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CHIQUINHO SCARPA | JANEIRO, 1985

Playboy Entrevista



Uma conversa franca com um dos mais invejados supermilionários e bon-vivants do país sobre dinheiro, gente rica, conquista, sexo e sua coleção de 7.000 fichas de mulheres


O supermilionário industrial, usineiro, fazendeiro, comerciante, investidor, advogado, economista, comendador, colunável e bon-vivant Francisco Scarpa Filho gosta de dizer que é, na vida real, o que, em sonhos, todo mundo queria ser. Talvez não haja tão grandes exageros nessa afirmação do "doutor Chiquinho", como ele costuma ser chamado pelos 23 empregados de sua mansão de 4 mil metros quadrados de área construída, plantada numa esquina nobre do Jardim América, em São Paulo. Afinal, aos 33 anos, solteiro convicto, ele tem — aliás, sempre teve — o possível, o imaginável e o inimaginável.


Carros? Um Rolls Royce Silver Shadow 1980, que avalia em 1,5 bilhão de cruzeiros ("É melhor do que o do embaixador da Inglaterra", esclarece), um Jaguar XJS 1983 e um Santana. Moto? Uma Honda Goldwingleader japonesa de 45 mil dólares. (Se não estão em uso, são cuidadosamente cobertos com uma delicada capa de seda.) Som? Vídeo? Todas as últimas parafernálias lançadas no mercado internacional. E que os desavisados cuidem dos tímpanos: ele adora brindar as visitas com uma demonstração de seus amplificadores e, quando pensa-se que a surdez é iminente, aponta faceiro para a tecla de volume que está marcando apenas um terço da potência disponível. Viagens? Hospeda-se no apartamento 554 — jamais em outro — do Plaza Atenée, em Paris (diária de 250 dólares), ou em exóticos palácios marroquinos. Para o Carnaval, seus camarotes estão reservados nos principais bailes e no desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro.


E em relação a dinheiro e mulheres? Bem, nessas duas áreas Chiquinho Scarpa não pode apresentar dados redondos. "Qualquer cálculo seria irreal", desculpa-se consciente de que um e outro número superam escandalosamente as mais desmedidas ambições alheias. Atrás de tudo isso, no entanto, há chocantes surpresas: come frugalmente, pede água mineral no almoço, bebe exclusivamente vodca russa on the rocks, delicia-se com sanduíches de mortadela e adora ouvir velhas músicas de Evaldo Gouveia e Jair Amorim na voz de Altemar Dutra.


Divertido, bem-humorado, conversador e gentil, é um interlocutor de uma franqueza não raro espantosa e, desse modo, às vezes cai em contradições. Vaidoso, seus olhos brilham satisfeitos quando recebe elogios, é fotografado ou aparece na televisão. Os amigos íntimos, contudo, destacam que ele é, antes de mais nada, leal e generoso, além de um formidável companheiro de farras, festas ou simples bate-papos.


Na qualidade de anfitrião, lembram esses amigos, Chiquinho os abandonou em uma única oportunidade, depois de quase duas décadas de convivência. Foi na Copa do Mundo de 1982. Ele convidara um grupo de 20 pessoas para torcerem juntos em sua sala de vídeo, que tem jeito de uma emissora de verdade, com um telão, seis televisores, três videocassetes e centenas de fitas gravadas. Chiquinho, fantasiado de cartola — terno verde, camisa amarela e um escudo da CBF bordado no paletó —, franqueou-lhes a adega, comprou incontáveis caixas de foguetes e comandava a festa a cada gol de Zico, Sócrates e Falcão. Mas, no trágico 5 de julho, logo que a Seleção Brasileira perdeu para a Itália, ele despiu lentamente a roupa, atirou-a na piscina e, chorando convulsivamente, trancou-se em seu quarto até a manhã seguinte.


Esta longa entrevista de Chiquinho Scarpa a PLAYBOY, realizada em cinco sessões, num total de sete horas de conversa gravada, foi conduzida pelo editor Carlos Maranhão. Seu relato:


"Chiquinho parece viver num mundo encantado de estreitos limites entre a realidade e a fantasia. Entretanto, uma vez abertas as portas e janelas dos palácios em que se encastela, os mistérios desse galante príncipe da noite vão transformando-se em incríveis descobertas, como num conto de fadas recheado de interpretações. 'É muito difícil chegar até aqui', confessou no primeiro encontro, em sua casa, diante de uma tela de Picasso. 'Mas, para quem entra, eu não tenho segredos.' A partir daquele momento, de fato, deixou qualquer defesa de lado. Durante a entrevista, que prosseguiu nas duas semanas seguintes em seu escritório, entre esculturas douradas, móveis escuros e quatro telas de tv em circuito fechado, que mostravam o movimento das ante-salas, Chiquinho certamente cometeu alguns exageros. Pode também ter se enganado aqui ou ali. Nunca, porém, transmitiu uma impressão de insinceridade. Ao contrário. Mesmo ao descrever um recente encontro com princesa Caroline, de Mônaco, ao ler as fichas de mulheres com as quais se relacionou ou ao cumprir uma promessa de revelar quanto pagou de imposto de renda como pessoa física, em 1984, esforçou-se sempre para expor a sua verdade".


PLAYBOY — Talvez você seja uma das pessoas mais indicadas para responder: o dinheiro traz a felicidade?


CHIQUINHO — Sinceramente, não traz. Mas ajuda pra burro. Afinal, o dinheiro compra tudo. Ou quase tudo, exceto o ser humano e seus sentimentos.


"O dinheiro não traz a felicidade. Mas ajuda pra burro, pois ele compra tudo, exceto o ser humano e seus sentimentos"

PLAYBOY — Você então é feliz?


CHIQUINHO — Muito, muito feliz. Pode até existir, mas eu não conheço alguém mais feliz do que eu. Adoro a vida, e estou de bem com ela.


PLAYBOY — Embora se trate de uma enorme indiscrição, quanto dinheiro existe atrás dessa felicidade?


CHIQUINHO — Eu gostaria muito de dizer. Só que realmente não sei.


PLAYBOY — Você deve ter uma idéia.


CHIQUINHO — Não tenho. Quer que eu traduza meu patrimônio em números? É impossível. Sou diretor-presidente e o maior acionista de nossas duas holdings, as Organizações Scarpa e a Aprac's (Scarpa, invertido), que atuam nas áreas de administração, agropecuária, indústria e comércio. Para resumir, sou dono de 23 fazendas, do Acre a São Paulo, entre muitas outras coisas. Mas como avaliar? (Levanta-se, abre um armário em seu gabinete e retira algumas pastas com plantas de suas propriedades. Desenrola uma delas, que se esparrama pela escrivaninha de 3 metros de comprimento.) Veja, é a área do novo aeroporto de São Paulo, em Guarulhos. Esta faixa colorida aqui (equivalente a 5% do mapa) me foi desapropriada, há três anos, por 2,5 bilhões de cruzeiros. Todo o resto continua meu. (Mostra outra planta.) Conhece a Represa de Guarapiranga, na zona sul paulista? Pois tenho este loteamento lá. São uns mil terrenos, com asfalto, água, luz. Você viu duas pastas. Há pelo menos outras 20 ali dentro. Ah, olhe esta fazenda: 180 mil hectares em Porto dos Gaúchos, Mato Grosso, onde um hectare está valendo 125 mil cruzeiros (só nesse caso, seriam 22,5 bilhões de cruzeiros). Tenho mais 22 fazendas, maiores e menores. Portanto, eu posso contar quanto vale isso ou aquilo. Este meu relógio, por exemplo, eu comprei em Paris por 22 mil dólares (tira do pulso um Piaget de ouro). Mas como vou conseguir avaliar o patrimônio total? Olha, você quer saber quanto tenho hoje no open market?


PLAYBOY — Sim.


CHIQUINHO — Espere um pouco. (Pergunta pelo telefone ao departamento financeiro da empresa.) Foram colocados esta tarde 6,5 bilhões de cruzeiros, minha média normal. Mas eu não vivo disso. É apenas um dinheiro que deixo disponível em época de crise para fechar negócios rápidos, como a compra de uma fazenda pela metade do preço.


PLAYBOY — Outro caminho possível seria através do Imposto de Renda. Quanto você pagou no último exercício?


CHIQUINHO — Eu posso responder como pessoa física. Você vai se surpreender: é pouquíssimo.


PLAYBOY — Como assim?


CHIQUINHO — É que eu sou, basicamente, uma pessoa jurídica. A esmagadora maioria de meus bens pertence às empresas que dirijo. Como não guardo todos os dados de cabeça, vou mandar levantar a informação. Você a receberá até o final de nossa entrevista. Minha declaração é muito meticulosa. O escritório a adianta diariamente. Aprendi com meu pai. Se o leão pedir no dia 31 de dezembro, tudo bem. Estará prontinha.


PLAYBOY — Deve ter muita comida para o leão dentro dela, não?


CHIQUINHO — O suficiente para seu apetite. [Risos.] Mas você vai ver depois que, como pessoa física, não pago tanto assim.


PLAYBOY — De qualquer forma, parece claro que você possui um grande talento para gastar o seu dinheiro. Graças a isso, você seria acima de tudo um homem que sabe viver?


CHIQUINHO — Exatamente! E graças a Deus! É o que de melhor eu sei fazer. Eu curto, aproveito, desfruto cada segundo em que estou acordado. O que eu mais lamento é não poder dormir menos do que minhas seis ou sete horas diárias de sono. Elas são totalmente perdidas.


PLAYBOY — Você pelo menos não sonha?


CHIQUINHO — Desculpe, mas minha resposta precisará ser muito dura! Eu não sonho porque tenho tudo o que quero. E vou sonhar o quê? Que estou trepando com uma loura maravilhosa? Bobagem, a loura já está do meu lado e basta um cutucão para acordá-la.


PLAYBOY — Pesadelos você também não tem?


CHIQUINHO — O que eu tenho é insônia, talvez por causa de minha ansiedade em estar sempre acordado para viver. Por isso, tomo há dez anos um comprimidinho para dormir. É meu único vício, além do cigarro. Fumo três maços por dia. Mas já consultei vários médicos e todos me explicaram que, com o ritmo de vida que levo, não há a menor possibilidade de que eu possa chegar tranqüilo em casa e adormecer. Agora, o remédio é inofensivo e funciona mais na base da sugestão. Um desses médicos, inclusive, entregou-me uma vez vários vidros para que eu tomasse, com a mesma embalagem da marca que uso. Depois de oito meses, descobri que eram comprimidos de maisena! Eu tomava e dormia como um anjo. A partir daí, comecei a abrir pessoalmente os vidros e a verificar o lacre. Ah, você tinha perguntado de pesadelos. Não, não tenho pesadelos e no máximo sonho com acontecimentos do dia. Nunca com o passado. Gozado, minha memória em relação à infância é muito fraca. Não me lembro direito como era o Colégio Dante Alighieri, onde estudei, nem das três primeiras viagens que fiz à Europa, com meus pais, antes de completar 5 anos de idade. O que não esqueci é que, quando íamos de navio, levávamos a governanta, a babá e uma vaca.


PLAYBOY — Uma vaca?


CHIQUINHO — Era comum. Como a viagem levava muito tempo, a vaca, que ficava no porão do transatlântico, garantia nosso leite fresco. Várias famílias faziam a mesma coisa.


PLAYBOY — Você apagou, de fato, as imagens da infância?


CHIQUINHO — A falta de memória não chega a esse ponto. Minha família é pequena: meu pai, Francisco Scarpa, que tem 75 anos e aparenta 50, filho de um italiano que veio para o Brasil com meu bisavô; minha mãe, Diamantine Patsy McClelland Scarpa, cuja idade não conto, filha de escoceses; eu, que sou o mais velho; a Fátima, casada com Vladimir Nicolaeff; e a Renata, casada com Luciano Julião. Eu costumo contar que meu pai um dia estava de porre, fez amor com minha mãe e aí eu nasci, pequenininho e baixinho. Alarmado, ele resolveu tomar vitaminas e nasceram minhas irmãs. Eu tenho 1,73m, a Fátima, 1,78m e a Renata, 1,80m. Como meus pais casaram tarde, recebi tudo o que queria na infância. Conheci a Europa com 2 anos e a foto de minha partida saiu publicada nos jornais de São Paulo. Ganhei meu primeiro carro com 5 anos — era uma réplica de jeep — e o segundo com 7. Este tinha seis marchas e motor de motocicleta Java. Eu ia para a escola de Rolls Royce, com chofer, naturalmente, e acompanhado da governanta.


"Conheci a Europa com 2 anos, ganhei o meu primeiro carro com 5 e ia para a escola de Rolls Royce, com a governanta"

PLAYBOY — Uma infância de príncipe?


CHIQUINHO — Até completar 15 anos. No dia seguinte ao meu aniversário, 14 de setembro de 1966, meu pai me acordou às 4h30. Estava escuro, e ele me mandou colocar o uniforme do Santo Américo, o colégio que eu freqüentava na ocasião. E me deu a notícia: "Chiquinho, a partir de hoje você vai viver a vida real". Quer dizer, passei a ir de ônibus para o colégio. Foi um choque. Juro que tive vontade de matá-lo. Ele foi tão sacana que conseguiu que o ônibus da escola me apanhasse antes que todos os outros colegas.


PLAYBOY — Você era um bom aluno?


CHIQUINHO — Mais ou menos. Fui muito irrequieto e bagunceiro. Eu jamais cheguei a ser o primeiro ou o último da classe. Bem mais tarde, estudei Direito e Economia. Formei-me em Direito na base do bom senso, estudando às vésperas das provas. Em Economia, passava graças exclusivamente à mais pura Colatina. Nessa época, eu começara a trabalhar nas Organizações Scarpa e, apesar disso, vivia duro. Sério: meu pai não me dava dinheiro. A mesada era pequena e não cobria os gastos de minhas farras. Assim, usei a cabeça. Se não podia me divertir todas as noites, ficava em casa 29 dias por mês. No 30.° dia, porém, entrava numa boate e torrava tudo de uma vez. Enfim, quando meu pai percebeu que eu amadurecera, fui assumindo mais poderes na empresa e aumentando minhas retiradas. E, há seis anos, em vez de esperar, ele dividiu tudo em vida. Ou seja, minhas irmãs e eu já herdamos e hoje temos mais patrimônio do que meu pai. Não sei se foi por influência dos problemas que aconteceram na família Matarazzo, mas o fato é que meu pai decidiu acabar com qualquer eventual disputa futura. Tornei-me o diretor-presidente das empresas, meu pai preside o conselho consultivo, minhas irmãs têm plena confiança em minhas decisões e meus cunhados não participam dos negócios da família. E a casa em que nasci (um majestoso palácio no Jardim América, em São Paulo) ficou para mim.


PLAYBOY — Quais são os negócios da família e o que você faz exatamente?


CHIQUINHO — Na verdade, nosso império não é mais o mesmo. Para você ter uma idéia, o grupo Votorantim, a maior empresa privada brasileira, foi nosso antes de pertencer aos irmãos Ermírio de Moraes. Nossa base foi algodão e a indústria têxtil. Depois, chegamos a ser proprietários de seis cervejarias, entre as quais a Caracu e a Skol. Hoje, temos vastas extensões de terras, empreendimentos imobiliários e interesses em diversas indústrias. Administramos algumas, como usinas de açúcar, e somos acionistas de outras. Meu trabalho é tomar as principais decisões, o que faço no próprio escritório. Antigamente, gostava de acompanhar in loco, porque o olho do dono engorda o boi. Descobri, mais recentemente, que não adianta. Perde-se muito tempo. Uma vez, passei dois meses inspecionando um empreendimento agropecuário que implantamos no Amazonas. Foi fantástico: vi até onças matando nossos bois. Mataram 112 cabeças — aliás, é interessante observar que elas só comem o coração do bicho —, me deram um bruto prejuízo e eu fiquei com vontade de me desfazer de tudo. De mais a mais, não quero ter terras improdutivas, esperando sua valorização. Acho que é algo criminoso no país de hoje. Prefiro pegar o dinheiro, colocar no open e deixar as terras para quem tem capacidade para cultivá-las. E o que adianta ser dono daqueles 180 mil hectares em Mato Grosso? São 3.500 km daqui até lá, grande parte através de caminhos precários. Nas viagens que fiz, peguei seis maleitas. Por essas razões, estou querendo concentrar meus negócios perto de casa. Não me interessa mais ter nada muito longe da avenida Paulista.


PLAYBOY — Quanto tempo você trabalha por dia para administrar essa fortuna toda?


CHIQUINHO — As 24 horas do dia.


PLAYBOY — Você não está exagerando?


CHIQUINHO — Não, porque meu trabalho não é físico e sim mental. Se eu penso, estou trabalhando. E eu penso a toda hora, porque a qualquer momento pode me ocorrer uma idéia.


PLAYBOY — Descreva então sua rotina diária, por favor.


CHIQUINHO — Acordo habitualmente às 9 horas. A governanta bate na porta do meu quarto e entra com todos os jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro, mais meu café, que aliás não tem café nem chá, e sim um copo de suco de tangerina, uma cenoura crua, um pouco de guaraná em pó, bolachas, geléia dietética e um pedaço de queijo mozarela. Eu me cuido. Dou uma olhada nos jornais, marco o que me interessa para ler depois e vou ao banheiro, onde costumo demorar. De segunda a sexta-feira, desço para minha sala de ginástica. Tenho dois professores que se revezam. Nado uns 20 minutos e ao meio-dia subo para um banho. Aí almoço frugalmente: salada, uma carne fria, iogurte desnatado, gelatina dietética com frutas e uma garrafinha de água mineral. Nos fins de semana, não saio de casa e não faço mais nada, a não ser receber alguns amigos e ficar com a namorada. Nos dias úteis vou às duas da tarde para o escritório.


PLAYBOY — Dirigindo?


CHIQUINHO — De dia, sempre. É perto, levo uns dois minutos. E lá, por incrível que pareça, tenho pouco trabalho. Eu já refleti sobre negócios enquanto comia, nadava ou fazia ginástica. Recebo pessoas, troco idéias e participo de algumas reuniões. Fico até sete, oito horas da noite e volto para casa. Saio pouco, porque evito compromissos sociais. Dificilmente vou à casa dos outros. É que represento um estorvo. Todos acham que sou um sujeito esnobe, me oferecem caviar com champanhe e a mulher fica se arrumando o dia inteiro para me receber. Eles não sabem que não sou enjoado, gosto de tudo, adoro um sanduíche de mortadela e procuro fazer com que as pessoas sintam-se à vontade na minha presença. E também não badalo muito por aí, não. Só vou a sete lugares, e mesmo assim eventualmente: Gallery, Tambouille, Rodeio, Regine's, Manhattan, Otelo e Viva Maria. É tudo o que conheço em São Paulo.


PLAYBOY — Muita gente não vai acreditar.


CHIQUINHO — Acontece que existem várias lendas a meu respeito. Certa vez, jornais diferentes noticiaram minha presença em festas promovidas na mesma noite em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Salvador e em Porto Alegre. Na mesma noite! Decerto os donos das festas passaram a "informação" aos colunistas, que publicaram a nota com uma foto minha de arquivo. Os leitores acreditam. Eu tenho os recortes guardados.


PLAYBOY — Quais são suas atividades domésticas noturnas, além da reflexão sobre negócios?


CHIQUINHO — Janto com a moça que estou namorando, converso com os amigos que me visitam e curto vídeo. Apesar de receber jornais e revistas da Europa e dos Estados Unidos, leio somente assuntos que me interessam, como negócios e economia. E, em vez de romances, prefiro ver filmes na tv. Eu recebo tapes dos últimos lançamentos do cinema, além de noticiários de emissoras americanas, inglesas e francesas. Vejo tudo que posso. Sabe, tenho inclusive uma antena parabólica, um invento fantástico que permite que você capte o sinal das transmissões internacionais diretamente do satélite. Teoricamente, eu poderia assistir ao vivo a programação do mundo inteiro na minha casa.


PLAYBOY — Por que teoricamente?


CHIQUINHO — Porque na prática a antena ainda não funcionou, pelo menos para mim. O Antônio Ermírio de Moraes, presidente do grupo Votorantim, instalou uma em sua fazenda. A dele deu certo, a minha não. Na noite do primeiro debate nos Estados Unidos entre o Reagan e o Mondale eu tentei ligá-la de qualquer maneira para ver o programa ao vivo, e nada. Eu estava desesperado, quando o Antônio Ermírio me ligou: "Aqui está pegando muito bem". Só depois eu soube que a Globo transmitiu direto.


PLAYBOY — Você é muito ligado em televisão. É certo que figura em seus planos comprar uma emissora?


CHIQUINHO — Uma emissora, não. Eu compraria uma rede. Como no Brasil não há mais espaço para outras redes, eu teria que tentar uma das já existentes.


PLAYBOY — A Bandeirantes, quem sabe?


CHIQUINHO — É uma das minhas alternativas. Tenho uma opção de compra, para tornar-me dono ou adquirir 40% das ações. Trata-se de uma empresa familiar e o proprietário, o seu João Saad, anda um pouco cansado e não precisa de televisão para viver.


PLAYBOY — Existem negociações adiantadas entre as duas partes? Vocês falaram em cifras?


CHIQUINHO — Dinheiro não é bem o problema. Seu João, um fazendeiro nato, gosta de terras, e eu, que me interesso muito por televisão, pretendo me desfazer de algumas propriedades rurais. Eu toparia uma transação se recebesse a Bandeirantes limpa, isto é, sem dívidas trabalhistas.


PLAYBOY — E a outra alternativa?


CHIQUINHO — Bem, eu estou informado que o Sílvio Santos ficou meio aborrecido com o passivo que herdou das antigas Associadas e que preferia fazer apenas seu programa de domingo. Mas eu venho pensando mais na Bandeirantes.


PLAYBOY — Você tem idéias claras sobre o que gostaria de fazer em televisão?


CHIQUINHO — Não há segredos. Criaria, uma programação à base de shows, filmes, esportes e jornalismo, mais uma novela. Em jornalismo, daríamos as notícias com total isenção, sem qualquer tipo de comprometimento, o que seria uma novidade no Brasil, onde costuma-se apresentar a versão do fato de acordo com a linha da empresa. Como primeiro passo, levantei os nomes dos melhores profissionais de televisão do país. Alguns eu evidentemente não poderia contratar. É o caso do Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, vice-presidente de operações da Globo). A Globo não permitiria. Mas tenho 1.500 nomes catalogados, em todas as áreas. Infelizmente, posso contar nos dez dedos os profissionais de primeira linha.


"Eu tenho opção de compra da TV Bandeirantes e já cataloguei os nomes de 1.500 pessoas que gostaria de contratar"

PLAYBOY — Você poderia citar nomes?


CHIQUINHO — Um cara que eu levaria comigo é o Flávio Cavalcanti.


PLAYBOY — O Flávio Cavalcanti?


CHIQUINHO — Ele tem idéias sensacionais e faria um sucesso estrondoso. O que lhe falta é verba e até hoje não o deixaram inovar. Contrataria também gente que, apesar de relativamente desconhecida, faz misérias na tv. Em novembro último, quando participei da gravação de um capítulo da novela Vereda Tropical, conheci um diretor simplesmente fantástico, que mostrava aos atores exatamente o que eles deveriam fazer em cena — e acredite que às vezes interpretava melhor. Chama-se Jorge Fernando. É mais um que eu levaria para o meu time.


PLAYBOY — Antes de Vereda Tropical, você apareceu na novela Ninho da Serpente, da TV Bandeirantes, e foi jurado de di-ersos programas, como Chacrinha e o próprio Flávio Cavalcanti. Isso é importante para você?


CHIQUINHO — É que eu gosto do veículo, entende? E sempre doei os cachês a que teria direito a instituições filantrópicas. Os tapes de todas as minhas aparições estão na minha casa. São quase 300 horas de gravação.


PLAYBOY — O que você faz com as fitas?


CHIQUINHO — De vez em quando revejo. Ou mostro para amigos.


PLAYBOY — Você também não guarda todos os recortes de notícias publicadas na imprensa a seu respeito?


CHIQUINHO — Tudo, guardo tudo. Cada coisa que sai é arquivada e numerada. Depois mando encadernar. Passei recentemente do número 5.000. Tenho ao todo 50 volumes guardados.


PLAYBOY — Não há aí uma certa dose de exibicionismo?


CHIQUINHO — Não, não. Todo mundo sabe quem eu sou, o que faço e o que tenho. Não há por que esconder. Não peço para ir à televisão; sou convidado. Não pago, nunca paguei colunistas ou jornalistas e não sou anunciante de jornais e revistas; se falam de mim é porque sou notícia e devo vender.


PLAYBOY — Você não vai negar que gosta dessa badalação toda...


CHIQUINHO — E quem não gosta? É lógico que curto. Sinto um prazer imenso cada vez que vejo meu retrato no jornal. Quem não gosta de entrar numa boate e ser cumprimentado por todas as mesas? Quem não gosta de aparecer na televisão? Quem não gosta de ser reconhecido, dar autógrafos, ser parado na rua? E seria apenas por uma questão de dinheiro?


PLAYBOY — Por falar nisso, você não esqueceu daquela informação sobre o Imposto de Renda, não é?


CHIQUINHO — Não, está sendo providenciada. Reafirmo que você a terá até o final da entrevista. Mas, quanto ao dinheiro, será que só sou badalado por causa disso? Acho que não. Está cheio de gente muito rica por aí que não aparece nunca. E por que eu me destaco? Penso que naturalmente. É a minha conversa, são os meus amigos, são os lugares que freqüento.


PLAYBOY — E suas mulheres.


CHIQUINHO — E minhas mulheres.


PLAYBOY — Você é considerado um dos maiores sedutores do Brasil em sua geração. Quantas mulheres você já teve?


CHIQUINHO — Ah, é como o dinheiro. Não tenho a menor idéia. É impossível calcular. Nem pelas fichas eu poderia saber.


PLAYBOY — Que fichas?


CHIQUINHO — Estas fichas aqui. (Mostra, ao lado da mesa, três imensos fichários de cores diferentes.) As azuis são de homens que conheci e as amarelas são da área de negócios. Uma para cada pessoa: nome, endereço, telefone, assuntos que tratamos, local e data do encontro. E as cor-de-rosa, finalmente, são de mulheres. Só estas são mais de 7 mil, tudo organizado direitinho. Antes, porém, eu queria contar a origem das fichas.


PLAYBOY — Vamos lá.


CHIQUINHO — Quando eu tinha 17 anos, durante uma viagem a Nova York, o banqueiro David Rockefeller recebeu-me em seu escritório. Ele conhecia meu pai e foi gentilíssimo comigo: "Chiquinho, como vai? E o doutor Scarpa? Como está dona Patsy? E suas irmãs, Patrícia e Renata? Eu lembro perfeitamente do jantar que vocês me ofereceram em sua casa". Saí dali me achando o sujeito mais importante do mundo. Que homem gentil! Que memória! Fiquei orgulhosíssimo de mim e de minha família. Dois anos depois, o Rockefeller mandou convidar meu pai para passar uns dias num clube em Nassau, nas Bahamas. Ele não pôde ir e eu fui em seu lugar. Lá, encontrei a secretária do Rockefeller, tivemos um pequeno romance e eu lhe perguntei qual era o segredo da prodigiosa memória do seu chefe. Que memória, nada! Sempre que encontrava alguém, ele ditava num gravador os dados principais, que depois a secretária transcrevia para uma ficha. Quando ia rever a pessoa, examinava sua ficha e dava aquele show. Logo depois, voltei a São Paulo e vi uma loura lindíssima, maravilhosa, no antigo Flag. Descobri seu endereço e durante uma semana, disposto a conquistá-la, mandei-lhe flores e chocolate. Afinal, convidei-a para jantar, levei-a a duas boates e enfim a um triplex que eu tinha. Quando já estávamos nus na cama, nos beijando, ela chega e me diz: "Olha, Chiquinho, eu vi muitos tipos de tara na minha vida, mas nenhuma como a sua". Diabo, que tara? Estava tudo normalzinho... "Pô, Chiquinho, antigamente você me apanhava no Scarabochio e não precisava desse ritual todo para me comer!" Era uma putinha com quem eu saíra outras vezes e que havia tingido o cabelo. Tive vontade de matá-la, mas me contive.


"Aprendi com o Rockefeller a fichar amigos e mulheres, depois que ele me fez sentir o homem mais importante do mundo"

PLAYBOY — E aí?


CHIQUINHO — Aí, imitei o David Rockefeller e criei as fichas, pensando sobretudo nas mulheres, e nunca mais confundi nenhuma. Não se pode confiar na memória. Vamos ver como funcionam as fichas. (Apanha algumas ao acaso.) Número 7.008, Mônica, deixa o sobrenome pra lá, telefone tal em Paris. Jantamos no Maxim's em setembro de 1978. Saí. D.


PLAYBOY — O que significa a letra D?


CHIQUINHO — Tenho alguns códigos. D quer dizer "deu". Mais uma. "Conchita Coelho, portuguesa, loira. Conheci em Madri, 1977. Nota 7. D." Outra: "Anabel Fierro, Madri, muito simpática, olhos azuis, 1,60 m, loira, filha de um banqueiro. Fui apresentado, mas não saí. Nota 7".


PLAYBOY — Quais são os critérios para as notas?


CHIQUINHO — O conjunto geral: beleza, corpo, inteligência, etc. E também seu desempenho na cama. Dou notas de zero a 10. Não exijo beleza perfeita e sim uma aparência externa cuidada. Hoje em dia, há muitas mulheres lindas que se esforçam para se enfeiarem. Não fazem ginástica, não se cuidam, não tratam do cabelo, fumam muito, bebem, às vezes tomam droga. Em poucos anos viram um caco. E ainda por cima saem de tênis velho e jeans esculhambado. Detesto, do mesmo modo, a mulher BB, quer dizer, bonita e burra. São chatas e, além do mais, eu, Chiquinho Scarpa, já me estabeleci de tal maneira que, graças a Deus, não preciso ter mulher bonita ao meu lado para atrair outras. Mulher bonita, você sabe, é chamariz para mulher bonita. Obviamente, na cama é outra história. Há decepções incríveis. Outro dia, estava conversando a respeito com um amigo meu, o Carlinhos Salem. Falamos de uma garota que conhecemos em Paris, em épocas diferentes. Eu lhe dei nota 7. "Nota 7, Chiquinho?", indignou-se o Carlihhos. "É um mulherão. Eu daria 9, no mínimo. Talvez 10." Eu ri e perguntei: "Comeu?" E ele: "Não". Então, encerrei a discussão: "Sorte sua. É uma geladeira". Por aí você vê que meus critérios de nota são bastante abrangentes.


PLAYBOY — Com suas fichas e notas, você não estaria transformando as mulheres em, literalmente, objetos sexuais?


CHIQUINHO — Até que não. Na verdade, eu é que sou um objeto sexual. Eu sinto um enorme, imenso prazer ao ver a mulher chegar ao orgasmo. Só depois que ela o atinge duas ou três vezes e consigo satisfazê-la inteiramente é que eu chego ao gozo.


PLAYBOY — Esquentou, não?


CHIQUINHO — A conversa?


PLAYBOY — Não, a sala.


CHIQUINHO — Ih, papai foi embora! Toda vez que ele sai daqui do escritório, ele desliga o ar-condicionado do andar inteiro. Por economia, vê se pode! Ele não é rico à toa. Mas, voltando ao nosso tema, uma noite dessas estava quente como hoje, tinha uma lua cheia linda no céu e eu fiquei andando nos jardins lá de casa. Pensei na vida, em várias coisas e inclusive nesta nossa entrevista. Engraçado, estamos falando justamente disso e naquela noite me surpreendi meditando sozinho: "Puxa, Chiquinho, como você saiu com mulheres na tua vida!" E você me perguntaria quantas foram. Tentei calcular, mas não foi possível.


PLAYBOY — "Sair", para você, quer dizer "transar"?


CHIQUINHO — Claro. Sair sem transar é algo que não existe no meu dicionário. Se alguma moça saiu comigo e não transou, mande por favor uma carta para a redação de PLAYBOY relatando esse fato inédito. Nunca aconteceu. Mas eu não uso o verbo transar. Não é do meu tempo. Prefiro palavras mais claras: trepar, foder... Mas tem uma coisa. Namoradas foram poucas.


PLAYBOY — Você lembra-se de todas?


CHIQUINHO — Sim, a relação é curta. A primeira, de mãozinha dada, chamava-se Cristininha Turner. Tínhamos 15 anos. Depois, um outro namoro inocente: Helô Vidal. Cresci um pouco mais e namorei a Solange Carezzatto. Seguiu-se um namoro de sete anos com a Alice Bueno de Freitas. Depois, a Luz de Fátima Ribeiro. E ponto final. Não houve nenhuma outra. Fui sempre fiel a todas elas.


PLAYBOY — Fiel de verdade?


CHIQUINHO — Da forma mais profunda que você possa imaginar. A mesma fidelidade que dedico aos meus amigos eu tenho pelas minhas namoradas. Sou incapaz de traí-las. É uma questão absolutamente lógica. Se estou namorando uma moça, sem qualquer vínculo, pois jamais fui noivo, casei ou morei junto, é porque gosto dela. Se me interessar por outra, rompo com a que estou e começo tudo outra vez. Lógico, se eu fosse casado haveria obrigações mútuas e não poderia trocar de mulher sem mais nem menos. Eu entendo perfeitamente que um homem casado procure mulheres diferentes e, pelo que se observa no Rio de Janeiro e em São Paulo, no meio da sociedade, é um fenômeno que acontece igualmente com as mulheres.


PLAYBOY — Mas você não disse que perdeu a conta de seus casos?


CHIQUINHO — Há os intervalos, não é mesmo? [Risos.] Durante os sete anos em que estive com a Alice, por exemplo, houve um pequeno intervalo em que me entusiasmei por outra. Foram dois meses. Durante o primeiro mês, saí com essa moça. Durante o segundo, fiquei aos pés da Alice pedindo para reatarmos. De resto, eu comecei bem cedo.


PLAYBOY — Com que idade?


CHIQUINHO — Aos 11 anos. Foi com uma senhora bem mais velha, que tinha uns 35. Seu marido trabalhava na Cervejaria Caracu, que pertencia ao meu pai, em Rio Claro, no interior paulista, e ela adorava garotinhos. Seduziu-me. Eu gostei tanto que todas as manhãs, mal o marido dirigia-se à fábrica, lá ia eu para sua casa, escondido, de pijama. Ela morava junto da nossa fazenda.


PLAYBOY — E depois?


CHIQUINHO — Eu me entusiasmei, porque acabara de fazer uma grande descoberta. Minha educação fora muito rígida, em colégio de padre, onde o prazer era considerado pecado. Fui fazendo minhas farras durante as férias na fazenda de Rio Claro. Eu ia às casas de mulheres em Piracicaba, Bauru e outras cidades, com um grupo de amigos, numa kombi da Caracu. Era até propaganda da cerveja. As donas dos estabelecimentos não nos cobravam nada, porque sabiam quem eu era. Coitadas, achavam que estavam investindo no futuro, ignorando a liberalização sexual que estava por vir.


PLAYBOY — As prostitutas foram importantes para você?


CHIQUINHO — Tive muitas amigas entre elas. Lamentavelmente, perdi o contato. Mas eu gostava das putas. Elas me tratavam muito bem. A dona Laura, do Scarabochio e do La Licorne, era outra que me fazia a maior festa. Quando eu levava algum colega de colégio, sentia-me um rei, pois todos passavam a me respeitar ainda mais. Afinal, eu era o amigo da dona. Durante algum tempo, eu freqüentei, aos sábados, a Feijoada das Putas, realizada no Scarabochio. Era só para encontrar os amigos. Alguns deles, casados, ainda vão. Atualmente, os homens casados são o mercado que lhes resta. E por quê? Porque puta não enche o saco e não quer que você troque sua mulher por ela. Você trepa, paga e acabou. Ela não fica te telefonando e não te exige mais nada. Além de tudo, algumas vezes é mais fácil pegar uma profissional do que uma cocotinha dessas querendo te dar de qualquer jeito.


PLAYBOY — Por quê?


CHIQUINHO — Essas meninas não se cuidam. Podem engravidar, seja por descuido ou intencionalmente. Felizmente, tenho um sentido aguçado para elas. Pressinto o perigo de longe. Não é por acaso que jamais engravidei uma mulher. De outro lado, tenho observado um fenômeno crescente que me deixa muito preocupado: a arte da conquista está acabando. Atualmente, as mulheres perguntam diretamente se você quer ir com elas. A mulher é que te canta. E eu adoro conquistar. Estudo a personalidade da garota, mando flores, telefono, começo a cortejá-la e, quando sinto que atingi seu ponto fraco, ataco. Não tem mais isso. Os homens são paquerados e as mulheres se tornaram muito, muito acessíveis. Elas estão trepando cada vez mais cedo. Não faz muito tempo, estive numa danceteria, onde uma menina me agarrou e não queria me soltar. Foi preciso que minha segurança a retirasse dali. Era linda. Mas tinha 14 anos.


PLAYBOY — Você não gosta de jovens?


CHIQUINHO — Não, prefiro as experientes. Nunca investi nessa faixa, com exceção de uma, de 16 anos. Mas foi um caso esporádico.


PLAYBOY — E as casadas?


CHIQUINHO — Também não. Tive inúmeras oportunidades, mas não entro nessa. Sou incapaz de sair com uma mulher casada, conhecendo ou não o marido.


PLAYBOY — Você teve todas as mulheres que quis?


CHIQUINHO — Todas, sem exceção. Não aceitei algumas, o que é diferente, sobretudo essas que levam jeito de estarem querendo engravidar. As que eu quis, entretanto, consegui. Não guardo uma única frustração nesse sentido.


PLAYBOY — Há pouco, você falou na arte da conquista. Qual é a sua receita? Você tem um método?


CHIQUINHO — No meu caso, existe um inconveniente: todas sempre me conhecem. Em determinadas ocasiões, eu peguei o carro e desci a rua Augusta. Quando via alguém que me interessava, encostava, abria o vidro e, antes que eu falasse qualquer coisa, vinha a mesma frase: "Oi, Chiquinho". Perdia a graça. Digamos que uma mulher me chama a atenção numa festa. O que faço? Primeiro, levanto rapidamente todas as informações possíveis sobre ela. Sento-me então ao seu lado e passo a conversar sobre assuntos de seu interesse, que a essa altura já sei quais são. E logo faço o convite para almoço ou jantar. Funciona sempre. O segredo é que meu convite nunca é vago, do tipo "Vamos jantar uma noite dessas?", pois isso não amarra nada. O convite deve conter, como elementos essenciais, o "quando" e o "onde". Um exemplo prático: em maio passado, encontrei uma loura deslumbrante, de 1,80 m, num jantar em Paris. Eu adoro louras altas. Trocamos olhares significativos. Na hora em que ela ia sair, com o motorista já abrindo a porta do seu carro, foi que eu a abordei: "Quer almoçar comigo amanhã, às 13 horas, no Retais?" Foi tiro e queda.


PLAYBOY — Durante algum tempo, chegou-se a imaginar que, entre as mulheres que conviveram com você, estaria ninguém menos do que a princesa Caroline, de Mônaco. Essa suposição rendeu-lhe, além da inveja de muita gente, um rumoroso processo internacional. Vamos esclarecer esse caso definitivamente?


CHIQUINHO — O processo está guardado aqui na minha gaveta e, como é notório, não deu em nada. Todos sabem que os advogados do príncipe Rainier, pai de Caroline, tinham uma procuração em branco para processar quem falasse qualquer coisa sobre a reputação da família real de Mônaco. Em 1976, o Ibrahim Sued me entrevistou para a TV Globo e ficou insistindo para que eu citasse nomes de mulheres famosas com quem eu tinha saído. Como não estava com vontade de responder, citei mulheres praticamente inatingíveis, entre as quais a Caroline. Ele então retrucou: "Mas ela não é virgem?" Eu fiz um comentário simples, sem maldade: "Esta é a sua opinião". Sob minha palavra de honra: em nenhum instante eu quis deixar transparecer que havia dormido com a Caroline. Mas veio o processo, pediram uma indenização de 5 milhões de dólares e no fim fizemos acordo. Ninguém pagou nada.


PLAYBOY — Você conhecia a Caroline?


CHIQUINHO — Como não haveria de conhecê-la? Passei vários verões de minha infância em Monte Carlo, que são dois quarteirões. Minha mãe é há tempos patronesse de festas realizadas no Principado em benefício de crianças carentes. Era natural que nos cruzássemos. Mas, francamente, a Caroline não é o meu tipo. Prefiro a irmã dela, a Stephanie, embora ela seja espiroqueta demais para o meu gosto. Aliás, para provar que o processo foi uma besteira de advogados, nós jantamos na mesma mesa, em setembro, durante um espetáculo do Frank Sinatra em Paris. Ela era a patronesse. Conversamos muito cordialmente. Eu estava com minha namorada, Luz de Fátima, a Fatiminha, e ela com seu marido, o italiano Stefano Casiraghi, que é seis anos mais moço. O Stefano até olhava bastante para a Fatiminha. Na nossa mesa estava também um cara vestido horrivelmente de hippie. Quase pedi para o maitre tirá-lo de lá. Depois eu soube que era o Ringo Starr...


"Quando jantei recentemente com a princesa Caroline, em Paris, seu marido ficou olhando bastante para minha namorada"

PLAYBOY — Você continua viajando muito?


CHIQUINHO — Costumo ir à Europa a cada três meses. Minhas permanências são curtas, de dez a 15 dias. Durante Os sete anos em que namorei a Alice, estive um pouco afastado de meus amigos no exterior. Mas estou retomando esses contatos.


PLAYBOY — Quais são seus roteiros habituais?


CHIQUINHO — Vou muito ao Marrocos, onde vive um grande amigo meu, o Daniel Amar, que é franco-marroquino, dono da Danone e tem muito, muito mais dinheiro do que eu. Só para dar uma idéia, ele me convidou para entrar de sócio num negócio que definiu como um "pequeno empreendimento": uma rede de 80 minimercados em Paris. Ofereceu-me 10% das ações e na hora, de alegre, eu topei. Tive que desistir logo em seguida, porque minha cota nesse pequeno empreendimento seria de 86 milhões de dólares! O Daniel é um grande anfitrião e me hospeda em seu palácio perto de Casablanca, colocando um escravo a minha disposição.


PLAYBOY — Um escravo?


CHIQUINHO — Sim, um escravo. Na prática, lá ainda existe escravidão. Numa de minhas visitas, ele não só deixou comigo uma morena cor de jambo e olhos castanhos, gostosíssima, de 19 anos, a Miriam, como ganhei de presente um pretão alto de uns 60 anos, o Dudli. O Dudli é meu. Evidentemente, não posso trazê-lo para o Brasil porque seria proibido. Em homenagem a ele, batizei meu cachorro, um dog alemão de 6 anos, de Dudli.


PLAYBOY — Além desse cenário de Mil-e-uma-noites, que outros lugares você freqüenta?


CHIQUINHO — Monte Carlo, Paris, Espanha. Não tenho ido à Itália, onde o povo anda triste e desiludido. Os italianos estão parecendo os cariocas, que perderam um pouco da alegria de viver. Ao Rio, eu vou única e exclusivamente durante o Carnaval, que o governador Leonel Brizola, faça-se justiça, conseguiu tornar mais festivo e organizado. A noite do Rio deixou de existir depois que o mundo diplomático mudou-se para Brasília e seus únicos endereços freqüentáveis são os do Ricardo Amaral. Não gosto de Londres, que está sujíssima. Nem de Nova York. Metrópole por metrópole, eu moro em São Paulo. E ainda passo alguns verões em Punta del Este, no Uruguai.


"A noite do Rio acabou. Não gosto de Londres, que está sujíssima. Nem de Nova York. Mas curto muito Punta del Este"

PLAYBOY — Para jogar no cassino?


CHIQUINHO — Eu jogava bacará antigamente, mas ao assumir a presidência das nossas empresas decidi que os fatores sorte e azar teriam que ser abandonados em todas as minhas decisões. Jogo eventualmente gamão e tranca, em família, quando faltam parceiros para meu pai. Mas eu já aprontei em Punta del Este. Muitos anos atrás, na véspera de voltar de uma temporada, passei no banco e peguei o dinheiro necessário para pagar o aluguel de um Mustang e saldar minhas despesas de armazém, lavanderia e outras contas que eu deixara pendentes. Não me lembro da quantia, mas era uma bela nota. Muito bem. A noite, com o dinheiro no bolso, não resisti ao convite de uns amigos e fui ao cassino. Queria só ver o movimento. Imagine! Meio de farra, troquei tudo por uma fichona preta, a mais cara de todas, e sentei-me à mesa de bacará. Era realmente uma brincadeira, porque a ficha estava muito acima do limite aceito pelo cassino. De repente, chega o dono e anuncia solenemente: "A banca está aberta para o senhor Scarpa". E agora, honrava o jogo ou fugia vergonhosamente? Todos os olhares estavam em cima de mim. Ah, fosse o que Deus quisesse. Coloquei a fichona negra na mesa, foram dadas as cartas e... perdi! Me deu um desespero tão grande que apanhei um monte de fichas sobre a mesa e saí correndo para o banheiro, onde me tranquei. Foi todo mundo atrás, polícia, dono do cassino, amigos, o diabo. Um escândalo! Meu pai teve que me liberar na delegacia, pagar os prejuízos e ainda me arranjar dinheiro. Apesar de tudo, continuo curtindo muito Punta del Este. Sem cassino, lógico.


PLAYBOY — E de São Paulo, você gosta?


CHIQUINHO — Gosto muito dos lugares a que vou, de receber meus amigos em casa, de minha família, dos meus negócios. Mas, para ser franco, eu não conheço muita coisa. Primeiro, eu basicamente recebo os amigos em casa e minha vida noturna limita-se às sete casas que citei. Segundo, quem precisa tratar de negócios comigo vem ao meu escritório. Eu não vou jamais ao escritório de ninguém. Não sei onde trabalha meu alfaiate Panzica, que faz roupas para mim há 18 anos — invariavelmente ternos com paletó tipo jaquetão, dois botões, duas aberturas e barra na calça. Eu chamo, ele traz os panos e confere as medidas. A mesma coisa com meu camiseiro Oswaldo e meu sapateiro Busso. Nunca fui a uma loja. Se for, aparece o dono, um freguês vai querer saber da minha vida, o filho da vendedora está sem emprego, o marido de outra quebrou a perna, e eu não posso sorrir o tempo todo, pô! Aliás, minto. Eu estive no Shopping Center Eldorado. Dias antes da inauguração, sem ninguém lá dentro, o dono abriu para mim, exclusivamente.


PLAYBOY — Você não vai ao cinema?


CHIQUINHO — Nunca fui a um cinema em São Paulo. Não faz muito, me deu vontade e convidei a Fatiminha: "Escuta, vamos aqui perto de casa no Cine Paulista?" "Que Cine Paulista?" "Aquele que tem ali na esquina da Oscar Freire com a Augusta." "Você está louco, Chiquinho, ali não tem cinema nenhum." Mas tinha, só que fechara 20 anos antes. Era uma vaga recordação de infância. Isso não impede que eu assista a todos os filmes importantes, meses antes do lançamento comercial no Brasil, porque recebo as fitas diretamente do exterior.


PLAYBOY — E o metrô?


CHIQUINHO — Também não conheço. Mas tenho uma certa curiosidade em relação ao metrô de Moscou.


PLAYBOY — Você já foi a Moscou?


CHIQUINHO — Não. Por razões óbvias, o mundo comunista não me atrai. O que adiantaria eu ir lá, ficar confinado no hotel e ser rodeado por aquela pobreza toda, os pedintes querendo chicletes e roupa americana?


PLAYBOY — Você não está sendo muito radical?


CHIQUINHO — Olha, na teoria o comunismo é uma beleza. Na prática, não foi instalado em nenhum país. Quer um exemplo incrível? Cuba. Enquanto o povo corta cana, o Fidel Castro, que tem propriedades lindas, leva uma vida de rei, come caviar e toma champanhe o dia inteiro, e conta com as melhores putas do mundo à sua disposição.


PLAYBOY — Como você sabe?


CHIQUINHO — Porque eu conheci pessoalmente duas delas em Paris: a Marisa, que é espanhola, e a Ingrid, que é francesa. Elas vão regularmente a Havana pela Aeroflot, a empresa aérea soviética. São pagas com jóias, roupas finas e até charutos.


PLAYBOY — Em seu entender, qual seria o regime político ideal?


CHIQUINHO — Dos que eu vi de perto, o modelo adotado nos países nórdicos me pareceu o melhor. Mas acho que não devemos copiar nada no Brasil, para o qual defendo as mais amplas liberdades políticas, o que não impede que eu condene certos excessos que aconteceram depois que levantaram a censura à imprensa. Por exemplo: os jornais criticam impunemente seus desafetos e acusam sem provar. Defendo, inclusive, a legalização do Partido Comunista, mesmo porque está mais do que provado que os comunistas não querem e nem podem tomar o poder no Brasil. Quando todos os partidos organizados puderem sair à luz do dia é que teremos uma democracia de verdade. Apesar disso, vejo com tristeza o que aconteceu com o PT. Pensei que seria um partido com idéias novas, tendo em vista que os trabalhadores conhecem seus problemas na carne, e virou uma bagunça total. O Lula, então, perdeu-se completamente e deixou de ser um líder. Eu cheguei a conhecê-lo na Villares, onde era um torneiro mecânico muito competente. Uma pena. Não é mais nem sindicalista nem político e muito menos um bom torneiro mecânico, pois, ao que eu saiba, deixou de trabalhar.


PLAYBOY — Em certos círculos da chamada alta sociedade, ainda é chic ter simpatia pelo PT?


CHIQUINHO — Sinceramente, eu não conheço ninguém. O próprio deputado federal Eduardo Matarazzo Suplicy, eleito pelo PT de São Paulo, embora pertença a uma família tradicional, não tem um tostão furado no bolso e seus irmãos trabalham em vídeo-clube para viver. Que eu saiba, o único cara rico com tendências esquerdistas é o Jorginho Guinle. Ele se diz marxista. Isso porque ele confunde Karl Marx com os Irmãos Marx. [Risos.]


"Só conheço um cara rico que se diz marxista: o Jorginho. Guinle, que ainda confunde Karl Marx com os Irmãos Marx"

PLAYBOY — Em quem você votou nas eleições de 15 de novembro de 1982?


CHIQUINHO — No PDS: Reinaldo de Barros para governador, José Papa Júnior para senador e meu amigo João Paulo Arruda para deputado federal. Todos perderam, mas eu acreditava que o Zizinho Papa daria um excelente senador. É preparado, jovem e tem dinheiro.


PLAYBOY — Ter dinheiro é importante?


CHIQUINHO — É, porque não precisa roubar.


PLAYBOY — Você não está caindo em contradição? Há pouco você defendeu as mais amplas liberdades políticas para o país e agora resolve excluir da vida pública a esmagadora maioria da população brasileira.


CHIQUINHO — Você tem toda razão. Mas, se o político já tem dinheiro, a possibilidade de ele vir a roubar torna-se menor e deve-se fazer o possível para evitar as tentações. Nesse sentido, eu tenho minhas simpatias pelo Paulo Maluf, porque sendo sua mãe riquíssima — a dona Maria pode ser considerada uma das grandes fortunas do mundo — ele não precisará se corromper no poder. Mas eu não sou nem malufista nem tancredista.


PLAYBOY — Falando em riqueza, o que você sente quando passa de Rolls Royce perto de uma favela?


CHIQUINHO — Sua pergunta é um pouco irreal por vários motivos. Um: não uso habitualmente meu Rolls Royce, salvo para alguns acontecimentos sociais noturnos. Ele já foi cedido para a Simone, Gal Costa, Pele e o próprio Frank Sinatra. Um antigo Rolls Royce meu foi usado pela rainha Elizabeth, por empréstimo, quando ela esteve no Brasil. Dois: nos meus caminhos normais não há nenhuma favela no meio. Três: se por acaso um pobre cruzar comigo, não saberá nem que carro é esse. Quatro: eu lá sou culpado pela pobreza alheia? Dirijo a nação? Criei a política econômica do país? O que você quer que eu faça? Que saia distribuindo dinheiro pela avenida Paulista?


PLAYBOY — Mas você haverá de concordar que existem pessoas muito ricas que procuram não ostentar. Você, ao contrário, expõe-se bastante. Concorda?


CHIQUINHO — Quem esconde é porque ganhou dinheiro ilicitamente. Quem tem Mercedes e guarda na garagem é porque a Mercedes é fria. Quem dá um brilhante de 30 quilates para a mulher e não deixa que ela o use é porque o brilhante é falso. Não sou demagogo para negar minha riqueza. Sou rico, sim. E muito rico. Por que haveria de omitir esse fato ou de me envergonhar? Fui um privilegiado por ter nascido assim e sinto orgulho de ajudar o país com os impostos que pago, os empregos que gero e as entidades filantrópicas que mantenho, aí sim, anonimamente.


PLAYBOY — Seus amigos ressaltam que você é igualmente generoso. Que presentes você costuma lhes dar?


CHIQUINHO — Depende de cada um. Sou muito pessoal, estudo as personalidades dos outros, sinto um prazer enorme em presentear e nunca dei porcaria para ninguém. Eu só generalizei quando encomendei na Suíça, sete anos atrás, 100 relógios com design Porsche e mecanismo Rolex para distribuir no Natal. No mostruário, ao invés da marca, estava escrito "Chiquinho Scarpa". Em outra oportunidade mandei fazer canetas Caran d'Ache de ouro, também na Suíça, com um "S" grande. Em geral, meus amigos ganham coisas que gostam, desejam ou precisam. Quando o Paulo Bastos (dono de uma empresa de promoções) mudou-se para uma casa eu lhe mandei um cachorro. O João Paulo Arruda adora camisas de seda? Encomendo duas ou três sob medida no seu aniversário. Meu secretário em Sorocaba estava andando a pé? Comprei-lhe um Volks. Em resumo, eu diria que a generosidade está entre minhas virtudes.


PLAYBOY — E os defeitos?


CHIQUINHO — Eu roía as unhas, tenho dicção ruim e fico horas no banheiro me arrumando, mas isso não é bem defeito. (Medita em silêncio por algum tempo.) Não sou egoísta, mas sou egocêntrico. Desde que me entendo por gente o mundo tem girado em torno de mim. E, modestamente, posso me considerar o epicentro do meu mundo. Não tenho chefe, não tenho que dar satisfações a ninguém, não dependo de ninguém, não devo nem nunca devi nada a ninguém.


PLAYBOY — Você não tem medo da morte?


CHIQUINHO — Meu testamento está pronto há vários anos e posso adiantar que amigos herdarão algumas coisas. Meus negócios estão em ordem. E, sem medo de errar, meu lugar no céu está garantido. Portanto, a morte não me assusta. O único pânico que tenho é de ficar aleijado. Há três coisas que nunca fiz: tomar ou experimentar drogas, dar o rabo e saltar de paraquedas. Eu corro na minha Honda 1.100 cc a 240 quilômetros por hora porque, se eu cair, morro e ponto final, mas não salto de paraquedas porque, se houver uma falha, posso me arrebentar e continuar vivo.


PLAYBOY — Rezar, você reza?


CHIQUINHO — Toda manhã e toda noite. Minha oração é sempre a mesma: "Muito obrigado meu Deus, meu Jesus Cristo, meu Espírito Santo, meu São Francisco, meu Anjo da Guarda, minha Nossa Senhora, e fazei com que eu seja útil à humanidade, amém". Não vou à missa, salvo quando é celebrada na capela de casa, por uma questão de segurança.


PLAYBOY — Como assim?


CHIQUINHO — Minhas saídas envolvem um esquema de segurança. Quando vou de casa para o trabalho, como disse, dirijo sozinho, mas meu roteiro é acertado previamente. No Edifício Scarpa há câmaras de televisão que varrem a avenida Paulista. À noite os seguranças me acompanham. Digamos que quero ir a uma festa no Regine's. Como a coisa funciona? Eu vou no carro com o motorista e um segurança. Atrás segue outro carro, com dois seguranças. Os três descem. Um fica na porta e dois ao meu lado na mesa o tempo todo.


PLAYBOY — Por que tantos cuidados?


CHIQUINHO — Quanto mais caro o lugar, maiores as minhas preocupações. O homem do povo me adora, porque tenho popularidade e ajudo a quem posso: universitários, pobres, presidiários, crianças asmáticas, etc. Além do mais, eu sou quem o homem do povo gostaria de ser. O problema é que o dinheiro está mudando de mãos com uma rapidez incrível no Brasil e especialmente em São Paulo. Então, o que faz o sujeito que enriquece de repente? Compra uma Mercedes, monta um apartamento no Guarujá e passa a freqüentar o Gallery, onde pede champanhe francesa e pensa que assim vai transformar-se no novo Chiquinho Scarpa. É com esse que preciso tomar cuidado. Para evitar que ele me provoque ou mexa com a mulher que está comigo, os seguranças me acompanham.


PLAYBOY — Quantas pessoas trabalham na sua segurança?


CHIQUINHO — São ao todo 19 pessoas, chefiadas pelo Ismael Araújo de Melo, que está comigo há 16 anos. Eles se revezam 24 horas por dia.


PLAYBOY — Não é uma precaução contra um seqüestro?


CHIQUINHO — Também. Nós tomamos todos os cuidados. Entretanto, não acredito nessa possibilidade. Só as pessoas que já ajudei, de policiais e marginais, fariam uma revolução no país e os seqüestradores seriam inapelavelmente caçados. Ninguém teria coragem de me seqüestrar.


PLAYBOY — E se alguém tivesse?


CHIQUINHO — Vou fazer uma grave revelação. Eu e minhas irmãs firmamos um acordo por escrito, passado em cartório: se um de nós ou um de seus filhos for seqüestrado, não negociaremos nada. Em nenhuma hipótese haverá pagamento de resgate.


PLAYBOY — Quer dizer que se um de seus sobrinhos...


CHIQUINHO — [interrompendo] — ...for seqüestrado irá morrer. Ponto final. Mas não há esse risco. Nossos esquemas são meticulosos. Tudo está previsto. Eu até queria mostrar para você umas obras de arte (esta sessão da entrevista realizou-se em sua casa), mas em função desses esquemas não será possível. As salas em que elas estão fecham-se automaticamente nos fins de semana e só abrem na segunda-feira, às 8 horas da manhã. Se quiserem tirar aquele quadro dali da parede um alarma soará.


PLAYBOY — É um Picasso, não?


CHIQUINHO — Sim. Um dos seus dois óleos existentes no Brasil. O outro está no Museu de Arte de São Paulo. Foi avaliado em 2 milhões de dólares.


PLAYBOY — Você gosta dele?


CHIQUINHO — Acho horrível. Parece uma mulher mijando. Mas foi meu pai que comprou.


"Meu Picasso foi avaliado em 2 milhões de dólares e é um dos dois únicos do Brasil. Acho o quadro horrível!"

[Dias depois, seguindo instruções de Chiquinho, sua assessora Maria Tereza Paes de Almeida telefonou para PLAYBOY e transmitiu a informação pedida no início da entrevista, levantada pelo diretor jurídico das Organizações Scarpa, Akira Kanagae: "Como pessoa física, o doutor Chiquinho pagou de imposto de renda, no último exercício, precisamente 24.523.973 cruzeiros".]


POR CARLOS MARANHÃO

FOTOS PEDRO MARTINELLI



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