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ALESSANDRA NEGRINI | JULHO, 1995


A ENGRAÇADINHA QUE ENCANTOU O BRASIL REVELA QUE FICAR NUA NA TV FOI MAIS FÁCIL DO QUE IMAGINAVA.


POR: CINDY WILK FOTO: FERNANDO HAMBURGUER


Era uma vez uma menina bonitinha que apareceu nua na TV. Alguns dias depois, beijou na boca outra mulher e, sempre com um olhar inocentemente safado, seduziu o primo que, alguns dias de­pois, não era mais primo e sim irmão. Todo o mundo se apaixonava por ela, inclusive milhões de espectadores que renderam uma média de 30 pontos de Ibope para a minissé­rie Engraçadinha, baseada em Asfalto Sel­vagem, romance folhetinesco de Nelson Ro­drigues, exibida em maio pela Rede Globo. Da noite paro o dia, mudou radicalmente a rotina da paulista Alessandra Vidal de Ne­greiros Negrini, que encarnou a voluptuosa Engraçadinha na primeira fase da série.


Essa virginiana de 24 anos começou a se interessar por teatro quando ouvia os disqui­nhos coloridos de histórias infantis que a mãe comprava. Ficava imaginando o cená­rio, um personagem para aquela voz. Tinha 4 anos quando sua família mudou-se para Santos, e, adolescente, estreou como atriz de teatro amador. Aos 17, de volta a São Pau­lo, começou a cursar Jornalismo. Largou ("Não era a minha"). Começou Ciências So­ciais. Também largou ("Eu era até boa alu­na") — e se instalou de vez no palco. For­mou-se atriz profissional e por oito meses tra­balhou com um dos gigantes do teatro brasi­leiro, o diretor Antunes Filho.


Alessandra fez papéis secundários na no­vela global Olho por Olho e em um episó­dio do Você Decide, mas ainda era pouco mais que uma desconhecida quando, no iní­cio de dezembro passado, foi chamada para um teste na Globo. Não bastaria ter talento: a candidata teria ainda que calçar o sapati­nho — no caso, ser parecida com Cláudia Raia, que faria a Engraçadinha na segun­da etapa da minissérie. Não era uma histó­ria de Walt Disney, e sim um romance do polêmico e dramático "anjo pornográfico".

A menina não era parecida com Cláudia Raia, mas tinha talento. Agora, com a mesma coragem com que encarnou uma das personagens mais fortes da dramaturgia nacional, Alessandra Negrini enfrenta uma situação deliciosamente delicada: a fama. A atriz cuida da imagem para não cair no estereótipo de "gostosa". Por conta disso, revela, recusou um cachê de 15.000 reais para fazer um anúncio que "apelava para a sensualidade". "O único dinheiro bom que eu poderia ter ganhado...", lamenta. Segundo Alessandra, o cachê de Engraçadinha só pagou uma viagem que fez recentemente à Europa, "em esquema Albergue da Juventu­de". Ela depende ainda da ajuda financeira dos pais, donos do confortável apartamento de três quartos onde mora, na Zona Sul de São Paulo.


Adora ficar sozinha — os pais, o enge­nheiro Luiz Eduardo Negrini e a pedagoga Neusa Negrini, vivem em Santos, e ela tem a companhia apenas de Lua, uma gata bran­ca. Alessandra vai às vezes à cozinha para realizar suas especialidades culinárias: so­pas, cremes, cação ensopado e arroz integral. A noite, elege o boêmio Bar das Empanadas, na Vila Madalena, Zona Oeste de São Pau­lo, seu point preferido. Jantar fora e dançar forró também estão entre seus hobbies notur­nos. Namorado ela não tem, mas sonha en­contrar uma pessoa muito especial.


Ao som de jazz ("como moro sozinha, fi­ca tudo muito silencioso"), a atriz conver­sou com a repórter Cindy Wilk.





1. O que você tem da Engraçadi­nha? [Ri]. Eu tenho um lado sen­sual, sedutor, de Escorpião, meu ascen­dente, que a Engraçadinha com certeza tem. Mas não sou uma pessoa muito salti­tante, extremamente feliz. Ela é mais ex­trovertida e risonha do que eu. Penso mais que a Engraçadinha antes de agir. Se bem que já fiz muita coisa por ímpeto. Tipo estar a fim de alguém e tascar um beijo ou pegar o carro, sair na madruga­da e ficar zanzando por aí. 2. Como você lida com a sua sexua­lidade? Sou feliz sexualmente, mas absolutamente satisfeita não estou, não. Ainda quero conquistar mais. Às vezes você deixa de fazer o que quer porque vai pegar mal ou outra pessoa vai ficar ma­goada. Não pode. Também aprendi a ter mais calma, respeitar mais o meu corpo e não ficar achando que tudo tem que ser perfeito sempre. E mesmo aceitar quan­do a coisa não está muito legal.

3. Já aconteceu de a coisa não estar muito legal — ele broxar, por exemplo? Já, já aconteceu. Fiquei com vergonha por causa dele, porque para ho­mem isso é chato. O jeito é perguntar: "O que aconteceu? Algum problema?" Aí ele se explica, tenta-se de novo e pode ser bom. Ou não tenta de novo — vai dormir e pronto. Quando era mais nova, pensa­va: "Ai, acho que não agradei". 4. Como foi sua primeira vez? Foi legal... Eu tinha 18 anos. Por ser a primeira vez, foi legal. Mas fisi­camente não foi nada. Acho que não foi, não... [risos]. 5. Nelson Rodrigues dizia que toda mulher gosta de apanhar. Você também? Não [risos]. Não me atrai na­da um homem que faça isso. Acho que agressividade faz parte, é uma energia le­gal, que tem que existir entre o casal. Mas violência física, não. Agora, casal que não briga tem alguma coisa errada. É legal brigar, e depois transar. 6. Caetano disse que "de perto nin­guém é normal". Você concorda? Ah... de perto ninguém é normal mesmo. Nisso a Engraçadinha tem a ver comigo: a gente tem uma coisa de suportar a loucura nas pessoas. Todo mundo que eu namoro é meio doido. Sempre escarafuncho demais a pessoa que está comigo, e descubro as coisas mais absurdas; mais loucas. 7. E você, já fez alguma loucura? Já fui muito louca, muito in­consequente na minha entrega para algu­mas pessoas. Devia ter me segurado. Foi uma paixão enlouquecida. Se misturar e absorver muito do outro é uma porcaria. Mas aí é que tá: faz parte também. 8. Você tem medo da fama? Estou um pouco assustada, porque você se expõe muito. A mídia chega a ser violenta. Tenho que aprender a lidar com isso. Estou indo viajar, por­que há seis meses vivo esta coisa de En­graçadinha, agora chega. Mudar é a arte, sabe? Não aguento mais pensar em mim. Você se vê na televisão, fica dando entre­vista. Acho isso tão empobrecedor! Co­meça a me dar um... [agarra o pescoço com as duas mãos]... fico meio sufocada.


9. Lembra-se de alguma reação de­sagradável à sua exposição pública? Eu estava em um bar com amigos, e um cara todo metido, que ven­dia poesia, me disse: "Você faz Globo, né? Eu sou poeta alternativo, não me vendi para a massa." Eu disse que cada um cui­da da sua vida.


10. Você se sente olhada de um mo­do diferente? Ah... totalmente. Na maioria das vezes é gostoso. Mas também enche um pouco o saco. Gosto de São Paulo por isso, te permite não ser ninguém no meio da multidão. Ando de metrô, adoro to­mar um cafezinho em qualquer lugar. Não quero deixar de fazer essas coisas, senão vou ficar infeliz. 11. A Engraçadinha é feliz? Ela é extremamente infeliz. Mas no começo ela nem tinha este con­ceito de felicidade e infelicidade dentro dela. Era absolutamente pura, amoral, então não conhecia o sofrimento. Não ti­nha esses conceitos sociais de moralida­de, do que é certo e do que é errado. 12. E você, já se sentiu amoral? Talvez fazendo teatro você tenha que ser amoral. Me perguntam: você beijou a menina [a personagem Letí­cia, vivida na minissérie pela atriz Maria Luiza Mendonça]? E aí? Você tem que ser amoral para fazer. Quando você está no palco, é amoral. Quando não está... 13. A cena em que você beijou a Ma­ria Luiza Mendonça foi difícil? Deu medo, porque era uma cena difícil, uma das mais longas que já gravei, e tensa o tempo todo. Mas tem momentos em que você tem que romper com limites, com resistências psicológicas suas. Dar um salto, mesmo, dizer "eu vou". Então, não teve problema nenhum. Não pensei que ia beijar outra mulher, pensei na cena, que é lindíssima.


14. Foi a cena a mais forte? A cena do beijo foi muito difícil, levou muitas horas para gravar. Mas a cena em que o Sílvio [Angelo Antô­nio, no papel do rapaz com quem En­graçadinha faz amor sem saber que era seu irmão] se castra... Essa, a gente gravou às 3 horas da manhã, estávamos exaustos. O clima era muito pesado. Todo o mundo começou a sentir essa energia de... [suspi­ra]... ai, era triste. Eu nem estava em cena nessa hora, e vendo o Sílvio fazer eu cho­rava, a diretora chorava, sabe? 15. Nas cenas de nudez você teve preocupações com o corpo, tipo escon­der uma barriguinha? Me incomodou antes de fa­zer. Falei: "Ai, meu Deus eu não faço ginástica e não vai dár tempo de fazer, e agora?" Mas aí foda-se. Não fiz regime — mas emagreci quatro quilos, de tão envol­vida que estava. Na hora foi mais fácil do que imaginava. Ninguém fala, tem um respeito, porque você está nua. As cenas eram muito emocionais, se eu pensasse numa barriguinha, não sairiam. Para mim, o nu mais difícil era tomando ba­nho, pois a cena era meio bobinha e so­brava tempo para pensar que estava nua. 16. E no teatro, como foi a sua expe­riência com o diretor Antunes Filho? Você já disse que ela foi legal, "mas só uma vez na vida". Por quê? Foi muito sofrido. Ele pega pesado com as pessoas e você fica muito entregue. O trabalho dele é de te deses­truturar. E acho que não soube lidar co­migo, nem eu com ele. 17. Você, que veio do teatro, o que acha das modelos que viram atrizes? A Greta Garbo era modelo e virou atriz. Se a modelo tem talento para ser atriz, tudo bem. Mas tem muita que você diz, "nossa, que mulher linda!", e quando ela abre a boca a beleza vai por á­gua abaixo. Deveria ter ficado quieta, ser inteligente para usar a beleza para fazer foto, fazer desfile, não para falar texto, que é outro departamento, né?


18. A Mylla Christie, que na minissé­rie fez a Silene, disse que só não teve o papel de Engraçadinha porque não acha­ram uma atriz mais velha parecida com ela para fazer em seguida a Engraçadinha adulta. É verdade? Isso me disseram, mas não li. [Pega o recorte de jornal, lê e comenta.] Tem até a minha foto aqui, que absurdo! [Pau­sa.] Ué, sei lá. Tudo bem. Não dou a mínima bola, se você quer saber. A Mylla Christie pode falar o que ela quiser. Não me pega isso. Se é verdade, eu não sei.


19. Você sabia quem estava concor­rendo com você pelo papel? Não sei. Tem gente que diz, até a Cláudia [Raia] falou, que o papel vai atrás do seu ator. Uma coisa meio mística, mas acho que é isso mesmo.


20. Na minissérie, qual a conversa de bastidor que mais te marcou? No dia em que gravei com o [Antônio] Fagundes [que fez uma par­ticipação especial como o ginecologista que constata que Engraçadinha não era mais virgem], ele me disse uma coisa muito legal. A gente quer sempre fazer o melhor e acaba achando que para ser ator é preciso sofrer. O Fagundes disse que não, que tem que aprender a fazer com prazer aquilo que, pô, é a pro­fissão que a gente escolheu. Mas às ve­zes é um sofrimento físico mesmo. Para gravar a cena do cemitério [logo no pri­meiro capítulo, nos funerais do pai de Engraçadinha, Dr. Arnaldo, que tinha se suicidado], a gente ficou esperando ho­ras, apertadinhos em um trailer. Para piorar, fazia muito calor e a cena era com chuva falsa. Não me lembro se foi o Otávio Augusto ou o Mauro Men­donça que bateu nas minhas costas e disse: "Minha filha, ainda há tempo para desistir." Eu morri de rir.


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