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ZICO | JANEIRO, 1982

Playboy Entrevista



Uma conversa franca sobre Copa do Mundo, as conquistas do Flamengo, os segredos, o sucesso, os sonhos e a intimidade do maior jogador do mundo


Qual é o maior jogador do Brasil? Zico ou Reinaldo? Zico ou Falcão? Zico ou Sócrates? Nos últimos anos, essas perguntas estiveram, uma de cada vez, na boca e no coração de todos os arquibaldos e geraldinos brasileiros, alimentadas apenas pelas paixões de, respectivamente, atleticanos, colorados e corintianos — porque, naturalmente, para os rubro-negros de todo o país, nunca restou a menor dúvida.


Até que, de 1978 para cá, a pilha de torneios, taças e campeonatos sucessivamente conquistados pelo Flamengo (o tricampeonato carioca, o tetra da Taça Guanabara, a Taça de Ouro, a Taça Libertadores da América, o Campeonato Mundial de Clubes e, como se não bastasse, o dramático campeonato carioca de 1981) fez com que, se dúvida ainda houvesse mesmo entre os analistas mais imparciais, ela finalmente deixasse de existir.


Durante esses três anos gloriosos para a nação rubro-negra (os melhores de toda a sua História), a importância da presença de Zico foi proporcional à de Pelé na idade de ouro do Santos. Mas faltava a Zico uma afirmação: consagrar-se na seleção brasileira e mostrar que podia ser o mesmo grande jogador enfrentando a violência e a dura marcação das chuteiras européias — o que, finalmente, ficou provado na longa série de amistosos que o Brasil disputou ao longo de 1981. E, quando a imprensa internacional colocou no seu caminho o gigantesco obstáculo do argentino Diego Maradona, na corrida ao pódio de melhor jogador do mundo, a participação e os dois gols de Zico na vitória do Flamengo sobre o Boca Juniors, no "jogo do tira-teima", no Maracanã, fizeram com que, pelo menos por enquanto, também essa polêmica fosse arquivada. Durante esses últimos anos, Zico colecionou ainda uma saraivada de glórias particulares: a de ter sido o maior artilheiro da história do Flamengo, superando o antigo recorde de Dida; a de ter ultrapassado a marca dos 500 gols (está agora com cerca de 550); e a de ser o maior salário do futebol brasileiro. O lado financeiro do seu sucesso também está longe de ser desprezível: com o seu talento, ele tem levado o Flamengo e a seleção a tantas vitórias que, para inúmeros dos seus companheiros de profissão, tê-lo vestido com a camisa 10 passou a representar quase a garantia de bicho certo.


Ao mesmo tempo, enquanto amadurecia como supercraque, Zico foi acumulando ainda uma maturidade profissional que o tornou uma espécie de líder da sua categoria. Como presidente do Sindicato dos Jogadores do Rio de Janeiro, ele tem se empenhado para unificar as associações similares de todo o Brasil no sentido de derrotar a velha lei que fez a grandeza provisória e a miséria permanente de milhares de seus colegas: a lei do passe. A mesma seriedade que o faz aplicar-se como um estreante nos treinamentos e nos jogos oficiais se reflete na sua preocupação com o destino dos jogadores de futebol que, sem as suas qualidades e a sua sorte, nunca chegarão a ser, como ele, donos de um respeitável patrimônio.


Tudo isso Zico conseguiu com a sua capacidade de desmarcar-se, correr e driblar em alta velocidade; à sua incrível precisão na cobrança de faltas no lado esquerdo da meia-lua; ao seu aproveitamento quase total na cobrança de pênaltis; e, ultimamente, à aplicação que o faz deslocar-se por todos os setores do campo, auxiliando na marcação em sua própria defesa, preparando os ataques no meio-campo e surgindo como uma bala entre os beques adversários para finalizar com mortífera precisão. Se é verdade a afirmação do jornalista Armando Nogueira — a de que "o craque vê; o supercraque antevê" —, Zico é esse supercraque.


Mas não foram apenas esses talentos que lhe permitiram ser hoje o que é. A eles devem somar-se uma determinação e uma força de vontade que provavelmente só Freud explicaria. Desde o instante em que, aos 14 anos, foi levado dos campinhos de pelada de Quintino para a escolinha do Flamengo pelo radialista Celso Garcia e teve de submeter-se a um supertreinamento para tornar-se futuramente um atleta, Zico foi obrigado a batalhar. (A respeito desse treinamento, veja o PLAYBOY de dezembro de 1980.) A partir daí, precisou provar, em inúmeras ocasiões, que não era apenas uma "invenção da imprensa carioca". Todos esses anos de luta tornaram Zico um homem que, aos 28 anos e com todo o sucesso do mundo, aprendeu a conviver com uma razoável carga de sofrimento. O que isso fará dele no futuro é uma boa pergunta — e que ele responde nesta entrevista, que foi o resultado de algumas semanas de contatos agitados entre o maior jogador do mundo e o editor Ruy Castro, de PLAYBOY, nos intervalos dos treinos do Flamengo, na Gávea, às vésperas de partidas importantes ou a poucos minutos do embarque para os países onde o clube disputava a Libertadores. O maior problema de Ruy foi vencer a implacável marcação de Sandra, esposa do jogador, que poucas vezes liberou Zico para mais do que uma hora seguida de gravação. O resultado foi uma longa sucessão de papos-relâmpago, nos quais Zico demonstrou que não é só nos lances de pequena área que ele sabe ser rápido, surpreendente e desconcertante. Se vocês quiserem saber, no intenso bate-bola entre os dois fanáticos rubro-negros — Zico e seu entrevistador a galera do PLAYBOY saiu ganhando.


PLAYBOY — 1981 foi, sem dúvida, o maior ano da história do Flamengo: tetracampeão da Taça Guanabara, campeão carioca, campeão da Taça Libertadores da América e campeão mundial de clubes. Chato ser Flamengo, não?


ZICO — [Risos.] Pois é, mas isso nos custou jogos e mais jogos, muitas vezes disputando duas competições ao mesmo tempo. Mas valeu, porque o que valoriza um time é o lado internacional. É a consagração. Em toda a Europa, só se referem ao Flamengo como "os globetrotters do futebol". Todos querem jogar contra nós. Mas, até há pouco tempo, aqui no próprio Flamengo diziam que ser campeão brasileiro não valia nada — o que interessava era ser campeão carioca. Mas o torcedor do Flamengo não é bobo. O Flamengo já era campeão carioca quase todo ano, então ele passou a querer um título diferente, que os torcedores dos outros clubes não tivessem. Aí, à medida que íamos ganhando o importante passava a ser a Taça de Ouro, a Libertadores da América, o campeonato mundial de clubes. Quem despreza essas conquistas é quem não tem condições de chegar.


PLAYBOY — Não houve momentos em que a disputa paralela do campeonato carioca ameaçou a conquista dos títulos mais importantes?


ZICO — No íntimo, nós respeitávamos todas as competições, mas é claro que, na Libertadores, a motivação era outra. Saíamos de um jogo com 50 mil espectadores em Cáli ou Cochabamba para um de cinco mil no Maracanã contra o Olaria, o que é uma tristeza. Quer dizer, se tivéssemos um resultado negativo nesse segundo jogo, poderíamos perder a confiança para o jogo seguinte, que seria muito mais importante. Tudo isso e mais os desgastes, a torcida cobrando e tal — porque o que desgasta um time é o lado psicológico, mais do que o físico.


PLAYBOY — Bem, o Flamengo tem agora o resto da vida para curtir, mas o importante este ano será a Copa do Mundo. O Gerson declarou ao PLAYBOY que a Copa da Espanha tem quatro favoritos: o Brasil, a Argentina, a Alemanha e a própria Espanha. O que você acha?


ZICO — Se a Copa do Mundo fosse disputada hoje, a tendência seria realmente para essas seleções. Mas ainda faltam alguns meses e, nesse tempo, outras podem aparecer. A seleção da Bélgica, por exemplo, está em crescimento e é uma das melhores da Europa, atualmente, em termos de marcação.


PLAYBOY — Por que esse crescimento do futebol belga?


ZICO — É uma questão de fase. De repente aparece um grupo homogêneo de jogadores. Esse grupo é mantido, vai ganhando experiência e aí começam as vitórias. Isso é que faz um grande conjunto. Além disso, em termos de Europa, a Inglaterra caiu muito, a Polônia também caiu, a Itália continua a mesma e a França está com um futebol bonito, mas não tem uma seleção competitiva.


"A Inglaterra e a Polônia caíram, a Itália não evoluiu e a França não é competitiva. Quem subiu foi a Bélgica"

PLAYBOY — O fato de jogar em casa é que torna a Espanha uma das favoritas?


ZICO — Não. Isso influi, é claro, mas o principal é que ela conseguiu armar uma seleção de grandes valores, como o meio-de-campo Zamora, que é muito bom, o ponta-direita Juanito, o lateral-esquerdo Gondillo, o goleiro Arconada, o centroavante Santillana, o centroavante Zatrustegui, todos jogadores de primeira qualidade. Além disso, a Espanha tem aquela tradição de garra.


PLAYBOY — Se a Espanha, por acaso, ficar de fora da Copa logo na primeira fase, o que você acha que deveria ser feito para o Brasil reunir as simpatias da torcida espanhola?


ZICO — Acho que o Brasil tem apenas de jogar o seu futebol, que agrada ao torcedor. O Brasil não tem um time sujo, que pratica o antijogo, que apela para a violência ou se preocupa com a arbitragem. Nós jogamos na Europa no ano passado e fomos aplaudidos em todos os lugares. Além disso, o futebol espanhol está cheio de jogadores brasileiros. Então já existe uma admiração pelo nosso futebol, e o Brasil pode tirar proveito disso.


PLAYBOY — A Alemanha, que é outra favorita, tem sido constantemente derrotada pelo Brasil nos últimos anos. Esse retrospecto pode influir a nosso favor na Copa?


ZICO — Realmente, nos últimos quatro jogos com os alemães, ganhamos três e empatamos um. Eles têm mesmo um certo terror do futebol brasileiro. Mas é uma seleção dificílima numa Copa do Mundo, porque joga um futebol de competição, com jogadores altamente técnicos. Eles estão fazendo treinamentos à base de fintas, de ginga, de molejo — tanto que, hoje, o alemão já é rápido, é driblador e não demora tanto para virar. Aquele robô de cintura dura acabou.


PLAYBOY — Que tipo de defesa você prefere enfrentar: a que joga duro, que bate e marca em cima, ou uma de jogadores técnicos e habilidosos?


ZICO — Para o Brasil, é melhor enfrentar uma seleção habilidosa, porque fica um jogo mais bonito e sempre vai ganhar o que for mais criativo. Acho mais difícil enfrentar um ferrolho, aquele sistema em que os caras se fecham durante os 90 minutos, com um único atacante na frente esperando uma falha do adversário para um contra-ataque. É o que eu chamo de futebol de defesa do emprego.


PLAYBOY — Quem gasta 1 bilhão de dólares para promover uma Copa, como a Espanha, dificilmente gostaria de perdê-la. Você acha que o Brasil deveria se precaver contra certas eventualidades, como, por exemplo, as arbitragens?


ZICO — Não acredito que as arbitragens nos atrapalhem. O que não se pode permitir é o esquema armado pela Argentina em 1978, tendo o privilégio de jogar em horários diferentes ou dando um jeito de cair sempre em chaves cujos estádios a beneficiassem, como o de Rosário. Dono da casa não pode ter privilégios.


PLAYBOY — O Telê já definiu a seleção brasileira para a Copa, inclusive com a vinda do Falcão como titular. Isso significa que, com o Falcão no time, o Brasil jogará com quatro no meio-campo (Cerezzo, Falcão, você e Sócrates) e terá de abrir mão do centroavante tradicional. Será que vai dar certo?


ZICO — Acho que, desde que haja tempo para treinamento, tudo é possível no futebol brasileiro. E parece que teremos dois meses para nos entrosarmos.


PLAYBOY — O Falcão seria um jogador imprescindível para a seleção?


ZICO — É um jogador excelente, mas ninguém é imprescindível no futebol brasileiro. Nem o Pelé foi! Na Copa de 1962, ele se machucou, entrou o Amarildo e o Brasil foi campeão do mundo.


PLAYBOY — Você aceitaria ser deslocado de posição — para a ponta-direita — em caso de necessidade?


ZICO — Sem o menor problema. Só que, em primeiro lugar, vamos disputar a minha posição. Se o treinador achar que há outro jogador em melhores condições para o meu lugar e que eu possa ocupar outra posição, tudo bem. Nunca me neguei a fazer isso, nem no Flamengo, nem na seleção. Em 1978, eu até me prejudiquei por causa disso, aceitando jogar como segundo homem do meio-de-campo.


PLAYBOY — Na seleção, todas as bolas rebatidas pela defesa adversária caem na entrada da área, nos pés de Toninho Cerezzo, que se coloca muito bem. Mas, na hora do arremate, ele manda a bola para todos os lados, menos na direção do gol. Qual é a solução: o Cerezzo aperfeiçoar a pontaria ou o Telê deslocar alguém, como Sócrates ou Júnior, para isso?


ZICO — Acho que todo jogador de meio-de-campo deveria treinar muito o aproveitamento dessas rebatidas, porque as melhores bolas são as que caem por ali. Um jogador com ótimo aproveitamento dessas bolas de fora da área é o Mendonça, do Botafogo. Talvez o Cerezzo tivesse de treinar mais.


PLAYBOY — Uma pergunta à queima-roupa: o que você realmente acha do Maradona?


ZICO — [Pausa.] O Maradona é um jogador individualmente perfeito, com qualidades excepcionais e uma visão de jogo incrível. Mas ainda é um jogador individualista. A diferença entre ele e eu seria essa. Eu sou um jogador mais de coletividade, de simplicidade. Procuro tocar a bola o mais rápido possível — prender e driblar, só em casos esporádicos. Já ele é mais finalizador e joga principalmente do meio para a frente, como eu jogava quando comecei. Hoje, no Flamengo e na seleção, tenho liberdade para me movimentar pelo campo inteiro: ajudo a defesa, armo e finalizo.


PLAYBOY — O que fez você se conscientizar de que deveria ocupar todos os espaços do campo?


ZICO — É porque eu sei jogar, não é? [Risos.] Mas foi também porque estava muito difícil jogar sozinho lá na frente, com muito bloqueio e pouco espaço. Você vê que, naquele Flamengo X Boca Juniors, o Maradona não conseguiu sair da marcação do Andrade porque jogou só do meio para a frente. Se ele trocasse com alguém, viesse buscar jogo e aproveitasse uma bobeira do Andrade... Porque, às vezes, você fica lá atrás, o marcador te solta por um instante, você penetra em velocidade e ele já dançou. E, num jogo inteiro, isso não acontece mais do que três ou quatro vezes, sabe? Quem se sujeita à marcação e fica lá na frente esperando bola é facilmente marcado.


PLAYBOY — O Maradona chegou, aos 21 anos, a um estágio a que você só chegou com 28. Isso o incomoda?


ZICO — Acho que, em termos de qualidade, ele é um jogador que tem tudo para se tornar um dos maiores. Mas talvez não tenha ainda uma maturidade maior. Começou a entrar numa fase em que é muito exigido e, a partir daí, o desgaste passa a ser enorme. É preciso uma estrutura psicológica, uma base muito forte para agüentar isso. Há uma pressão para o sujeito estar sempre jogando bem, e uma pressão terrível por causa do seu salário. Eles se esquecem de que, para chegar a certos salários, o jogador já está com 28 anos e passou oito anos como profissional, como no meu caso. O Maradona chegou a isso com dois anos de profissional. Ele, aos 21 anos, representa mais para o Boca Juniors e a Argentina do que eu para o Flamengo e o Brasil. É por isso que ele está sendo cobrado desde o início.


PLAYBOY — Mas você, aos 21 anos, também era muito cobrado.


ZICO — Eu sofri muito por causa dos problemas de bairrismo no futebol. Como eu subi na época em que o Pelé tinha parado, os paulistas acharam que a imprensa carioca queria fazer do Zico um novo Pelé e não aceitaram isso de maneira alguma. Aí começou a história de que eu só jogava no Maracanã. Ora, o campeonato carioca é disputado no Maracanã! Onde eles queriam que eu jogasse? Engraçado é que cansei de jogar em São Paulo pelo Flamengo e ganhar do Palmeiras, do Santos, do São Paulo, do Coríntians, fazendo gols e tudo. Mas bastava eu entrar no Morumbi para sentir aquela pressão que, por mais que você não queira, afeta. Engraçado também é que, na primeira vez em que joguei em São Paulo pela seleção, com o Brandão como treinador, saí aplaudido. Dois meses depois, voltei a São Paulo com a seleção, mas já com o Coutinho como treinador, e entrei em campo vaiado. A culpa era minha se mudou de treinador?


"Os paulistas diziam que eu só jogava no Rio. Ora, onde eles queriam que se disputasse o campeonato carioca?"

PLAYBOY — Não sentimos nenhuma hostilidade dos paulistas em relação a você atualmente. Ao contrário.


ZICO — Graças a Deus já mudou um pouquinho e tal. Não quero que me idolatrem, quero só que me respeitem.


PLAYBOY — Como essas cobranças influíram em você psicologicamente?


ZICO — Eu sempre tinha de provar alguma coisa. Era terrível. Tive de provar que era bom fora do Maracanã; que era bom na seleção; e até para a torcida do Flamengo que merecia ganhar o que ganhava.


PLAYBOY — Como você conseguiu superar tudo isso?


ZICO — Talvez pela minha própria maneira de ser. Na minha família, tenho dois irmãos, Edu e Antunes, que passaram por péssimos momentos no futebol. O Edu, estava no auge, na seleção, depois sofreu uma operação e foi esquecido. Por isso, os meus momentos de glória não me levaram à empolgação. Eu sempre tinha de provar ainda mais alguma coisa. Há jogadores que só se preocupam com o seu lado — se estiverem bem individualmente, o grupo que se dane. Eu não. A seleção brasileira não foi bem na Copa de 1978 e eu também me dei mal, por ser um jogador coletivo.


PLAYBOY — Descreva a sua participação naquela Copa.


ZICO — Quase toda a seleção foi mal. Quantos jogadores do Brasil se destacaram na Copa da Argentina? Dirceu, Oscar, Amaral e Batista. Com os outros não houve uma regularidade, porque o Brasil era um time indefinido. Ninguém sabia quem jogaria na direita: se Toninho com Gil, se Nelinho com Toninho, se Nelinho com Gil; na esquerda, se Edinho com Dirceu ou se Rodrigues Neto com Rivelino; no meio-de-campo, se atrás ficava o Cerezzo ou o Batista. Além disso, o Rivelino se machucou e saiu, o Reinaldo estava contundido e, para piorar, caímos naquele campo desgraçado de Mar del Plata. Quando o Brasil voltou para um campo bom, o de Mendoza, eu e o Reinaldo saímos da seleção para que entrassem o Roberto e o Jorge Mendonça.


PLAYBOY — Essa foi uma das modificações mais discutidas, feitas pelo falecido Cláudio Coutinho. Como você reagiu?


ZICO — Na época eu fiquei magoadíssimo, porque tinha dado tudo antes, tinha feito sacrifício e jogado fora da minha posição — só por causa do Coutinho, a quem eu me considerava fiel. Mas, quando comecei a ser criticado e precisei dele, ele não me deu a mão. Quando voltamos da Copa, disseram que ele iria entrar por uma porta do Flamengo e eu sairia pela outra. Mas não aconteceu nada disso. Voltamos a trabalhar no Flamengo e fomos campeões juntos várias vezes.


PLAYBOY — Mas a mágoa não continuou por algum tempo?


ZICO — Acho que o que vale é o perdão e o reconhecimento do erro. Depois da Copa, o próprio Coutinho admitiu que errou ao me tirar do time, principalmente no jogo contra a Argentina.


PLAYBOY — Qual era a sua opinião sobre ele como treinador?


ZICO — Sempre o respeitei, mas acho que ele era inexperiente para a seleção. Estava muito empolgado com a seleção holandesa de 1974 e, com isso, talvez tenha tirado a criatividade do jogador brasileiro. Eram slides e mais slides que ele passava do carrossel holandês, aquela história de overlapping e ponto futuro e, com isso, os jogadores só se preocupavam com as jogadas ensaiadas e esqueciam a criatividade. Ora, o overlapping é uma troca de posição que o lateral e o ponta fazem constantemente, e o ponto futuro é você fazer um lançamento e encontrar um cara junto com a bola. Na realidade, ele não estava mudando nada.


PLAYBOY — Quando o Coutinho dava as instruções, os jogadores mais experimentados — vendo aquele treinador realmente talentoso, mas imaturo — não achavam que, na prática, a teoria era outra?


ZICO — Não era bem assim, porque ele era inteligente e conhecia futebol. Talvez os jogadores mais maduros daquele time pudessem ter colocado certas coisas em prática, fora do esquema do Coutinho. Eu não. Eu era novo na seleção e procurei seguir os conselhos dele.


PLAYBOY — Todas essas pressões não tornaram você prematuramente amargo e amadurecido?


ZICO — Pode ser. Mas eu tenho uma força muito grande dentro de mim — quando quero alguma coisa, me dedico a ela e vou buscar — e uma capacidade muito boa de superar as coisas, talvez porque procure extravasar, conversar, saber o porquê de tudo. Tenho uma irmã psicóloga que já analisou isso em mim.


PLAYBOY — Um dos exemplos dessa sua determinação se refere ao período em que você, entre os 14 e os 18 anos, abandonou a vida de jovem normal para se dedicar intensamente a um monstruoso programa de condicionamento físico e de superalimentação, para crescer e tornar-se um atleta. Você não sentia falta dos namoros, festas e farras típicos dessa idade?


ZICO — Bem, não vou dizer que não ficava triste, mas aquilo foi um negócio que eu botei na cabeça — de querer ser alguém, de confiar num trabalho que eu estava fazendo. Na época eu achava que aquele trabalho era mais importante para mim do que ir a festas ou namorar muito. E nunca me arrependi, porque o tempo provou que ele foi benéfico para mim e, sem todo aquele esforço, eu não poderia ser hoje o que sou.


PLAYBOY — Como psicóloga, sua irmã nunca lhe terá dito que tudo que deixamos de fazer explode um dia, de alguma maneira, em nossa cabeça? Você não teme sentir falta, futuramente, do que deixou de fazer?


ZICO — Não sei, sei lá! [Risos.] Pode até acontecer daqui pra frente, embora eu espere que não aconteça, não é? Eu procuro fazer hoje com minha esposa Sandra o que deixei de fazer naquela época. Vamos muito a teatro, jantamos fora, vemos shows, aproveitamos todos os dias de folga.


PLAYBOY — Ela foi a sua primeira e única namorada?


ZICO — Foi. Começou quando eu tinha 18 anos e fui jogar com o juvenil do Flamengo em Friburgo. A irmã dela, a Sueli, já era casada com o meu irmão Edu, estavam todos lá e voltamos juntos de carro. A Sueli até advertiu a Sandra quando percebeu que pintava um namoro: "Olha, jogador de futebol não é fácil, eu sofro esse negócio todo por causa do Edu, você veja o que vai fazer..." O que a Sueli queria dizer é que toda mulher de jogador leva uma vida extremamente sacrificada, mas, quanto mais a Sueli falava, mais a Sandra ia gostando... [Risos.] Ela foi em frente e estamos aí hoje.


PLAYBOY — Além das dificuldades normais de um casamento, quais são os problemas específicos do casamento de um jogador?


ZICO — Acho que, para o jogador de futebol, o ideal é que ele se case no começo da carreira ou já no término. Porque o casamento é uma guinada — ele te dá uma consciência, uma maturidade, para não falar na paternidade — e, se essa guinada pega o jogador no meio da carreira, interrompendo aquela agitação da vida de solteiro, o jogador pode sofrer uma queda de produção e perder dois anos. Só que, no futebol, que é uma carreira curta, dois anos representam dez em qualquer outra profissão. No nosso caso, não houve problemas porque nos casamos novos, ela já sabia o que teria de enfrentar e tivemos um ano inteiro só para nós. Depois que nos conhecemos bem, vieram os filhos, e ela, como dona-de-casa, mãe, amiga, companheira e amante, tem me dado toda a segurança para enfrentar o que vem pela frente.


PLAYBOY — Considerando-se que você e a Sandra são um caso raro, pode-se dizer então que a maioria dos casamentos dos jogadores de futebol tende a fracassar?


ZICO — Eu diria que a tendência, a probabilidade, é muito grande. Principalmente porque o jogador está sujeito àqueles momentos de empolgação que podem até impedi-lo de raciocinar a respeito da importância de um casamento.


PLAYBOY — Pelo que você diz, tem-se a impressão de que os casamentos dos jogadores de futebol são tão complicados quanto os dos artistas da televisão. No entanto, não se fica sabendo de muitos casos de jogadores que se separam de suas mulheres. Os casos de Pelé, Raul e Paulo César Caju foram dos poucos noticiados.


ZICO — É, mas acontecem. E é preciso ver também o lado da mulher. Ela quer fazer alguma coisa e não tem o companheiro, que passa mais da metade do ano longe dela. Então, poxa, é difícil.


PLAYBOY — Foi por isso que você propôs recentemente que, durante a preparação para a Copa, as famílias acompanhassem os jogadores casados na concentração?


ZICO — Não foi bem assim. Eu baseei a minha sugestão no seguinte: se cada jogador é convocado para a seleção pelo que apresenta no clube, por que não usar o sistema do clube? No Flamengo, mesmo no regime de treino em tempo integral, eu treino de manhã no clube; vou para casa e almoço; volto ao clube e treino de novo; e, à noite, volto para minha casa. Então eu acho que se a seleção brasileira se concentrar, digamos em São Paulo ou Belo Horizonte, para um mês de treinamento, por que eu não poderia instalar a minha família numa casa ou num hotel, treinaria normalmente e teria o resto do tempo com ela naquela cidade? Veja bem, não estou pedindo que a CBF pague o aluguel ou a hospedagem da minha família (seria tudo por conta de cada jogador), nem que todos fiquem concentrados juntos, porque isso não tem nada a ver. Mas o jogador precisa ter direito à sua vida particular.


PLAYBOY — Fazer sexo na véspera de um jogo pode atrapalhar a condição física do jogador?


ZICO — Não, não atrapalha em nada. Nem na véspera, nem no dia. Eu já tive experiências desse tipo e elas nunca me atrapalharam. Já o abuso e o excesso, sim. Uma relação sadia e normal, em dia de jogo, não afeta em nada.


PLAYBOY — O que você chama de uma relação sadia e normal?


ZICO — Um amor normal que você tem com a sua esposa.


PLAYBOY — O que é um amor anormal?


ZICO — É o excesso, não é? É o cara se desgastar. Acho difícil dizer o que é anormal, mas tudo em excesso faz mal.


PLAYBOY — Tentando esclarecer: fazer sexo uma vez em dia de jogo, tudo bem; mas fazer duas vezes já seria excesso?


ZICO — Acho que duas vezes já é um excesso — porque quem vai para a segunda normalmente já estica. [Risos.] Eu acho isso: quem tem a segunda relação, vai querer ter a terceira.


"Sexo em dia de jogo só atrapalha em excesso. Porque quem dá a segunda, embala e quer dar a terceira"

PLAYBOY — Existe alguma situação em sexo que você considere anormal ou pouco sadia?


ZICO — Existir, existe. Mas depende da interpretação de cada um, não?


PLAYBOY — Por exemplo: na sua opinião, sexo oral é normal ou anormal?


ZICO — Tudo que é feito com amor numa relação é normal. Depende de como a coisa é colocada entre as duas pessoas. Às vezes só o desejo de fazer pode ser uma coisa anormal.


PLAYBOY — O ex-presidente Jimmy Carter admitiu em sua entrevista ao PLAYBOY que, por diversas vezes, tinha "cometido adultério em pensamento". Você já cometeu adultério em pensamento?


ZICO — [Risos.] Isso aí é uma coisa só minha, que só interessa a mim...


PLAYBOY — A pergunta está respondida. [Risos.] Recentemente, o treinador de um clube de Goiânia falou aos jornais que as divisões inferiores de todos os clubes brasileiros estão infestadas de dirigentes e até de treinadores homossexuais, que tentam aliciar os jogadores mais jovens. Treinadores de outros Estados confirmaram o que ele disse. O que você achou disso?


ZICO — É, eu li as reportagens, mas ele não deu provas, né? E o importante é provar. Falar é fácil.


PLAYBOY — No seu tempo de escolinha, juvenil ou júnior, você nunca soube de algum caso...


ZICO — [Interrompendo.] Não, nunca.


PLAYBOY — ... mesmo envolvendo outros jogadores que...


ZICO — Não, não.


PLAYBOY — O próprio Pelé admitiu, no seu livro Eu Sou Pelé, de 1960, que um dirigente do Santos...


ZICO — Não, graças a Deus, não.


PLAYBOY — Está bem, vamos mudar de assunto... Bem, você é um ídolo do futebol brasileiro e, como tal, deve ser superassediado por pessoas, inclusive mulheres muito bonitas. Como você reage a isso?


ZICO — Eu estou muito bem casado, sabe? Meu negócio foi conquistar a Sandra. Conquistei, tudo bem.


PLAYBOY — Mas você não admite que, às vezes, é difícil resistir?


ZICO — Não, basta ter a cabeça no lugar. Acho que, desde o momento em que eu esteja me satisfazendo dentro da minha casa, não preciso procurar nada na rua. Quando o jogador viaja, a mulher dele fica na ausência e agüenta perfeitamente. Então, por que o homem não poderia agüentar? Acho que aí os direitos têm de ser iguais.


PLAYBOY — Por que os jogadores de futebol são considerados meio fuleiros nesse departamento?


ZICO — Não sei. Às vezes um ou outro se deixa levar pela cabeça fraca. Mas eu já estou vacinado contra isso.


PLAYBOY — Você se considera uma das poucas exceções nesse terreno?


ZICO — Não, não, só acho que o jogador que... Sair depois do jogo para bater um papo ou beber um negócio, tudo bem. Agora, procurar outra mulher, só se ele não estiver sentindo prazer em casa.


PLAYBOY — Por falar em beber, um colunista social do Rio, notoriamente rubro-negro, escreveu há tempos que você tinha sido visto bebendo oito cervejas no Hippopotamus às vésperas de um jogo do Flamengo. O que você achou disso?


ZICO — Isso, infelizmente, são pessoas que querem fazer nome às custas de quem está com nome. Pois podem falar o que quiserem, porque eu não vou deixar de ir aos lugares e me divertir com a minha esposa, preocupado com colunistas. Só não podem inventar, porque caem no descrédito e passam por bobos e mentirosos. É uma pena que um jornal, como o Jornal do Brasil, que tem uma grande tiragem e é muito respeitado, ainda tenha pessoas desse quilate.


PLAYBOY — O colunista em questão é o Zózimo, e ele voltou a mencionar o assunto das oito cervejas na sua entrevista ao PLAYBOY de dezembro. Afinal, tomar oito cervejas na véspera de um jogo influi ou não no rendimento do atleta?


ZICO — Para mim, não. Além disso, as tais oito cervejas foram as cervejas que a mesa inteira bebeu. Eu tomo um pouco, mas ainda não cheguei a esse ponto.


"O Zózimo passou por bobo e mentiroso quando disse que me viram tomando oito cervejas numa boate"

PLAYBOY — O que você gosta de beber, além de cerveja?


ZICO — Vinho. Minha família é portuguesa, portanto sou mais chegado a um vinho. Bebo também uísque, mas não gosto muito. Já uma cervejinha depois de um jogo, com esse calor, não há quem resista... [Risos.]


PLAYBOY — Segundo estatísticas, a maioria dos jovens brasileiros está exposta à curiosidade de experimentar certas drogas, como maconha, por exemplo. A maioria dos jogadores de futebol é composta de jovens. Como você vê isso?


ZICO — Tudo é turma, grupo, não? Uma pessoa que esteja nessa fase de turma às vezes se deixa levar normalmente por coisas que, na realidade, não quer. Eu, graças a Deus, nunca estive numa roda em que alguém estivesse nessa. Já passei por gente perto, mas, turma minha mesmo, nunca. Além disso, já concluí, por jogadores que se perderam por isso, que essas coisas não levam a nada.


PLAYBOY — Quer dizer que há jogadores que fumam maconha?


ZICO — É, que se deixaram levar por turmas, sabe?


PLAYBOY — Você não insiste exageradamente em passar uma imagem de bom moço?


ZICO — Não, não faço questão, não. Isso em mim é uma coisa natural, que eu aprendi com a minha família. Não sou bom moço e não deixo de fazer nada que eu goste. Não quero ser mais nem menos do que ninguém, quero ser igual. Acho que todo mundo nota quando a imagem de alguém é falsa. De mim ninguém chama a atenção, porque eu não dou chance para isso. Então não creio que eu seja cê-dê-efe. Sou apenas um sujeito correto naquilo que me propus a fazer.


PLAYBOY — Mas você efetivamente dá a impressão de que se preocupa muito com o que o público pensa de você.


ZICO — Sei lá! [Risos.] Nunca fiz nada para o público acreditar, entendeu? Tudo que eu falo sai naturalmente do meu pensamento. Não costumo programar o que vou dizer.


PLAYBOY — Você é assediado 24 horas por dia por torcedores em busca de um autógrafo, de uma palavra, de uma foto. Mas, pelo que observamos, dá a impressão de que você só se submete porque isso faz parte da sua obrigação.


ZICO — Não é que faça parte da minha obrigação. Faz parte da minha vida. Tenho de me conscientizar para o fato de que sou querido por essas pessoas que só nos vêem de longe, que torcem pela gente e que nos querem bem. Então preciso ter pelo menos um carinho, um respeito para com essas pessoas. Mas procuro preservar também a minha privacidade.


PLAYBOY — Você disse que não costuma programar o que diz, mas estamos notando uma certa preocupação sua em não usar determinadas expressões. Há poucos minutos, no entanto, você usou a expressão "cê-dê-efe", que pode ser considerada um palavrão...


ZICO — Para mim, palavrões não dizem nada.


PLAYBOY — Mesmo assim, você adora ir a shows de humor com a Sandra, e grande parte da graça desses shows está nas piadas picantes e nas palavras mais pesadas, não?


ZICO — Não, depende. Em alguns momentos o palavrão cai muito bem, em outros não. Por exemplo, o Juca Chaves, no seu último show, usou mais palavrões do que o normal. Quando ele usava mais a habilidade das histórias e das piadas políticas, eu gostava mais.


PLAYBOY — Apesar da sua boa vontade com a imprensa, você parece absolutamente imarcável pelos repórteres. Tem-se a impressão de que, a qualquer momento, você vai pedir desculpas, levantar-se e ir embora por causa de algum compromisso com a Sandra. Você leva uma vida muito regulada?


ZICO — Não é regulada. É só muito atarefada. A mulher chega a um ponto em que quer ficar do seu lado, também. E eu adoro isso. Pior seria se ela me largasse, me deixasse muito à vontade. [Risos.] Prefiro que ela me segure e me queira sempre do lado dela...


PLAYBOY — O Gerson admitiu, na sua entrevista ao PLAYBOY, que na casa dele quem manda é a mulher. E na sua?


ZICO — [Risos.] Nesse ponto eu penso como o meu pai: "Quem manda em casa é a mulher. Agora, a gente manda nela". Lá em casa nós temos um comum acordo...


PLAYBOY — Hoje fala-se muito que os direitos da mulher são iguais aos do homem. O que você acha?


ZICO — Acho que podem ser iguais, mas ela não pode perder o seu lado feminino. Eu acho isso importantíssimo. Ou seja, antes de querer essa igualdade, ela tem que ser feminina, tem que ser aquela mulher que atrai o homem.


PLAYBOY — Você diz fisicamente?


ZICO — Em todos os pontos, fisicamente também. O que está perdendo a mulher é ela achar que pode fazer tudo que o homem faz. Ela não pode querer fazer tudo, só algumas coisas e, em outras, ser a mulher, a companheira, na hora do papo, da dificuldade. Mas não, ela só quer ajudar com o trabalho.


PLAYBOY — Se, por algum motivo, a Sandra resolvesse trabalhar fora...


ZICO [Interrompendo.] — Tudo bem, não sou contra, mas acho que não há necessidade, porque ela tem o tempo preenchido por muitas coisas, sem se desgastar e se preocupar. Para que trabalhar só para se igualar ao homem, quando se pode ocupar o tempo com um curso de inglês ou com aulas de ginástica? Ela precisa também saber ser dona-de-casa — não ser escrava, mas ser doméstica. Eu acho isso importante na mulher.


PLAYBOY — Você não corre o risco de ser chamado de machista por causa disso?


ZICO — Isso aí não é ser machista, porque não impeço a Sandra de fazer nada. E acho ela também muito feminina quando ela, sabe, cozinha pra mim. Eu adoro uma comida feita pela Sandra. Adoro.


"Eu não sou machista. Mas gosto muito de ter uma mulher que faz uma comidinha para mim..."

PLAYBOY — No entanto, no começo dessa entrevista você admitiu que, quando se trata de sexo, os direitos têm que ser iguais. Inclusive antes do casamento?


ZICO — Eu acho. A mulher não precisa casar virgem. Tudo depende da criação e da própria mulher também.


PLAYBOY — Você tem dois filhos homens. Se fossem meninas, você estaria mais preocupado com a criação deles?


ZICO — É difícil você analisar essa hipótese, não é? Não sei como vou estar no dia de amanhã.


PLAYBOY — Queremos saber, por exemplo, se a criação de meninas deve ser diferente da criação de meninos.


ZICO — Não sei... Acho que o importante é levar em consideração o momento que se está vivendo — o desenvolvimento, a televisão, as turmas, o pensamento deles, tudo influi. Hoje não se pode entrar em atrito com os filhos. Tem que ter muito papo. Não se pode cortar a liberdade deles, mas também não se pode liberar demais.


PLAYBOY — Como você reagirá quando as namoradinhas dos seus garotos começarem a dormir na sua casa, como já acontece nas famílias mais liberadas?


ZICO — Não sei, vamos ver, não é? Até lá não sei como estará o meu comportamento. Acho que os meus filhos vão saber fazer a cabeça deles, desde que os pais também tenham uma boa cabeça. Os filhos são o seguimento dos pais — por isso o importante são os hábitos, os ambientes, o modo de viver...


PLAYBOY — O homem de hoje — com essa vida agitada, viagens, problemas, etc. — tem condições de criar filhos psicologicamente sadios?


ZICO — Poder, pode, mas precisa de uma cooperação muito grande da família. Eu, nesse ponto, sou muito facilitado porque tenho uma família grande — meus filhos têm os quatro avós vivos, muitos tios e primos. Então, quando eu viajo, eles nunca ficam sós.


PLAYBOY — Quantas pessoas dependem economicamente de você — diretamente?


ZICO — Quatro: eu, minha mulher e meus dois filhos. [Risos.] Eu ajudo meus pais, não deixo que lhes falte nada, mas toda a minha família é totalmente independente. Claro que, havendo um problema, eu ajudo.


PLAYBOY — Quanto você ganha?


ZICO — Pelo meu contrato de dois anos, eu recebi 40 milhões de luvas — 20 milhões na mão e os outros 20 a receber no começo deste ano — e, de ordenado, 1 milhão por mês no ano passado e 1,5 milhão este ano.


PLAYBOY — Fora os prêmios pelas vitórias, o direito de arena pelo televisionamento dos jogos [Os jogadores do Flamengo recebem 25% da renda líquida do clube em cada jogo, dividida em 20 cotas (os 11 titulares, os cinco reservas e a comissão técnica) e 20% da parte do clube pelo direito de televisionamento. Somente em novembro, com uma sucessão de jogos importantes e de grandes rendas, calcula-se que cada jogador do Flamengo tenha recebido, só de gratificações, quase um milhão e meio de cruzeiros] e os contratos de publicidade. Em que você aplica o que ganha?


ZICO — Tenho pessoas de confiança, que me ajudam bastante nesse departamento: meu procurador João Batista, o vice-presidente do Flamengo George Helal, meu irmão Antunes. Temos procurado aplicar sempre em imóveis. Um pouco também na poupança e no open, mas basicamente em imóveis. O importante é ter terreno, porque é o mais seguro, o que valoriza mais.


PLAYBOY — O que você já tem?


ZICO — Tenho uma casa na Barra, maravilhosa e que está hoje valorizadíssima, na faixa de uns 40 milhões, já praticamente paga; tenho um apartamento alugado; uma casa na praia Grande, perto de Muriqui; dois terrenos, um em Itaipu, outro em Jacarepaguá; uma loja de material esportivo; três carros; e, através da minha firma, a Zico Empreendimentos, três bons contratos de publicidade já firmados e outros aí em vista.


PLAYBOY — A quantas anda hoje o seu patrimônio em dinheiro, por alto? Uns 100 bi?


ZICO — É, pode chegar, deve chegar. Realmente tenho um bom patrimônio, mas, se eu parasse com o futebol de repente, teria de fazer um estudo para saber se ficaria numa boa, vivendo só de renda. Para manter o meu atual padrão de vida, não daria ainda.


PLAYBOY — Os impostos não levam uma boa parte do que você ganha?


ZICO — Acho que quanto mais se paga de impostos é sinal de que está se ganhando mais. [Risos.] Para mim, tudo bem. Se existe uma lei, ela deve ser cumprida. Os impostos comem mesmo. Mas eu não reclamo.


PLAYBOY — Muito estranho isso. Você deve ser a única pessoa na sua faixa de salário que não reclama do Imposto de Renda.


ZICO — Realmente, é um problema eles tirarem uma fatia tão grande, mas é o tal negócio: quando eu faço meus contratos, já sei o que vai ser tirado e então peço xis colocando tudo isso em cima. Agora, não quero ser diferente dos outros porque, afinal, todo mundo paga imposto. Só quero que esse dinheiro que está sendo tirado de mim seja bem aplicado pelo governo. Só isso.


PLAYBOY — Na sua opinião, estão aplicando bem esse dinheiro?


ZICO — Em termos econômicos, pode-se dizer que não, porque a nossa dívida externa continua astronômica. Não estão aplicando muito bem, não. Acho que, apesar de o nosso Presidente estar fazendo um ótimo governo em termos de democracia, a inflação brutal no país é uma coisa muito séria. E triste você viajar, ir a lugares totalmente atrasados como a Bolívia e o Paraguai, e ver a moeda deles mais forte que a brasileira.


PLAYBOY — A que você atribui isso?


ZICO — Ao problema da nossa economia, não é? À má administração, eu acho.


PLAYBOY — A crise também o afeta, como afeta a outros milhões de brasileiros?


ZICO — Afeta, é claro, mas não em cheio, como afeta a classe menos favorecida. Quem tem melhores condições encontra melhores meios para ultrapassar essas barreiras. Eu não me considero milionário. Milionário é quem pode parar de trabalhar e viver muito bem só de rendimentos. Eu ainda não cheguei a esse ponto.


"Meu patrimônio deve chegar a uns 100 bi. Mas ainda não me considero milionário"

PLAYBOY — Consciente desses problemas, você se interessa por política?


ZICO — Acho que para se participar de uma coisa é preciso estar dentro dela, viver o assunto. E o meu tempo é todo tomado pelo futebol. Mas é lógico que procuro me inteirar.


PLAYBOY — Você seria capaz de apoiar publicamente algum candidato a governador nestas eleições?


ZICO — Acho que não há mal nenhum em um cidadão apoiar um candidato, desde que sem fins lucrativos. Se eu apoiar alguém será porque acho que a meta do cara é legal.


PLAYBOY — A sua presença no comício de lançamento da candidatura Miro Teixeira, em novembro, seria um apoio?


ZICO — Não. Sou amigo do Miro, ele me convidou a comparecer e não vi mal em aceitar. Mas, primeiro, preciso ver a plataforma dele, como a dos outros candidatos a governador do Rio. Não creio que ainda seja hora de decidir, porque só em meados de 1982 é que se terá uma definição do que eles pretendem fazer. Acho que, numa eleição em que se vai votar diretamente, é hora do brasileiro dar uma atenção maior às metas dos candidatos para depois não haver reclamação.


"Sou amigo do Miro mas não sei se voto nele. Primeiro tenho que ver a plataforma dele..."

PLAYBOY — Com a Lei Falcão ainda em vigência isso parece difícil porque, por enquanto, os candidatos não podem ir à televisão para fazer a pregação de suas plataformas. Os candidatos deveriam ter acesso à televisão?


ZICO — Acho que deviam, acho que deviam. Porque, se um dia o eleitor tiver de cobrar, vai poder cobrar com direitos. E também para que o povo continue a ter crédito no sentido de, futuramente, votar para Presidente. Eu tenho toda a esperança de, um dia, votar para Presidente da República.


PLAYBOY — Uma pergunta original: o brasileiro está preparado para votar?


ZICO — Acho que está porque, desde o momento em que se dê crédito a ele, ele poderá votar tranqüilamente. O voto sem crédito é que faz com que ele brinque na hora da eleição e vote em Pelé, no Garrincha, no Chico Anísio, no Renato Aragão...


PLAYBOY — Você citou os dois maiores jogadores de todos os tempos e que estão diametralmente opostos um ao outro, em termos de situação financeira. O que normalmente espera um jogador de futebol?


ZICO — Hoje em dia já há uma nova mentalidade no jogador em relação à profissão. Ele é mais integrado na sociedade e existe um respeito maior pela classe. Antigamente não havia uma retaguarda para o jogador. Ele podia ter uma fase boa, vinham os amigos que sempre surgem na hora da empolgação e, quando ele caía, era abandonado e não tinha como se levantar. Hoje está havendo uma preocupação de integrar os sindicatos dos vários Estados e de integrar os jogadores de cada sindicato. Então, por exemplo, se um jogador está tendo problemas de renovação do contrato, o advogado do sindicato do Rio de Janeiro está às ordens para ajudá-lo — para discutir com o dirigente, de modo que o jogador possa continuar treinando e jogando sem se desgastar. Porque é difícil esse contato com o dirigente.


PLAYBOY — Por quê? Por que o jogador tende a ser passado para trás?


ZICO — Não é "tende a ser passado para trás". O dirigente puxa para o lado do clube e vem com aquele papo, aqueles argumentos. É normal. Aqui no Flamengo já conseguimos o Fundo de Garantia e o 13.° salário. Agora estamos lutando para reformular a lei do passe, que é de uma escravidão total.


PLAYBOY — Você tinha a mais remota idéia, há menos de 10 anos, de que iria chegar aonde chegou?


ZICO — Não. Meu único desejo há 10 anos era o de me tornar titular do Flamengo e vestir a camisa do Dida. Nunca procurei sonhar alto para não me frustrar.


PLAYBOY — Tudo bem, mas, depois de tantos títulos pelo Flamengo, inclusive a taça Libertadores da América e o campeonato mundial de clubes — sem falar na possibilidade de você se tornar campeão do mundo pelo Brasil na Espanha —, o Flamengo conseguirá conservá-lo, ao fim do seu atual contrato?


ZICO — O meu maior desejo é encerrar a minha carreira no Flamengo. Não vou dizer que a minha hora de sair tenha passado, mas chega-se a um momento em que, para sair.,. Por exemplo, eu indo bem na Copa do Mundo, que é a única coisa que me falta realizar em futebol, por que eu iria para um clube do exterior, tendo de começar tudo de novo e provar tudo outra vez?


PLAYBOY — Não seria um desafio para quem, como você, nunca fugiu aos desafios?


ZICO — Mas é diferente. Eu precisar enfrentar um desafio é uma coisa; agora, enfrentar um desafio apenas por enfrentar, é outra. O que eu teria mais que provar?


PLAYBOY — A Sandra é a favor de você jogar num clube do exterior?


ZICO — Da última vez em que os italianos tentaram me comprar, há um ano atrás, ela queria que eu fosse, estava louca para ir. Porque, comigo jogando na Europa — no máximo uma partida por semana —, nós teríamos mais tempo juntos. Para os garotos também seria ótimo, em termos culturais. Mas é o tal negócio: por que eu iria provar tudo de novo?


PLAYBOY — O Falcão está se dando muito bem...


ZICO — É, mas ele tinha de provar aqui também, não é? Porque ele não teve uma regularidade na seleção brasileira, e a seleção é fundamental para um jogador dentro do Brasil.


PLAYBOY — O que é mais importante para você: o Flamengo ou a seleção?


ZICO — Cada um tem a sua importância. Se não fosse o Flamengo, eu não chegaria à seleção, e a seleção é o topo da carreira de todo jogador.


PLAYBOY — Você costuma ser marcado mais com violência ou com deslealdade? Não vale citar o Mario Sotto, do Cobreloa.


ZICO — Acho que pode ter sido mais com violência. O único jogador que tem sido sistematicamente desleal comigo é o Orlando Fumaça, do Americano — tanto que o seu próprio treinador lhe perguntou se ele tinha alguma coisa contra mim.


PLAYBOY — Há jogadores que não entram em certas bolas divididas. Você chama isso de pipocar?


ZICO — Eu chamo isso de inteligência. Pipocar é fugir da bola num lance decisivo. Agora, se a bola já está perdida, você vai botar a perna a troco de quê?


PLAYBOY — Você é o batedor oficial de pênaltis no Flamengo e na seleção, com 99% de aproveitamento. Qual é a sua técnica?


ZICO — Bem, no começo eu dava a paradinha, olhava para o goleiro e, quando ele saía, era só chutar no outro canto. Depois — assim como eu sei de goleiros que pulam sempre para este ou aquele canto — eles começaram a sacar. Hoje eu normalmente escolho um canto. Se o goleiro se mexer antes, eu mudo, mas, se não, bato forte e rasteiro no canto que escolhi. O importante é bater rasteiro ou no alto — à meia altura fica mais fácil para o goleiro. Pode acontecer também de que, se você deslocar o goleiro, o melhor é até bater no meio do gol quando ele pular para um canto.


PLAYBOY — Os dois pênaltis mais famosos da sua carreira, até agora, foram o que você perdeu contra o Vasco, na decisão da Taça Guanabara de 1977, e aquele contra o Peru, em que você entrou no segundo tempo e, com menos de um minuto em campo, teve de bater o pênalti. Pode falar deles?


ZICO — O pênalti que eu perdi contra o Vasco foi um lance de imaturidade. Foi o primeiro pênalti que eu bati numa prorrogação, já cansado, as pernas pesando 200 quilos e eu pus pouca força na bola. Hoje eu bateria de forma completamente diferente — com mais força do que estou habituado a bater. Com isso, o Flamengo perdeu aquela Taça Guanabara, mas, depois, ganhamos quatro seguidas — ou seja, já saldei a dívida, com juros e correção monetária. [Risos.]


PLAYBOY — E o pênalti contra o Peru? Você não temeu que, se perdesse aquele, sua carreira na seleção estaria encerrada?


ZICO — Não. Eu já estava mal e, se perdesse o pênalti, não iria piorar a minha situação. Digamos que eu não batesse. Vinha outro, batia e perdia — aí, iriam dizer que eu pipoquei, me acovardei. Mas eu era o batedor oficial da seleção — estando em campo, mesmo com pouco mais de um minuto de jogo, eu tinha de assumir. A decisão foi minha e, felizmente, fiz o gol.


PLAYBOY — Você não se irrita quando tem de jogar ao lado de centroavantes fominhas?

ZICO — Eu não admito jogador que seja fominha, e, se tiver que dar uma bronca, dou mesmo e faço ver a ele que futebol é coletividade. Nosso único problema no Flamengo foi com o Nunes, que reclamava que, no Fluminense, não lhe davam bola. Fizemos ver a ele que no Flamengo não teria disso — e ele foi artilheiro do Campeonato Brasileiro de 1980 e continua fazendo gols.


PLAYBOY — Aos 28 anos, você tem alguma previsão de quando abandonará o futebol?


ZICO — Nenhuma. Só sei que gostaria de parar por livre e espontânea vontade, sem que ninguém me pare. [Risos.] Acho que construí uma coisa muito grande no futebol para não parar no momento certo. Pela minha estrutura e formação física, acredito que, se jogasse só aos domingos, poderia continuar produzindo, com regularidade, até os 35, 36 anos. Talvez até em ascensão! Mas, jogando três, quatro vezes por semana, como aconteceu em novembro, vai chegar um ponto em que vou dizer: "Não agüento mais! Quero parar! Estou saturado de bola!" E eu não quero que isso aconteça. O problema principal é a saturação.


PLAYBOY — Então você sonha com o dia em que vai abandonar a carreira e levar uma vida mais tranqüila?


ZICO — Sonho, espero por isso. Mas não quero ficar também sem fazer nada.


PLAYBOY — O que você gostaria de fazer?


ZICO — [Risos.] Não sei. Mas eu estava conversando com o presidente do Flamengo, o Antônio Augusto Dunshee de Abranches, e lhe dizendo que, nesses 15 anos no clube, conquistei tudo que podia ter conquistado. E ele comentou: "Menos uma coisa — a presidência do Flamengo"...


POR RUY CASTRO

FOTOS FERNANDO SEIXAS



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