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OS 15 DIAS DE SABOTAGEM PARA LIQUIDAR BRIZOLA

Reportagem



Uma conspiração de sombras sai do submundo e pressiona, falsifica e frauda até levar à loucura o velho computador Univac 9480.


Por HAMILTON DE ALMEIDA FILHO E RICARDO GONTIJO


Madrugada de 24 para 25 de novembro. Na rua vazia, só há movimento diante do prédio onde está instalada a Proconsult. Enquanto lá dentro o computador vai mastigando lentamente os votos, na calçada, dois jovens cineastas estão interessados em ajudar um repórter a revisar o lixo da empresa que está apurando a eleição do Rio.


Guy Vanderdeuque e Angela Mascelani, os cineastas, apontam as luzes e a câmara eletrônica para o lixo. O video-tape retém nítida a imagem de uma lista de computador. Mais tarde, diante das imagens gravadas, ao examinar a lista datada de 20 de novembro, um analista do SERPRO concluiu que o programa de apuração não tinha sido sequer testado, enquanto eram divulgados os 4 primeiros boletins.


A caça ao lixo faz parte do documentário Nulos e Brancos, editado em 90 minutos por Guy e Angela, que acompanharam a eleição e a tumultuada apuração do Rio do último comício de Brizola ate a diplomação dos eleitos.


Surpresas como essa, em que os bastidores da política se misturam com a nova policial, juntam nesta reportagem os personagens de uma eleição que esteve ameaçada.


15 de novembro, 18 horas


No venerável prédio do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, começa a reunião para proclamar o encerramento da votação nas eleições de 82.


O presidente do Tribunal, desembargador Marcelo Santiago Costa, 70 anos, gestos reverentes, cabelos brancos e ar grave, comunica aos seis magistrados que compõem o plenário: "As eleições transcorreram em perfeita ordem".


Nas vésperas da aposentadoria, a votação e — em seguida — a apuração normal dos resultados seria o fecho de sua carreira de servidor público. Mas naquele momento a única certeza era de que a votação estava encerrada.


Daí para a frente, nada escaparia de uma generalizada suspeição. Nem o número de urnas e o total de eleitores. Duas semanas antes da eleição, o TRE notificou os partidos que o total de urnas do Estado seria de 17.484 e o número de eleitores, 6.260.160. Ao encerrar a apuração o TRE anunciou 17.560 urnas; quanto ao número de eleitores, o TRE apresentou duas correções: 6.292.265, em 15 de novembro, e 6.264.360, no dia 21.


Mesmo dia, 12 horas


O candidato Brizola passa os nomes, que trouxe anotados num pedaço de papel, para a cédula oficial e a deposita na 216.ª seção, da 18.ª Zona Eleitoral, Colégio Brasileiro de Almeida, em Ipanema. Uma multidão em festa fez com que o candidato levasse duas horas para caminhar os 50 metros que separavam seu carro do local da votação. Na ida e na volta, uma festa popular. Todos queriam tocá-lo. Cinco equipes estrangeiras de TV seguiam o candidato.


Os quatro outros candidatos votaram sem festa. A euforia em torno de Brizola era um indício de vitória.


"Brizola na cabeça!" Nesse mesmo dia, o IBOPE enviava aos jornais o resultado da sua última pesquisa: Brizola, 31,3%; Moreira Franco, 26,8%; Miro, 14,1%. A certeza da vitória se transformaria, contudo, em inquietação, poucas horas depois de fechada a última seção eleitoral.


Os eleitores do Estado, "o mais consciente do Brasil", segundo o próprio Brizola, além de votar com cola, procurara, pela opinião da maioria, identificar o candidato que mais representasse a oposição aos governos federal e estadual. Os debates pelo rádio e pela TV.


Em outubro, quando Brizola passou à frente nas pesquisas, para aí permanecer definitivamente, a 8.ª Pesquisa Veja-Gallup o apontou como o mais oposicionista dos candidatos a governador.


O Rio de Janeiro já sentia, então, quem seria o vencedor do pleito. E foi com essa sensação que esperou os primeiros resultados da apuração. Mas essa expectativa começou a ser frustrada logo nas sombras do amanhecer do dia 16 de novembro, quando se pôs em movimento "o submundo" que Brizola mais tarde denunciaria como "responsável pela fraude" — já então generalizada —, capaz de quase virar pelo avesso a vontade popular.


16 de novembro, 1 hora da madrugada


Esporte Clube Iguaçu, na avenida Otávio Tarquínio, em Nova Iguaçu. Lá estão guardadas por 30 soldados da PM, comandados por um tenente, as 217 urnas da 83.ª Zona Eleitoral, onde estão depositados os votos de 66 mil, 152 eleitores; serão abertas para a apuração nesta manhã, no Colégio Monteiro Lobato.


Parada na esquina, a RP-183 chama pelo rádio o "Centro de Operações do 20.º BPM". O soldado Norival Soares dos Santos comunica "estar notando a presença de um camburão da polícia civil e um opala escuro, que rondam insistentemente a área". Pede instruções. Depois de 5 minutos, no rádio da RP, soa inusitadamente para os dois patrulheiros a voz do coronel Manoel Elísio dos Santos Filho, comandante do 20.° BPM. "Trata-se de pessoas amigas. Mantenham-se sem qualquer iniciativa no local."


(Os fatos que agora aqui serão narrados foram transmitidos por uma testemunha a 3 advogados do PDT — Marcelo Alencar, Thompson Flores e Vivaldo Barbosa.)


Pouco antes de 1h30 da manhã, dois caminhões de transporte de tropa, com a carroceria coberta de lona, encostaram à porta do Esporte Clube Iguaçu. Os 30 soldados ali acantonados embarcaram nos caminhões, ficando no local apenas o tenente comandante do policiamento. Imediatamente após a saída dos caminhões, o camburão preto e branco, número de ordem 6-2542, encostou no portão do clube, seguido de um opala escuro, de chapa "fria". De cada veículo saltaram quatro homens em trajes civis, carregando pesadas sacolas.


Recebidos no portão de entrada do clube pelo tenente da PM, os 8 estranhos entram antes de 1h30 da manhã. Apenas um deles foi identificado por testemunhas: o ex-delegado Juarez Lisboa, da Polícia Civil do Estado e militante ativo da política de Nova Iguaçu, onde tentou uma legenda para deputado federal nestas eleições, pelo PMDB e pelo PTB, sem êxito.


Retirado o policiamento, 8 estranhos chegam até as 217 urnas guardadas no clube de Nova Iguaçu

Essas misteriosas personagens ficaram no interior do clube até as 4 horas da manhã, quando se retiraram trazidos até o portão pelo mesmo tenente da PM. Logo depois, os dois caminhões de transporte de tropas devolveriam os 30 homens destacados para proteger os votos dos eleitores de Nova Iguaçu.


Nova Iguaçu, que comemora 150 anos de fundação, é a sétima cidade brasileira em população, com 1,5 milhão de habitantes; o segundo maior colégio eleitoral do Estado do Rio, com 428.158 eleitores em condições de votar (dados do TRE); e o 255.º município em saneamento básico.


Nova Iguaçu lidera um conjunto de cinco outros municípios-gêmeos — Itaguaí, Nilópolis, São João do Meriti, Duque de Caxias e Magé —, destacados no destino da migração nordestina. Pontos de desova da mão-de-obra não-qualificada para a cada vez mais escassa oferta de emprego da cidade do Rio.


O "Baixo Rio". Vizinhos, os 6 municípios formam a famosa Baixada Fluminense. Juntos somam 25% do Colégio Eleitoral do Estado. E são quase uma "subsociedade" que obedece às suas próprias leis econômicas e políticas, ali enraizada e fortalecida nos últimos 12 anos.


— Se der empate, é da banca!


Essa frase-senha lançada sobre as apurações na Baixada (e suas fronteiras próximas, como a periferia do Rio, de Madureira a Santa Cruz) pelo banqueiro do bicho Anísio Abraão Davi, de Nilópolis, talvez explique a presença maciça de bicheiros nas apurações neste vasto território. Ali a sabotagem eleitoral atuou de braços dados com a contravenção, numa aliança firmada sob a proteção de pelo menos dois grandes banqueiros ligados a candidatos do PDS: Anísio e Castor de Andrade. Castor até mandou servir bandejas de sanduíches e refrigerantes nas 3 juntas apuradoras sob a sua assistência — 23.ª, de Marechal Hermes e Jacarepaguá; 24.ª, de Bangu; e 25.ª Zona Eleitoral de Campo Grande e Santa Cruz. Uma tarefa que teria arrancado dele, às gargalhadas, o alegre desabafo:


— Nunca pensei que fosse tão fácil ganhar eleições!


Em todo o processo eleitoral desse "Baixo Rio", desde a campanha até as apurações, as forças "econômicas locais" deixaram sinais de sua presença em apoio aos candidatos do partido do governo federal. De banqueiros do jogo do bicho a donos de ferro-velho (elementos de fachada de quadrilhas de "puxadores" de carros roubados); de donos de motéis a proprietários de fundições clandestinas de ouro (verdadeiros receptadores de jóias roubadas); de empresários de transportes coletivos aos novos donos do negócio do ensino na região, proprietários de "faculdades que fabricam diplomas".


16 de novembro, à noite


A funcionária do TRE, Tília Andrade, uma das fiscais que acompanham a totalização dos votos apurados, pela primeira vez processados inteiramente por computador, na sede da Proconsult, Racimec e Associados, telefona de casa para o candidato Leonel Brizola:


— Os mapas estão chegando errados e estão sendo rasurados. Engenheiro, arrume um jeito de credenciar fiscais do partido na Proconsult porque vai ser uma guerra — e uma guerra suja!


A tarde desse mesmo dia, o senador Saturnino Braga, candidato à reeleição na chapa do PDT, com Brizola, recebe também um telefonema de mulher, assessora do senador pedessista Amaral Peixoto:


— Olhe, o chefe não tem nada a ver com isso — disse-lhe a voz feminina, referindo-se à suspeita e às primeiras denúncias de fraudes. Enquanto isso, as rádios já divulgavam que o senador Amaral Peixoto renunciara à presidência regional do partido, num gesto surpreendente para os seus próprios correligionários.


Em maio de 82, o senador fora chamado a Brasília por sua credencial de único político profissional do Estado do Rio capaz de atender à mais recente estratégia eleitoral fixada pelo Planalto: combater o PMDB como o alvo principal (por causa da vinculação dos votos), e salvar a "massa falida" do PDS fluminense, duas exigências fundamentais para garantir a maioria pedessista no Colégio Eleitoral que irá escolher o sucessor do presidente Figueiredo.


Amaral Peixoto conhecia as dificuldades. Até então a perspectiva era de que a bancada caísse de 12 para 2 representantes na Câmara Federal, já que a candidatura Emílio Ibrahim ao governo não chegava a atingir 4% da preferência eleitoral no Estado.


Apesar de tudo, o senador aceita o desafio com duas condições. A primeira é indicar o candidato: seu genro, Moreira Franco. E a segunda: receber todo o apoio da máquina do governo federal com a qual garantia "ressuscitar as bases amaralistas no interior do Estado, elegendo pelo menos seis deputados federais". Na verdade, acabou elegendo 14, o que mereceu do jornalista Gustavo Silveira, assessor de imprensa do ministro Delfim Neto, o seguinte comentário:


— O Brizola ganhou para governador, mas o partido vitorioso no Rio foi o PDS; e o derrotado, o PMDB. O Miro Teixeira não sabe que mudou a História do Brasil — elegeu Brizola e formou o Colégio Eleitoral que o PDS precisava em 84.


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Para cumprir o acordo, o veterano senador Amaral Peixoto não descansou. O candidato Otoni Rocha, que disputava como favorito a Prefeitura do município de Itaguaí, na Baixada Fluminense, comunicou ao seu partido, o PMDB, como Amaral Peixoto tentou aproveitar o prazo legal dado pela Justiça Eleitoral para que os descontentes com a fusão PMDB-PP se transferissem de partido (entre maio e agosto), procurando cooptá-lo.


Em sua proposta de "sedução" ao candidato "mirista", além do pagamento de todos seus gastos com a campanha eleitoral, Amaral Peixoto ofereceria, principalmente recursos no montante de 1 bilhão de cruzeiros que seriam destinados pelo governo federal à Prefeitura de Itaguaí, depois da posse de Otoni Rocha. Dinheiro esse que não mais precisaria ser devolvido à União por ser considerado "um empréstimo a fundo perdido". Como o candidato do PMDB relutasse em fazer o acordo (primeiro, por ser de oposição e não ter como explicar a repentina troca de partido ao seu eleitorado, em meio à campanha; e, segundo, por não ter garantias de receber essa verba de 1 bilhão de cruzeiros do governo federal), o senador. Amaral Peixoto comprometeu-se a levá-lo para "um acerto direto no Palácio do Planalto", com o chefe da Casa Civil da Presidência, ministro Leitão de Abreu.


17 de novembro, pela manhã


O TRE ainda não divulgou nenhum dos boletins prometidos — que deveriam ser dois por dia.


Sem resultados oficiais, a apuração passa a depender do trabalho paralelo dos meios de comunicação, que apresentam resultados e números divergentes, gerando um clima de tensão coletiva. Como diria Brizola, mais tarde, "um clima propício à fraude".


Nas últimas 72 horas, para o PDT, o telefone havia sido um aliado indispensável. A decisão de Brizola de autorizar o seu partido a gastar quase Cr$ 2 milhões na montagem de um sistema próprio de totalização das apurações por computadores, por exemplo, decorreu da insistência de alguns de seus assessores e, fundamentalmente, de uma chamada que recebeu de um telefone público, na madrugada de domingo, dia 14.


Uma voz de mulher — uma habitual "espiã" sem nome que, ao longo da campanha, telefonava para o apartamento de Brizola e lhe fornecia o resultado "quentinho" das pesquisas realizadas pelo SNI sobre as eleições no Rio de Janeiro — dessa vez informava ao futuro governador sobre a existência de "um plano de sabotagem na totalização do pleito". E foi essa denúncia que deixou o candidato alarmado. Bem cedo, na manhã desse mesmo domingo, Brizola acionou o economista César Maia — através do advogado do partido, Vivaldo Barbosa —, para que fosse montado o esquema de computação do PDT.


De madrugada, a "espiã" liga para o apartamento de Brizola e adverte: "Há um plano de sabotagem"

A presença do Serviço Nacional de Informações nas eleições do Rio foi abordada na coluna Coisas da Política, do Jornal do Brasil, em 22 de outubro. Assinada pelo jornalista Elio Gaspari, diretor-adjunto de Veja, sob o título "Uma nova sigla eleitoral do Rio de Janeiro", a observação: "Se não bastassem todas as complicações surgidas na campanha eleitoral fluminense, nota-se agora a existência de mais uma: a atividade de pessoas ligadas ao Serviço Nacional de Informações em favor do PDS e do seu candidato Wellington Moreira Franco". Outro trecho: "Na costura dessa manobra operacionalmente bem feita, agiu, age e provavelmente agirá até o dia 15 de novembro, esse grupo de articuladores, exibindo uma surpreendente capacidade de formar alianças, negociar acordos e administrar suprimentos".


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Em toda a Baixada Fluminense, e mais precisamente em Itaguaí, os agentes do SNI de fato não dissimularam o rastro de sua passagem. No fim de outubro o candidato a prefeito Otoni Rocha, do PMDB, estaria de novo diante do "rolo compressor" da campanha do partido do governo. E não era por acaso. Otoni Rocha, há menos de 20 dias das eleições, estava virtualmente eleito prefeito. Num colégio eleitoral de 60 mil votos, com mais de 5 candidatos de todos os partidos (menos PT), as pesquisas apontavam Otoni com uma vantagem de quase 5 mil votos.


Uma noite foi chamado à casa do presidente do diretório local do PDS, para uma conversa urgente com "pessoas que vieram de cima". Ali, Otoni foi apresentado a dois cavalheiros de terno, pelo dono da casa, onde também se encontrava um juiz eleitoral da região.


Os dois agentes traziam uma proposta direta: anular integralmente pelo menos 30 urnas no município como parte de um esquema que geraria o aumento geral de votos nulos e brancos ainda na fase das juntas de apuração em todas as zonas eleitorais da Baixada.


Era preciso o consentimento de Otoni, em Itaguaí, porque ele seria — como prefeito certamente eleito — o maior fiscal nas juntas de apuração de seu município. Como o plano não visava as eleições locais e a anulação das 30 urnas não afetaria a sua votação, Otoni poderia fazer vistas grossas para obter futuras vantagens em sua administração na prefeitura. Aos presentes, Otoni disse apenas que iria redobrar a sua fiscalização nas juntas apuradoras, além de, mais uma vez, comunicar aqueles fatos à direção regional do PMDB, o seu partido. Com uma frase, Otoni Rocha explica por que, duas vezes tentado, não traiu o seu partido:


— Sou um homem de oposição, autêntico, que acredita em democracia a partir de uma regra básica eleitoral: quem ganhou, leva!


17 de novembro, 23 horas


Daqui a 30 minutos, mais de 40 horas depois de começada a apuração, o TRE irá soltar o seu primeiro Boletim Oficial, com a exígua totalização dos resultados de apenas 52 urnas — 25 do interior, 25 da capital e 2 de Nova Iguaçu. Por elas, Moreira Franco sai oficialmente na frente na corrida ao Palácio Guanabara com 4 222 votos, seguido por Leonel Brizola com 3 914. E não constam votos nulos e brancos. Os números, já a essa altura, estão superados pelas apurações paralelas promovidas pelos meios de comunicação. Mesmo sem levantamento preciso, estimava-se que a essa hora 70% das quase 18 mil urnas do Estado já haviam sido apuradas pelas juntas eleitorais.


O presidente do TRE, desembargador Santiago Costa, atribui o atraso na totalização dos votos a "problemas técnicos" na Proconsult, Racimec e Associados.


O velho computador Univac 9480 da Proconsult ("um mastodonte", para os analistas quando se referem a esse modelo de mais de 15 anos de fabricação), instalado na avenida Passos, 92, onde está a sede da Proconsult, rejeitava 90% dos mapas vindos das 237 juntas de apuração em todo Estado. Os boletins de urnas chegavam à boca do computador cheios de erros: urnas com mais votos do que eleitores; votos registrados para candidatos inexistentes que não "batiam" com as somas parciais das 6 eleições simultâneas (vereadores, prefeito, deputado estadual, federal, senador e governador). E o índice de rejeição dos mapas pelo computador, previsto pelo TRE, não poderia ultrapassar a margem de 20%, sob o "risco" do "entupimento" que estava ocorrendo.


Por estranhos caminhos, uma empresa sem tradição na praça e sem capacidade operacional, que sublocou a quatro outras firmas (Capemi, S.K. Sistemas, B.M.K. e Datacred) a tarefa de digitar os mapas das juntas apuradoras, conseguiu ser a vencedora da licitação feita pelo TRE em agosto.


Em São Paulo, a Proconsult paulista, associada à carioca, chegou a ser apontada vencedora da licitação para a totalização das eleições no maior colégio eleitoral do país. Mas os juízes paulistas pediram a uma comissão de assessores técnicos que fossem avaliar "in loco" as condições operacionais da empresa — cuja proposta, como a do Rio, incluía a sublocação do serviço de digitação a outras firmas em forma de "pool". Desaconselhado pelos técnicos, o TRE de São Paulo considerou sem efeito a licitação e, baseado em lei, convocou o trabalho do SERPRO.


Nessa noite, a escolha infeliz do TRE do Rio ficava mais do que evidente, quando se noticiava que uma das causas apontadas pelo "entupimento" de todo o processo de totalização era justamente "a inexperiência dos digitadores, que trabalhavam em grande descompasso com as 237 juntas de apuração".


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Com o fracasso da computação, o Rio de Janeiro vai dormir essa noite acompanhando a batalha de resultados eleitorais, travada nos meios de comunicação cariocas, especialmente entre a TV Globo e O Globo e a Rádio e o Jornal do Brasil — que irá se desenvolver ao longo de toda apuração.


Pela TV, que baseava seus números no sistema de computação do jornal O Globo, Moreira Franco liderava as eleições, com votos preferencialmente chegados do interior do Estado. Pela Rádio JB, Leonel Brizola ganhava as eleições refletindo a exatidão das pesquisas. O que causava essa divergência? E que a rádio acompanhava diretamente nas juntas a contagem dos votos de cada urna e fazia a totalização de seus resultados majoritários em simples máquinas de somar, na redação, sem passar por qualquer computador ou "entupimento" gerado por um programa de totalização inadequado, como o do jornal O Globo, que era semelhante ao do TRE-Proconsult, Racimec e Associados.


18 de novembro, 13 horas


O ex-senador Marcelo Alencar, cassado em 69 na legenda do antigo MDB, coordenador do PDT na Baixada Fluminense, recebe um recado para que se dirija imediatamente a Nova Iguaçu. Antes de deixar o seu escritório, no centro da capital, liga para Brizola e informa apenas:


— Governador, aconteceu o que temíamos. Estou indo para lá!


Desde a invasão do Esporte Clube Iguaçu, na madrugada do dia 16, Alencar instruíra um grupo de pedetistas de sua confiança para vigiar de perto as 217 urnas transferidas daquele local para o Colégio Monteiro Lobato, onde seriam apuradas. Durante mais de 48 horas nada acontece, até a manhã deste dia 18. Quando foram abertas as urnas 86, 88, 90, 92, 99, 213 e 214, todas de Mesquita, distrito de Nova Iguaçu, que faziam parte das 217 da 83.ª Zona Eleitoral, a trama dos invasores do Esporte Clube de Iguaçu ficou clara para os fiscais do PDT, e dos demais partidos de oposição. O candidato a vice-governador pelo PMDB, Jorge Gama, presente àquela apuração, exclamou:


— Sou de outro partido, mas isto é um absurdo. Quem ganhou tem que levar.


Não se pode desrespeitar assim a decisão do eleitor.


Mil cédulas corretamente preenchidas com os nomes e os números dos candidatos do PDT, a começar por Brizola e seguindo o rígido roteiro da vinculação até vereador, haviam sido anuladas com palavrões escritos cruzados sobre o voto que o eleitor caprichara para não errar.


Depois, os jornais divulgariam que o juiz Carlos Alberto de Freitas Sanches da 83.ª Zona Eleitoral pedira a abertura de inquérito para esclarecer a fraude detectada. Mas este inquérito nem foi aberto e, procurado, o juiz negou-se a dar entrevista, desmentindo, no entanto, por telefone, que tivesse pedido o inquérito.


— E os problemas que o senhor presenciou nas apurações, como ficam? — insistiu o repórter.


— Problemas? — retrucou o isso houve em muitos lugares... Niterói, São Gonçalo, Nilópolis. Que vantagem vai ter isso? Vamos deixar isso passar.


O juiz tinha razão num ponto. Houve problemas em muitos lugares.


Em Magé, os fiscais dos partidos oposicionistas haviam denunciado a existência de várias urnas com votos escritos com a mesma caligrafia, favorecendo o PDS. Em Nilópolis, embora o PDT tivesse mais de 45% da votação no pleito majoritário, não conseguiu eleger o prefeito, que acabou sendo Miguel Abraão, do PDS, irmão do banqueiro de bicho, Anísio Abraão. Em Caxias, a fraude começou no próprio dia da votação, quando foram presos oito eleitores com títulos falsos, dentro da 79.ª Zona Eleitoral.


Por falta de uma pronta ação investigatória, muitas dessas denúncias não foram e jamais serão comprovadas, como a do caminhão que tombou na avenida Brasil, ao amanhecer deste dia 18, deixando espalhar pelo asfalto não apenas o seu carregamento de laranjas, como também uma safra escondida de urnas.


Cédulas rubricadas, em branco, fazem parte hoje do acervo de lembranças de militantes de todos os partidos que as acharam nas ruas, espalhadas por variados pontos da periferia da capital. E a eleitora Cláudia Silveira, que votou na 214.ª Seção da 17.ª Zona Eleitoral, no Leblon, foi uma das autoras da denúncia mais insólita: a caneta que ganhara na porta da seção, com a inscrição "Brizola na cabeça", e que utilizara para marcar a sua cédula, tinha uma tinta que desaparecera ao ser usada de novo, em sua casa.


— Somente a fraude poderá ameaçar a nossa vitória.


Essa frase, dita por Leonel Brizola no final da tarde, perante mais de 100 jornalistas, a maior parte deles da imprensa estrangeira, reunidos em menos de três horas num salão do 2.° andar do Hotel Glória, iria ser decisiva para a luta travada pelo PDT contra a sabotagem.


Nessa entrevista, o futuro governador divulga um telegrama recebido pela manhã de seu adversário do PMDB, deputado Miro Teixeira, em que o antigo aliado de Chagas Freitas reconhecia a vitória do candidato pedetista. Mais tarde, o próprio Miro explicaria que não fez aquilo por uma questão de gentileza, mas como um ato político: "Reivindico para mim", diria ele a PLAYBOY, "o aborto de um golpe. Tenho a convicção de que evitamos a fraude e a inversão do resultado das eleições com aquela iniciativa".


Miro Teixeira afirmaria quase três meses depois das eleições: "É evidente que setores do PDS estavam a par da fraude na Proconsult. Não quero generalizar, não tenho elementos de prova para generalizar, mas é evidente que havia setores do PDS não só na Proconsult mas também na apuração. É fato público e notório que o senhor Castor de Andrade assumiu três juntas apuradoras na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro".


Também três meses depois, o candidato do PDS, Moreira Franco, devolvia a acusação: "Quanto à fraude, se houve, ela só poderia ser de responsabilidade chaguista e beneficiar ao candidato Miro Teixeira".


Na verdade, até a quinta passagem do computador, o PMDB era tão favorecido quanto o PDS.


18 de novembro, 21h30


Diante das câmeras da TV Globo, ainda nessa noite, Leonel Brizola continuava a sua agressiva mas calculada reação contra a sabotagem.


No ar, para todo o Brasil, depois das 22h30, Brizola ouvia a pergunta de um repórter:


— Governador! Mas o PDS também diz que só a fraude tirará a vitória do seu candidato, o que o senhor diz disso?


— Eu não sei no que ele pode se basear, não é verdade? — responde Brizola. — Eu acho que ele está se baseando no noticiário da TV Globo, porque está atrasada, não é verdade?, dando enfoques diferentes. Mas nós tememos a fraude porque se criou no Rio de Janeiro um ambiente favorável a isso. Estabeleceu-se o conflito entre os meios de comunicação. Uma estrutura aparelhadíssima, imensa, sobretudo contando com profissionais da mais alta categoria, como a Rede Globo; e outras organizações, como a Rádio Jornal do Brasil, que entraram em conflito de dados. E a população ficou atônita. Em todo o Brasil, o noticiário caminhava certo e no Rio de Janeiro, nós para trás, confusos. No recinto das apurações se criou um quadro de tensões entre os fiscais, por toda parte.


18 de novembro, depois das 22 horas


Já se passaram quase 72 horas do começo das apurações. Enquanto Brizola se apresentava na TV Globo, ao lado da sede da Proconsult, Racimec e Associados, encarregada da totalização dos resultados, a derrota do candidato do PDT era também "profetizada", pelo analista de sistemas e vice-presidente da empresa de computação, Arcádio Joaquim Vieira Filho, de 31 anos:


— Olha, os meus cálculos demonstraram que Moreira Franco vai ganhar do Brizola com 70 mil votos de diferença.


Myron Josiano Vilanova, colega de profissão de Arcádio Vieira na Plan-Rio, e delegado do PDT, credenciado para a fiscalização dos trabalhos de totalização dos votos dentro da Proconsult, não chegou a se espantar com a revelação. Vilanova ouvia e, sem saber, tomava conhecimento dos primeiros contornos do futuro "Diferencial Delta".


Para Arcádio, da Proconsult, quem ganha é Moreira Franco, com brancos, nulos e o Diferencial Delta

— O eleitorado do interior — dizia Arcádio — soube votar melhor do que o da capital. O número de votos nulos e brancos provenientes do interior será menor do que o da capital. Se essa diferença for superior a 20%, Moreira Franco leva, porque sua votação no interior é muito maior que a de Brizola.


Mas Vilanova queria conhecer os recursos técnicos da empresa de Arcádio. Isso porque, a partir do telefonema da funcionária do TRE, Tília de Andrade, ao candidato do PDT, duas noites atrás — recomendando-lhe que colocasse fiscais de computação da Proconsult —, o advogado José Leventhal, especialista em legislação eleitoral, foi acionado pelo partido.


Agora, nas próximas 48 horas, Leventhal conseguirá fazer aparecer — depois de ter sido dada "como perdida pelo TRE", embora na sua entrada no Tribunal, em 20 de setembro, fosse protocolada normalmente — uma petição do PDT que enumerava, entre 12 solicitações prévias ao TRE, o credenciamento de fiscais de computação dos partidos junto à empresa que totalizaria as eleições. Outros dois pedidos eram também fundamentais: um teste de funcionamento do sistema de computação, "à nossa vista, por parte da empresa responsável"; e a exigência de cópias "da listagem dos programas a serem usados como fonte". Se essa petição, assinada por Vivaldo Barbosa, tivesse chegado a plenário do TRE, teria evitado o "Escândalo Proconsult".


Mas ela só chegaria agora, em forma de xerox, com o carimbo do protocolo do TRE e tudo, pelas mãos de Leventhal, entregue ao presidente Santiago Costa.


E Vilanova, juntamente com outros colegas analistas, chamados pelo PDT, PT e PTB, estava sendo credenciado às pressas, no fim da tarde desse tumultuado dia. Ao conversar com Arcádio, Vilanova queria mesmo era saber qual o back up com que a Proconsult estava acoplada na totalização das eleições:


(Back up — o computador de reserva com que os analistas de sistemas são obrigados a trabalhar, como medida de segurança, caso haja falha no computador em que se está operando um determinado programa.)


A resposta, levemente maliciosa, de Arcádio Vieira deixou seu colega intrigado ainda mais: o back up da Proconsult era do CEPDE — Centro de Processamento de Dados do I Exército, onde existia o único outro computador Univac 9480, em todo o Estado do Rio.


19 de novembro, de madrugada


Tília de Andrade, funcionária do Ministério das Relações Exteriores, foi requisitada em janeiro de 82 pelo TRE. Em 10 meses de trabalho no Tribunal, ela acabou sendo a responsável pela documentação do PDT junto ao TRE, na fase anterior ao pleito, quando do registro dos candidatos; e, posteriormente, foi destacada para protocolar os mapas e boletins das Juntas de Apuração enviados para serem totalizados no computador, dentro da Proconsult. Nessa madrugada de 19, Tília recebe do delegado do PDS na Proconsult, Luís Brás, que está de saída: "Eu não achei o Arcádio, se você encontrá-lo, por favor, diga-lhe que o Moreira Franco tem urgência em falar com ele".


19 de novembro, de manhã


Hoje, O Globo dá em manchete "Brizola Mais Próximo de Moreira", e em sua página 8, sob o título, "Moreira se mantém cauteloso, mas PDS prevê vitória por 70 mil", a notícia: "A assessoria do comitê eleitoral de Moreira Franco — que está centralizando os trabalhos de apuração e fiscalização — calculou ontem que o candidato do PDS deverá derrotar o do PDT, Leonel Brizola, por uma diferença em torno de 70 mil votos".


A nota esclarecia ainda que a projeção fora feita "com o auxílio da agência de publicidade Art-plan, responsável pela propaganda da candidatura de Moreira Franco".


A cidade começava o seu quarto dia de apuração sob a suspeita de que o quadro eleitoral do Rio estava sob um processo de total subversão.


O Globo referendava a projeção do PDS (vitória de Moreira por 70 mil votos) e apresentava através de seu Centro de Computação (responsável também pelos números divulgados pela TV Globo em seu "Show das Eleições") o resultado "de 6.127 urnas, 35% do total a serem apuradas: 544.843 contra 472.605 votos, Moreira na frente de Brizola, que, finalmente, havia passado para segundo lugar. Enquanto isso a totalização oficial de TRE, 72 horas depois de começada, apresentava o resultado de apenas 109 urnas, um verdadeiro descalabro de lentidão ou "entupimento".


Mesmo dia, à tarde


— Algumas pessoas estão com a impressão de que o TRE escolheu gente nos presídios para compor as juntas apuradoras. Fraude? A quem interessa isso? Não há o menor risco de acontecer fraude. E há meios de apurá-las se elas ocorrerem.


Nessa altura, o desembargador Jalmir Gonçalves da Fonte, vice-presidente do TRE e presidente da Comissão de Apuração, ainda se indignava assim quando os jornalistas lhe perguntavam sobre "a fraude". Já o presidente do Tribunal, Santiago Costa, refletia com expressão abatida o estado de estupefação diante dos fatos. E repetia:


— Está havendo um problema técnico com a apuração eletrônica que eu não sei explicar qual é.


Com o computador entupido, o velho juiz se abatia: "É um problema técnico, que não sei explicar"

20 de novembro, 5.° dia de apuração


O juiz aposentado Dalpes Monsores, assessor técnico contratado pelo TRE nas eleições de 82 e responsável pelo "plano de apuração totalizado por computação", não sai da Proconsult, mas manda dizer aos jornalistas "que hoje não se concluirá sequer a apuração nas juntas". Ele anunciara, no primeiro dia de apuração, que os trabalhos terminariam naquele dia e que no dia seguinte, sábado, 21 de novembro, seriam "proclamados os eleitos" — o que só aconteceu dia 23 de dezembro.


Sua credencial: ele foi o encarregado do processamento eletrônico das duas últimas eleições: as municipais de 76 e as proporcionais de 78.


Formado há 30 anos, juiz pelo antigo Estado da Guanabara, Dalpes Monsores foi juiz eleitoral da 24.ª Zona, em Bangu, e depois juiz da 11.ª Vara Criminal.


Na 11.ª Vara ainda se conta uma história do juiz Dalpes Monsores que envolve o atual presidente da OAB, Bernardo Cabral, um oficial reformado da Marinha e um zelador de prédio da avenida Rui Barbosa, no Morro da Viúva, no Rio.


Em dezembro de 1973, o advogado Bernardo Cabral impetrou uma "queixa-crime" contra o oficial, síndico do edifício Itamaraty, por abuso de autoridade contra o zelador Manuel Antônio Lapa. O fio da antena da TV do zelador, que passava por fora do prédio, tinha sido arrancado pelo oficial reformado. Bernardo Cabral omitiu na queixa o fato do síndico ser oficial. O promotor denunciou e o juiz Dalpes Monsores despachou acolhendo a denúncia. Mas, para surpresa de Bernardo Cabral, uma semana depois, Dalpes "rasurou o seu próprio despacho, raspando onde se lia deferido, e escrevendo por cima indeferido", conforme o advogado teve que provar em apelação quando o Tribunal desarquivou o processo e mandou que se reinstaurasse a "queixa-crime".


• • •


O TRE iniciou em março de 82 o cadastramento das empresas de processamento de dados do Rio. Três firmas — Serpro (estatal), Datamec (sob controle da Caixa Econômica Federal), e Proconsult, Racimec e Associados (associação de três grupos empresariais, registrada na Junta Comercial do Estado, em 11 de fevereiro de 1981) requereram a inscrição no cadastro do TRE. Somente essas três puderam concorrer à licitação, anunciada em 4 de agosto de 82.


Curiosamente, a Proconsult, Racimec e Associados obteve o contrato com o TRE, sem ter ganho qualquer concorrência — uma vez que o Serpro e a Datamec desistiram antes da conclusão dos trabalhos do "GT de Licitação" do Tribunal, na primeira semana de setembro.


Carlos Eduardo Oberlaender Alvarez, gerente do projeto de modernização eleitoral do Serpro (com experiência nas três últimas eleições em quatro Estados e desenvolvendo um trabalho sob encomenda do TSE para computar todo o processo eleitoral no Brasil), desistiu por não concordar com o "Plano das Apurações" elaborado pelo juiz Dalpes Monsores, membro do Grupo de Licitação — cujo presidente era o juiz Corregedor do TRE, José Rodrigues Lema e era integrado por mais dois juízes: Emílio do Carmo e José Danir Siqueira.


Carlos Alvarez, para desistir, se valeu de uma lei federal que impede o Serpro de participar de concorrência; ao mesmo tempo que lhe confere o direito de ser contratado diretamente por qualquer órgão público, sem concorrência.


Alvarez havia montado um programa para a totalização das eleições em seis Estados (inclusive São Paulo, onde fora chamado para substituir a Proconsult paulista) e seu sistema não se adaptava ao que o juiz Dalpes Monsores havia planejado para o Rio. E a Datamec também se retirou da licitação (apesar de ter processado as duas últimas eleições do TRE do Rio, alegando em carta "não ter mais interesse no projeto eleitoral".


Carlos Alvarez confessa hoje que o presidente do TRE, Santiago Costa, nunca esteve seguro para referendar a decisão do GT de Licitação. Sentia-se pressionado por Dalpes Monsores, seu assessor técnico, e por sua própria secretária na presidência do Tribunal, uma funcionária de nome Marília. No dia da decisão, Santiago Costa chegou a interrogar Alvarez, nos corredores do TRE. Queria saber se a divergência do Serpro com o juiz Dalpes Monsores era "apenas técnica". E pedia para que ele revelasse, honestamente, se "acreditava que a desconhecida Proconsult, Racimec e Associados era capaz de totalizar o pleito".


• • •


Em relatório para o TRE, ao concluir a auditoria das eleições do Rio, o Serpro apontava os seguintes erros:


"Boletins de urna mal desenhados; relatórios de urna inadequados; destruição do programa-fonte na versão original; destruição dos arquivos até a 9.ª totalização parcial, inclusive; a anotação de correções a caneta nos boletins de urna, antes da transcrição para o computador; ausência da simulação do programa antes de 15 de novembro; lançamento a mais, sistemático, porém aleatório, na votação de candidatos a governador; e lançamento errado de votos brancos e nulos".


Além de tudo isso, enquanto nos demais Estados com o pleito processado por computador só havia um boletim de urna, no Rio havia quatro modelos de boletins de urnas simultâneos: um para senador e deputado estadual; outro para governador e deputado federal; um para prefeito e vereador; e outro para ser usado nos municípios de Segurança Nacional (Rio de Janeiro, Angra dos Reis, Volta Redonda e Duque de Caxias), onde o prefeito não é eleito, mas indicado.


O plano do juiz aposentado Dalpes, além de complexo, mostrava interesse no controle do fluxo de chegada dos votos ao computador da Proconsult, através de um critério rígido para a totalização: no primeiro dia deviam ser processadas 1.260 urnas da capital e 2.250 do interior; no segundo, 1.680 na capital e 2.900 do interior; no quarto, 1.770 da capital e 1.700 do interior; e, no quinto e último dia previsto de apuração, 410 urnas na capital e 570 do interior.


Nos outros Estados, a apuração municipal era feita por conta de cada juiz eleitoral do município, cabendo ao TRE receber esses resultados, já totalizados, e acrescentá-los aos que se referiam às eleições dos deputados estaduais, federais, senadores e governador.


Sem o necessário aprendizado, numa eleição com 5 partidos políticos, pela primeira vez desde a entrada da computação no processo eleitoral, e com o "casuísmo" da vinculação eleitoral, o entupimento, então, começava nas Juntas de Apuração, com os mesários, e chegava até a uma rejeição de 90% dos mapas no velho Univac, da Proconsult.


A funcionária Tília de Andrade, responsável por conferir e protocolar os mapas que chegavam das juntas para serem totalizados no computador, fez uma grave denúncia:


— Os mapas chegavam com a mesma caligrafia, embora viessem de zonas diferentes. Havia outros que eram fechados sem que se computasse um só voto para governador. Mas se você quiser anular essa eleição, peça para a Justiça verificar os mapas da 13.a Zona Eleitoral (Realengo, Jacarepaguá e Barra da Tijuca) e recomponham os boletins. Não há um que não esteja rasurado pelo menos duas vezes. Os juízes do TRE, dentro da própria Proconsult, reescreviam os mapas para que o computador aceitasse os números. Eu protocolei 14.325 boletins das 17.560 urnas que não poderiam valer porque estavam totalmente ou parcialmente rasurados.


Vale ainda registrar um diálogo ouvido dentro da Proconsult, entre Gilberto Pascoal (assessor técnico para processamento de dados do juiz Dalpes Monsores), que tinha sido chamado às pressas, e um juiz eleitoral destacado para corrigir os boletins de urnas na boca do computador:


— Acabo de fechar 1 boletim de urna com 690 eleitores!


[Razão do espanto: pela divisão de votos dos eleitores e o número de urnas, o TRE determinava o máximo de 400 votos ou eleitores por urna.]


— Não serão 2 urnas num mesmo boletim?


— Não sei! Trabalho como bicheiro — pra mim vale o que está escrito.



21 de novembro, à noite


Um repórter da Rádio Jornal do Brasil, que deu plantão de madrugada em frente à Proconsult, na avenida Passos, revirando o lixo da empresa, iria achar na quarta-feira, 24 de novembro, com a ajuda da iluminação de uma dupla de cineastas que gravou a cena, um rascunho de programa, datado do dia 20.


No quinto dia de apuração e totalização, os analistas da Proconsult ainda estavam redigindo o programa que conseguisse, finalmente, ser digerido pelo computador! Essa alteração (um "bacalhau", na linguagem dos analistas) é apenas um dos elos perdidos do "Programa Fonte" que desapareceu dentro da empresa, quando as eleições tiveram a totalização paralisada para a auditoria do Serpro a pedido do TRE. Outro detalhe, fundamental, chamou a atenção dos auditores: a Proconsult não se preocupara com o mínimo de segurança, e não utilizou nem o label, uma etiqueta de fita já processada, sem a qual uma fita pode ser trocada por outra sem que o computador a rejeite ou indique a troca. Fernando Porto, o auditor, levanta a questão:


— A meu ver, a única maneira de se fraudar essa eleição durante o processamento dos dados seria pela troca de fita. Carlos Alvarez, conta como:


— Operam-se duas fitas. Uma com dados exatos dos mapas eleitorais, sem alterar a ordem ou os valores assinalados. A outra, alterando as anotações, mantendo só os totais que precisam bater entre si, como o número de eleitores e de votos.


Para impedir o sucesso desse esquema, era indispensável um serviço paralelo por computador, que tivesse acesso aos mesmos boletins urna a urna.


Foi exatamente essa a batalha que o PDT iria travar até o dia 23, terça-feira, quando conseguiria a autorização do presidente do TRE, desembargador Santiago Costa, para receber o boletim das eleições, urna por urna, e processar em seu sistema de computação.


O Tribunal já se mostrava sensível às reclamações dos partidos políticos desde a véspera do domingo, 21, quando saiu o "5.° Boletim de Totalização", pela primeira vez trazendo o montante de votos nulos e brancos. Para incluí-los, a Proconsult não só havia resistido muito, como teve que mudar o programa do computador e alterar até mesmo o "lay-out" dos resultados parciais. Os votos nulos e brancos foram "a caveira de burro" do processamento eletrônico no Rio.


22 de novembro


Nesse dia, de tarde, Arcádio Vieira tinha procurado uma nova conversa com o analista do PDT, Myron Vilanova. Foram para a varanda da frente do segundo andar do prédio da Proconsult. Arcádio procura convencer Vilanova de que o PDT processa errado os dados que recebe do TRE. E diz: "O Jornal do Brasil, que cometia o mesmo erro de ponderação, já aceitou o meu modelo matemático".


Combinam, então, um encontro para o fim dessa noite de domingo na casa de Arcádio, na rua Teodoro da Silva, em Vila Isabel.


A conversa entre Arcádio e Vilanova só terminou depois de duas horas da madrugada. Vilanova chegou pouco depois das 23 horas de domingo. Aos goles de bourbon, Arcádio começou a defender sua teoria. É interrompido por um telefonema que dura quase 30 minutos.


Quando desliga, comenta que era um pedido do pai-de-santo Jair de Ogum, que ele se recusara a atender: o pai-de-santo queria um jeito de eleger o ator e diretor de cinema Jece Valadão, candidato a deputado no Rio.


Um telefonema de Jair de Ogum para Arcádio: o pai-de-santo queria um jeito de eleger Jece Valadão

Arcádio aproveita para falar da sua honestidade. Conta que teria sido pressionado pelo JB e o Globo antes das eleições para vazar resultados oficiais, mas que resistiu. Diz que sua posição é delicada, como vice-presidente operacional da Proconsult, e que sua influência na mudança dos resultados majoritários poderia valer, no mínimo, "um milhão de dólares".


É aí que ele demonstra, em 5 folhas de papel, a sua teoria do Diferencial Delta, que dava a vitória a Moreira Franco, "pelo menos, por 40 mil votos, sem sacanagem". Arcádio se apóia num grande número de votos brancos e nulos, quase 30%, o que garantiria a vitória do PDS.


(No dia 13 de dezembro, quando o Serpro havia terminado a auditoria e a Proconsult, finalmente, divulgou o resultado da totalização para governador, o índice de votos brancos e nulos não chegava a 8% dos votos válidos; e Leonel Brizola vencera, finalmente, a Moreira Franco no Univac de Arcádio por quase 170 mil votos.)


O que Arcádio pretendia, naquela madrugada, ao escrever a teoria do diferencial de próprio punho — subestimando fortemente o eleitorado carioca, principalmente da Baixada que, segundo ele, não havia entendido a vinculação de votos e votaria em "Brizola, Márcio Braga e Xuxa" —, era que Vilanova convencesse o PDT a deixar que pessoa da confiança da Proconsult "corrigisse o programa de processamento do partido para compatibilizar os resultados de ambos". E a chave do mistério era o Diferencial Delta.


Segundo Arcádio, só faltava o PDT se convencer, pois seu amigo Tadeu Lanes, do processamento de dados do Jornal do Brasil, tinha imposto ao JB o seu modelo.


Vilanova foi dormir, com o Diferencial Delta no bolso e na cabeça. Arcádio lhe pedira um encontro, nessa segunda, 22 de novembro, com a direção do PDT.


Semana de 22 a 27 de novembro


No restaurante turístico Rio's, no aterro do Flamengo, por volta das 20 horas dessa segunda-feira, 22, Arcádio teria o seu encontro com dirigentes do PDT. Só que em vez de especialistas em processamento de dados, Brizola enviou Cibilis Viana, secretário-geral do PDT, homem da máquina política, e Carlos Franco, conhecido como Juca Franco, gaúcho de Encruzilhada do Sul e amigo de sua confiança pessoal.


Pela manhã, da Proconsult, Arcádio havia conversado por telefone com César Maia, do processamento de dados do PDT, na presença de um fiscal do partido que completou a ligação. César intermediou o encontro da noite, enquanto esperava receber das mãos de Vilanova, no final da tarde, às 18 horas, o modelo do Diferencial Delta. Juca Franco chegou depois de Cibilis e Arcádio já terem sentado à mesa no Rio's. Pediram coquetéis de camarão e Arcádio foi quem mais falou, demonstrando sua teoria. Na conversa indicou alguns analistas conhecidos seus, capacitados a corrigir o programa do PDT: Alberto Coogan, Gilberto Pascoal, Hebert Nonato Trajano Reis e o próprio Myron Vilanova, que estava a serviço do PDT na fiscalização da Proconsult. Juca Franco suspeitou que Vilanova era um elemento infiltrado e comunicou o fato a Brizola e César Maia. A conversa terminou quando Arcádio se vangloriou de sua honestidade, "pois não estava ali pedindo a presidência do Banerj, embora estivesse em suas mãos a eleição de Brizola ou não".


— Mas você não faria isso — interrompeu Juca Franco. — Porque se você fizer eu te mato!


Arcádio assustou-se, mas ainda tentou manter um tom de brincadeira, dizendo que sua noiva tinha muitas propriedades em Goiás e ele se esconderia por lá.


— Eu mando te matar e buscar o teu corpo, onde você estiver escondido — completou Juca Franco.


E, diante de nova hipótese levantada por Arcádio, fugir para Austrália, Juca Franco arrematou:


— É, agora ficou difícil! Vou ter que mandar te matar e trazer somente a tua cabeça!


Arcádio se retirou assustado e, no dia seguinte, o PDT conseguiria no TRE que a Proconsult fosse obrigada a divulgar para os partidos os resultados de urna por urna. Numa sessão histórica e informal, na sala do presidente Santiago Costa, os advogados e analistas do PDT, com os do PT, PMDB e PTB, enumeraram os erros que estavam sendo cometidos pela empresa contratada pelo Tribunal.


É nessa hora, no fim da tarde do dia 23, que o desembargador Marcelo Santiago, na frente de todos, põe as mãos na cabeça e desabafa, sem constrangimento:


— Meu Deus! Mas o que é que está acontecendo?...


Na sexta, 26, o Jornal do Brasil publicaria na primeira página o erro fatal da Proconsult na soma de votos brancos e nulos, entre o 7.º e 8.° Boletim, distribuídos pelo TRE, na terça e na quarta-feira.


(Da sétima para a oitava parcial, os votos nulos e brancos para governador passaram misteriosamente de 37 mil para 23 mil, os votos em branco; e de 18 para 15 mil, os votos nulos — ambos diminuindo, enquanto aumentava o número de urnas apuradas. Era uma correção e aconteceu assim que o TRE decidiu entregar os boletins urna a urna para o PDT.)


Esse fato, levado ao conhecimento do presidente do TRE, Santiago Costa, antes mesmo da publicação pelo JB, fez com que o Tribunal suspendesse a totalização que a Proconsult estava realizando e convocasse o Serpro para uma auditoria nos erros do programa.


Acompanhado dos repórteres do jornal, Ronald de Carvalho e Heraldo Dias, o desembargador Marcelo Santiago ouviu o coronel Haroldo Lobão assumir publicamente os erros, explicando que o computador havia chegado a eles "por um programa errado de minha autoria". Antes, na frente dos juízes eleitorais, insultou Heraldo Dias e tentou agredi-lo.


No sábado, 27, quando Carlos Alvarez, do Serpro, era localizado pelo TRE em Fortaleza e chamado para o Rio, o Jornal do Brasil acabava de explodir o "Escândalo Proconsult", dando em manchete: "Proconsult quis influir na apuração da Rádio JB e do Jornal do Brasil". Era a história de que Arcádio Vieira (da mesma forma que tentara convencer o PDT) havia pressionado o jornalista Procópio Mineiro, 37 anos, chefe do departamento de jornalismo da rádio, para que aceitasse a teoria do Diferencial Delta.


Arcádio ameaçara Procópio Mineiro, dizendo que com o choque de resultados, no final "um de nós dois terá de ir para Paris". Mineiro, que trabalhava com 40 estagiários passando os resultados das urnas pelo telefone para a redação da rádio, comentou aquele momento:


— Nunca duvidei dos meus dados. O que eu temia era que me cortassem os telefones, inviabilizando a minha cobertura. Não há dúvida de que no Rio foi armado um gigantesco esquema de fraude das eleições.


28 a 30 de novembro


Paralisadas as apurações e sua totalização pela empresa contratada do TRE, nesse domingo o desembargador Marcelo Santiago recebe por telefone a autorização de Brasília, do diretor-presidente do Serpro, José Dion, para que seus funcionários especialistas em computação eleitoral façam a auditoria nos programas e nos erros da Proconsult.


Já na manhã seguinte, 29, Alvarez e Fernando Porto, acompanhados pelo desembargador Santiago Costa, começam o trabalho, numa entrevista (gravada por Alvarez) com os coronéis Haroldo Lobão e Manoel de Carvalho. Ambos da arma da Artilharia, reformados e, agora, além de contratados pela Univac 9480, também funcionários da Capemi.


Aos auditores do Serpro, os coronéis revelaram que não mais existia um "programa-fonte" (as instruções em fluxograma, dadas inicialmente ao computador para realizar o trabalho e que costuma ficar arquivado para poder ser corrigido, em caso de erro). Somente possuíam o programa-fonte feito para o 11.° Boletim, quando todos os erros já localizados por eles no processo haviam sido corrigidos.


A paralisação por ordem do TRE se deu entre o 10.º e o 11.° Boletim Oficial. Na gravação — que teve todas as vozes previamente identificadas — o coronel Carvalho diz a Alvarez, do Serpro, que ele foi contrário à divulgação do 10.° Boletim, porque já havia localizado os erros nele contidos.


— Eu cheguei a ameaçar sair pela porta afora, abandonando o trabalho, no caso da divulgação... — diz Carvalho, repetidas vezes, alterando a voz e com isso provocando um profundo silêncio na sala de reunião.


Até que a voz do desembargador Santiago Costa faz a pergunta:


— Mas quem deu a ordem para a divulgação do boletim errado?...


Na fita gravada a revelação: "Quem deu a ordem para a divulgação do boletim errado?"

E Carvalho diz, simplesmente, fazendo um gesto:


— Ele! — e aponta, segundo Alvarez, para o analista Herbert Reis, da Método, amigo de Simão Brayer, um dos sócios da Proconsult, Racimec e Associados, por ele convocado.


O desembargador Santiago Costa vira-se para Herbert Reis e insiste:


— Quem lhe deu a ordem?...


— Dalpes!... — responde Herbert, deixando atrás de sua afirmação um silêncio de mais de 1 minuto na pequena fita do gravador de Carlos Alvarez.


No primeiro dia de auditoria, o Serpro encontrou urna situação de fato: ao corrigir o décimo boletim, a Proconsult reprocessou todos os dados da eleição até ali, transformando a memória do 11.° boletim num verdadeiro programa-fonte, saneado. O Serpro não pôde concluir se havia fraude ou não, por não ter conseguido reconstituir os erros dos dez primeiros boletins. A Proconsult nunca entregou ao Serpro a relação de urnas do segundo e quinto boletins.


Antecedentes recentes


Ao fundar a Proconsult, Racimec e Associados (ver quadro abaixo), Simão Brayer primeiro absorveu dentro da sociedade o patrimônio operacional da Prumodata, dona do computador Univac 9480 e das instalações da avenida Passos. Depois David Wharsager, que estava na Prumodata que se desfazia, ficou com Simão Brayer, como vice de administração, e Arcádio Vieira foi chamado para ser o operacional. Ao contrário da Racimec, sua fundadora, a Proconsult, Racimec e Associados nesses seus quase 2 anos de existência vivia em crise. Tinha poucos clientes, quase todos de folha de pagamentos, cedia o computador e a sede para cursos de formação de analistas.


A FICHA DA PROCONSULT

Criada, oficialmente, em 11 de fevereiro de 81, a Proconsult, Racimec e Associados tem sua origem na Racimec (Racionalização e Mecanização Ltda.), uma pequena empresa familiar, que surgiu em 1976, ocupando duas salas no centro do Rio. Os sócios eram Simão Brayer, Perla Brayer e Meyer Brayer.


A transformação da Racimec começa no ano de 79, quando Perla abandona a sociedade e, em seu lugar, entra Márcio Guimarães Carvalho, genro de João Dunshee de Abranches, assessor jurídico da Caixa Econômica Federal. No mesmo ano, a Racimec consegue um contrato exclusivo da CEF para a fabricação de todas as máquinas coletoras de apostas da Loteria Esportiva, e, posteriormente, da Loto, bem como a sua manutenção, junto aos revendedores, que lhe rende, atualmente, cerca de 200 milhões de cruzeiros por mês.


O capital da nova empresa Proconsult, Racimec e Associados Ltda. está oficialmente dividido em quatro partes. Dois sócios minoritários, Arcádio Vieira e Davi Wasager detêm 15% cada um. Uma sociedade anônima — a Progempar, que controla a Proconsult de São Paulo — possui 35%, e Simão Brayer detém individualmente os 35% restantes.


As relações entre Brayer e Gil Macieira — presidente da Caixa — são excelentes. Ambos foram fotografados no Galeão, em início de novembro, quando voltavam da Itália, onde Brayer e Macieira participaram do II Congresso da Sociedade Latina de Loteria Esportiva e Loto, realizada em Florença sob o patrocínio do Totocálcio. Além de seus pequenos negócios particulares, Brayer foi, até 1979, supervisor da Datamec, empresa de processamento de dados, do empresário Sérgio Lacerda, e encarregada do processamento das apostas da Loteria Esportiva. Mas nesse ano as dívidas da Datamec se acumularam de tal maneira que a Caixa — seu principal credor —resolveu assumir o patrimônio da empresa. A operação foi violenta. Sérgio Lacerda, que nunca concordou com os critérios da avaliação — valor histórico para os patrimônios imobiliários e operacional —, está movendo uma ação para reaver seus bens, através do advogado Dario de Almeida Magalhães.


O analista de sistemas Humberto José de Carvalho Cidade, que participou do Grupo de Trabalho montado pelo governo para a criação da Loteria Esportiva, em fins da década de 60, foi quem convidou Simão Brayer para trabalhar na Datamec, a partir de 70, como supervisor do processamento das apostas. Hoje, depois que a Caixa assumiu a Datamec, Cidade culpa Brayer pela operação que prejudicou o empresário Sérgio Lacerda: "Utilizando-se de sua posição de executivo, Brayer manobrou deliberadamente a empresa, aumentando seus encargos financeiros, para jogá-la nos braços da Caixa. Depois, com auxílio de seu novo sócio, genro do assessor jurídico da Caixa, ele não teve dificuldade em conseguir a aprovação dos contratos de fabricação e manutenção das máquinas de apostas para a Racimec".


Humberto Cidade afirma ainda que os preços acertados, tanto para a compra como para a manutenção das máquinas de apostas, foram "nitidamente supervalorizados". Em termos gerais, essa versão é confirmada por um de seus principais interessados, o empresário Sérgio Lacerda, que acrescenta um detalhe novo: "Antes da intervenção, sofri inúmeras pressões da Caixa para que vendesse a empresa. O primeiro candidato a comprador foi o general Adalberto Esmeraldo, parente do então presidente da CEF, Humberto Esmeraldo Barreto".


Uma coisa já era certa: a Proconsult, Racimec e Associados não sobreviveria ao mês de novembro, quando seria desfeita a sociedade, conforme revelou a Myron Vilanova o seu vice-presidente Arcádio Vieira, em seu encontro do domingo, 21.


Os coronéis Haroldo Lobão e Manoel Carvalho, que alugam a sala 802 do mesmo prédio da Proconsult, usavam o computador para seus serviços particulares. Ambos têm 48 anos, formados na turma de 1956 da Academia Militar. Os dois têm a mesma carreira, desde o time de basquete das Agulhas Negras. Tornaram-se analistas, trabalhando anos no CPD do I Exército, onde mantiveram estreita relação com a programação do computador Univac 9480.


Lobão e Carvalho, por sua função no I Exército, estavam ligados ao SNI. Lobão é o mais conhecido dos dois nos meios de processamento de dados: trabalhou na Datamec e no Plan-Rio (Plano de Informática, onde estavam também Arcádio Vieira e Myron Vilanova). Ambos foram convidados para produzir o programa de totalização das eleições por Simão Brayer e Arcádio Vieira.


Dez anos antes da formação da Proconsult, Arcádio, num curso da Escola Naval, se ligou a Tadeu Lanes, o ex-gerente de métodos e sistemas do Jornal do Brasil, demitido oficialmente no dia 27 de novembro, em meio às denúncias de pressões da Proconsult, via Arcádio, sobre o jornal e a Rádio JB. Ligado aos serviços de informação da Marinha, mais recentemente, Tadeu cedeu o seu lugar no CPD da Universidade Gama Filho para Arcádio, quando foi trabalhar no Jornal do Brasil. E na Gama Filho, Arcádio não deixou saudades:


— Ele foi demitido porque blocava o computador da Universidade e fazia trabalho para fora. Isso dá dinheiro, mas ninguém consegue provar. O Arcádio é astuto, mas não é inteligente. A mente dele é voltada para o mal.


Myron Vilanova, velho conhecido de Arcádio, corrige as informações dadas pela revista Isto É, de 8 de dezembro, que falava da passagem dele pela Universidade Gama Filho. A revista dizia que Arcádio havia desviado dinheiro e desmemorizado o computador, à sua saída da universidade, demitido.


Arcádio, através do advogado Fernando Fragoso — filho do jurista Heleno Fragoso —, está processando a revista. Impedido de dar entrevista por seu advogado, por causa do Inquérito da Polícia Federal, Arcádio, porém, não se recusou a conversar por telefone, de sua casa:


— Estou tranqüilo, tendo muitas perdas, mas o meu silêncio vai ter um fim. O meu processo de imagem chegou ao ponto mais baixo, mas quem acusa terá agora, nesse inquérito que é sério e será rápido, o ônus da prova. Não houve aspectos de fraude, houve erros. Vão fazer uma perícia nos 10 primeiros boletins e vão verificar que não houve nada. Eu sou linha dura, me acusou vai ter que provar!


Tadeu Lanes, por sua vez, além de usar o Diferencial Delta no Jornal do Brasil, desmontou o esquema de totalização por computação planejado pela redação do jornal. Na quinta-feira, 11 de novembro, cinco dias antes do pleito, de volta de Brasília, para onde havia ido na véspera, Lanes comunicou aos editores do jornal que não conseguira montar o projeto — um ambicioso esquema que previa mais de 30 microcomputadores que seriam transportados em kombis acolchoadas para as juntas de apuração. De lá já viriam para a sede os discos com os resultados digitados para a totalização.


Mas foi só após demiti-lo, na segunda semana de apuração, que o JB ficou sabendo que Tadeu Lanes cancelara, na quarta, 10 de novembro, a reserva de aluguel dos microcomputadores nas firmas que haviam se comprometido com o Jornal do Brasil para operações eleitorais.


30 de novembro, a investigação


O promotor Celso Fernando de Barros não votou no Rio, foi com toda a família, de ônibus, para Corumbá, MT, sua terra natal, para as eleições. Aproveitou ainda para descansar uns dias e quando voltou foi chamado pelo procurador da Justiça, Nerval Ferreira, que o designou para acompanhar o "Escândalo Proconsult". Agradeceu a indicação e disse:


— Sinto-me orgulhoso pela indicação, senhor procurador. Mas vou apurar a verdade dos fatos. Não pedi para entrar, não pedirei para ficar, nem pedirei para sair. Se meu procedimento se tornar inconveniente, o senhor retire a designação.


No começo de janeiro, mais de 30 dias depois de seu trabalho começar, Celso Fernando de Barros se mostrava cansado, mas não desanimado — apesar de ter sido obstruído pela Polícia Federal e até pelo TRE, que recusou em sessão plenária seus mais importantes requerimentos. Numa noite, Celso Fernando desabafou, em seu apartamento da avenida Atlântica, numa conversa informal de amigos de confiança:


— Eu quero tapar a boca da História! Esclarecer todos os pontos obscuros. Hoje estou convencido de que houve um plano de fraude. Toda a minha luta, quando tentava trazer o inquérito pra dentro do tribunal, era que ele assumisse essa postura de querer patrocinar a investigação. Mas sofri a maior humilhação de minha vida, quando os juízes, por unanimidade, indeferiram o meu pedido para que se suspendesse o pagamento da empresa Proconsult e se instaurasse, pela corregedoria, um inquérito administrativo no TRE. Eu, agora, sei que não estou lutando com bobos.


O promotor promete lutar até o fim e desabafa: "Eu sei que houve um plano de fraude"

O promotor Celso tinha razão — além de tudo, o TRE mandou pagar a quantia de 60 milhões de cruzeiros da Proconsult, Racimec e Associados, dando um recibo de "pague-se por serviços prestados". A Proconsult violou inúmeros itens das especificações da licitação do TRE e nem mesmo foi punida com multa prevista de 10% pelo atraso.


No DPF, que fez a investigação preliminar durante o mês de dezembro, o promotor Celso chegou a ser impedido de fazer perguntas aos interrogados, pelo delegado Carlos Toschi. O relatório do DPF ao TRE aconselhava o arquivamento do caso, "por não ter encontrado indício de fraude nos erros da Proconsult". Com isso o procurador do TRE, Carlos Rollemberg e o corregedor, José Rodrigues Lema, não concordaram. E, em meados de janeiro, mandavam que a Polícia Federal instaurasse inquérito policial para apurar se houve fraude ou tentativa na totalização feita pela Proconsult. O promotor Celso, ao interrogar o economista César Maia, do PDT, responsável pelo processamento de dados do partido, ouviu dele algo que agora começa a ser feito:


— Os números absolutos não vão nos levar a coisa nenhuma. O que a gente tem que fazer é sair do computador, o computador é uma máquina burra, ela obedece a ordens do homem e nós precisamos ir aos homens. Minha opinião pessoal é que o inquérito deveria permitir ao promotor arrolar pessoas sem relação aparente com computação. Se ele se limitar ao sistema de computação, sempre iremos nos perguntar quando o erro vira fraude.


ILUSTRAÇÃO DÉLCIO MONTAGNINI



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