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REGINA CASÉ | MARÇO, 1992

Playboy Entrevista



Uma conversa franca — e séria — com a melhor comediante do Brasil sobre temas que ela desgosta (como política e drogas) e outros que ela adora: amor, humor e Madonna


Afinal, o que é o que é Regina Casé? Brasileira, carioca, 38 anos completos no último 25 de fevereiro, casada de fato ("mas não na Igreja e nem no cartório") com o artista plástico Luís Zerbini, de 32 anos, e mãe de Benedita, de 2 anos e meio. Dona de um mais que charmoso sobrado na Gávea, com direito a piscina na cobertura e dois carros estacionados na porta (a casa não tem garagem): uma Quantum 91 dourada, com ar-condicionado, por favor, e um Lada Niva vermelho. Somam-se ainda às suas posses um casal de gatos, Gala e, naturalmente, Dalí, e uma tartaruga, a Cicciolina, vulgo Brega. Regina tem um chofer particular, mais por praticidade do que por luxo, até porque ela não é disso. Ou melhor: seu luxo é o inusitado. Ela é urna artista da surpresa, com um coração tão pluralista como mutante.


Na noite de 16 de setembro de 1978, por camplo, ela foi receber o prêmio Molière de melhor atriz no Teatro Municipal de São Paulo, por seu trabalho na peça Trate-me Leão, do grupo de nome esquisito, Asdrúbal Trouxe o Trombone. Para a cerimônia de gala, lá foi a moça com seus 24 anos, um bustiê e um laço no cabelo. O que havia de fazenda sobre aquilo que Caetano Veloso batizou de "peitos perfeitos" mal dava para fazer a fita da cabeça e esta, bem... ali parecia haver pano suficiente para renovar o cortinado do Municipal. É claro que Regina Casé virou sinônimo de irreverência. Ou melhor, já era a encarnação do deboche sensual, solto, saudável, mas, então, fixou a imagem que, às vezes, dá a impressão de não bastar para a realização dos seus sonhos de menina. "Eu gostaria de ter feito na televisão alguma personagem que não fosse humorística", revela. Imprevisível na década de 70, imprevisível agora. Sua única constante é trabalho, muito trabalho.


O dia-a-dia dessa mulher é uma tourada interminável. É funcionária da Rede Globo, que leva ao ar numa das noites de terça-feira de cada mês o seu Programa Legal. Tem também um segundo emprego (ou será o primeiro?) no teatro. No palco ("eu adoro isso aqui, sabe?", costuma dizer à platéia, improvisando) é a personagem-título, até porque a única, de Nardja Zulpério, que Hamilton Vaz Pereira escreveu especialmente para ela. O mesmo Hamilton que a conhece desde o início da década de 70, que esteve junto no Asdrúbal e com quem foi casada até 1977, "mais ou menos". O espetacular espetáculo, que conta com a participação em vídeo de Luís Fernando Guimarães, Theo Werneck, do grupo Luni, e de Fernanda Montenegro ("a maior atriz brasileira e grande amiga"), mostra Regina contracenando com os vídeos numa inacreditável e cronometrada sintonia. Fala de solidão, Nietzsche e mitologia grega. Uma salada muito bem temperada que lota, de quinta a domingo, os 650 lugares do Teatro Casa Grande, no Rio.


Depois dos espetáculos, ela e o marido costumam sair para jantar fora e só vão pegar no sono lá pelas 3 da manhã, para acordar às 11, em média. O problema, muito freqüente por sinal, é conciliar essa rotina com as gravações do Programa Legal, cujos horários são no mínimo estapafúrdios. Na noite de 15 de dezembro, por exemplo, um domingão castigado por torós respeitáveis, Regina saiu do teatro emperiquitada com um vestido florido, uma peruca marrom e um par de óculos escuros tipo pára-brisa de ônibus de luxo e foi para o galpão Emoções, no pé da favela da Rocinha, onde 2.000 pessoas se embalavam ao som de um tipo de música que os especialistas dizem ser brega. Ali, gravou no meio da multidão uma das cenas do Programa Legal de março, dedicado, bem a propósito, ao brega. Era mais de 1 da manhã quando a equipe de cerca de quinze profissionais da Globo deu a missão por cumprida, e Regina entrou no banheiro do Emoções para mudar de roupa de novo. Saiu de lá maravilhosa, com uma calça e uma blusa bem leves, puxando para o laranja, e rumou para uma dessas casas de eventos combinada com restaurante, a Torre de Babel, em Ipanema, onde o amigo Caetano Veloso lançava um vídeo.


É o que se chama de batidão, não é fácil de levar. Mas esse fim de ano Regina conseguiu uma semana de férias, inteiramente investida nas praias de Angra. "Fiquei o tempo todo dentro do mar", diz ela, refeita, de volta ao jugo de sua agenda tirana. "Não foi fácil encontrar algumas horas para entrevistá-la", conta o editor Eugênio Bucci, designado para a tarefa desde meados de outubro. O primeiro encontro aconteceu na tarde do dia 9 de janeiro, uma quinta-feira, no restaurante Antiquarias, no Leblon. Dois dias depois, o segundo, no sábado, após a peça, no camarim do teatro Casa Grande. Na quinta-feira, Regina almoçou cavaquinha com purê de maçã, no que foi acompanhada pelo repórter. No sábado, depois de ingerir algo como cristais e pílulas que saíam de duas dezenas de vidrinhos de homeopatia, um ritual diário, jantou uma canja. Aí, jantou sozinha, calmamente, enquanto respondia às perguntas de PLAYBOY.


Foram seis horas de conversa, ao todo. O que elas refletem, antes de tudo, é a multiplicidade da personalidade fascinante de Regina Casé. Ela é a mais velha das três filhas (suas irmãs são Patrícia e Virgínia) de Heleida e Geraldo Casé, ex-diretor geral do Sítio do Pica-Pau Amarelo, da Globo, e também autor da expressão "Asdrúbal Trouxe o Trombone", que foi emprestada a Hamilton Vaz Pereira para dar nome ao grupo teatral. Regina cresceu num ambiente bem servido de informações culturais. E bastante descontraído, embora tenha estudado em colégio de freiras, o Sacre Coeur de Marie. Depois ingressou nos cursos de Comunicação e História da PUC do Rio. Desistiu quase em seguida, em favor dos palcos. Ela ficou com o Asdrúbal até o fim, em 1982, e começou na Globo logo no início da década de 80. Fez o Sítio do Pica-Pau Amarelo, algumas novelas, como Cambalacho e Vereda Tropical, e o célebre TV Pirata. No cinema, esteve em meia dúzia de filmes, como Tudo Bem e Eu te Amo, de Arnaldo Jabor, e O Cinema Falado, de Caetano Veloso. Do alto dessa obra, Regina continua versátil e dona de um pacto com o inesperado. Ela é sempre mais do que se espera. Subverte qualquer expectativa. Uma mulher muito maior, mais inteligente, mais verdadeira e mais desarmada do que todos os rótulos que colaram nela. Tudo isso dentro de 1,65 metro, 57 quilos ("o meu normal é 55"), olhos infantis e muita simplicidade. Regina Casé não costuma freqüentar cabeleireiros. Quase nunca corta os longos cabelos, entre os quais pousavam fitas gigantescas. Sobre as tais fitas e muito mais, ela falou abertamente a PLAYBOY.


PLAYBOY — Como é que você se define hoje: você é uma atriz, uma animadora ou uma comediante?


REGINA CASÉ — Uma comediante. Mais por determinação do mercado, mais pela procura. Eu virei uma comediante e não tem muito jeito. Eu sou engraçada, tenho veia cômica, não tem a menor dúvida, mas que eu poderia ser uma atriz com um leque maior de opções, eu poderia. Isso já não me preocupa tanto, quem sabe eu ainda não venha a fazer um papel sério, sei lá, uma nordestina sofrida, tenho até physique du rôle.


PLAYBOY — Você fala sério?


REGINA — Claro, eu gostaria muito. Se eu já tivesse feito seria até muito melhor para mim e todo mundo. Eu poderia ter feito, por exemplo, a Gabriela de Sônia Braga. Eu ficaria linda e convenceria todo mundo.


PLAYBOY — E nunca pintou uma oportunidade, nunca te ofereceram?


REGINA — Nunca, nem cinema, nem televisão, nada. Sou bem-sucedida, as pessoas me respeitam, tudo bem, mas se eu tivesse feito um papel sério talvez a minha carreira tivesse sido mais rica, mais complexa e interessante. E volta e meia eu penso numa dessas personagens nordestinas, bem assim descalça, pé sujo de barro e aquele vestidinho pobre. Daqui a pouco eu vou ficar velha e fico pensando que nunca fiz uma dessas.


PLAYBOY — Mas você faz nordestinas no seu Programa Legal, e elas sempre são hilárias. Qual a fórmula de Regina Case para ser uma grande comediante?


REGINA — Para começar, ritmo. É como dançar. Dificilmente alguém que não tenha ritmo e não saiba dançar poderia ser engraçada. Depois, senso de oportunidade, como jogador de futebol. Ser comediante é saber fazer gol. É perceber que ali tem uma brecha, ir lá e pimba. No drama e na tragédia, você pode se programar que suas emoções vão funcionar todo dia. No humor, não é assim. As coisas se configuram de repente, é preciso se posicionar com rapidez. Nas gravações do Programa Legal, eu trabalho muito na rua, com gente que nunca vi, às vezes em condições adversas, e só atuo na base do improviso.


PLAYBOY — E, em sua peça Nardja Zulpério, boa parte do espetáculo é improvisada, como naquela hora em que você conversa com as pessoas da platéia e faz piada com o lanche microscópico que é servido na ponte aérea. Você diz que o passageiro não tem medo de o avião cair — tem medo é de acabar a Coca-Cola.


REGINA — Pois é, aquilo nunca foi escrito. Não só nunca foi escrito como não era do tamanho que é hoje [pelo menos meia hora de um espetáculo de quase duas, ela passa improvisando]. Nesse ponto eu sou parecida com a Dercy Gonçalves, que diz que só precisa que o autor lhe dê uma estrutura para que ela possa quebrar com ela.


PLAYBOY — Você também quebra com o tal padrão global de sisudez. Como é que foi a sua ida para a Globo, vinda do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, que parecia tão anárquico?


REGINA — Logo que entrei eu fiquei estarrecida. A Globo era igual ou pior do que o Asdrúbal, no sentido de ter que ser meio missionária na África, matar um leão por dia, não ter horário. É claro que eu já trazia uma deformação profissional do Asdrúbal...


PLAYBOY — Deformação?


REGINA — É, eu sou um pouco exagerada. Então, se eu vou fazer uma sertaneja, por exemplo, e tenho em casa algumas roupas que sirvam para o papel, eu ponho tudo na mala e levo. É como se um médico que estivesse aqui no restaurante quisesse tirar o pulso de todo mundo que entra [risos]. No Asdrúbal, tudo bem, lá eu era figurinista, tudo. Mas na Globo eu sou apenas atriz e é só para isso que eu ganho.


PLAYBOY — E quanto você ganha?


REGINA — Em dezembro, cerca de 3 milhões de cruzeiros.


PLAYBOY — Tem 13º?


REGINA — Tudo, até peru de Natal.


PLAYBOY — Mas você vai ganhar mais agora, não vai? Não está na época de renovar contrato?


REGINA — Sim, eu tenho que renovar até março. Nós estamos conversando.


PLAYBOY — E vale apena estar na Globo?


REGINA — Olha, a Globo é uma coisa que está funcionando no Brasil e eu acho que você tem que participar em vez de ficar reclamando que a televisão está atrapalhando a cultura brasileira.


PLAYBOY — Mas a cultura brasileira também não está na televisão?


REGINA — Quanto menos intencional ela for, quanto menos você tentar reproduzir o Brasil ou o que você acha que é o Brasil, com pobreza etc., mais a cultura brasileira vai aparecer. O Brasil é uma coisa esquisita, maluca, complexa. Não é um monte de gente tocando zabumba, não é um grande bumba-meu-boi. É tudo misturado, não adianta ficar com preocupações temáticas, querer controlar. Tem que fazer tudo misturado e é isso o que a gente faz.


PLAYBOY — Mas não tem muita interferência da direção da emissora?


REGINA — Por incrível que pareça, não tem. A Globo não é essa entidade que controla tudo. O projeto do Programa Legal, por exemplo, a gente ofereceu pronto para o Daniel Filho [que era o Diretor da Central Globo de Produções] e disse: "Está aqui, quer comprar?" E ele comprou.


PLAYBOY — Por que é que, de todo aquele pessoal que estava no TV Pirata, só você e o Luís Fernando Guimarães ficaram no Programa Legal?


REGINA — A gente era muito identificado com aquela turma toda e, no entanto, a gente não assinava embaixo de tudo o que era feito. Programa Legal é muito mais a nossa cara.


PLAYBOY — Por que o Luís Fernando?


REGINA — Ah, nós somos irmãos. Desde 1974 [ele foi um dos integrantes do Ásdrúbal] que nós nos vemos pelo menos uma vez por semana, e ele é tudo o que eu gosto em humor. É superintuitivo, um artista muito talentoso e é a pessoa menos racional que conheço. Entra nas situações sem nem saber o que é que está acontecendo e, graças a Deus, o anjo-da-guarda dele faz tudo dar certo.


PLAYBOY — Em 1989, durante a campanha presidencial, toda a turma do TV Pirata aparecia no horário de propaganda gratuita do PT fazendo aqueles quadros onde o Collor era retratado numa praia, morrendo, como o "filhote da ditadura"...


REGINA — Ótimo você tocar nesse assunto, porque assim fica claro de uma vez: eu não fiz e jamais faria aquela campanha. Nem votei no PT no primeiro turno, votei no Brizola.


"Eu não fiz e jamais faria aquela campanha da turma da TV Pirata contra o Collor no horário do PT nas eleições de 1989"

PLAYBOY — E no segundo?


REGINA — Aí votei no Lula. Mas eu não estava naquilo e, gozado, fiquei identificada com aquela campanha. Não quero fazer propaganda política para ninguém.


PLAYBOY — Ninguém?


REGINA — Bem, pode ser que, daqui um tempo... Por exemplo: eu sou fã do Jaime Lerner desde a primeira vez que fui a Curitiba, em 1974 [primeira gestão de Lerner à frente da prefeitura]. E sempre que vou lá fico impressionada. Parece que tudo funciona tão bem.


PLAYBOY — Você sabe que o Jaime Lerner esteve cotado para ser candidato a prefeito do Rio.


REGINA — É, mas acho difícil. Adoraria. Talvez até fizesse campanha.


PLAYBOY — Já está fazendo...


REGINA — E olha que eu nem o conheço.


PLAYBOY — Mas você pelo menos via o que a turma do TV Pirata, sem você, fazia no programa do PT?


REGINA — Via e não achava legal. Não gosto de humor político. Sou mais Trapalhões do que Jô Soares ou Agildo Ribeiro. Não que eu seja contra o humor político e muito menos contra o Jô, adoro quando ele faz aquelas mulheres hilárias, mas não gosto tanto das piadinhas políticas. Eu detesto até charge de jornal. Tem gente que gosta de ver jogo de futebol na TV, eu não; tem gente que curte poesia, tem gente que detesta; tem gente que ama ler romance e tem gente que não suporta. Não é que eu seja contra, mas eu não gosto de humor político.


PLAYBOY — Mas essa nova geração de humoristas, esse pessoal da Casseta Popular e do Planeta Diário, que está no seu programa e no Doris para Maiores faz bastante humor político.


REGINAPrograma Legal não tem nada a ver com a Casseta Popular. Só o Hubert, que está no Programa Legal e que faz também o Planeta Diário. É o único ponto em comum. A turma da Casseta está no Doris para Maiores, e eu jamais faria o programa da Doris. Eu não compro e não leio a Casseta Popular, acho grosso, embora eu tenha vários amigos ali e goste muito das pessoas.


PLAYBOY — Tudo bem, você não gosta de piadas sobre políticos, mas e do Collor, o que é que você está achando?


REGINA — Se ele fizer muitas escolas, eu vou achar ótimo.


PLAYBOY — E do que ele está fazendo até agora?


REGINA — Para dizer a verdade, eu nem sei o que ele anda fazendo. Sem nenhum mérito nisso. Não me orgulho da minha ignorância.


PLAYBOY — Será ignorância ou será que nada do que o governo faz chama a sua atenção?


REGINA — [Longa pausa] Olha, não é que eu não queira me comprometer, eu até falo sobre política, mas nada do que eu vejo me motiva a falar bem ou mal do governo.


PLAYBOY — Nem quando o presidente fala que tem "aquilo roxo"? Você não acha graça?


REGINA — Eu lembro que fizeram um monte de piada em cima disso, mas, honestamente, é bem esse o tipo de humor que eu não acho nenhuma graça.


PLAYBOY — Vamos tentar agora falar de um assunto que talvez você ache mais engraçado: a sua primeira vez como é que foi?


REGINA — [Risos.] É sempre assim na PLAYBOY, né? Política, sexo [risos]. Mas foi muito boa. Foi com um menino que estava na mesma situação que eu, nós dois com 17 anos, era a primeira vez dele também. Então a inexperiência, que poderia atrapalhar, foi até boa, não tinha ninguém ensinando ninguém.


PLAYBOY — E hoje, já bem mais experiente, você acha que uma piada na hora H pode cortar o tesão?


REGINA — Não, acho que não. Luís, meu marido, me disse uma coisa uma vez que eu vou repetir aqui. Trepar é uma brincadeira. Você está brincando ali, então a piada não atrapalha. Mas é claro que depende. Se for alguém com quem você tenha muita amizade, alguém que você já conhece bem, não tem erro. Já se for uma pessoa muito tímida, uma piada pode inibir mais ainda.


PLAYBOY — A amizade é superior ao amor?


REGINA — Que o amor, num sentido geral, não. Mas é superior à paixão.


PLAYBOY — Os seus peitos são mesmo perfeitos como disse o Caetano Veloso na canção Rapte-me Camaleoa, que ele dedicou a você?


REGINA — Até a Benedita nascer, há dois anos e meio, eles eram perfeitos, sim. Depois ficaram dez vezes maior [risos]. Mas se você me perguntar se eu quero meus peitos de volta, como eles eram, ou se eu queria ter dado de mamar por onze meses, como eu dei, eu não vou pensar um segundo. É claro que eu prefiro ter dado de mamar.


PLAYBOY — A Benedita alterou muito a sua rotina?


REGINA — Meu maior problema é exatamente esse. Não consigo ter rotina.


PLAYBOY — Tem alguma refeição que seja sagrada para você?


REGINA — Tinha, o café da manhã. Mas depois que você tem filho... O meu café da manhã é uma droga, uma bagunça, com a Benedita pulando em cima de mim, derrubando geléia na minha perna [risos].


PLAYBOY — Valeu a pena a maternidade?


REGINA — É claro que sim, mas foi supertraumático.


PLAYBOY — Por que traumático?


REGINA — É que na hora do parto eu tive descolamento de placenta. Depois o médico me contou que, em 90% dos casos como o meu, morrem a mãe e o bebê! Eu ia ter um parto normal, estava com dilatação, tudo certo, e aí, na hora, ela não conseguia nascer, porque o cordão era muito curto. Foi horrível, foi como bater de carro, eu nunca poderia esperar. Foi feita uma cesariana de emergência, mas, mesmo assim, ela teve uma asfixia grave, ficou dezesseis dias na UTI entre a vida e a morte. Só depois de seis meses é que nós ficamos sabendo que não ficaria nenhuma seqüela. Com certeza nunca me aconteceu nada tão ruim assim. Até muito pouco tempo atrás, eu nem conseguiria falar sobre isso.


PLAYBOY — Você nunca tinha engravidado antes?


REGINA — Não, e quando eu fiquei grávida parecia que tudo estava certo.


PLAYBOY — O que é que te segurou neste período? Psicanálise?


REGINA — Eu voltei a trabalhar uns quatro meses depois, mas fiquei completamente desestruturada, com medo de tudo. Até essa época, eu era contra psicanálise, achava chato essa mania de interpretação, jamais gostei. Sempre achei que se alguma coisa me acontecesse eu iria pedir socorro à religião. Foi aí que o Caetano me pegou como se levasse alguém para um pronto-socorro e me colocou no colo da doutora Inês Besouchet, analista dele e que morreu no ano passado. E eu descobri assim a maior psicanalista do mundo. Ela era sábia, um gênio, que não só me fez ver que a psicanálise poderia ser legal como me ajudou em tudo. Eu estava muito mal, tinha sintomas físicos, até para ler eu tinha dificuldade, mas sempre achei o fim toda essa história de psicanálise. Ir até um prédio em Copacabana, pegar o elevador e me deitar num divã. Só que a doutora Inês desmanchou essa minha concepção. Para começar, ela não morava em Copacabana e nem era um prédio com elevador [risos].


"Antes, eu achava que psicanálise era o fim: ter que ir a um prédio de Copacabana, pegar um elevador, deitar no divã..."

PLAYBOY — Mas tinha divã?!


REGINA — Só mais tarde. Daí você vê a sensibilidade dela. Eu era recebida numa sala com um sofá, plantinhas, lareira, gatos. Só depois eu fui ao consultório dela.


PLAYBOY — Durante quanto tempo ela cuidou de você?


REGINA — Até ela morrer. No começo, eu ia lá quase todo dia, e ela literalmente me botava no colo, fazia carinho na minha cabeça, me dava chá, beijinho, foi uma maravilha. Eu me lembro dela e fico com saudade [pára de falar para enxugar os olhos].


PLAYBOY — Você disse que, antes de tudo isso acontecer, teria preferido recorrer à religião a se deitar num divã. Por quê? Você acredita em Deus?


REGINA — [Agora rindo.] Acredito. Acredito em Deus e todo mundo [risos]. Essa é boa: em Deus e todo mundo. Mas é verdade. Sou uma pessoa muito crédula.


PLAYBOY — E no diabo, você também acredita?


REGINA — No sentido simbólico, de coisa ruim, eu acredito, sim.


PLAYBOY — Algum santo de preferência?


REGINA — Ih, vários. Adoro santo.


PLAYBOY — Logo na varanda da sua casa a gente dá de cara com uma imagem...


REGINA — É o São João Batista, porque eu me mudei para aquela casa no dia 24 de junho [1986], que é o dia de São João Batista. E acho que para cada necessidade há um santo. Se você se engasga, chama São Brás. Se cair alguma coisa nos seus olhos, Santa Luzia. Se perder alguma coisa, é São Longuinho... [pensativa] Se bem que Santo Antônio também é bom para isso.


PLAYBOY — Você reza?


REGINA — Muito.


PLAYBOY — É dessas de ir à missa todo domingo?


REGINA — Só às vezes. Mas, se eu for a outra celebração de outra religião, e se eu comungar do que estiver sendo celebrado ali, se eu comungar da mesma fé daquelas pessoas, tudo bem, é igual.


PLAYBOY — Você é casada na Igreja.


REGINA — Não. Nem no cartório.


PLAYBOY — Você lê muito?


REGINA — Isso é outra coisa que mudou na minha vida. Depois que a Benedita nasceu, eu quase não leio. Mas estou lendo e adorando um livro que o Caetano me deu, O Deserto e as Tentações de Santo Antão, de Jorge Bastos (editora Holon). Eu não disse que adoro santo? Ainda quero fazer algum trabalho sobre vida de santo, alguma coisa assim. Mas eu tenho lido muito menos. Às vezes eu acho que quando a Benedita fizer 5 anos eu vou ter que ser levada a um CIAC para ser alfabetizada de novo [risos].


PLAYBOY — Quando você lia mais, que tipo de livro era? Paulo Coelho?


REGINA — [Gargalhada.] Na verdade eu só li um livro dele, Diário de um Mago, e adorei. Adoro livro de viagens. Eu li o livro dele assim, da mesma forma que li Amyr Klink, ou sobre o rali do Cammel Trophy, como viagem. Eu até disse isso para ele e ele riu à beça. Eu não vejo o Paulo Coelho da forma que todo mundo vê, um guru, um mestre.


PLAYBOY — Livro mais cabeça, intelectual, você não gosta?


REGINA — "Livro cabeça" é ótimo [rindo]. Ultimamente eu só tenho lido quando há um interesse conjugado com o meu trabalho. Por exemplo, eu li Nietzsche e mitologia grega para fazer a Nardja Zulpério. Mas há três anos eu tenho um grupo de estudos, que se reúne toda segunda à noite, na minha casa, e que compensa muito a minha falta de leitura.


PLAYBOY — Um grupo de estudos? Teríamos aí a versão carioca dos saraus literários da Giulia Gam em São Paulo?


REGINA — Não, não tem nada a ver. Atualmente é mais um grupo de lazer. A gente se diverte muito, organiza festas.


PLAYBOY — Quem são os felizes componentes do grupo?


REGINA — Eu, o Luís, a Sandra [Kogut, videasta], que fez um vídeo chamado Parabolic People, com cenas de São Paulo, Paris, da África, do Japão, Nova York etc., que passou agora em onze capítulos na MTV. Tem também o Jorge Barrão [artista plástico], marido da Sandra, o Luís Fernando [Guimarães], o Fausto Fawcet, a mulher dele, Sílvia Pimenta, que agora faz mestrado em Comunicações, o Hermano Vianna [antropólogo que também participa da criação do Programa Legal] e o Sérgio Meckler [editor do Programa Legal]. É demais. É incrível como as discussões do grupo se refletem no trabalho de cada um, é como se fosse uma criação de todos nós. Mas reconheço que no começo era bem mais sério, agora a gente se diverte muito.


PLAYBOY — Como? Só organizando festas?


REGINA — Não só. Às vezes a gente sai, todo mundo de peruca, e vai para algum bar. A gente chora de rir. Já fizemos até aula de meditação dentro da piscina lá de casa.


PLAYBOY — E quem era o professor?


REGINA — Eu mesma. Dei várias aulas.


PLAYBOY — Você entende disso?


REGINA — Algumas meditações.eu já sabia e depois consultei alguns livros. Mas já tivemos o Paulo Coelho falando de vampirismo, o Caetano dando aula sobre bossa nova, o Alberto Machado [filósofo], sobre Deleuze, Kant e o Zaratustra de Nietzsche. Até meu pai já deu aula prática de culinária, com todo mundo na cozinha aprendendo a cortar alho e cebolinha.


PLAYBOY — Falando na figura do Geraldo Case: é verdade que foram seus pais, e não você, que saíram de casa quando você tinha 15 anos?


REGINA — É, mas meu pai saiu um pouco antes, quando eu tinha uns 10. Depois minha mãe casou de novo, foi morar em Portugal e levou minhas duas irmãs. Eu fiquei sozinha em casa, com minha tia Julinha, de 78 anos. Comecei a morar sozinha desse jeito.


PLAYBOY — E como era a infância da menina que virou Regina Casé?


REGINA — Eu nunca achei, até hoje, nenhuma casa como aquela onde eu cresci. Em nenhum lugar do mundo você pode desenhar nas paredes. Lá em casa podia. A começar do meu pai, que fazia nus artísticos. De vez em quando ficava até embaraçoso, era gozado. Quando tinha visitação de Nossa Senhora, que era organizada através do meu colégio, vinha o padre e todo mundo rezar na casa da gente, onde a imagem da santa ficava por alguns dias. Numa dessas ocasiões, a situação ficou difícil. Não tinha um único lugar para o padre colocar a imagem que não houvesse uma bunda por perto na parede ou um quadro de nu. Minha mãe precisou cobrir os desenhos com uns paninhos lá. A casa era muito movimentada, o Vinicius de Moraes e outros artistas iam muito lá, e meu pai era totalmente anticonvencional, como é até hoje. Ele sempre foi muito namorador, era o maior "Seu Quequé". Eu até acho que me puseram para estudar no Sacre Coeur de Marie para contrabalançar um pouco a loucura que era na minha casa.


PLAYBOY — Então foi mais fácil para você começar a vida sozinha?


REGINA — Nem tanto. Minha adolescência foi um pouco conturbada, porque eu era muito madura de cabeça mas o corpo não acompanhava. Só fiquei menstruada aos 15 anos.


PLAYBOY — Como madura de cabeça?


REGINA — Meu pai orientava as minhas leituras, é engraçado. Aos 13 anos eu li Ulisses, de James Joyce.


PLAYBOY — E entendeu alguma coisa?


REGINA — Imagina! Mas, de alguma maneira, a gente entende. E para mim foi muito bom, porque logo que eu fiz curso de teatro, aos 15 anos, com Sérgio Brito, me coube aquele monólogo feminino, da Molly, do final do livro: "Quereria eu sim dizer sim minha flor da montanha" [ela declama]. E eu já conhecia porque tinha lido.


PLAYBOY — Puxa, seu pai te queria para intelectual.


REGINA — Não, mas logo que fiquei morando sozinha eu ia toda noite na banca da revistas, e sabe o que eu lia? Fotonovela! Naquela época todo mundo lia aqueles jornais alternativos, bem assim [e enche a boca para falar]. Opinião, sabe? E eu lia fotonovela. Um mundo novo se abriu para mim. Comecei a gostar de Roberto Carlos, Jovem Guarda, sem nenhum problema de consciência.


"Na época em que todo mundo lia jornal alternativo, eu lia fotonovela. Eu gostava de Roberto Carlos e Jovem Guarda"

PLAYBOY — Fale um pouco mais sobre a sua adolescência, por que você diz que ela foi conturbada?


REGINA — Eu era muito magrinha, tinha uma franja, parecia um curumim, indiozinho, com aquelas pernas de Biafra, bem finas. E eu tinha umas amigas boazudas, peitudas, cheias de namorados.


PLAYBOY — Você se sentia feia?


REGINA — Feia, não, mas me sentia esquisita.


PLAYBOY — Devia ter o tal menino que você queria namorar e que não te dava bola.


REGINA — Aquele menino propriamente não tinha, não. Mas eu sofria muito com um sentimento de inadequação mais amplo, como se não fosse aquele o meu tamanho certo, como se não fosse aquela a minha turma.


PLAYBOY — Patinho feio?


REGINA — Também não vamos dramatizar a tal ponto. Eu era até bem aceita na turma. Só queria já ter peito, bunda, tudo isso, e não tinha. Mas depois sempre tive muitos namorados e muito bonitos. O Luís, meu marido, por exemplo, é lindo.


PLAYBOY — E quando é que você retomou a confiança na sua própria beleza?


REGINA — Foi aos poucos. Na época do Asdrúbal, por exemplo, eu não me achava feia. Aí eu li uma crítica que até me elogiava, mas que dizia uma coisa do tipo "feiosa, magricela e não sei o quê, Regina Casé dá um show de interpretação" etc., como se "apesar" de uma coisa eu fosse outra, entende? Aí eu comecei a sacar que fazia gênero com essa história de ser feiosa e magricela.


PLAYBOY — Você devia se escorar um pouco no fato de ser engraçada, não?


REGINA — Escorava. No fato de ser engraçada e de ser inteligente. Desde o colégio eu já tinha o maior público.


PLAYBOY — Mas traduza uma coisa: o que era fazer gênero feiosa?


REGINA — Era dizer que não estava ligando, chamar a atenção de todo mundo para os meus dentes, que eram muito para frente e que foram corrigidos mais tarde com aparelho, usar roupas e laços extravagantes.


PLAYBOY — Para que as pessoas olhassem os adereços berrantes e não olhassem você mesma?


REGINA — Mais ou menos isso. A Dedé [Veloso, ex-mulher do Caetano] me ajudou muito a perceber isso. Ela que falava "tira esse laço enorme da cabeça, você é bonita, você não é feia!". Com o Caetano e a Dedé eu aprendi muitas coisas, coisas que hoje vejo em mim como qualidades.


PLAYBOY — Mas a Dedé não tinha ciúmes de você?


REGINA — [Pausa.] Tinha. Todo mundo tem, é normal.


PLAYBOY — Deixe eu ser mais específico: em 1976, me corrija se não for este o ano, você namorou o Caetano, que era o marido dela, não foi?


REGINA — Não dá para estabelecer um limite assim. Eu não fui namorada [a palavra é dita com uma certa entonação trágica], séria, assim. Era diferente, outra época, outro comportamento.


PLAYBOY — Explique isso melhor?


REGINA — As pessoas todas namoravam umas com as outras, era diferente. Você não pode considerar assim, como se o Caetano tivesse uma amante. Tanto que a Dedé ficou super minha amiga, e é até hoje. No dia do parto da Benedita, ela estava em São Paulo e foi a primeira pessoa a quem liguei para vir ficar comigo.


"Você não pode considerar assim, como se eu fosse a `amante' do Caetano. Era diferente naquela época. As pessoas se namoravam"

PLAYBOY — Então, na sua opinião, é perfeitamente possível duas mulheres serem amigas de verdade?


REGINA — É. Claro que é. Hoje muito mais. A minha relação com as mulheres melhorou muito. Todo mundo vivia me dizendo que eu não podia confiar em mulheres, que a gente não devia nunca falar bem do namorado porque elas iam querer para elas também. Eu nem levava em consideração. Só o fato de admitir que alguém ou uma mulher pudesse ter inveja de mim já me fazia sentir diminuída. Inveja para mim era coisa de desquitada de Copacabana. Para mim tudo era a maior limpeza.


PLAYBOY — Você deve ter dançado barbaridade.


REGINA — Comecei a dançar em 1986, olha que gozado!


PLAYBOY — Gozado mesmo, porque você nunca se lembra de datas. Mas o que aconteceu assim de tão marcante em 1986?


REGINA — Como foi o ano em que nós nos mudamos para nossa casa, eu me lembro. Foi quando eu percebi que existia vizinho invejoso mesmo e mulher de quinta categoria, ruim. Os vizinhos chegaram a nos processar por causa da reforma do nosso sobrado. O caso nem foi adiante porque o juiz não deferiu, mas aí eu notei como as pessoas também poderiam ser menores.


PLAYBOY — Você acha mulher bonita?


REGINA — Acho, claro.


PLAYBOY — No filme Eu te Amo tem uma cena em que você diz para Vera Fischer que ela é linda e parece que foi tudo improvisado, é verdade?


REGINA — É. Eu sabia a situação da cena. O Paulo César Pereio, marido da Vera Fischer no filme, tinha me encontrado na rua havia quinze minutos. Eu era uma prostituta e ele estava na cama comigo. Ela aparece para buscar as coisas dela na casa, porque eles estavam se separando. Foi a primeira vez que vi a Vera Fischer de perto. Daí me cabia dizer que eles não podiam se separar, que ela era muito bonita. Só que fiquei impressionada mesmo. Ela era linda! E eu disse isso, que ela era linda, porque era o que eu sentia.


PLAYBOY — Pois é. O espectador sente uma cumplicidade de desejo entre vocês duas.


REGINA — Eu acho mulher bonita, mesmo. E fico com raiva quando vejo uma mulher falando mal de outra. A gente vê alguém dizendo que a Luiza Brunet é linda e logo vem a outra e diz: "É, mas ela fez plástica". Aí alguém elogia a Xuxa e uma outra começa: "Ah, mas o nariz não é mais o mesmo". Eu, não. Acho mulher bonita, de verdade.


PLAYBOY — E você já se apaixonou por alguma?


REGINA — Não, nem nunca namorei mulher. E, nos anos 70, isso era até uma coisa que me pesava [rindo], porque era muito comum mulheres irem para cama com mulheres no ambiente em que eu vivia, mas nunca aconteceu comigo. Eu ficava me perguntando por que é que nunca tinha acontecido.


PLAYBOY — E agora, casada há dez anos, você é ciumenta?


REGINA — Sempre fui. Se eu quisesse persistir naquilo de namorar todo mundo, eu até poderia continuar, mas é evidente que não é essa a tendência geral.


PLAYBOY — Então você tem um casamento monogâmico?


REGINA — Tenho. Mas é um casamento monogâmico que sofre todo tipo de...


PLAYBOY — Risco?


REGINA — Não é risco, nem ameaça. Mas é um casamento que se confronta com isso. Mesmo quando a gente nega totalmente a possibilidade de transar com outras pessoas é assim. E eu não nego essa possibilidade, pelo menos não nego totalmente. Eu trago uma herança daquele tempo, não quero jogar fora tudo o que vivi e aprendi. Mas o fato de eu ter essa liberdade não significa que eu tenha que usá-la, ou seja, eu posso fazer isso, mas não preciso fazer isso só para provar que eu posso.


PLAYBOY — E se o seu marido fizer esse isso de que você está falando?


REGINA — Já naquela época era difícil. Já naquela época eu chorava, eu me descabelava. Assim como a Dedé, como todo mundo. Eu era casada com o Hamilton [Vaz Pereira] nessa época em que nós conhecemos a Dedé e o Caetano, e o Hamilton também se envolveu com outras pessoas.


PLAYBOY — Com quem?


REGINA — Eu posso te dar um exemplo, mas foram tantos que se eu der um exemplo vai parecer que ele foi mais importante do que realmente foi. Uma das pessoas com quem ele se envolveu foi a Patrícia Travassos [atriz, a Mary Matoso da novela Vamp]. E não que isso tenha sido muito importante, talvez tenha durado só uma semana, mas é só para você entender o que eu estou dizendo. Claro que eu tive ciúmes. Tive vontade de fritar, tive muita raiva, como eu teria hoje, mas naquela época isso era tratado de outra forma. E a Patrícia continua sendo minha grande amiga até hoje.


PLAYBOY — E hoje, se uma amiga sua fica interessada pelo seu marido?


REGINA — Olha, paquerar até que não tem problema, mas ela tem que ser legal comigo.


PLAYBOY — Como?


REGINA — Falando para mim que meu marido é lindo, irresistível, para a gente viver junto tudo isso. Aí eu não sei. Ou ela vai ficar admirando de longe, ou ela vai à luta e eu vou querer brigar com ela, mas alguma coisa a gente vai fazer. Se ela realmente é minha amiga,

além da relação com o meu marido ela tem uma relação comigo.


PLAYBOY — Isso não pode acabar numa cama com três pessoas?


REGINA — Não, isso é muito difícil. Praticamente impossível. Hoje em dia, então, mais difícil ainda. Seria muito trabalhoso. Um inferno. Imagina se alguém quer dividir o seu marido com outra? Ninguém quer. Agora: essas coisas existem, e pode ser que eu goste tanto de meu marido que, mesmo pedindo a vida toda para ele nunca olhar para outra mulher, se acontecer, eu posso tentar me adaptar só para não perdê-lo.


PLAYBOY — Então só o que você nunca admitiria é ser enganada?


REGINA — Me magoaria mortalmente.


PLAYBOY — E já aconteceu com você e com o Luís de algum de vocês dois, dizendo um para o outro o que está acontecendo, transarem outras pessoas com o consentimento mútuo?


REGINA — Aí você vai querer colocar que a gente tem uma vida aberta, eu e o Luís, que nós temos um casamento aberto, e se for por aí a resposta é não, isso nunca aconteceu, tá? [Risos.]


PLAYBOY — Digamos então que você opta por viver dentro de um casamento monogâmico e ponto final.


REGINA — Sim, porque se eu abrir mão disso eu vou estar abrindo mão de um milhão de coisas que eu nem conhecia antes. Eu não conhecia quando eu tinha casamentos abertos, não conheci quando eu estava solteira e conheci agora com o Luís.


PLAYBOY — Que coisas?


REGINA — Ter filhos, ter uma casa. Eu nunca senti isso antes em nenhuma das casas em que eu vivi. Era tudo superprovisório. Eu estava viajando sempre com o Asdrúbal e passava, sei lá, no máximo quinze dias no Rio. Depois, o Luís é superpresente na minha vida profissional, ele participa de todos os meus trabalhos, o cenário da Nardja Zulpério é dele, e eu também participo dos trabalhos dele [inclusive como modelo]. E somos muito críticos. Se dependesse dele, não teria passado do segundo Programa Legal.


PLAYBOY — Não aparece muita cobrança no cotidiano?


REGINA — Claro que sim. Tem o problema da empregada, tudo isso, e para mim é o pior lado. Principalmente porque eu detesto, quer dizer, eu tenho o lado masculino muito desenvolvido e poderia muito bem ser o homem da casa [risos].


PLAYBOY — Se você fosse homem, que homem você gostaria de ser?


REGINA — Quem? Acho que eu mesma, mas homem. Taí: adoraria ser homem.


PLAYBOY — Então é verdade que a mulher tem inveja do pênis?


REGINA — Não tenho inveja do pênis. Eu tenho inveja de tudo [risos]. Adoraria ser homem, acho legal.


PLAYBOY — Será tão difícil assim ser mulher, principalmente como você, que é bem-sucedida, independente, talvez ganhe mais do que o marido?


REGINA — Eu sempre ganhei mais do que o marido, sempre fui independente, mais conhecida, é evidente que isso é um problema. Mas eu também me junto a homens bacanas e que vão lidar com isso de uma maneira legal. Então o fato de eu ganhar mais fica só como diferença, não fica como superioridade. E com o Luís é muito evidente, ele tem uma carreira linda, um trabalho maravilhoso, que simplesmente é menos popular que a Globo. O que complica é outra coisa. Mal ou bem, eu fui educada para isso e sei dizer para a empregada como é o mamão que ela tem que comprar na feira, e esse lado ele realmente não faz. Nem sabe que poderia e que deveria fazer. E eu não digo isso como uma reivindicação feminista ou como uma cruz que eu carrego. É apenas uma constatação. Não tem jeito de ser diferente.


"Sempre ganhei mais do que o marido, fui mais conhecida. E um problema. Mas me junto a homens bacanas, que lidam bem com isso"

PLAYBOY — Só porque ele se nega a assumir esses encargos?


REGINA — Não é só por isso. Ele nem vai ter como aprender, eu aprendi isso ao longo de trinta anos. Ele pode até melhorar. Não estou me queixando que ele não lava prato, essas bobagens todas. Se eu fosse homem, eu também não lavaria.


PLAYBOY — Vai ver que não lavar prato é a explicação desse seu desejo de ser homem.


REGINA — [Risos.] Não, na verdade eu também não lavo prato, detesto. Acontece que esse peso do papel da mulher, dona de casa, acaba caindo inteiro em cima de mim. Mas não é por isso. Eu gostaria de ser homem porque eu já sou mulher, queria conhecer o .outro lado, o homem vai para fora, a mulher vai para dentro, o homem tem mais liberdade. Para um homem, experimentar o lado feminino da vida, que é a doçura, a passividade, tudo isso é muito mais fácil, mais sereno. Para a mulher, não. O lado masculino é inacessível. As mulheres que conquistam posições que antes eram masculinas chamam muita atenção, acabam dizendo que conseguiram chegar lá, vira aquele discurso feminista de sempre, e feminismo é muito chato, né?


PLAYBOY — Então vamos falar de mulheres que exerceram ou que exercem esse papel mais agressivo, esse lado que você chama de masculino. O que você achou do livro da Zélia?


REGINA — Não li. Até porque eu nem estava aqui. Essas coisas normalmente duram uns dez dias no jornal e eu passei quinze dias em Nova York [final de outubro]. Quando voltei, o assunto já estava no fim.


PLAYBOY — Nem te interessou?


REGINA — Não.


PLAYBOY — Entre Zélia e Luíza Erundina, se você tivesse que optar...


REGINA — Ah, pelo amor de Deus [pausa]. Por que, elas brigaram?


PLAYBOY — [Risos.] Não, elas são dois estilos diferentes de mulheres públicas.


REGINA — Mas não se opõem.


PLAYBOY — Luíza Erundina ou Rosanne Collor?


REGINA — ...


PLAYBOY — São duas referências femininas.


REGINA — Puxa, Erundina e Rosane Collor, referências femininas, não sei para quem [risos].


PLAYBOY — Para muita gente no Brasil.


REGINA — E, mas não para mim.


PLAYBOY — Você acabou de dizer que saiu do Brasil em outubro e foi para Nova York. Foi um show que você foi fazer lá, não é?


REGINA — É, fui convidada pelo Arto Lindsay [americano crescido no Brasil, músico do Ambitious Lovers e produtor do último disco de Caetano Veloso, Circuladô] para um espetáculo que fez parte de um festival chamado Next Wave, que acontece no BAM [Brooklyn Academy of Music], com coisas novas do mundo inteiro. O nosso show teve três apresentações. Éramos eu, o Arto, o Naná Vasconcelos [percussionista brasileiro de grande sucesso nos EUA] e a Laurie Anderson [americana, a mais importante artista performática da década de 80] como Mestres-de-Cerimônia, os MCs. Nós éramos os animadores da festa, que no caso foi uma festa bilíngüe, em inglês e português, com três cantoras: a Gal Costa, a Bebei Gilberto e a Aurora Miranda.


PLAYBOY — Vamos então falar de uma referência feminina internacional. Você já conhecia a Laurie Anderson?


REGINA — Conhecia, totalmente por acaso. Foi numa festa, na casa do Kim Esteves, na Chácara Flora, em São Paulo por volta de dezembro de 1986. O Kim gosta muito do trabalho do Luís, tem quadros dele e sempre nos convida para essas festas. Numa dessas, a Laurie estava lá e foi colocada numa situação superdifícil. Deram um berimbau na mão dela e queriam que ela fizesse uma performance. Ela ficou com aquele abacaxi, tadinha, nunca tinha visto um berimbau na vida. Então eu peguei a Laurie pelo braço e a tirei daquele constrangimento. Ela disse: "Ah, meu príncipe, você me salvou", a gente riu, conversou, e eu achei que nunca mais fosse encontrá-la. Muito menos imaginei que teríamos um dia um espetáculo juntas.


PLAYBOY — O espetáculo de vocês funcionou?


REGINA — Bem, a crítica falou mal, mas o público adorou. Os três dias lotados, sold out. Eu cheguei a Nova York sem a menor idéia do que fazer e aí tivemos, durante três dias, reuniões na casa da Laurie para discutir e inventar o espetáculo. A casa dela é um lugar enorme, cheio de computadores. Só os que estavam ali, que a gente via a olho nu, eram sete. E eu pensava o que é que eu poderia fazer com a Laurie Anderson, ainda mais discutindo um espetáculo em inglês. Eu me viro até que muito bem em inglês, mas não assim, para resolver um show em três dias. Se com pessoas que você conhece há anos, em português, você já quebra o maior pau, imagina em inglês, e ainda com tão pouco tempo. Claro que nós tivemos de queimar etapas, mas o resultado foi maravilhoso.


PLAYBOY — Foi a sua primeira experiência de participar de um espetáculo concebido no exterior, não foi?


REGINA — Foi. Eu já tinha me apresentado fora, em festivais, até em Nova York mesmo. Mas é a primeira vez que faço no exterior um espetáculo concebido no exterior. Eu fiquei impressionada com o nível de interferência que existe na produção de cultura nos EUA. Os caras do BAM mexem totalmente no texto, na interpretação, tudo, e por essa minha experiência deu para deduzir, por exemplo, como deve ser difícil para um diretor fazer um filme lá, até porque cinema envolve muito mais grana do que teatro. O dono do dinheiro, o sponsor, o patrocinador, seja ele um capitalista do ramo ou um mero mecenas, exerce muita interferência, que é absurdo. Aqui a gente não vê isso, porque quem produz a Regina Casé, pelo menos no teatro, é a Regina Casé, quem produz a Manieta Severo é a Manieta, quem produz a Fernanda Montenegro é a Fernanda Montenegro. Eu dou graças a Deus de morar no Brasil.


PLAYBOY — Mas no Programa Legal vocês não convivem com algum nível de interferência da Globo?


REGINA — Que nem se compara. O Programa Legal seria impossível nos EUA.


PLAYBOY — Que tipo de gente mantinha controle sobre vocês lá no BAM?


REGINA — Tinha dois tipos. Um era o cara da grana, poderoso, a imagem é bem aquilo que você faz de um americano assim... um Nixon! E o outro tipo eram aquelas senhoras — sabe, assim, meio de esquerda? — que têm opiniões sociais, tipo Suzana Amaral de cabelo curtinho. Eu já não tinha ilusão nenhuma com esse negócio de sair do Brasil, morar fora, e agora muito menos. Agora é que eu não corro o risco de virar Sônia Braga, Cacá Rosset. Não vou mesmo para os Estados Unidos.


PLAYBOY — Mas você parece que gosta muito de algumas coisas de lá, tipo Madonna, Michael Jackson...


REGINA — Eu adoro a Madonna, sempre que toca alguma coisa dela numa festa eu corro para dançar. Não gosto é daquele lado Broadway que ela tem, eu detesto a Broadway. O Jorginho Fernando [diretor de TV e de teatro] que não me ouça, mas eu realmente detesto. Todo mundo falava tanto que eu fui ver coisas na Broadway, Chorus Line, e tal, e achei tudo muito chato. Mas eu gosto da Madonna, gostei muito daquela entrevista que ela deu para a revista Advocate [uma publicação gay americana].


PLAYBOY — Mas justamente a Madonna, que é a expressão máxima dessa indústria da cultura americana que você detestou?


REGINA — Só que eu descobri que não preciso daquilo para viver, que aqui também eu posso ser feliz [risos]. Mas eu adoro tudo aquilo, todo mundo vê filme americano e eu também.


PLAYBOY — E o Michael Jackson, que vem sendo tão criticado por, segundo dizem, querer virar branco. Você também acha errado ele virar branco?


REGINA — Claro que não, imagina. O Arnaldo Antunes [Titãs] escreveu um artigo na Folha em defesa de Michael Jackson que eu assino embaixo. Eu gosto muito da música dele, desde os tempos do Jackson Five. E, depois, eu mesma já tentei ficar preta, talvez mais do que ele tentou ficar branco.


PLAYBOY — Quando isso, quando você fazia topless nos anos 70?


REGINA — Eu nunca fiz topless. Era a minha irmã, Patrícia Casé, que fazia.


PLAYBOY — Quando, então, você tentou ficar preta?


REGINA — Desde pequena eu achava os pretos muito melhores, eu era racista. Durante anos eu usei no cabelo aquelas trancinhas nagô, tipo rastafari. Tive muitos namorados pretos, freqüentava os lugares de dançar, bailes funks. Eles dançavam melhor, eram mais alegres, muito melhores. Hoje em dia não sou mais tão radical, já não tenho a rebeldia da primeira juventude. Eu me contento em ser morena no Brasil e, dependendo do país, passar por mulata. E olha que várias vezes eu já consegui passar por preta. Uma vez, em Nova York, fomos eu, o Hamilton e mais dois amigos, bem branquinhos, com um namorado preto que eu tinha a uma danceteria funk. Eu já tinha ido várias vezes com meu namorado. Quando a gente chegou lá, ficou um clima pesado e eles não conseguiram ficar mais do que quinze minutos. Foi aí que eu vi que no lugar só tinha preto, e para mim nunca tinha acontecido o menor problema. Vai ver que nem notavam que eu não era preta.


"Desde pequena eu achava os pretos melhores, eu era racista. Eles dançavam melhor e eram muito mais alegres"

PLAYBOY — Já aconteceu alguma coisa parecida no Brasil?


REGINA — Na época da TV Pirata. A gente tinha muitos problemas com esses grupos de movimento negro, eles reclamavam de um disco que foi feito pela turma da Casseta e do Planeta, chamado Preto com Buraco no Meio. Aí o Hélio de la Peña, que era do disco e também preto, foi lá conversar com o movimento negro. Durante o papo, os militantes disseram que deveria existir no Brasil uma lei que obrigasse que todo personagem negro fosse interpretado por um ator preto. Eles não aceitavam que os atores da TV Pirata se pintassem de preto. O programa deveria contratar outros negros além da Regina Casé. E olha que era o pessoal do movimento negro. Mas esse é só um de muitos exemplos.


PLAYBOY — Você tem algum antepassado negro?


REGINA — Devo ter, né? Eu até que sou bem preta.


PLAYBOY — Quem?


REGINA — Meus avós eu conheço e não são pretos, mas os bisavós eu já não conheço [risos]. Para você ver como eu gosto de preto, basta dizer que pus nome na minha filha de Benedita —90% das pessoas que eu encontro em festa vêm me perguntar: "E como vai a Sebastiana?" [risos], porque elas associam por aí, por ser nome de cozinheira, lavadeira etc.


PLAYBOY — As pessoas não têm medo de você?


REGINA — Muito. É esquisito, porque eu sou ao mesmo tempo pobre e rica, brega e chique, feia e bonita. Depois, eu tenho essa imagem de ser inteligente, intelectual, o que mete medo.


PLAYBOY — Você é uma grande estrela e ao mesmo tempo antiestrela, não é?


REGINA — Para você ver, agora nesse show nos EUA, a nossa produtora, uma gordona, a Mary, no começo tratava a gente mal porque nós éramos brasileiros. Depois ela foi se rendendo até que me disse: "Eu já estou achando que você é a Madonna brasileira". E, no fim, ela foi mais longe ainda: "Eu já não acho que você é a Madonna brasileira, acho que você é a Madonna". E em geral eu sou muito acessível, que é uma herança que eu trago dos tempos do Asdrúbal. Não aconteceu comigo de ficar famosa de repente, como acontece com uma garota que não fazia nada antes, entrou na Globo, fez uma novela, apareceu em capas de revistas e virou estrela da noite para o dia. A pessoa fica totalmente acuada quando é assim, e comigo, não, levo minha vida normalmente.


PLAYBOY — Você fala muito das heranças do tempo de Asdrúbal. Que outras coisas ficaram? Drogas, por exemplo?


REGINA — Ih, nem penso nessas coisas.


PLAYBOY — Não é possível.


REGINA — Sério mesmo, nem cerveja. Tenho horror de sair de mim.


PLAYBOY — Mas você é do time "Drogas tô fora"?


REGINA — O chato disso é que se eu disser que não gosto de drogas, e realmente eu não gosto, vai parecer que eu estou fazendo apologia da caretice, e não é isso. Depois, eu não convivo muito com isso e também não sou nenhuma educadora, não tenho responsabilidade sobre a política de drogas e nem tenho interesse.


PLAYBOY — Mas você já experimentou muitas drogas?


REGINA — Ah, milhares.


PLAYBOY — E não usa mais nenhuma?


REGINA — Há muitos anos.


PLAYBOY — Não te parece que o mundo está cada vez mais conservador, até na tentativa de restaurar velhas ordens ultrapassadas? Mesmo no Brasil existe um movimento para ressuscitar a monarquia.


REGINA — Não vão restaurar monarquia nenhuma no Brasil.


PLAYBOY — Mas você não concorda que o mundo esteja tentando vários retornos?


REGINA — Não.


PLAYBOY — E por que não?


REGINA — Porque eu jogo I Ching [oráculo chinês baseado em conhecimentos filosóficos milenares].


PLAYBOY — E daí?


REGINA — Eu vejo que as coisas não são assim, não podem ser eternamente anos 60. Nada evolui de forma organizada, padronizada. A teoria que está valendo para os anos 90 é a Teoria do Caos, ou seja, que no caos tem uma ordem, do caos nasce [enfática] uma ordem. Eu não vejo perigo nenhum de o mundo estar involuindo. É só você ver o que está acontecendo com a realidade virtual, nas telecomunicações, na informática e na ciência. A ciência não me interessa pelo que ela explica e sim pelo contato com o mistério. Se os anos 70 fossem os 60 mais explicadinhos, e os 80, os 70 mais compreendidos, ia ser tudo uma droga.


PLAYBOY — Você é pop, enfim, gosta de cinema americano, de Madonna...


REGINA — E de Leandro e Leonardo, de Monetário e Financeiro, que é uma dupla sertaneja que a gente entrevistou no Programa Legal e eu adorei o disco deles, de Spielberg, de George Lucas, e ao mesmo tempo continuo achando Godard ma-ra-vi-lho-so.


PLAYBOY — O segredo é não parar no tempo?


REGINA — E, eu entrei em todas muito bem. Deus me livre de ficar dizendo que os anos 60 e 70 eram melhores. Eu não vou guardar a minha vida no armário e esperar ficar bom de novo.


PLAYBOY — Você faz ginástica?


REGINA — Não faço, mas não me vanglorio, deveria fazer. Não faço porque acho horrível, sou preguiçosa, me sinto um hamster fazendo ginástica.


PLAYBOY — Faria plástica?


REGINA — Não, porque tenho medo de anestesia e, depois, também acho bonito o envelhecimento natural. Se eu não tivesse medo, até faria uma plástica na barriga para tirar a cicatriz que ficou da minha cesariana, que foi de emergência e deixou uma marca que eu não gosto, mas tenho medo.


PLAYBOY — Você deve ter muitos apelidos, não tem não?


REGINA — Tenho apelidos isolados. Minhas irmãs me chamavam de Rê, de Régi; no Asdrúbal me chamavam de "Case" [Case, pronunciado em inglês]; e o Gilberto Gil me chamava de Paxa, que vem de paixão. Mas agora no grupo de estudos eu ganhei um apelido ótimo: Maioria. Até o som é legal, não é?


PLAYBOY — Bolchevique, hein?


REGINA — E ao mesmo tempo é crítico. Quando a gente vai sair para um restaurante, por exemplo, e eles pensam em alguma alternativa que eu não concorde, então eles brincam: "Ih, a Maioria vai querer ir pra tal lugar". E a Maioria sou eu! Agora quero ver se eu ganho um sobrenome, Maioria Absoluta, Maioria Avassaladora [risos]. Eu sou mesmo a abelha rainha e não sinto mais culpa disso. Porque sem comando a colméia não funciona, e mandar é um trabalho que dá muito trabalho, coisa que ninguém mais está fazendo e que sempre alguém terá de fazer. Eu sou assim mesmo, a maioria. Eu sou a Madonna e eu sou também a mandona! [Gargalhada.]


PLAYBOY — Você é feliz, não é?


REGINA — Nem sempre. Passei este período grande sofrendo, mas eu tenho vocação para ser feliz. Sinto que estou melhorando e que estou quase igual ao que eu era antes.


PLAYBOY — E como foi conhecer PLAYBOY? Valeu a pena para você, finalmente, conceder a entrevista?


REGINA — Valeu. PLAYBOY me apareceu através de um cara supertímido, branquinho, de São Paulo, e eu tenho essa imagem de ser carioca, morena, exuberante, liberada sexual, o que até não sou. Eu entendo disso porque o meu marido também é branquinho e de São Paulo. Mas o que mais gostei foi de te ligar, depois do nosso primeiro encontro, e pedir para fazer de novo [era essa também a proposta de PLAYBOY]. Sabe o que pareceu aquela nossa primeira vez? Uma trepada complicada, que não dava certo. Mas depois desse segundo encontro valeu, gostei muito. Na verdade eu adoro conhecer pessoas novas, venho me dedicando há anos aos relacionamentos humanos, hoje eles são minha grande especialidade. Isso deve ser o resultado da maturidade, da maternidade, da psicanálise [risos], mas me tornei especialista. O amor e a amizade são as coisas mais importantes da vida.


PLAYBOY — Só mais uma pergunta: você não acha que os leitores vão ter uma surpresa ao encontrarem uma Regina Casé muito mais séria e profunda do que piadista?


REGINA — Só aqueles que não me conheciam, ou que me conheceram apenas na TV Pirata, é que podem ficar surpresos. Eu não me vejo como piadista, como alguém que só diz coisas engraçadas, e nem me sinto assim. E quem me conheceu agora já sabe disso.


POR EUGÊNIO BUCCI

FOTOS FERNANDO SEIXAS



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