouco maior. Em hipótese alguma é uma preocupação obsessiva. Nós continuamos vivendo a nossa vida como se vivêssemos no melhor dos mundos. Agora, não de uma maneira inconseqüente. Não temos o direito de fechar os olhos para a realidade. Queria soltar isso aí porque é importante que as pessoas saibam... porque tudo é preventivo. Embora meus filhos andem com um carro de segurança colado no carro deles, o importante é que as pessoas saibam disso, porque isso circula pelos marginais, circula pela cidade. Não é seguro contra nada, está certo, mas, pelo menos, é bom deixar claro que ali tem uma complicaçãozinha.


"Não estou disposto a correr riscos com meus filhos. Um carro de segurança anda sempre colado ao deles"

PLAYBOY — Voltando aos objetos, o que o motiva? Carros?


ABÍLIO DINIZ — Tenho uma Mercedes... Não é o que gostaria. Se morasse na Europa ou nos Estados Unidos, onde a importação é livre, teria provavelmente um Porsche, como já tive. Eu gosto, gosto do prazer de guiar. Mas no Brasil não temos essa possibilidade — o que acho um erro. Bens de altíssimo luxo deviam ser passíveis de se importar, desde que violentamente taxados. Mas não é nenhuma obsessão. Gostaria de ter um carro 1990, mas, como não é assim, tenho um Mercedes 82.


PLAYBOY — O senhor tem um barco também, mas não é um megaiate, certo?


ABÍLIO DINIZ — É um Carbrasmar de série, com 70 pés. Um barco grande, bem equipado, seguro. Adoro o mar. Gosto do mar em si, muitas vezes até quando ele nem está muito calmo. Na realidade, o barco é a única coisa que tenho que pode ser considerada diferente. Nunca permiti que a companhia comprasse seu próprio avião, embora a família, em outros tempos, defendesse essa idéia. Acho muito mais eficiente e razoável ter um bom contrato com uma das companhias de táxi aéreo. Como isso, outras coisas não me seduzem.


PLAYBOY — Roupa, o senhor compra fora?


ABÍLIO DINIZ —Tenho meus uniformes. Só me visto de azul-marinho.


PLAYBOY— Superstição?


ABÍLIO DINIZ — Não, praticidade. Primeiro, você não precisa perder tempo escolhendo o terno de manhã. Nem pensar o que vai fazer durante o dia...


PLAYBOY — Parece o Ford modelo T...


ABÍLIO DINIZ — Exatamente. Serve para tudo. Não precisa ter a agenda do dia na cabeça. Está preparado para ir a Brasília de estalo, para ter uma reunião mais importante, para uma missa de sétimo dia, eventualmente um enterro, está preparado para tudo. Como também é elegante. Gosto da cor azul. Há muitos anos tenho um alfaiate, o Panzica, que vem aqui. tira as medidas e faz meus ternos. Camisa só uso branca, ou listadinha, azul e branca, sempre com botãozinho no bico da gola. É mais prático, não leva barbatana, a passadeira não precisa ser um primor. Tenho uma camiseiro e, como a medida está sempre do mesmo jeito e a cor não varia, encomendo por telefone. Sapato, idem, idem: um cara faz sapatos, sob medida, são confortáveis, dão para o gasto. Não tem muito mistério, são pretos.


PLAYBOY — O mais complicado é a roupa esporte?


ABÍLIO DINIZ — Também é simples. Só não vou de jeans onde sei que vai chocar, onde ficaria parecendo uma pessoa que quer esnobar. O resto do tempo ando de jeans — é confortável, não amarrota, e se estiver amarrotado é melhor ainda. Uso camisa, camiseta. Esse tipo de coisa e o meu material esportivo compro fora.


PLAYBOY — Bebida não é o seu negócio?


ABÍLIO DINIZ — Quando o jantar é mais longo, posso até tomar duas doses de uísque, mas sempre com club soda. Vinho não tomo. Gosto de cerveja, acho fantástica, mas dá um trabalho danado porque ela vem todinha, todinha para a cintura. É um horror! Você queima caloria em tudo quanto é lugar e a cerveja devolve tudo. As pessoas dizem que sou comedido demais, que nunca me viram beber mais que uma dose de uísque. Mas é o seguinte: se eu tomar duas, já começo a ficar meio perturbado, começo a ter sono... Vivo caindo de sono. Apesar de procurar não dormir tarde, acordo cedo, seis e meia, quinze para as sete, depende do que tiver no dia. E sou muito lento para fazer as coisas. Sou lento para fazer a barba, para me vestir. Não é cuidado, é que, desde que levanto, fico pensando coisas e, com isso, faço a barba devagar. Existe até uma piadinha aqui dentro do Pão de Açúcar... Eu costumava chegar nas reuniões com o meu pessoal e dizer: "Hoje de manhã, quando estava fazendo a barba, pensei isso ou aquilo". Muitas vezes eram idéias boas e surgiu a piadinha dizendo que deviam recomendar que o doutor Abílio fizesse a barba três ou quatro vezes por dia. [Risos.]


PLAYBOY — Agora vamos paia uma bateria de perguntas que têm a óbvia limitação das definições curtas, mas que podem compor um painel. Proponho um nome e o senhor me resume a figura, combinado?


ABÍLIO DINIZ — Vamos lá... mas você quer que eu seja original? Porque você vai dizer Sarney e eu vou responder a mesma coisa que já disse há tempos...


PLAYBOY — Certo, vamos lá. José Sarney.


ABÍLIO DINIZ — O Brasil não merecia isso.


PLAYBOY — Delfim Netto.


ABÍLIO DINIZ — Extremamente controvertido. Fez coisas boas para o país e muitas coisas que eu critico.


PLAYBOY — Fernando Collor de Mello.


ABÍLIO DINIZ — Pode vir a ser a pessoa que resgate os valores morais que a sociedade brasileira julgou ter perdido, como pode vir a ser a pessoa que desencadeie o processo de retomada do desenvolvimento com justiça social.


PLAYBOY — Lula.


ABÍLIO DINIZ — Não acredito na sua ideologia, embora seja uma pessoa que considero séria. É uma pessoa bem-intencionada, uma pessoa correta. Não acredito na ideologia e na maneira como pretende solucionar os problemas do país e da população.


PLAYBOY — Paulo Maluf.


ABÍLIO DINIZ — É uma figura do passado. Uma figura que a gente pensa que já foi e descobre depois que é como aqueles bonequinhos chamados joão-teimoso a gente derruba e ele volta de novo.


PLAYBOY — Bresser Pereira.


ABÍLIO DINIZ — O amigo mais íntimo que tenho. Uma pessoa que respeito extraordinariamente. Alguém por quem tenho muito carinho e com quem mais brigo.


PLAYBOY — Zélia Cardoso de Mello.


ABÍLIO DINIZ — Uma moça competente, séria, que conhece economia e que, num mundo de machistas, especificamente num país de machistas, tem dificuldade para se impor.


PLAYBOY — Mário Covas.


ABÍLIO DINIZ — Uma pessoa inteligente, correta, competente, extremamente preparada para exercer qualquer cargo público.


PLAYBOY — Mário Amato.


ABÍLIO DINIZ — Não é fácil ser presidente de uma entidade como a FIESP. O Mário é uma pessoa muito bem-intencionada e uma pessoa correta.


PLAYBOY — Orestes Quércia.


ABÍLIO DINIZ — Um político extremamente hábil.


PLAYBOY — Seu pai.


ABÍLIO DINIZ — Uma pessoa que eu amo com todas as minhas forças.


PLAYBOY — Alcides Diniz.


ABÍLIO DINIZ — Meu irmão.


PLAYBOY — Abílio Diniz.


ABÍLIO DINIZ — Abílio Diniz tem dez horas de gravação aí.


POR PAULO MARKUN

FOTOS PEDRO MARTINELLI



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