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ANA PAULA PADRÃO | AGOSTO, 1997



A repórter da Globo fala de fãs, carros,

fontes e de dois casamentos com um marido só


POR MARCOS EMÍLIO GOMES

FOTO ORLANDO BRITO


Vamos compará-la a um cáctus cuja flor ameniza a aridez da paisagem, com seu sorriso e seus terninhos mais que femininos contrapondo-se ao monótono elenco de autoridades com quem contracena, e cujos espinhos abrem caminho até a notícia e a defendem de investidas indesejadas. São tão eficientes os espinhos da repórter de economia e política da TV Globo em Brasília que ela pode, como poucas mulheres, sustentar uma afirmação absolutamente inesperada. "Nunca fui assediada no exercício profissional", afirma, arrematando a informação com um corajoso desafio às queixosas: "Uma mulher só ouve o que quer".


Quem vê o rastro de olhares que Ana Paula Padrão deixa no seu caminho percebe logo que muitos podem não dizer, mas que pensam, pensam. Séria, porém, como os assuntos que cobre para o Jornal Nacional, esta alvíssima brasiliense, primeira dos três filhos do funcionário público Fausto Vasconcelos Padrão com a professora Shirley, ambos mineiros, está preocupada mesmo é com o trabalho. Obcecada como uma bússola desde que estreou na Globo, um ano depois da formatura em Jornalismo na Universidade de Brasília, em 1985 — com curtíssima experiência cobrindo economia para a Rádio Nacional, a revista Senhor e a TV Nacional —, ela sempre leva a conversa para esse rumo, dando por resolvidos outros capítulos de sua vida. Pergunte-se, por exemplo, o que ela faria se um dia, atrás de uma escrivaninha qualquer, encontrasse o homem de sua vida, para ouvir uma resposta definitiva: "Como? O homem da minha vida está aqui em casa!"


Sorte de Marcelo Netto, 47 anos, diretor de jornalismo da TV Globo em Brasília e duas vezes marido de Ana Paula. Eles decidiram viver juntos em 1989, separaram-se dois anos depois e voltaram a se unir em 1993. Marcelo já tinha dois filhos de outro casamento e hoje o mais novo deles, Mateus, 19 anos, vive com o casal num apartamento na Asa Norte.


Foi na sala superior do apartamento, diante de um gigantesco home theater, que ela recebeu o redator-chefe de PLAYBOY, Marcos Emílio Gomes, para falar de seus 34 anos, recordar o estudo de balé que quase a levou ao prestigiado grupo Corpo, de Belo Horizonte, narrar as visitas à sede da Globo, no Rio de Janeiro, para apresentar o Jornal Nacional dois sábados por mês e, a custo, entregar detalhes de uma intimidade que preserva com a resistência de uma planta do deserto.





1. Uma fonte segura garante que você não tem marca de biquíni... [Risos.] É verdade. Mas para saber disso não precisa ser íntimo. Basta olhar meu rosto [risos]. Tenho uma espécie de alergia. Meu organismo produz pouca melanina [o pigmento que permite o bronzeamento]. Tive de me acostumar a ser pálida.


2. E nessa juventude à sombra, deu para curtir bem a vida, já que você acabou se casando ainda jovem? Acho que deu. Na minha adolescência, Brasília era uma mistura de culturas formidável, porque quase todos os jovens vinham de outras cidades ou países, muitos com problemas para se adaptar. Daí, filhos de diplomatas ingleses arrumavam fitas de grupos de rock dos quais o Brasil só ouviria falar anos depois, e o que fazia a nossa cabeça era uma coisa super sofredora, como o The Smiths, que eu já curtia aos 16 anos.


3. Sexo, drogas e rock'n'roll? Bem, não fui uma adolescente certinha, mas era responsável. Estudei direito, trabalhava. Vivia entre pessoas que estavam nessa, mas nada que chegasse a preocupar. Era mais próxima da bebida e do cigarro. Parei de fumar há sete anos e espero a aposentadoria para voltar [risos].


4. Foi por aí, então, que pintou a primeira paixão, o primeiro beijo, a... [Cortando.] Não gostaria de falar da primeira transa. Mas lembro-me com carinho do primeiro namorado, o João Paulo, um poeta adorável, mais ou menos da minha idade, uns 15 anos. [Terna.] Sobre o primeiro beijo [risinho, pensa]... Acho que não foi com ele. Deve ter sido coisa de criança.


5. Falando em romance, como foi a sua separação que não deu certo? [Risos.] É engraçado. No começo fiquei apavorada, porque o Marcelo era meu chefe na Globo. Mas fomos morar juntos. Depois, não estava mais dando certo e ele preferiu romper. Sofri demais [esticando as palavras]. Tive um longo período de reclusão. Aí, aquilo passou e voltei a viver. Em dois anos tive, digamos, uns dois namorados e umas três aventuras.


6. E o primeiro sexo depois da separação não trouxe a impressão de que você estava traindo seu marido? Não sei como é com outras mulheres, mas, como fiquei muito infeliz na separação, quando me curei foi em definitivo. Mais tarde resolvemos voltar, com pedido de casamento e tudo o mais. Meu pai adorou [risos].


7. E as fontes, mesmo quando descasada, não lhe passaram cantadas? Nunca [taxativa]! Tenho a impressão de que a TV distancia, dificulta a aproximação. E as autoridades nunca me despertaram mais que curiosidade profissional. Se alguém já ficou interessado, nem fiquei sabendo.


8. Fala-se muito de troca entre fonte e jornalista, na qual um ganha manchete e outro dá furo nos colegas. Como você enfrenta essa situação? Nunca uma fonte teve coragem de me pedir algo assim. Não dou espaço. Se há tentativa de promoção ou não é um tema de interesse, não damos a notícia. Chamo as autoridades pelo nome do cargo e deixo claro o relacionamento profissional.


9. Você é durona fora do ar? Não sou adepta do enfrentamento. Procuro conversar, entender a pessoa. Sou muito dura, sim, nos métodos. Não faço pool [troca de informações entre jornalistas, resultando que ninguém dá furo e os leitores de diferentes veículos lêem a mesma notícia], não abro concessão e não admito patrulha. Se quiser competir comigo, tem que trabalhar enlouquecidamente.


10. Então, talvez não tenha muitos amigos jornalistas... É [pensa]... Mas tenho amigos. Só que minha vida pessoal é reservada. E não é porque sou amiga de alguém de outra emissora que vou ter que trabalhar junto. Se puder, vou furar essa pessoa [risos]. Se ela for profissional, vou trabalhar para não acontecer o oposto [risos]. Mas procuro esquecer quando isso dá confusão.


11. Você teve um problema com a jornalista Dora Kramer, do Jornal do Brasil, numa viagem do presidente Fernando Henrique Cardoso à Europa. [Pensa durante alguns segundos.] Ah, é. Teve esse problema... Quando foi anunciada a saída do [então] ministro do Planejamento José Serra [para disputar a prefeitura de São Paulo, em maio de 1996], noticiei que o substituto seria o [deputado] Antônio Kandir. E ela continuou admitindo no JB a hipótese da escolha do [secretário executivo do Ministério do Planejamento] Andrea Calabi. Isso fez os jornalistas que estavam na viagem se dividirem, cada grupo apostando numa informação. Ela parou de falar comigo. Acho isso bobagem, peanuts [miudezas].


12. Tem muita vaidade na TV? Nem penso nisso. Há egos enormes, mas só ouço comentário legal. Se falam mal é pelas costas [risos].


13. Você não acha que a televisão brasileira dá muito pouco furo? Discordo completamente. Sou capaz de citar dezenas de furos dados pelo Jornal Nacional. E a notícia não cai de mão beijada na Globo. Não há hipótese de o ministro da Fazenda ligar para a emissora para divulgar uma notícia [bastante indignada].


14. Você recebe cartas de fãs? Sim. Perguntam como cuido do cabelo, pedem dicas de economia. A maioria é respeitosa. Mas tenho um problema com um rapaz do interior de São Paulo. Talvez fosse melhor nem comentar [séria]. Ele é esquizofrênico e me persegue. É inofensivo, mas espero que a família possa tratá-lo.


15. E nas horas de folga, inclusive desses problemas, o que você faz? Ah, sobra tão pouco tempo [risos]. Por isso não tive filhos até hoje. Gosto de cozinhar. E não faço mais nada. Quando vou fazer ginástica, não dura um mês [risos]. Também gosto de dirigir, mas não é um hobby.


16. Vidrada em carros, é? Não chego a ser vidrada. Comecei a dirigir com uns 15 anos. Coisa típica de Brasília. Sempre gostei muito, também, das corridas de Fórmula 1. Têm um frisson incomparável.


17. Você é fã de alguém? [Pensa.] Sou fã do [ator americano] Jack Nicholson... [Interrompendo a si mesma.] Não tenho nenhuma afinidade com Fidel Castro, mas tive um episódio engraçado com ele. Numa reunião de presidentes, dei com Fidel num corredor. Ele disse: "Ola, que tal?" E fiquei muda [risos], tive um ataque de foquismo [indignada consigo mesma]. E me arrependi tanto...


18. E se arrepende de algo mais? Não. Mas não toparia começar de novo [risos]. A gente é muito ansioso quando jovem. Se tivesse de escolher entre voltar aos 18 ou passar direto aos 40, escolheria os 40. Não tenho nenhum medo de envelhecer...


19. E o que a experiência ensinou a você sobre as intenções das fontes? [Longa pausa.] Sou otimista, mas não sou ingênua a ponto de ignorar a segunda intenção no que ouço. Mas é melhor que as fontes fiquem constrangidas de dizer seus objetivos. Isso criaria uma intimidade péssima.


20. Como cidadã e como jornalista, você gosta desse governo? Como jornalista, não tenho que gostar ou não. O trabalho é o mesmo em qualquer governo, pelo menos de 1985 para cá. E como cidadã [pensa], adoro a estabilidade. Acho que esse é um bem do país, não desse ou daquele governo. E é um privilégio ver as pessoas satisfeitas com isso.


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