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BRUNO MAZZEO | FEVEREIRO, 2014

Playboy Entrevista



Uma conversa franca com o ator e roteirista carioca sobre a fama de arrogante e galinha, os críticos de cinema, a nova safra de comediantes brasileiros, os paparazzi e a morte de seu pai, o humorista Chico Anysio


Ele tocava guitarra, ou pintava quadros, ou escrevia romances. Não dá para saber direito. Certo mesmo é que se dedicava à arte. Um dia, no entanto, largou tudo porque se encheu "do sistema". Não desejava mais azeitar uma engrenagem que se preocupa apenas em nos manter escravos de um cotidiano atroz. Preferiu se entregar à nobre missão de fumar maconha e não fazer nada. O rebelde sem nome, sem profissão definida e sem utopia figura entre os seis personagens de Sexo, Drogas & Rock'n'Roll, monólogo que Bruno Mazzeo de Oliveira Paula interpreta até o dia 22 deste mês, no Rio de Janeiro. A peça, do norte-americano Eric Bogosian, desperta risos constrangidos da plateia. Há, sim, momentos engraçados, mas nenhum consegue neutralizar a acidez e o ceticismo com que o dramaturgo vê o mundo contemporâneo. Um tanto "cabeça", a montagem destoa dos trabalhos mais populares e francamente cômicos que o ator e roteirista carioca vem realizando na TV e no cinema. A mudança de ares, sob a ótica dos críticos, não podia lhe cair melhor. O desempenho do artista no Teatro do Leblon acumula elogios em jornais, revistas e blogs.


À semelhança do maconheiro fictício, Bruno anda insatisfeito com "o sistema" — a batalha de egos que pauta o showbiz, a inconsequência dos paparazzi, os julgamentos sumários que inundam as redes sociais. São fogueiras em que ele próprio já colocou bastante lenha. Cansado de se expor desnecessariamente, diz que agora pretende alimentá-las cada vez menos. Não manifesta, porém, nenhuma intenção de abandonar o batente. Pelo andar da carruagem, o vascaíno de 36 anos deve continuar tão fecundo quanto o pai, o humorista cearense Chico Anysio, morto em 2012. Recentemente, escreveu e protagonizou os cinco novos episódios da série Junto & Misturado, na Rede Globo, emissora que o abriga há décadas. Começou por lá aos 13, bolando piadas para a célebre Escolinha do Professor Raimundo e ganhando um salário simbólico. Depois, virou redator do programa Chico Total e de sitcoms (Sai de Baixo, A Diarista). Participou, ainda, de três novelas. Na última, Cheias de Charme, incorporou o vilão Tom Bastos. Desde o mês passado, encarna um ídolo sertanejo em Muita Calma Nessa Hora 2, filme cujo roteiro assina. A primeira parte do longa abocanhou 1,5 milhão de espectadores. Outras produções que trazem o ator no elenco conquistaram bilheterias igualmente respeitáveis. E Aí... Comeu? alcançou 2,6 milhões de pessoas. Baseado num seriado do canal pago Multishow, Cilada.com atraiu 3 milhões.


Filho único de Chico e da atriz santista Alcione Mazzeo, o intérprete tem oito irmãos. Pudera: seu pai "se enforcou" seis vezes. Já o currículo conjugal de Bruno revela-se, por ora, bem mais enxuto. Traz apenas um casamento — com a também atriz Renata Castro Barbosa. A relação se iniciou em 2003 e terminou no finzinho de 2008. Dela, nasceu um menino, que completa 9 anos em maio. Hoje, o roteirista namora a diretora de televisão Joana. Vive na Gávea, bairro nobre do Rio, mas se mudará brevemente. Acaba de comprar um apartamento no Jardim Botânico. Em setembro de 2013, recebeu o jornalista Armando Antenore para duas sessões de conversa, que somaram sete horas e 53 minutos.


PLAYBOY — O que você sentiu quando se deparou com sua mãe na capa de PLAYBOY? Ela posou para a revista em janeiro de 1980.


BRUNO MAZZEO — Na época, não senti nada, óbvio. Eu tinha 2 anos. O problema é que, depois, a PLAYBOY lançou um especial que reexibia parte do ensaio. Saca aquele negócio de "confira as gatas mais bonitas da década"? Então... Um dia, no colégio, a galera estava folheando o especial e, de repente, "olha a tua mãe aqui, rapaz!". Foi estranho, mas não me trouxe grandes sofrimentos. Não me causou nenhum trauma, não. Tanto que, hoje, assino a revista.


PLAYBOY — Seus pais se separaram em razão daquelas fotos?


BRUNO MAZZEO — Não posso garantir. Ouvi um monte de histórias, mas nunca soube exatamente por que o casamento acabou. Me contaram que havia umas diferenças entre os dois e que meu pai se segurava muito para não discutir o tempo todo. Até que, uma hora, explodiu e...


PLAYBOY — Em 2000, o próprio Chico afirmou que tentou dissuadir Alcione de posar nua, oferecendo-lhe um cheque coma mesma quantia que PLAYBOY iria pagar pelo ensaio.


BRUNO MAZZEO — Não duvido. Embora frequentasse meios bastante liberais, meu pai nasceu em 1931 e no Nordeste. Natural que possuísse um lado...


PLAYBOY — Machista?


BRUNO MAZZEO — Prefiro a palavra "conservador". Ele chiou, por exemplo, quando um dos meus irmãos resolveu usar brinco: "Vai botar um bagulho desses na orelha?! Que mau gosto!" Também me sacaneou no período em que deixei o cabelo crescer: "Que honra! A irmã do Bruno veio nos visitar..." Eram umas implicâncias bobas, que não duravam muito. Ele logo desencanava e largava do nosso pé. Chamá-lo de machista, portanto, me parece forçar a barra. Nunca o peguei menosprezando mulher nenhuma. Pelo contrário: meu pai costumava tratá-las de maneira elegante. Fazia a linha gentleman. Abria-lhes a porta do carro, puxava a cadeira para que sentassem e jamais alardeava as conquistas amorosas. Eu mesmo perguntei diversas vezes os nomes das atrizes que comeu e não arranquei nada. Só na velhice, pouco antes de morrer, é que o cara baixou a guarda e entregou o ouro.


"Perguntei diversas vezes para meu pai os nomes das atrizes que ele comeu e não arranquei nada"

PLAYBOY — Mas houve pelo menos um momento em que Chico abdicou da discrição.


BRUNO MAZZEO — Quando?


PLAYBOY — Em agosto de 2000. Seu pai mandou um e-mail desbocado para cerca de cem pessoas, espinafrando alguns diretores da Globo, como Jayme Monjardim, filho da cantora Maysa. "Dormi muito com a mãe dele", escreveu. Mais tarde, se arrependeu e pediu desculpas.


BRUNO MAZZEO — Sinceramente, não me recordo disso. Aliás, que lembrança baixo-astral! Foi, de qualquer modo, uma indiscrição pontual, um deslize. Agora, de fato, meu pai teve rompantes contra a Globo, principalmente depois que perdeu os programas semanais. Ele não conseguia se relacionar bem com o ócio. Ou melhor: com a quebra de rotina, já que nunca parou de trabalhar. Mesmo longe da televisão, continuou organizando shows pelo Brasil, mas sentia falta do antigo cotidiano. Eu e o [ator] Nizo Neto, meu irmão, dizíamos: "Caramba, pai, não está na hora de sossegar? Você ralou a vida inteira...". Certa ocasião, a Globo lhe sugeriu comandar um especial todo mês de dezembro, à semelhança do Roberto Carlos. Olha que homenagem, que reconhecimento! Ele recusou. Considerou a proposta absurda. Queria a rotina semanal. [Risos.] Resultado: gastava um tempão no computador, bolando projetos que ninguém aproveitaria, pensando, pensando e, por vezes, sofrendo. Mágoas à parte, a verdade é que meu pai adorava a Globo. Não se enxergava fora de lá. Por isso, nos pediu para jogar as cinzas dele em Maranguape, cidade onde nasceu, e no Projac [o centro de produção da emissora carioca].


PLAYBOY — O conservadorismo do Chico se manifestava também na seara das artes?


BRUNO MAZZEO , a entrevista é sobre mim ou sobre meu pai? [Risos.]


PLAYBOY — Difícil falar de você sem falar dele, não?


BRUNO MAZZEO — Tudo bem, vamos lá... Eu, na adolescência, colocava umas bandas de rock para tocar e meu pai protestava: "Que porra você está ouvindo? Música é Cartola!". Ele tampouco se interessava por pinturas modernas demais, que rompem excessivamente com o figurativo. Desconfio, inclusive, que não apreciava o Cinema Novo. Em compensação, revolucionou os programas de humor e se manteve no auge durante um bom tempo. Sé começou a perder a coroa entre o fim dos anos 80 e o início dos 90. Foi quando ocorreu uma troca de guarda no jornalismo e os críticos passaram a atacá-lo. Desciam a porrada mesmo! Inúmeras vezes, escutei-o dizer um troço sensacional: "Ficaram décadas me chamando de gênio e eu tive a genialidade de não acreditar. Agora que me chamam de idiota, não cometerei a idiotice de acreditar".


PLAYBOY — Os jornalistas o provocavam e ele comprava as brigas.


BRUNO MAZZEO — Comprava! Discutia, criava polêmicas e tal. Até porque os artistas daquela geração não se preocupavam em contratar assessores de imprensa. Tocava o telefone de casa. "Seu Francisco, a Folha de S.Paulo quer entrevistá-lo (os empregados o tratavam por 'Seu Francisco')". Ele pegava o aparelho, e o repórter: "O que você pensa de fulano?" Caso meu pai estivesse de ovo virado, respondia: "Fulano é um babaca!" Sem filtro nenhum! Na lata! Eu pedia: "Não atende mais o telefone.. E o Seu Francisco: "Se o telefone toca na minha casa, não vou atender? Claro que vou!"


PLAYBOY — Li que você se formou em jornalismo.


BRUNO MAZZEO — Sim, me formei. Como escrevia profissionalmente quando concluí o ensino médio, acabei escolhendo uma faculdade que se relacionasse com o universo da comunicação. Além do mais, sempre tive vontade de ser cronista. Sonhava em ir até o Antonio's [mítico bar do Rio] para encontrar o Nelson Rodrigues e tomar um uísque por lá, escutando as frases geniais do cara. Desde moleque, admiro jornalistas que se colocam na primeira pessoa, que opinam. Houve uma época em que desejei participar do Manhattan Connection, o programa da GloboNews. Queria dar as minhas opiniões naquela bancada.


"Sonhava em tomar um uísque com Nelson Rodrigues, escutando as frases geniais dele"

PLAYBOY — Você já trabalhou em redação?


BRUNO MAZZEO — Nunca, mas é um lugar que me atrai.


PLAYBOY — O que você acha da mídia que se dedica exclusivamente à cobertura dos famosos?


BRUNO MAZZEO — Tenho um problema sério com sites de fofoca. Fui vítima de muitos deles, sobretudo entre 2009 e 2012, período em que meu casamento terminou e retomei mais intensamente os hábitos de solteiro. Inventavam uma porção de bobagens sobre mim.


PLAYBOY — Que tipo de bobagens?


BRUNO MAZZEO — Plantaram, por exemplo, que a [atriz] Aninha Lima andava de namoro comigo.


PLAYBOY — A ex do rapper Gabriel o Pensador?


BRUNO MAZZEO — Ela própria. Somos amigos. Aliás, também sou amigo do Gabriel — uma amizade que já existia na época em que os dois estavam casados. Quando me separei, costumava sair com Aninha para ver peças, ir a shows ou simplesmente jantar. Pronto: os sites juravam que havia um affair entre nós. Uma relação secreta! Escreviam besteiras do gênero: "Bruno e Aninha fizeram questão de despistar que chegaram juntos à balada". Outras vezes, apesar de não inventarem nada, me colocavam em situações desagradáveis.


PLAYBOY — Relembre um caso.


BRUNO MAZZEO — Em 2012, me fotografaram num bar com uma arquiteta. Enquanto bebíamos, trocamos uns beijinhos. Normal, coisa de boteco. Acontece que, duas ou três semanas antes, eu desmanchara um namoro relativamente longo. E a ex, claro, ainda não estava pronta para me ver com alguém. Assim que um site divulgou as cenas do beijo, a coitada tomou conhecimento e se sentiu péssima. Provavelmente, a arquiteta também não deu pulos de alegria. Imagine: a menina, durante um almoço familiar, precisando explicar por que virou notícia num site de fofocas. Mesmo em relação à minha atual namorada, rolaram uns embaraços. Ela trabalha atrás das câmeras e detesta aparecer. Quando ficamos pela primeira vez, um paparazzo nos flagrou às 4 da madrugada, comendo um sanduiche justo na primeira vez, meu irmão! Ela poderia ter desistido de mim. "Opa, tô fora! Não quero me expor desse jeito." Numa ocasião anterior, me fotografaram logo de manhã, saindo de um café com uma ex-namorada. Cedo à beça, e o fotógrafo clique, clique, clique. Sei que não devia, mas perdi a paciência. Mostrei-lhe o dedo. A foto chegou às redações, e os sites mais venenosos tocaram o terror: "O Bruno é arrogante e o cacete". Arrogante? Eu? Definitivamente, não! A partir daí, o negócio só piorou. Insistiram na pilha de me associar à imagem de folgado, de playboy: "Bruno Mazzeo dá carteirada para entrar em festa"; "Bruno Mazzeo não tem humildade". Sem contar os comentários dos leitores: "Veadinho, barraqueiro, filhinho de papai!" E tudo com base em meras suposições.


PLAYBOY — Os sites também publicaram que você destratou um paparazzo via Facebook.


BRUNO MAZZEO — Pois é, nessa roubada cai, sim. Mas já nem lembro o que falei para o rapaz.


PLAYBOY — "Continuo ganhando minha fortuna e você, uma merreca pelas fotos que consegue."


BRUNO MAZZEO — Na verdade, ocorreu o seguinte: o tal fotógrafo me enviou uma mensagem pelo Facebook. Escreveu algo como: "Você e o Wagner Moura reclamam dos paparazzi, mas ganham uma fortuna para comparecer às festas e fazer comerciar. Eu gravava uma cena de novela quando li aquilo. Pense bem: o cidadão no meio do trabalho e neguinho cutucando... Respondi com as mesmas palavras dele, mas em tom de piada. Não tive a menor intenção de humilha-lo. Jamais tiraria onda de grana, imagine!


PLAYBOY — Você conhecia o fotografo?


BRUNO MAZZEO — Não! Nunca o encontrei pessoalmente. Depois, logico, a minha resposta se espalhou como fogo. Todo mundo a publicou. São trocentos sites — o Fuxico, o Futrico, o Furico — disseminando histórias idênticas, sempre com uns textos mal escritos e sem nenhuma sacada. Não se trata nem de imprensa marrom, imprensa "marromenos". [Risos] Levei tanta pancada na internet que, há um ano e pouco, julguei mais prudente me recolher.


"São trocentos sites de fofoca, todos ruins. Não se trata nem de imprensa marrom. É imprensa 'marromenos'"

PLAYBOY — Como assim?


BRUNO MAZZEO — Fiquei magoado, cara. Estavam vendendo um Bruno que não me representa. Pessoas desconhecidas me atribuíam os piores rótulos. Nunca pedi para me fotografarem na noite ou na praia, nunca quis me tornar celebridade nem gerar polêmicas vazias. Só me interessa tocar e divulgar os meus projetos — de preferencia, em veículos respeitáveis. Como dizia o [ator] Al Pacino, se não me engano, quanto menos o público souber da minha intimidade, mais acreditara nos meus personagens. Por isso, chegou um momento em que parei e refleti: "Não importa o que fizeram de você. Importa o que você vai fazer com o que fizeram de você". Decidi recuar, entende? Fugir da superexposição.


PLAYBOY — De que maneira?


BRUNO MAZZEO — Neguei papel em novelas, deixei de conceder entrevistas o tempo inteiro e passei a evitar situações de oba-oba: um festão na Marina da Gloria ou o lançamento de não sei o que. Resolvi, ainda, me afastar das redes sociais. Hoje só estou no Instagram. Abandonei o Twitter e o Facebook — entre outros motivos, para não correr o risco de aceitar provocações. Reconheço que, de vez em quando, a semelhança de meu pai, fico sem papas na língua e avanço como um touro sobre qualquer zé mane que me atice. Embora não me considere arrogante, admito não ter sangue de barata.


PLAYBOY — Voce faz analise?


BRUNO MAZZEO — Sim, faço analise lacaniana desde janeiro de 2013. Duas sessões por semana. Mas não sou marinheiro de primeira viagem, não. Já recorri à terapia antes. Resolvi voltar agora também em virtude do turbilhão que acabei de descrever. Necessitava me reencontrar e reencontrar a minha turma. Com o sucesso, muita gente se aproxima, pintam milhares de propostas. E uma hora você precisa se indagar: "Quem são, de fato, os meus amigos? Em quais projetos desejo realmente me engajar?" Nessa fase de questionamentos, li a autobiografia do Keith Richards [o guitarrista dos Rolling Stones]. O livro me ajudou bastante. Keith prova que é possível estar no mainstream sem perder a autenticidade, sem se vender, sem se afastar de si mesmo. Não à toa, resolvi montar uma peça que se chama Sexo, Drogas & Rock'n'Roll. Na esperança de me reoxigenar, quis retornar para o teatro com um monologo que denuncia justamente os excessos, o egoísmo e a busca desenfreada por fama, dinheiro e poder.


PLAYBOY — Voce deixou de buscar fama, dinheiro e poder?


BRUNO MAZZEO — Não vou posar de hipócrita e me declarar antissistema. Trabalho na Globo, faço propaganda da Embratel e escrevo roteiro de blockbusters. Logico que não pretendo estar à margem. Mas também não almejo toda fama e todo dinheiro do mundo. Para que tanta ganância? Não preciso mais do que meu apartamento, um carro maneiro, uma TV legal e a possibilidade de frequentar um bom restaurante ou realizar uma viagem divertida. Evito, inclusive, competir com os outros. Se o filme do [comediante] Paulo Gustavo alcança um publico maior do que o meu, dane-se! Fico satisfeito pelo Paulo. Sei bem como é dura e instável a minha profissão. Hoje, você acerta. Amanhã, fracassa. Vi meu pai lá em cima e, depois, não tão lá em cima.


PLAYBOY — Você já ganhou bastante dinheiro?


BRUNO MAZZEO — Ganhei, não vou negar.


PLAYBOY — Ficou rico?


BRUNO MAZZEO — De jeito nenhum! Raspei quase tudo. Comprei um apartamento para o meu filho e outro para mim, ajudei minha empregada a adquirir uma casinha, auxiliei minha mãe...


PLAYBOY — Você não herdou nada do Chico?


BRUNO MAZZEO — Nada. Zero, zero. Costumo dizer que meu pai não morreu rico. Ele viveu rico! Embora recebesse um ótimo salário da televisão e faturasse bem com a infinidade de shows que fazia, não se preocupava em poupar. Morava confortavelmente, viajava de classe executiva e, se lhe desse na telha, comprava um Jaguar ou algo do gênero. Caso o orçamento de um programa dele estourasse e ainda houvesse necessidade de contratar alguém, tirava do próprio bolso para cobrir a despesa. Era desprendido. Não gostava nem mesmo de negociar com a Globo. Preferia assinar em branco os contratos de renovação. "Botem aí quanto vocês acham que mereço ganhar". Quando morreu, dispunha de uma única propriedade, o apê onde residia e que já pusera no nome da ultima mulher.


PLAYBOY — Você o qualificaria como um bom pai?

BRUNO MAZZEO — Certamente! Um pai carinhoso e provedor. Ele tomou o cuidado, por exemplo, de presentear cada filho com um imóvel — um apartamentinho de tamanho razoável, para que pudéssemos iniciar a nossa trajetória sem tantos perrengues. O meu, vendi há uns anos.


PLAYBOY — Qual personagem do Chico mais lhe agradava?


BRUNO MAZZEO — Justo Veríssimo, o politico sem nenhum escrúpulo. O bordão "Quero que pobre se exploda" é maravilhoso.


PLAYBOY — O que você aprendeu profissionalmente com seu pai?


BRUNO MAZZEO — Ele me ensinou muito do que sei sobre a matemática de um texto humorístico. como preparar a piada e lhe imprimir ritmo, como escrever frases concisas, como sair de um assunto e engatar em outro. Meu pai dominava a formula das pequenas cenas cômicas, dos esquetes, uma linguagem que deixou de me interessar quando descobri a praia das hist6rias maiores — dos seriados, das peças, dos filmes. Por isso, a partir de um momento, parei de consulta-lo. Praticamente não lhe mostrava mais nada antes de ficar pronto. Desejava encontrar meu próprio caminho e fugir de certos vícios.


PLAYBOY — Ele se chateou com o afastamento?


BRUNO MAZZEO — Creio que não. Polo menos, nunca reclamou. Continuou acompanhando meus trabalhos e os elogiava. Às vezes, dava uns palpites: "Atenção! Você esta falando demais naquela cena". Claro que, eventualmente, me procurava e sugeria: "Tive uma ideia. Podíamos desenvolve-la juntos?". Mas acabava não rolando. Eu realmente já embarcava em outra.


PLAYBOY — Entre os comediantes brasileiros mais jovens, quem você admira?


BRUNO MAZZEO — Um punhado de gente. Eduardo Sterblitch e Ceará, do Pânico na Band, Mauricio Meirelles, do CQC, a turma do Hermes e Renato, Marcos Mion, sobretudo quando apresentava o Piores Clipes do Mundo, Heloisa Périssé, Maria Clara Gueiros, Lúcio Mauro Filho, Marcelo Adnet, Leandro Hassum, a galera do Porta dos Fundos...


PLAYBOY — E o Rafinha Bastos? Ele o xingou de bundão após você declarar que vários humoristas de stand-up usam o politicamente incorreto como salvo-conduto para disseminar pré-conceitos.


BRUNO MAZZEO — Juro que não tenho uma opinião definida a respeito do Rafinha. Parece que o cara segue a cartilha do "preciso chocar", "preciso dar porrada no mainstream". Beleza, do estilo dele. Pessoalmente, não me interesso por piadas que buscam apenas agredir ou "causar". O humor existe tanto para divertir quanto para denunciar o que está errado, para fazer o público refletir. Se o humorista quer somente escandalizar, corre o risco de abraçar a grosseria pura e simples. Agora, em relação àquele episodio do Rafinha com a Wanessa Camargo, a repercussão me soou exagerada [Há dois anos e meio, durante o programa CQC, o comediante afirmou ao vivo que comeria a cantora grávida e o bebê dela]. Criou-se muito barulho por conta de um improviso rápido e infeliz. Certamente, o Rafinha não pensou duas vezes antes de mandar a frase. O comentário escapou. Entendo a indignação do Wanessa e do marido. Mesmo assim, discordo do processo que moveram.


PLAYBOY — Voce também se estranhou com o Danilo Gentili, não?


BRUNO MAZZEO — Me estranhei. O curioso é que sempre tivemos um relacionamento amigável. Tempos atrás, ate o convidei para trabalhar em projetos meus. Ele não pôde aceitar, mas me agradeceu muitíssimo. Lembro que, em 2010, a Marilia Gabriela me entrevistou, e o Danilo adorou o papo. Enviou um torpedo me elogiando a beça. Era uma mensagem tão grande que se dividia em três partes. Dois anos depois, principalmente por causa de minhas opiniões sobre o stand-up, ele resolveu me esculhambar num quadro do programa Agora Tarde. Reuniu-se com outros humoristas e desceu o cacete: me chamou de debiloide, imbecil, burro, oportunista...


PLAYBOY — E você?


BRUNO MAZZEO — Fiquei extremamente mexido. Quando assisti à baixaria toda, pensei de imediato no meu filho. Imaginei o menino escutando aqueles absurdos sobre o pai. Não bastassem ataques, enquanto Danilo e companhia me detonavam, o Roger [líder do Ultraje a Rigor, banda que integrava a equipe do Agora É Tarde] morria de rir. Porra, justo o Roger, um músico que admiro pela inteligência e pelo sarcasmo?! Curto tanto o cara que botei um rock do Ultraje, Nada a Declarar, na abertura do programa Junto & Misturado. Resumo da opera: meu sangue esquentou e saí atirando. Usei o Facebook para rebater o Danilo e, de quebra, lasquei que o Ultraje vive um fim de carreira dramático. Foi babaquice minha! Me arrependi. Não havia necessidade de meter o Roger no imbróglio. Pouco depois, pedi desculpas e fizemos as pazes. Com o Danilo, também me acertei. A gente se encontrou recentemente num evento e ele se explicou. Me disse: "Poxa, Bruno, tenho carinho por você".


PLAYBOY — A crítica, em geral, torce o nariz pare os seus filmes. Avalia que estão repletos de clichês e piadas infames. Sabe qual o problema?


BRUNO MAZZEO — Críticos de cinema não gostam de comédia. Simples assim. Em determinados círculos, pega mal gostar do gênero. Fico sempre com a impressão de que os jornalistas redigem a crítica e, depois, se mandam para o Spot. Note bem: não e qualquer restaurante: o Spot [um dos mais "moderninhos" de São Paulo]. Lá, pedem um Cosmopolitan e se vangloriam: "Hoje, desanquei o Bruno Mazzeo, o Marcelo Adnet, o Leandro Hassum..." Na verdade, acho desonesto o cara não gostar de comédia e se permitir analisar filmes como os meus. "Ô, Bruno, prepara uma crítica sobre balé." Não curto balé, não entendo de balé, vou falar a respeito de balé? Se já existe um mercado forte para longas de humor, por que os sites, os jornais e as revistas não instituem o crítico de comédia? Um sujeito especializado, que compare E Aí... Comeu? com De Pernas pro Ar, e não com trabalhos de outra natureza, como O Cheiro do Ralo.


PLAYBOY — Você se considera engraçado?


BRUNO MAZZEO — Não me considero, não sou e não tenho pretensão de ser. Engraçado do é Leandro Hassum, é o meu irmão Lug de Paula [que interpretava o personagem Seu Boneco]. Eles nem precisam abrir a boca para você cair na gargalhada. Basta que se movimentem. Eu, não. Dependo sempre de um texto espirituoso. Por isso, não me julgo propriamente um humorista, mas um roteirista que pode escrever vários tipos de histórias, inclusive as de teor cômico. Longe do palco ou das câmeras, sou tímido e um tanto melancólico. Nunca me sobressaí como o piadista da turma, o fanfarrão, aquele que zoa todo mundo. Detesto virar o centro das atenções em lugares públicos. Prefiro a discrição. Quando meu casamento acabou, resolvi passar o Carnaval em Salvador. Fiquei tão na minha que consegui a façanha de não pegar ninguém. [Risos.] Entrei para o Guinness, né? O único carioca que pulou Carnaval na Bahia e não comeu ninguém!


"Nunca me sobressaí como o piadista da turma, o fanfarrão, o que zoa todo mundo"

PLAYBOY — Difícil acreditar. Você tem fama de galinha.


BRUNO MAZZEO — Uma fama que me incomoda, por não corresponder exatamente à realidade. Se estou solteiro, claro que exercito a arte da conquista — o lance de flertar, bater um papo, trocar telefones. Desde moleque, me amarro no ritual da sedução. Só que, diferentemente dos galinhas, não atiro para todos os lados. Vivo um romance de cada vez. Não me relaciono com fulana já pensando em laçar beltrana. Sempre procuro me concentrar na garota do momento, ainda que o momento venha a durar pouco. Me dedico de fato, me torno disponível. Fico ate meio submisso.


PLAYBOY — Em que sentido?


BRUNO MAZZEO — Evito prolongar discussões. Dou logo razão à mulher e pronto. Também não me envergonho de chorar. Choro mais do que a Joana, minha namorada. Às vezes, durante uma conversa, vejo que a magoei e me desmancho: "Não queria machucá-la! Desculpe!" Possuo um lado bem frágil. Em compensação, tento não abdicar de papéis que julgo supermasculinos, como o de cuidar. Zelo para que minha parceira se sinta sempre acolhida. Sou do tipo que envia várias mensagens fofas ao longo do dia.


PLAYBOY — Tem muito ciúme?


BRUNO MAZZEO — Não tinha, mas agora tenho. O telefone da namorada vibra à noite? Plim! Já acende dentro de mim o alerta vermelho. Não compreendo o motivo. Talvez seja porque, no passado, amarguei uns relacionamentos traumáticos. Mulher que desligava o celular, que sumia... Terrível! Odeio que me deem perdido.


PLAYBOY — Voce se lembra da primeira transa?


BRUNO MAZZEO — Cara, não sei se posso classificar a minha primeira transa de transa. Foi com uma amiga de um amigo. A gente viveu um casinho. Na hora H, mal entrei e, pimba, gozei! Um neg6cio rapidíssimo. Eu tinha 13 ou 14 anos.


PLAYBOY — Depois dessa menina, vieram quantas?


BRUNO MAZZEO —  Não contei.


PLAYBOY — Mas contou as capas de PLAYBOY que já pegou. Em janeiro de 2010, na seção 20P da revista, você forneceu um número: cinco. O índice aumentou desde então?


BRUNO MAZZEO — Digamos que subiu para seis. Ou sete... [Risos.]


PLAYBOY — Pretende se casar de novo?


BRUNO MAZZEO — Pretendo.


PLAYBOY — Tantas vezes quanto seu pai?


BRUNO MAZZEO — Não! Se depender de mim, gostaria de permanecer casado "até que a morte nos separe".


PLAYBOY — Você se relacionava bem com as mulheres do Chico?


BRUNO MAZZEO — Sim, mesmo com a Zélia [Cardoso de Mello, ex-ministra da Economia], que é mais sisuda. Quando morou conosco, na década de 1990, ela me incentivou a trocar a máquina de escrever pelo computador. Como ama os Rolling Stones, também me apresentou os discos antigos da banda.


PLAYBOY — O que o falecimento de seu pai significou para você?


BRUNO MAZZEO — Uma perda de chão e, simultaneamente, um conforto. Eu não imaginava que a ausência dele provocaria tamanha comoção popular. Uma multidão absurda o homenageou durante o velório. Meu pai andava fora da TV havia uns bons anos. Nem assim o público o esqueceu. Aquela romaria me emocionou. Pensei: "Valeu a pena a dedicação do cara". A presença dos fãs me deu, ainda, a noção exata de que certas figuras estão realmente acima de n6s. Neguinho se gaba porque recebeu um elogio do New York Times ou porque soma 15 mil seguidores no Twitter. Bobagem! O que representa um elogio aqui, um sucesso de bilheteria ali ou um prêmio acola diante de uma trajetória excepcional? Ninguém tem de se achar o dono do pedaço. Perto de gente como meu pai, Silvio Santos, Pelé e o Roberto Carlos, todos somos apenas mais ou menos.


POR ARMANDO ANTENORE

FOTOS DARYAN DORNELLES



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