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UM PASSEIO PELO RIO

Ficção


Por DOMINGOS PELLEGRINI


No ano em que não deu manga, a molecada tinha mesmo de inventar o que fazer. As goiabas, que dão junto com as mangas, estavam com muita ferrugem e bicho, senão estariam trepados nas goiabeiras, comendo e conversando, depois fazendo jiraus nas forquilhas para até cochilar lá no alto. Mas, conforme os telejornais, o Pacífico tinha esquentado por causa do tal. El Niño — portanto um menino também — e por isso tinha chovido tanto na primavera, apodrecendo a florada das mangueiras, as flores já ressecadas quando o tempo firmou depois de semanas; manga nem para remédio. Então alguns voltaram a soltar papagaio, outros foram rodar pião, fazer carrinhos de rolimã ou até ver televisão, mas três preferiram ir até o Lindóia.


Lindo nome para um riozinho fedido, disse o primeiro, e o segundo disse pois é, meu pai diz que nadava aí quando era menino:


— Com água pela cintura dava pra ver o pé no fundo.


O terceiro virou as costas e foi correndo pela beira do rio, sumindo logo na trilha que o capinzal ia fechando de tanta chuva.


— Que que deu nele?


— Ele não tem pai. Falou em pai...


— Ô louco, sô!


Foram pela trilha, afastando capim, o sol ardendo na cabeça, sementinhas grudando no suor do braço, cheiro de bosta de vaca no vento. Pararam antes da prainha na curva do rio, o terceiro estava ali agachado atrás duma moita, fazendo sinais para eles, parem aí, silêncio. Os dois viraram estátuas antes de agachar devagar, aí avançaram como aranhas desengonçadas, pés e mãos no chão, rastejariam como comandos se pudessem sujar as roupas.


Já tinham visto até porco-espinho por ali, mas os bichos fugiam com qualquer barulhinho, então foram aranhando pela trilha, enfiando a mão numa poça, mas podia valer a pena. Que seria — codorna, lagarto? Chegaram à moita ofegantes, deitaram de costas olhando o céu quase sem nuvens, ficaram respirando de olhos fechados; mas logo abriram, comandos não descansam muito, e olharam para onde o terceiro olhava.


Não viram nada, só a prainha suja onde o rio na curva conseguia deixar um pouco do lixo que recebia.


— Meu pai diz que essa prainha era de areia branquinha...


O terceiro não se mexeu, olhando o que eles só viram erguendo mais a cabeça: na estradinha que acabava na prainha, um carro estava parado, a porta do motorista abrindo para sair um homem. O homem deu três passos, abriu o zíper e começou a aguar umas pobres plantinhas. Então é disso que você gosta, disse o segundo:


— Quer dar urna boa olhada no meu?


— No carro tem urna mulher — sussurrou o terceiro com o dedo nos lábios. — Tavam na maior beijação.


O corpo do homem encobria parte do carro e o primeiro disse beijo vejo na tevê, mas os dois nem ligaram e só então ele também olhou para o ponto de onde saía a urina.


— Vichi, tá duro!


Ficaram olhando até que o terceiro disse que demora, hem, bebeu a caixa-d'água! É porque tá duro, disse o segundo. É, duro demora mais, concordou o terceiro. O primeiro ficou mordendo os lábios, depois sorriu:


— O do meu pai é maior...


Mas o terceiro nem ligou, enquanto o homem dava uma só chacoalhada, ou começou a chacoalhar e viu que assim duro não dava para chacoalhar, aí ia enfiando de novo nas calças, parou, tirou mais para fora, enfiou para dentro das calças a frente da camisa e virou devagar, com aquele mastro sem bandeira na horizontal; daí voltou devagar para o cano, entrou e então viram a mulher.


O homem deixou a porta aberta e sentou já fazendo o banco reclinar. Ela era loura, de cabelos curtos, mas mesmo assim chacoalhou os cabelos antes de quase se jogar sobre ele, abraçando o pescoço e beijando. Atrás da moita os três engoliram quase juntos, o gluc da garganta ecoando pela cabeça junto com o tum-tum do coração.


— Que esfregação, cara, só falta sair fumaça!


— É que o fogo já pegou, não tem fumaça.


Quietos, disse o primeiro. A mulher se enroscava no homem, que abraçava enfiando saia acima a mão que não viam, mas ouviam os gemidinhos dela. Vichi, disse o segundo vendo que agora beijavam descolados, as línguas se enroscando fora da boca. Vichi, disse o terceiro ficando de pé para erguer a cabeça acima da moita. Agacha, disse o primeiro, mas ele não agachou e o segundo também levantou, para ver o que o primeiro também acabou vendo quando levantou e entendeu que nem o homem nem a mulher veriam eles ali: ele estava bem reclinado no banco, quase deitado, a cabeça no encosto encarando o capô, com a boca aberta e os olhos fechados; e ela devia estar de joelhos no seu banco, para conseguir chegar a cabeça até o meio das pernas dele, onde subia e descia num ritmo nem rápido nem lento, enquanto ele ia desabotoando a camisa. O primeiro olhou bem se era aquilo mesmo que estava vendo, balbuciou que coisa, hem...


O segundo deu uma olhada para ele e viu que estava de boca aberta e olhos arregalados, perguntou que foi:


— Parece que nunca viu, mas você disse que sua prima fez isso com você no casamento do seu irmão...


O primeiro só fechou a boca, engoliu. O terceiro coçou a cabeça:


— Que que ela tá fazendo?


— Chupando ele — o segundo falou irritado. — Que mais podia ser?


— Parece mais que tá mordendo.


Ficaram olhando. A mulher subiu a cabeça beijando pela barriga do homem, enfiou a boca no umbigo e ele gemeu alto, tirando a cabeça do encosto e se beijaram, ela com a mão no mastro dele, como dizem as revistinhas, ele abrindo a blusa dela.


Lá vêm os peitões, disse o segundo.


Continuaram se beijando enquanto as mãos do homem lutavam com a blusa, e quando a blusa se deu por vencida apareceu o sutiã branco, última defesa que ela mesma tirou com a mão nas costas, a mesma mão que desceu e continuou a agarrar o mastro feito alavanca de controle, enquanto os peitos quase não apareceram porque ela desceu beijando pela barriga e voltou a engolir o mastro, agora num ritmo mais rápido, ele gemendo mais alto.


— Parece mesmo que tá mordendo, não parece?


— Ou mascando. Ó os peitos!


Os peitos chacoalhavam no ritmo, o homem gemendo cada vez mais alto e compassado, até que enfiou os dedos pelos cabelos dela e lhe levantou a cabeça, o mastro apareceu lambuzado e ela olhou quase na direção deles, mas não devia estar vendo nada, olhos de peixe morto.


— Aposto que ela vai vomitar.


— Vai nada, bobo, ela tá gostando!


O primeiro de novo só engoliu saliva como um grande caroço. A mulher se contorcia para tirar a saia com uma só mão, a outra agarrando o mastro, o homem lhe passando as mãos nos peitos. Ele estava com as calças nos pés, a camisa desfraldada para fora do carro, e a mulher tirou a mão do mastro para tirar a calcinha, depois os sapatos, enquanto eles viam o mastro começar a amolecer, bambear quase deitando, e o segundo, com a mão no meio das pernas, falou levanta, coisa, levanta; mas aí ela pegou como quem colhe uma fruta, levou à boca e, quanto tirou, estava duro de novo e brilhante de saliva.


— Aposto que ela vai sentar em cima.


— Sentar embaixo é que não vai.


Não tem espaço, falou o primeiro, mas a mulher passou uma perna sobre o homem e sentou como numa moto em alta velocidade, as pernas dobradas e o corpo para a frente, depois enfiou a mão no meio das pernas e ficou mexendo.


— Tá se coçando?


— Tá enfiando, imbecil.


— Enfiou, ah-lá!


A mulher agora rebolava sobre o selim da moto, enquanto o homem voltava a encarar o capô de olhos fechados, gemendo baixo, ela começando a gemer agudo.


— Que gemeção, hem?


— Será que dói?


— Só se for nela, viu o tamanho dele?


Os peitos balançavam conforme ela rebolava, descolando o corpo para frear nas curvas, colando de novo para acelerar nas retas, disputando com ele uma corrida de gemidos, parecendo sentar cada vez mais fundo, acelerando cada vez mais, ai levantando para frear, os peitos chacoalhando, voltando a balançar quando voltava a acelerar enfiando fundo e gemendo alto. Parece uma disputa para ver quem geme mais, disse o terceiro. Parece é uma corrida, diz o segundo:


— A única corrida em que é bom chegar empatado...


— Por quê? — o terceiro demorou para perguntar, o homem e a mulher cruzando gemidos, já quase urros, ele lhe apertando os peitos com as duas mãos, ela se mexendo tanto que a bunda apertou o volante e tocou a buzina. Nem ligaram, já urrando tão alto que eles pararam de sussurrar, falaram normal:


— Nossa, parece é que vão se matar!


— Você deve saber, né, diz que fez com a sua prima...


O primeiro disse um palavrão, o terceiro chiou pedindo silêncio, a moto se lançava numa espiral de gemidos, já tão finos que o terceiro disse parece o gemido da minha cadela, enquanto o gemido do homem agora parecia o rosnado grosso de um cão grande.


Aí a mulher largou o corpo sobre a moto, deitando a cabeça, enquanto o homem deixou caírem os braços.


Só agora ouviam os passarinhos que estavam sempre cantando por ali.


A bunda da mulher formava um arco encostado no volante, um pé cravado na maçaneta da porta aberta.


— E pensar que disso nasce gente, hem? — o terceiro balançava a cabeça.


O segundo se esfregava por cima do calção, parou vendo a cara de nojo do primeiro:


— Que foi, cara, nunca viu? — e baixou a frente do calção, tirando para fora.


— Ah — falou o primeiro —, você sabe onde enfiar isso. Eu vou é voltar.


Afastou-se da moita, mas os dois ficaram; ele esperou, viu que não iam, voltou. A mulher tinha levantando o corpo, ainda enfiada no selim, e o homem passava uma mão pelo peito, outra pela bunda; ela com meio sorriso meio encoberto pelo cabelo.


O segundo começou a soltar ar pela boca, mexendo a mão sem parar; o primeiro olhou e voltou a olhar para o carro. A mulher se contorceu para sair de cima do homem, voltou para o outro banco, procurou alguma coisa no porta-luvas, não achou, pegou a calcinha e ficou enxugando devagar o mastro que agora era preciso levantar com os dedos, ainda grande mas mole.


Depois ela embolou a calcinha e deixou no painel, inclinou-se sorrindo e pegando o mastro com as duas mãos como se fosse examinar — e começou a beijar, lamber e mordiscar.


Depois de um tempinho, o mastro voltou a levantar, ainda meio mole, e o terceiro também baixou o calção, quando ela engoliu e a cabeça voltou a baixar e levantar num ritmo lento e espiralado.


O segundo também continuava num ritmo rápido, sem desviar os olhos nem piscar, e de repente falou toma, sua gostosa, estremecendo de pernas abertas. Segurou num galho da moita, mexeu mais um pouco, devagar, aí fechou os olhos e, quando abriu, olhou a mão melecada, pegou o primeiro também olhando.


O terceiro tinha começado devagar e mal descolando o braço do corpo em concha, agora manejava rápido com o corpo para a frente e os olhos arregalados.


O mastro estava de novo duro, alto e brilhante, e ela sorria dando mordidinhas e engolidinhas.


O terceiro estremeceu se curvando, até botar um joelho no chão.


Arrancaram folhas da moita para passar nas mãos, embora não houvesse muito o que limpar, voltaram a olhar.


O homem, com uma mão, pegava a cabeça da mulher pelos cabelos, com a outra mão pegava o mastro para mostrar como queria, no ritmo e outros detalhes que eles ficaram vendo ainda de calções abaixados.


— Não gosta, não? — o terceiro perguntou ao primeiro com uma olhadela, ele continuava de mãos juntas como se rezasse.


— Ele tem pinto pequeno — o segundo falou sorrindo e sem tirar os olhos do carro, o terceiro até se encolheu esperando o pontapé, mas o primeiro fez que não ouviu, fez foi cara de espanto: o homem estava saindo do carro, com as calças nos pés e sem a camisa.


A mulher se contorceu, indo de novo para o banco do volante, mas agora de costas, os cotovelos no outro banco, os joelhos onde ele estava sentado e a bunda quase saindo pela porta; eles viram perfeitamente aquilo que o gato lambe.


Então o primeiro enfiou a mão no calção e começou a mexer, suando de pingar no olho.


O homem ajoelhou na estradinha, pegou a bunda dela com as duas mãos, como uma enorme maçã, e ficou olhando um tempinho, enquanto ela ainda se ajeitava.


O primeiro agora mexia de zunir o brim do calção.


O segundo cutucou o terceiro, apontando o primeiro, que agora suava de pingar do nariz, muito sério, e os dois trocaram um meio sorriso.


O homem beijava a bunda da mulher, o terceiro disse será que ele vai fazer o que o gato faz? — quando a mulher voltou a se ajeitar, dando uma olhada para trás, agora com o olhar atento e achador das mulheres, e então a bunda pulou para dentro como se picada de abelha, ela apontando para eles, o homem se levantando a puxar as calças.


— Sujou!


— Olha a pedra!


A pedra passou cortando o capinzal, e o homem já catava outra, as calças voltando a cair Eles correram gritando e uivando pela trilha, rindo até faltar fôlego; aí foram devagar, o segundo e o terceiro falando o que fariam com uma mulher daquela, até que o primeiro disse, ah, isso que vocês estão falando é o que o cara do carro fez...


— Você não pode falar nada — o segundo falou duro como nunca antes. — Ei, olha lá uma manga!


Apontou a mangueira num terreno baldio, uma única manga amarelava lá no alto. Vamos lá, disse o terceiro. O primeiro disse que não, ia para casa.


— Vai nada — o segundo riu. — Vai é pra privada... — e quase juntou o dedão e o indicador, como se segurasse algo bem pequeninho.


Depois foi rindo para a mangueira, o primeiro foi se afastando de olhos no chão, o terceiro chamou:


— Ei! — o outro parou virando a cabeça. — Isso de tamanho não tem importância, tem mulher que até gosta de pequeno.


O primeiro se virou, olhando bem para ele, mas ele continuou sério.


— Quem falou?


— Meu pai, uns dias antes de morrer.


Ficaram se olhando e balançando de leve a cabeça, como se os pensamentos conversassem, aí o terceiro disse vamos lá, o primeiro disse outro dia.


Então tiao, cara, disse o terceiro.


E o primeiro disse tiao... — esperando o outro se afastar para completar baixinho — ...tiao, amigo.


ILUSTRAÇÃO RUBENS GERCHMAN



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