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FERNANDA ABREU | MARÇO, 1996


A musa do pop fala de sexo e fidelidade e diz que é a favor da maconha mas não fuma


POR JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS

FOTO BOB WOLFENSON


A garota de Ipanema está fazendo 45 anos e ficou em casa neste verão. A gata anos 90 é a "garota-carioca-suingue-sangue-bom", uma invenção de Fernanda Abreu, 34 anos, espécie de moderna embaixadora, nos comerciais de TV, nos bailes e nas paradas de sucesso, de um Rio de Janeiro que continua lindo, embora não exatamente da mesma maneira que Gilberto Gil cantou décadas atrás. A garota-sangue-bom, heroína de uma das faixas do disco Da Lata, o último de Fernanda, trafega pelas pistas de funk, o ritmo que no Rio levou cantores das favelas à admiração da mais fina garotada da Zona Sul. O clima é de sensualidade e valorização da esperteza aprendida na rua. A cidade que Fernanda exalta não manda mais aquele abraço para ninguém — pois, como sabe a garota-sangue-bom, abraço é uma ótima oportunidade para se bater a carteira do alheio. É um Rio com ares de Blade Runner, perigoso, mas cheio de esperança e charme.


O Brasil está vendo Fernanda crescer há treze anos, desde que ela era uma das cantoras-dançarinas da Blitz. Ela comeu muita batata frita e tem uma filha de 4 anos, Sofia. Nada disso, no entanto, lhe prejudicou a escultura de músculos erigida em décadas de balé, aeróbicas e outros cuidados. Está mais bonita e, principalmente, articulada. Misturou as lições do curso de Sociologia com a sabedoria das esquinas e, na contramão dos que viram o Rio como uma cidade partida, fez nesse seu terceiro disco, já na casa das 100.000 cópias, o discurso da integração: misturou funk com samba, sintetizador com lata, Mangueira com Leblon, o criouléu com as patricinhas. Na música SLA 3, rimou "luxo abusado" com "lixo acumulado" e definiu sua cidade. Seria uma plataforma para suceder o prefeito carioca César Maia, se o mundo dos políticos não desse preferência aos malucos.


Fernanda, com toda a zoeira que faz em cima dos palcos, leva fora deles uma vida absolutamente careta, centrada num casamento de doze anos com o designer gráfico Luis Stein, seu parceiro também na confecção de capas de discos, cenários dos shows e direção de clipes. A bordo de um Escort 90, ela sai todo dia do apartamento em Laranjeiras, único imóvel acumulado até agora, e cumpre horários para deixar a filha na creche. Fernanda acha também que a fidelidade no casamento é fundamental e, mesmo carregando uma folha de cannabis no anel, rotula de absurda a pretensão de doidões cariocas que tentaram transformar um trecho da praia de Ipanema em "maconhódromo" legalizado. Em entrevista ao repórter Joaquim Ferreira dos Santos, ela mostra que o rock cresceu e que a blitz da vez é a do bom senso.





1. Um dos assuntos deste verão é a maconha. Você, que usa um anel com o desenho de uma folha de cannabis, já fumou? Sou completamente a favor da maconha. Não fumo, não tomo drogas, mas sinto que a maconha é uma droga leve. Se você é bem informado, e se tem bagagem social, psicológica, afetiva, estrutural e educacional, pode passar por experiências na vida, inclusive de drogas, e não se acabar com elas. Acho que maconha é igual cigarro, devia ser proibida em lugares fechados. Como na Holanda: legaliza, mas estabelece lugares específicos.


2. Você acha que o Posto 9, na praia de Ipanema, no Rio, deveria ser um maconhódromo, como querem muitos? Detesto esse negócio de gueto. O Posto 9 é um lugar onde as pessoas sempre fumaram, mas isso não quer dizer que tenha que ser um maconhódromo, uma coisa institucional. Por outro lado, acho absurdo, numa cidade com tanto lugar precisando de polícia, neguinho ficar mandando polícia pra praia.


3. O que você vai dizer a sua filha quando ela perguntar sobre drogas? Que drogas não fazem bem. Se ela quiser experimentar, tudo bem. Se chegar pra mim e disser: "Mãe, vi uma carreira de cocaína, não agüentei a curiosidade e cheirei, mas me senti supermal, achei horrível. Mãe, como é esse negócio de cocaína?" — então vou explicar tudo para ela. Aí na próxima festa ela vai falar: "Mãe, vi de novo, mas dessa vez eu não quis". Vou achar que a eduquei bem.


4. Como é a orientação sexual que você vai dar a ela? Orientação de sexo, para mim, é sempre junto com uma coisa de amor, de ficar apaixonada. Não tem uma idade certa para você aprender isso. Eu preferia que fosse de maneira natural, como aconteceu comigo.


5. E como foi? Eu tinha 18 anos, foi com meu namorado. Já namorava ele havia um ano e meio. Fiquei esse tempo todo batalhando comigo mesma, decidindo quando ia dar. Mas foi tudo supernatural. Sentia confiança nele. Você não pode ir para a cama com alguém em que não confie.


6. Você está casada há doze anos. É difícil ficar tanto tempo com a mesma pessoa? Foi muito difícil conquistar o Luis, ele passou mais de um ano no maior jogo duro comigo. Essa dificuldade me deixou completamente apaixonada até hoje. A gente se depende afetiva e sexualmente. E a nossa cumplicidade de criação artística também explica o fato de a gente estar juntos.


7. Você é fiel? Sou superfiel, ele também. É um jogo que a gente estabeleceu. Como não somos casados no papel, ninguém é obrigado a nada, cada um faz o que quer. Mas a gente é meio criança — se ele transar com alguém, eu também vou.


8. Como você administra seu desejo em relação a outras pessoas? Acho que se a mulher gosta de transar com seu marido, 80% do caminho está garantido. Pra gente estar junto, é legal ser fiel, mas isso não quer dizer que urna vez na vida o Luis não possa transar com outra. Não tem nada a ver com casamento aberto. É que esse negócio de "você transa com todo o mundo, eu também transo com todo o mundo, e a gente tá junto" não existe pra gente. A gente só tenta, de um modo criativo, ter mil jogos para manter o casamento legal.


9. E que jogos são esses? Ah, são das coisas mais simples da vida. O principal é uma certa confiança e uma cumplicidade. Conversamos muito. Viajo bastante, ele também tem as viagens dele. Não temos uma vida cotidiana de casal que está junto há doze anos, que acorda de manhã, toma café, vai para o trabalho, volta, vê os filhos, janta junto, dorme, acorda no dia seguinte... Com o pouco tempo que tem, a gente namora e tenta não brigar. Sou supercarinhosa.


"[No casamento] amizade também é importante mas onde é que fica o tesão?"

10. Só não pode haver o desligamento sexual, não? Sexo é fundamental. Acho mentira que casal amiguinho fica casado muito tempo. Mas não é só sexo que segura o casamento — precisa ter um mínimo de cumplicidade, de amor, de respeito. A amizade também é importante — mas onde é que fica o meu tesão?


11. Você, que viaja muito, como faz para cuidar do seu corpo? Fiz balé clássico a vida inteira e só parei quando tive que optar entre seguir a carreira de bailarina ou ficar na Blitz. Mas até hoje faço uma aula de balé por dia. Quando não dá tempo, nado na casa da minha mãe. Sempre me cuidei para ficar em dia com meu 1,70 metro de altura e meus 53 quilos. Muita dança contemporânea e até ginástica olímpica.


12. Você ganha muito dinheiro? Fiquei na Blitz cinco anos, uma temporada de sucesso enorme. Deveria ter uma mansão, três carros, uma casa de campo. Mas tenho só um apartamento em Laranjeiras e um Escort 90. Invisto tudo nos shows, pago bem aos músicos, capricho na produção. Não me importo de perder dinheiro.


13. Você está passando para o Brasil a imagem de um Rio que deu certo. Deu mesmo? Independente da miséria e da desigualdade social, acho que o Rio é uma cidade maravilhosa. Não tenho uma visão alienada, como se isso aqui fosse mil lugar em que todos, os pobres e os ricos, se encontram e se beijam... Não é isso. Existe uma tolerância social e racial muito grande. Tem seqüestro e o problema da corrupção, mas faço uma diferença entre essas coisas que acontecem e o carioca. O carioca, hoje, é aquele que se mistura. Acho bacana esse crossover: um cara na favela e a menina no condomínio da Barra cantando a mesma coisa, "eu só quero é ser feliz". Tenho amigos negros, vou aos bailes funk da Mangueira.


14. Você quer ser neguinha, feito o Caetano? Não vou dizer que gostaria de ser preta, porque preto no Brasil é uma merda. Mas meus maiores ídolos — Steve Wonder, Ray Charles, Prince, Michael Jackson — são todos negros. O Rio tem uma coisa fundamental nesse aspecto, que é a dança. Se você vai a um baile charm, que só tem preto, e dança legal, é aceito como um deles. Tanto que comentam comigo: "Pô, você é neguinha."


15. Já houve preconceito inverso, alguém de morro achar que você está se apropriando da música deles? Se alguém vier me dizer isso eu vou mandar tomar no cu, entendeu? Estou fazendo o meu tipo de som, o meu tipo de música junto com eles. E atrás do meu som estão surgindo grupos com o Funk'n'Lata, do pessoal da Mangueira, que toca funk com instrumentos de samba. O caminho é esse, a mistura desses ritmos negros. Daqui a pouco neguinho da favela vai ter seu sampler, sua bateria eletrônica, não vai ficar só no tamborim. O bacana é o pop universal com computador. Tudo isso sem perder a identidade, e sem cair no folclore da mulata, da banana e do papagaio.


16. Em algum momento o outro lado do Rio, menos harmonioso e mais violento, já se apresentou a você? Já passei duas vezes no meio de tiroteios no pé de uma favela em Ipanema. Mas nunca fui assaltada no Rio. Em Londres, sim: abriram minha bolsa numa loja e pegaram a carteira. Na delegacia o policial disse que era comum o ladrão jogar os documentos na lixeira para o caminhão de lixo triturar.


17. Depois do mito da garota de Ipanema da bossa nova, você inventou para os anos 90 a garota-carioca-suingue-sangue-bom. Quem é essa nova musa? É a que sabe viver, tem jogo de cintura, sabe passar pelas experiências e se dar bem. Nos bailes de subúrbio tem mil garotas assim, espertas, que sabem dançar, usar a sensualidade. Não é mais aquela mulher submissa. Ou aquela que era só bonita, mas burra, ou só gostava de um garoto que tivesse carro legal.


18. Você admitiu que seu marido pode transar com outra. É isso mesmo? Não. Sou apaixonada e meu maior medo é ele me abandonar. Então, quando digo que vou aceitar se ele transar com alguém — eu nem posso dizer isso aqui, porque eu faço o maior jogo duro, rédea curta total —, a única coisa que espero é que ele me diga: "Ah, Fernanda, foi só sexo, eu gosto mesmo é de você."


19. Mesmo não sendo uma transa importante, você quer que ele conte? Olha, eu já quis, já não quis... A gente combinou que, se acontecesse alguma coisa, a gente ia contar. Mas às vezes eu saía, voltava às 5 da manhã pensando: "Será que é melhor eu não saber de nada e não ficar paranóica?" Se acontecesse algo da minha parte eu contaria, porque teria muita culpa. Tanto que todas as vezes que eu possa ter ficado a fim de alguém, já contei. O Luis fica grilado quando acontece. Mas ele não é do tipo de fazer estardalhaço. Fica na dele.


20. E se você posar nua? Recebo muitos convites, mas nem levo em conta. Pode ser que um dia eu tenha vontade. Mas agora, com esses comerciais todos na televisão, é que não vou precisar mesmo fazer [risos].


CABELO E MAQUIAGEM SAULO FONSECA



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