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AS FEMINISTAS | MAIO, 1980

Playboy Entrevista


Uma conversa franca com cinco militantes do Centro da Mulher Brasileira sobre sexo, machismo, amor livre, aborto e seu profundo ódio por PLAYBOY


Mas, como? Um grupo de feministas sentado à mesma mesa com um entrevistador de PLAYBOY? Pois é. Mas — poderá perguntar o leitor — não são filosofias diametralmente opostas e que se detestam mutuamente?


Nem tanto. De nossa parte, nunca tivemos nada contra quaisquer mulheres. Além disso, sempre tivemos curiosidade em saber o que poderia resultar de tal confronto. Como somos um dos assuntos favoritos das feministas do mundo inteiro — para elas, todo o machismo contemporâneo é representado por PLAYBOY — seria interessante ouvir suas acusações de viva voz, desde que elas nos permitissem alguma chance de defesa. Assim, como elas nunca nos convidaram para nenhum de seus congressos e debates, resolvemos convidá-las para uma entrevista.


Não apenas por isso. PLAYBOY é uma revista que se propõe a discutir em termos amplos a sexualidade do homem brasileiro. Logo, não há por que excluir as feministas dessa discussão — principalmente porque, de cinco anos para cá, elas estão se tornando uma força já respeitável no Brasil. Os diversos grupos feministas espalhados pelo país devem contar hoje com, pelo menos, mil associadas. A essas devem somar-se outras tantas militantes regulares ou irregulares, mas o que importa é que essas mil e tantas mulheres representam o pensamento de outras dezenas de milhares.


Alguns dos grupos feministas mais influentes do momento são o Centro da Mulher Brasileira, o Coletivo de Mulheres, o Brasil-Mulher, o Nós Mulheres, o Pró-Mulher, a Associação de Mulheres e o Movimento Feminino 8 de Março. Esses grupos estão atualmente tentando unificar suas bandeiras numa Frente Nacional de Mulheres.


Acertar esta entrevista não foi nada fácil. As diversas feministas que contatamos recusaram-se a falar individualmente para PLAYBOY, mas comunicaram o convite a seus respectivos grupos. Esses grupos se reuniram, discutiram a proposta e decidiram que nenhum deles, enquanto grupo, concederia a entrevista, embora não proibissem seus membros de falar por conta própria. O resultado foi que nenhuma das mulheres do Coletivo, por exemplo, se apresentou, mas cinco associadas do Centro da Mulher Brasileira, inclusive a sua presidente, toparam a parada. Por nós, tudo bem. Afinal, o Centro é o grupo mais antigo e, numericamente, o mais representativo do movimento feminista brasileiro, com cerca de duzentas associadas.


As cinco entrevistadas foram: Hildete Pereira, 36 anos, economista, presidente do Centro da Mulher Brasileira, casada há catorze anos ("com o mesmo homem"; Elisabeth Serra, a Beth, 33 anos, subdiretora de uma escola de 1.º grau, casada há dezessete anos ("com um marido só"; Maria Teresa Lopes Teixeira, a Teteca, 33 anos, redatora, descasada ("não sou desquitada ainda"; Leonor Nunes de Paiva, 29 anos, advogada, desquitada ("com averbação”); e Maria Christina de Paula Chaves dos Santos, 37 anos, curso universitário interrompido por motivos políticos, oito anos de exílio, professora primária, desquitada e agora casada de novo.


Seu entrevistador foi o editor Ruy Castro, que nos deu o seguinte relato da experiência: "Pela hostilidade demonstrada pelas outras feministas em relação a PLAYBOY, imaginei que teria de comparecer munido de um par de luvas de boxe e um estojo de primeiros socorros. Felizmente não foi preciso. Reunimo-nos na residência de uma das entrevistadas (uma belíssima mansão no Cosme Velho, no Rio), numa área ao ar livre. O calor estava de derreter catedrais, mas havia uma empregada encarregada de não deixar os copos vazios de cervejinha gelada. Antes de iniciarmos efetivamente a entrevista, trocamos idéias sobre assuntos gerais, e o ambiente parecia tão descontraído que acendi o cigarro de várias delas sem grandes reclamações — embora uma ou outra tentasse retaliar, acendendo o meu cigarro. Posamos para as fotografias rindo muito e nem parecia que, assim que fosse ligado o gravador, teria início o combate do século.


"Confesso que elas me surpreenderam. Eu esperava uma coleção de clichês antimachistas e, principalmente, uma rígida intolerância em relação a qualquer dúvida que se pusesse sobre as atividades do movimento feminista. Mas o que percebi é que as feministas ainda estão tateando caminhos e têm tantas dúvidas quanto certezas — e sabem disso. Ao fim e ao cabo, concordamos sobre uma série de pontos, embora a divergência fundamental tenha continuado: elas realmente detestam PLAYBOY. Houve momentos, durante as cinco horas de gravação, em que a argumentação foi violenta de parte a parte, mas, de modo geral, manteve-se a compostura. Nem poderia ter sido de outra forma. Afinal, por piores que sejam as divergências, homens e mulheres não conseguem deixar de ser —como se diz mesmo? — feitos uns para os outros."


PLAYBOY — Muitos homens acham que toda feminista é feia, mal-amada, provavelmente sapatão e frustrada. Por que esse clichê, aliás desmentido pela simples presença de vocês?


CHRISTINA — É um clichê machista.


TETECA — É uma maneira de desmoralizar o movimento e fazer com que a mulher comum se identifique com ele através de uma imagem fabricada.


PLAYBOY — Mas vocês admitem que há pouquíssimas meninas de 20, 20 e poucos anos no movimento, não?


LEONOR — Mas as meninas de 20 anos são as únicas bonitas ou bem-amadas? Se a sociedade enfatiza a beleza da mulher como sua característica mais importante, é claro que, para combater um movimento que se propõe a destruir isso, ela tem de dizer: "Não, toda feminista é feia". Mas a mulher bonita e jovem também sofre opressão, inclusive pelo PLAYBOY.


PLAYBOY — De onde vocês tiraram essa idéia?


HILDETE — PLAYBOY tem como finalidade vender o corpo da mulher. Nós somos tratadas pela revista como objetos sexuais. Todo o belo invólucro que PLAYBOY coloca nas entrevistas e nas reportagens é para embalar melhor o corpo da mulher. Nos Estados Unidos, o movimento feminista boicota PLAYBOY. Mas, no Brasil, a realidade é diferente e nós achamos que deveríamos conceder esta entrevista, até para dizer que uma revista como PLAYBOY não deveria existir.


PLAYBOY — Para informação de vocês, PLAYBOY defende há 25 anos uma série de causas que só depois se tornaram bandeiras do Women's Lib, como a libertação sexual, a legalização do aborto, etc. Por falar nisso, PLAYBOY contribui em dinheiro para várias organizações feministas americanas, inclusive a NOW (National Organization of Women), a qual não tem nenhum constrangimento em aceitar o dinheiro, apesar do boicote.


HILDETE — Com relação ao fato de PLAYBOY ser um veículo de propaganda da revolução sexual e de todas essas liberações, é preciso deixar bem claro que, dentro do sistema capitalista, isso também é uma forma de cooptação da mulher. Fica parecendo que todo o problema da emancipação feminina se refere à liberdade sexual, quando nós achamos que esse é apenas um dos aspectos da opressão.


PLAYBOY — Se PLAYBOY fosse contra a emancipação sexual, vocês diriam que é uma revista reacionária. Como somos a favor, isso é uma forma de cooptação. Em que ficamos?


HILDETE — A revista é a agente de uma sociedade que diz: "Trepem à vontade e está feita a libertação". Mas a libertação não é só isso.


PLAYBOY — Tentaremos chegar lá. Uma das queixas das feministas é a de que os homens reprimem a sexualidade do corpo da mulher. Mas, quando PLAYBOY celebra a beleza desse corpo, vocês nos acusam de "exploração". Mais uma vez, em que ficamos?


TETECA — A sexualidade feminina não passa pela obrigação de ter um corpo bonito, nem de ter ou não peito caído, etc. Mas PLAYBOY dá a entender que só a mulher bonita tem direito à sexualidade. A maioria das mulheres não são as que PLAYBOY fotografa.


PLAYBOY — Estamos de acordo. Mas, como acreditamos na inteligência do leitor, achamos que ele é capaz de separar a fantasia da realidade.


TETECA — Há outros aspectos da mulher que devem ser valorizados.


PLAYBOY — Tudo bem, mas ainda não descobrimos uma maneira de fotografar o Q.I. de uma mulher. Aliás, uma mulher inteligente e que vocês respeitam, a Dina Sfat, declarou a PLAYBOY que se deixaria fotografar nua. Isso não contraria a visão de vocês?


HILDETE — Mas nós não somos contra fotografar o corpo feminino. Apenas somos contra utilizar esse corpo como objeto de venda.


PLAYBOY — O que vocês acham de revistas que publicam nus masculinos?


CHRISTINA — Achamos que é a mesma coisa. Aliás, eu me pergunto até que ponto essas revistas interessam às mulheres. Não me parece que vendam muitos exemplares.


PLAYBOY — De fato, não vendem. Uma das explicações é a de que a sensibilidade erótica da mulher é mais táctil do que visual, ao contrário da do homem.


TETECA — Acho que não é por aí, não. É que o homem é educado para achar que a mulher tem que ser bonita. Ao passo que a mulher é educada para ver outras qualidades no homem, e não está se importando muito se ele tem barriga ou se é careca. Pelo contrário, tem muito homem horroroso com fama de gostoso. E, vai-se ver, é mesmo!


PLAYBOY — Gostoso em que sentido?


TETECA — No sentido de que o charme masculino não depende só do corpo do homem. Por que vocês não inventam um jeito de fotografar o Q.I. do homem? [Risos.]


CHRISTINA — Acho que é uma questão de ideologia. Qual é a ideologia que nos transmitem? A de que a mulher só se realiza se for bonita. O homem, não. Basta ele ser dinâmico, inteligente e, se for bonito, melhor, mas isso não é essencial. A mulher pode ser até inteligente, -mas, se for feia, vai ser tratada como coitadinha.


LEONOR — Eu acho que as relações sexuais refletem as relações entre homem e mulher na sociedade. Essa relação devia ser sempre amorosa, mas, o que é que nós temos? Uma moral baseada na propriedade e na posse do homem sobre a mulher. Hoje, com o desenvolvimento da sociedade capitalista, até os vínculos externos que se exigiam no casamento foram quebrados, surgindo a união livre, sem compromissos formais e também sem amor. E esta união livre que PLAYBOY enaltece. É por isso que achamos que o movimento feminista é revolucionário: porque traz uma proposta nova, de que as relações se baseiem também na solidariedade e no amor.


PLAYBOY — Você está querendo dizer que o sexo sem amor é condenável? Essa posição nos parece moralista.


LEONOR — Não. Deixe eu esclarecer melhor. O que o movimento feminista está propondo é um novo código para reger essas relações sexuais, porque, por um lado, se baseadas na propriedade e na posse, elas não são boas para ninguém; por outro lado, só pelo sexo também não são.


TETECA — Às vezes podem ser...


PLAYBOY — O que pode haver de condenável numa relação entre duas pessoas adultas, responsáveis e que estão apenas exercendo a sua liberdade de usar o próprio corpo, sem que haja necessariamente amor envolvido? Vocês estão nos parecendo conservadoras.


LEONOR — Não pensei que ia ser interpretada como conservadora. É que, numa sociedade regida pelo sexo e só pelo sexo, o homem tem uma educação tão condicionada que, quando sai de uma relação que não deu certo, ele sai reforçado, engrandecido, porque incorporou uma experiência a mais. Mas a mulher sai de asa quebrada.


PLAYBOY — E por que esse engrandecimento não pode ser recíproco?


TETECA — Porque há diferenças entre homem e mulher nesse terreno. A mulher entra numa relação dessas marcada por traumas de casamento, amor, maternidade...


LEONOR — O que eu queria dizer é que o casamento tradicional também não é a solução ideal, porque as relações de posse e propriedade continuam entre marido e mulher. O que tem de mudar é toda a estrutura da sociedade.


PLAYBOY — Voltaremos a esse ponto mais tarde. O que nos preocupa neste momento é que, se a sociedade fosse dirigida pelas feministas, provavelmente PLAYBOY seria proibida de circular... Não seria uma atitude estranha, num movimento que se diz de liberação?


TETECA — Mas o movimento feminista não tende a chegar ao poder, não é um partido político. É um movimento que tende a conscientizar e a fazer com que homens e mulheres pensem de maneira diferente. Porque, quando o pensamento feminista for hegemônico, ele o será para toda a sociedade.


PLAYBOY — Até para os homens.


TETECA — Até para os homens, porque, se eles se conscientizarem, acabou a brincadeira, entende? Não é um movimento contra os homens. Nós lutamos por um tipo de sociedade...


CHRISTINA — ... em que não seja necessário proibir uma revista como PLAYBOY, mas em que as relações entre homens e mulheres tenham atingido tal nível que dispensem uma revista como PLAYBOY...


HILDETE — Ou que continue existindo, mas que publique nus artísticos, todo mundo pelado, homens e mulheres, por que não?


PLAYBOY — Nossos nus são bastante artísticos, em nossa opinião e na dos leitores. Mas, já que vocês acham que PLAYBOY "explora" o corpo feminino, consideram também que as garotas, pelo fato de se deixarem fotografar, estão se deixando "explorar" também?


TETECA — Ora, elas fazem isso por dinheiro, não? Mais ou menos como as prostitutas dos shows eróticos naquela boate do Rio, só que é mais seguro...


PLAYBOY — Por que essa visão antiga de que, se uma garota se deixa fotografar nua, será obrigatoriamente uma prostituta? Não acreditamos que, por exemplo, Alcione Mazzeo ou Lucélia Santos estejam nessa categoria.


TETECA — Não foi isso que eu quis dizer. Tem umas que são, outras que não são. Depende da maneira pela qual a pessoa se deixe fotografar.


CHRISTINA — As fotos que vocês publicam podem ser até artísticas, mas as legendas que acompanham essas fotos... As da Alcione Mazzeo, então...


PLAYBOY — Aquelas legendas foram exigidas e aprovadas pela própria Alcione, já que vocês tocaram no caso... Mudando de assunto: o que vocês nos dizem das garotas que estão fazendo topless? Ficando nuas em público, também estarão se deixando "explorar"? Vocês não estão pensando em conscientizá-las para o movimento?


TETECA — [Risos.] Seria melhor conscientizar os homens que pagam um camarote caríssimo num baile de carnaval só para as moças se exibirem. No baile do Monte Líbano deste ano eu vi um cara com duas mulheres. Ele transava com elas e elas entre si, no camarote da frente, pra todo mundo ver. Não sei se elas estavam felizes com isso.


HILDETE — É, mas elas estavam dentro do padrão, quer dizer, tinham um peito bonito, uma bunda bonita... Eu acho que a gente devia discutir com elas; com o homem, não.


PLAYBOY — Aparentemente, elas não se importam de fazer sexo sem amor...


LEONOR — Um momento. Acho que é preciso fazer um esclarecimento: eu não disse que fosse contra a gandaia. O que eu não acho é que tenha havido muita modificação entre aquela moral anterior e a moral que se quer implantar agora, em que a mulher continua sendo objeto e que quem continua comprando as carícias é o homem.


PLAYBOY — Tudo bem, mas, pelo que temos lido, as feministas se dirigem basicamente à mulher madura, provavelmente desquitada ou em vias de descasar — enfim, a Malus em potencial — e se esquecem de que há uma nova mulher na praça, uma imensa faixa de garotas entre 20 e 30 anos, que estão transando como querem, numa boa, sem preconceitos. Por quê?


HILDETE — De fato, não temos muitas garotas de 20 anos no movimento, não. A maioria das nossas militantes está entre 30 e 40.


TETECA — Mas não há nada demais nisso, porque a mulher só descobre a carga de ser mulher depois que ela casa, tem os filhos, enfrenta o problema da profissionalização e descobre que tem de trabalhar tanto fora quanto dentro de casa. E isso só costuma acontecer depois dos 30 anos. Há uma diferença concreta na nossa problemática e na de uma moça de 20 e poucos anos.


HILDETE — Mas só com relação ao sexo, tá? Porque o feminismo não é apenas trepar com quem eu quiser. É um movimento que quer promover a emancipação da mulher em todos os níveis — na sua sexualidade, na reprodução, no trabalho, na socialização das crianças. A sociedade ainda não formou a nova mulher de que você falou porque, do ponto de vista do feminismo, essas jovens não são liberadas. Elas só são mais avançadas do que nós com relação à culpa na prática do sexo. No resto, elas são iguaizinhas. No nosso tempo, a mulher que perdesse a virgindade era obrigada a casar, entende? E tinha que pertencer àquele homem com quem perdeu a virgindade, senão era a desgraça, a desmoralização total. Hoje em dia, virgindade já era. Então eu acho que...


PLAYBOY — Por falar nisso, qual de vocês se casou virgem?


QUASE TODAS — [Rindo.] Eu! Eu!


TETECA — Gente, a única que não casou virgem aqui fui eu? Incrível!


BETH — Confessa, Teteca, que você também casou virgem...


TETECA — Que é isso, gente... Eu comecei a dar com 16 anos!


PLAYBOY — Começou o quê?


TETECA — Comecei a dar com 16 anos. Você quer perguntar coisas sérias, por favor?


BETH — Bem, eu só casei virgem porque ainda não existia a pílula e havia um problema de engravidar. [Risos.]


PLAYBOY — Foi bom vocês terem mencionado a pílula. Creio que concordamos em que a pílula teve um papel fundamental na liberação sexual que começou nos anos 60, certo?


HILDETE — Certo. A pílula permitiu à mulher separar a sexualidade da reprodução, embora fosse uma faca de dois gumes.


PLAYBOY — Justamente. Agora, as mulheres descobriram que ela tem inúmeros efeitos colaterais sobre sua saúde e começaram também a pregar a pílula para o homem. É verdade?


CHRISTINA — É verdade.


HILDETE — Quem fica com o filho na barriga, quem cria, quem pare são as mulheres. Todos os métodos anticoncepcionais estão voltados para o corpo feminino. A pesquisa médica teve um avanço extraordinário nos anos 70 em todos os ramos, mas, com relação à contracepção, evoluiu pouquíssimo. A pílula dá problemas coronários, cardíacos e outros, seríssimos, e a carga disso fica toda com a mulher.


CHRISTINA — Nós achamos que a reprodução é um interesse social e, como tal, tem que ser igualmente dividida entre homens e mulheres.


PLAYBOY — Também achamos. Mas aí entra uma questão estratégica: se a grande conquista da pílula para a mulher foi a de separar a sexualidade da reprodução — dando à mulher, pela primeira vez na história, o controle sobre a sexualidade — não lhes parece que criando a pílula do homem vocês estariam perdendo esse controle?


TETECA — Não, porque depois que o conjunto das mulheres entendeu que a sexualidade é distinta da reprodução, é difícil que elas voltem atrás. Conquista é conquista, nem que essas mulheres tenham se envenenado com a pílula para chegar a esta conclusão. Mas, no que chegou, não dá para voltar atrás. Além disso, há outros métodos, inclusive o diafragma, que resolvem.


PLAYBOY — A questão do controle do homem sobre a sexualidade da mulher continua de pé.


TETECA — Então eu devolvo a pergunta a vocês. Eu acho fantástico esse negócio da pílula masculina ser reivindicada pela mulher, entende? Por que os homens não entenderam ainda a necessidade de eles mesmos separarem a sua sexualidade da reprodução? Sinceramente, eu acho que valeria ouro o homem que não fizesse filhos. Ele seria requisitadíssimo! Imagine o sucesso dele na praça — um cara que não reproduz! Agora, se ele acha que, com isso, perde um pouco da sua masculinidade, o problema é dele. A gente evita filhos e não acha que perde a feminilidade. É um problema cultural.


PLAYBOY — Bem, pelo visto foram declaradas as hostilidades. Um dos motivos pelos quais o Relatório Hite ficou famoso foi por ter revelado a milhares de mulheres que elas tinham um clitóris. E que, por terem clitóris, podiam dispensar os homens. É verdade?


TETECA — Ora, toda mulher sabe que tem clitóris!


CHRISTINA — Não, não. Primeiro, eu discordo da sua interpretação e acho que o livro não diz que as mulheres podem dispensar os homens. Segundo, eu discordo da Teteca, pois acho que a maioria das mulheres não conhece essa parte do corpo. O Relatório Hite é positivo porque deu armas à mulher para batalhar pelo próprio prazer, descobrindo o próprio clitóris.


PLAYBOY — Mas, afinal, as mulheres conhecem ou não o próprio corpo?


TETECA — Toda criança procura conhecer o próprio corpo, mas esse processo é podado na educação da mulher. Há meninas que se masturbam com 3 anos de idade, e é um instinto natural, até que a mãe chega e diz: "Não faz isso, não pode fazer". Aí começa todo um processo de culpa.


HILDETE — Mas então você não pode afirmar que conhece, e isso é grave porque esse desconhecimento leva também ao desconhecimento dos métodos conceptivos. Eu diria que a grande massa das mulheres não sabe para que serve o clitóris.


PLAYBOY — Bem, não riam, mas a grande massa dos homens também não sabe.


TETECA — Mas, em compensação, o homem sabe como conseguir prazer, porque a masturbação no menino não é proibida da mesma forma.


CHRISTINA — Mas também não se vê nenhum menino se masturbando na frente do pai e da mãe. O que acontece é que o movimento que o homem faz para se masturbar é o mesmo que ele faz na relação sexual para atingir o prazer. O da mulher, não.


HILDETE — E, se ele não atingir, está ferrado, ao passo que a mulher não.


CHRISTINA — Exatamente. Porque o homem, introduzindo o pênis na vagina da mulher, atinge o orgasmo e a mulher nem sempre.


BETH — A grande descoberta do Relatório Hite foi denunciar que a mulher pode ter prazer de outras formas.


PLAYBOY — O Relatório Hite, ao enfatizar o clitóris como o principal órgão sexual feminino, estaria estimulando a masturbação na mulher?


BETH — Não, eu acho que o livro está enfatizando que a mulher pode usar o próprio corpo para ter prazer, e não apenas para reproduzir.


LEONOR — O que a pergunta está querendo sugerir é que, pelo fato de ter prazer sozinha, a mulher poderia viver independente do homem. Agora, o homem também se masturba, e nem por isso dispensa a mulher...


TETECA — O Relatório Hite balançou os homens porque eles sempre se julgaram a única fonte de prazer da mulher. Então surge um livro que diz: "Não é bem assim. Tem outras formas..." Isso afetou o poder masculino...


BETH — Mas a gente não está reivindicando o poder que o homem tem e sim uma relação em que não haja um dominado nem um dominador.


CHRISTINA — Isso demonstra muito bem o medo que o homem está sentindo do movimento feminista.


PLAYBOY — Não nos parece que o homem esteja com medo das feministas. Ele pode estar é perplexo com essa leva de mulheres muito jovens, que transam como querem e não dão satisfações a ninguém.


TETECA — É claro, porque, antigamente, o homem é que escolhia, né? E hoje as mulheres também estão escolhendo. Isso é uma perda de privilégios.


PLAYBOY — Alguma de vocês foi escolhida?


CHRISTINA — Eu, da primeira vez, acho que sim. Mas, no segundo casamento, eu escolhi.


HILDETE — Eu não tenho a menor dúvida de que fui escolhida.


TETECA — Nos meus três casamentos, fui eu que escolhi. Da terceira vez, então, escancaradamente! [Risos.]


CHRISTINA — Acho que a Teteca é a mais liberada de todas nós...


TETECA — Mas ele está falando de casamento, não de trepadas ocasionais.


PLAYBOY — Não, estamos falando de tudo. O que nos intriga é que, depois de todos os avanços da década de 60, em que as mulheres conquistaram o direito de dizer sim sem serem massacradas, vêm as feministas e começam a recomendar que elas digam não. Não será um retrocesso?


BETH — Mas o problema se coloca tanto para os homens quanto para as mulheres. É o direito de dizer não. Por que o homem é obrigado a comer toda mulher que o requisite?


TETECA — "Porque, se não, o que vão pensar de mim?” [Risos.]


CHRISTINA — Mas isso pode fundir a cuca de um homem! O fato é que todo mundo, homem ou mulher, deveria ter o direito à livre escolha.


PLAYBOY — Vamos pensar no caso. Mas, voltando àquelas meninas entre 18 e 25 anos, digamos, que estão transando de maneira ampla e irrestrita: elas não estarão também usando os homens?


TETECA — Também! Da mesma forma como os homens sempre usaram as mulheres, né?


PLAYBOY — Mas vocês não vêem nenhum problema nisso, já que passaram anos batalhando contra o fato de os homens usarem as mulheres?


TETECA — Eu acho que temos que ter esse direito, entende? Usar da mesma forma! É purismo achar que você só deve ir pra relação quando... A liberdade deveria ser igual.


LEONOR — Se for igual, não estará havendo utilização.


TETECA — Talvez, numa sociedade futura, o problema da relação homem-mulher possa se resolver melhor. Mas, no momento, talvez seja necessária essa fase pra depois se chegar a concluir que "não é bem isso", sabe? Então eu acho que, se um homem se afirma comendo trinta mulheres, a mulher também tem o direito de se afirmar comendo trinta homens.


PLAYBOY — Nada contra.


HILDETE — Mas isso no plano puramente individual. Do ponto de vista social, o sexo está sendo usado como panacéia. Quer dizer: de repente, como não precisa mais de homens que estejam às 6 horas da manhã na fábrica com bastante energia, pois o problema do desgaste físico diminuiu, a sociedade capitalista chega e diz: “Trepem adoidado e sejam felizes!" Porque o trabalho é isso aí mesmo, não muda: apertar botão, ter salários minguados, se você vive no Brasil, e um pouco melhores, se você vive nos Estados Unidos. Quer dizer, a moral vitoriana acabou porque não precisamos mais de operários disciplinados, que só trepem uma vez por semana ou por mês, pra não chegarem extenuados no trabalho. Agora não. É trepar à vontade e esquecer o resto, como se a felicidade estivesse no sexo. E as mulheres incorporaram essa ideologia masculina em relação ao sexo.


PLAYBOY — E em que essa ideologia afetou as mulheres em relação ao trabalho?


TETECA — Nessa questão da desigualdade entre homens e mulheres. Não é uma desigualdade biológica, porque é óbvio que a gente não vai querer que os homens tenham filhos. Mas não se pode usar isso para dizer que a mulher é mais fraca, mais dependente, menos inteligente, etc.


HILDETE — Somos diferentes, mas...


LEONOR — Mas não desiguais.


TETECA — Queremos apenas concorrer em igualdade de condições. Porque eu vivo numa sociedade que não tem creche, em que a educação dos meus filhos compete a mim, em que a carga de trabalho está toda na minha mão...


LEONOR — Ao mesmo tempo há uma dualidade: a sociedade estimula a maternidade mas discrimina a mulher quando ela é mãe. Ou não é discriminação quando uma mulher perde o emprego porque ficou grávida?


HILDETE — Quer dizer: a sociedade ou venera a mãe ou venera a puta. No nosso caso, a briga com PLAYBOY é porque a revista venera a imagem da mulher enquanto puta.


PLAYBOY — Você deve estar nos confundindo com outras revistas. Nós só celebramos a mulher independente.


BETH — Determinada mulher.


CHRISTINA — O controle da natalidade obedece aos interesses de momento do capitalismo. Nos países mais desenvolvidos, como a França, a Alemanha, onde interessa atualmente incentivar a maternidade, a mulher recebe prêmios quando tem não sei quantos filhos. Já nos subdesenvolvidos, como o Brasil, onde há mão-de-obra abundante e barata, distribui-se o DIU. Quer dizer, a sociedade utiliza o corpo da mulher de acordo com o seu interesse.


PLAYBOY — Vocês então são contra esse controle da natalidade?


CHRISTINA — O controle tem que ser feito pela mulher. Ela é que deve determinar se quer ter filhos ou não. É um direito inalienável.


PLAYBOY — Nos países socialistas, o controle da natalidade também é decidido pela mulher?


HILDETE — Não. O caso da China, por exemplo, é bastante peculiar, porque lá há um bilhão de bocas para alimentar, donde se pode entender que se procure reprimir a sexualidade. Mas o fato é que a China também não respeita o direito da mulher quando decreta uma política rígida de natalidade.


TETECA — E mais uma vez fica provado que a luta pela emancipação da mulher não se resolve apenas com a mudança da estrutura econômica e política da sociedade.


LEONOR — Melhora, mas não resolve.


BETH — A gente até teve informação recentemente de que o primeiro movimento feminista da União Soviética editou agora uma brochurazinha em francês reclamando que a questão do machismo lá continua...


PLAYBOY — Mas a URSS já atendeu a várias reivindicações feministas. Não há país, por exemplo, com mais creches por km' que a URSS.


HILDETE — Sim, mas o trabalho doméstico ainda continua sob a responsabilidade da mulher. Não há uma divisão equitativa. A maioria dos médicos são mulheres, mas os hospitais ainda são dirigidos por homens.


PLAYBOY — Ou seja, o machismo não é uma invenção do capitalismo.


HILDETE — Evidentemente, o capitalismo não é o culpado de todas as nossas agruras. Ele apenas as exacerbou.


PLAYBOY — Por falar em machismo, por que vocês não exploraram melhor o episódio Doca Street, que era um prato feito para vocês?


HILDETE — Ah... Burrice !


TETECA — Burrice!!!


LEONOR — Foi uma típica questão cultural da nossa sociedade: a ré foi a vítima, ela é que foi julgada — e não o autor do crime.


BETH — Pensamos até em fazer um julgamento público dele, mas houve marasmo de nossa parte.


TETECA — Mas nós queríamos comer o fígado do Doca Street!


PLAYBOY — Na época, o machismo do caso foi atribuído a um problema típico de subdesenvolvimento. Existe machismo também nas sociedades superdesenvolvidas?


LEONOR — Sem dúvida. Na sociedade norte-americana, por exemplo, os crimes de estupro são diários e a situação da mulher reflete um pouco a da mulher brasileira. Só que, talvez, de uma maneira mais sutil.


BETH — Você pega um país como a Suécia, por exemplo, em que a licença da maternidade pode ser dada tanto para a mulher quanto para o homem — e os homens aceitam! Quer dizer, se a mulher está empregada e o marido não, ele fica em casa tomando conta da criança. Isso seria inimaginável num país subdesenvolvido.


PLAYBOY — Agora uma pergunta particular. O marido de alguma de vocês é machista?


HILDETE — O meu não!


CHRISTINA — Eu acho que existem homens aliados ao feminismo. O meu, por exemplo, dá a maior força...


BETH — O meu também.


TETECA — O meu também. Mas não conheço um homem brasileiro que não seja machista. Só varia de acordo com o grau de sofisticação e de consciência dele. O cara pode dizer: "Tamos aí, você tá certa, é isso aí". Mas, de repente, nego escorrega na vírgula, entende, e nos chama de boneca!


BETH — Mas nós temos de fazer os nossos homens, porque o feminismo é um processo de reeducação. Então, nós não podemos comparar o "machismo" dos nossos maridos com o machismo do homem brasileiro em geral, porque nós, mulheres, também temos atitudes machistas.


TETECA — A gente vacila pra cacete!


BETH — Mas como foi a pergunta? Se eles são machistas ou feministas?


PLAYBOY — Se são machistas. Feministas, nós sabemos que eles não são.


BETH — Pois o meu não é machista. Ele pode não ser feminista, mas não é machista, na medida em que procura derrubar os conceitos que sempre teve.


PLAYBOY — Já que você mencionou as mulheres que têm ''atitudes machistas", Danusa Leão, nossa entrevistada de janeiro, começou dizendo que "morria de rir das feministas" e depois assumiu várias posições que concordam com as de vocês. Ela estaria nesse caso?


HILDETE — Seria interessante explicar por que ela morre de rir. Porque ela tem na cabeça dela um clichê. Ela acha que, por ser feminista, eu tenho que ser mulher-macho. Mas não é só ela. Várias mulheres defendem as nossas mesmas bandeiras e dizem que não são feministas...


TETECA — Claro, a camisa aperta!


BETH — Mas elas não têm culpa, porque a imagem que passaram para elas foi terrível.


PLAYBOY — A culpa dessa imagem não terá sido das primeiras feministas, que radicalizaram certas posições?


HILDETE — Mas essa radicalização era a busca da identidade do movimento. Então, quando as feministas americanas foram para a rua queimando modess e sutiãs, era para marcar o pólo da dominação, da opressão. Mas não se pode tratar o feminismo só por esse clichê.


PLAYBOY — Por que as feministas queimaram sutiãs?


TETECA — No início do século, os operários quebravam as máquinas. E, nos anos 60, as feministas queimavam sutiãs nas passeatas.


PLAYBOY — Por falar em radicalização, existem lésbicas entre vocês, digo, dentro do movimento?


HILDETE — Já existiram. Quando o movimento começou no Rio, houve uma tremenda discussão de um grupo de lésbicas com o pessoal que estava iniciando o Centro da Mulher Brasileira, e elas acabaram se retirando. Talvez tenha sido uma incompreensão nossa do problema, mas elas saíram. Se voltaram, foi individualmente, não enquanto grupo.


PLAYBOY — Mas elas não deveriam ser uma bandeira para o movimento?


TETECA — É, mas o movimento feminista reflete muito a sociedade em que a gente vive, né? E é uma sociedade bastante conservadora em relação ao homossexualismo.


CHRISTINA — Mas, entre nós, não deveria haver discriminação. Cada um dá o que é seu e para quem quiser.


PLAYBOY — Mas o problema entre vocês e as lésbicas envolveu discriminação?


HILDETE — Envolveu discriminação, claro. Foi no início de 1975, o movimento estava começando e, naquela época, misturar feminismo com lesbianismo tornaria mais difícil atingir uma grande massa de mulheres. Ia entrar no clichê de que "feminista é sapatão". Então, houve uma radicalização de ambas as partes e elas saíram.


PLAYBOY — E agora, vocês pretendem tomar alguma atitude?


HILDETE — De jeito nenhum. Cada um trepa com quem quiser.


PLAYBOY — Não, não. Digo no sentido de trazer as moças de volta para o movimento.


BETH — Não somos contra, mas também não vamos bater na porta. Acho que caminhamos lado a lado e há um espaço para elas dentro do movimento.


TETECA — Mas que tem que ser conquistado. Não acho que tenha que ser dado, não.


CHRISTINA — Depende do objetivo delas. Se elas forem lésbicas sem serem sexistas, estamos abertíssimas. As sexistas acham que o opressor é o homem e lutam contra ele, pura e simplesmente. Nós achamos que o opressor é a sociedade, que não permite à mulher nem o direito ao aborto.


PLAYBOY — Mas tem permitido, ultimamente, discutir a sua legalização. Há quem ache que essa abertura para a discussão do aborto seria uma estratégia do governo para que não se discutam coisas mais desagradáveis.


HILDETE — Olha, dizer que o aborto não é uma discussão prioritária seria um pretexto bobo para não se discutir o assunto. O problema mais sério da população brasileira é a fome, e isso nós estamos carecas de saber. Mas as pessoas têm fome e também fazem aborto. E, se as estimativas estão certas, o Brasil tem um dos índices de aborto mais altos do mundo. Isso é uma conseqüência, inclusive, da fome, da saúde precária da população, da falta de condições sanitárias. E essas mães fazem aborto, não porque sejam desnaturadas, mas porque não têm condições de educar esse filho.


CHRISTINA — Eu acho que, ao governo, pode até interessar no momento a discussão do aborto, mas não será por isso que a gente vai lutar contra a legalização. Vamos continuar discutindo, sim, para evitar que saia o aborto que interessa ao governo.


PLAYBOY — Qual é a sua proposta?


CHRISTINA — Nós queremos o aborto gratuito, feito pelo INAMPS, através da rede hospitalar do Estado, para que toda a população tenha acesso.


TETECA — E que venha junto com uma conscientização da mulher em relação aos métodos anticoncepcionais, e que inclusive se esclareça à mulher como ela pode evitar o aborto.


CHRISTINA — Exatamente, para que o aborto não pinte para ela como um método anticoncepcional. Nenhuma mulher gosta de fazer aborto. Eu disse nenhuma. Agora, a sociedade não pode dizer para uma mulher que ganha salário mínimo: “Não faça aborto, tenha o seu filho”. De que adiantou? De cada dez mulheres no Brasil, praticamente sete já fizeram aborto.


PLAYBOY — Alguma de vocês já fez?


HILDETE — Eu nunca fiz.


BETH — Eu já.


TETECA — Já. Dois.


CHRISTINA — Dois.


LEONOR — Também já fiz.


BETH — No Brasil, a legislação diz que só a mulher é criminosa por fazer aborto. É um absurdo. Ela não fez o filho sozinha, cabe a ela a decisão de ter ou não o filho, e ela é a criminosa. Isso tem um caráter de discriminação sério, que estamos brigando para fazer cair.


PLAYBOY — Que medidas concretas vocês têm tomado a respeito da legalização?


HILDETE — Bem, para começar, todos os movimentos feministas brasileiros se uniram com uma bandeira unitária. Temos publicado brochuras, estamos fazendo campanhas de esclarecimento, promovendo grandes reuniões, como a do Dia Internacional da Mulher, a 8 de março, e a grande jornada do dia 28 de abril, que, a partir de agora, é o Dia do Aborto no Brasil. Além disso, procuramos o deputado João Menezes (PP-PA), que já tem um projeto de legalização, e ele se mostrou bastante receptivo a que fizéssemos as modificações que desejássemos.


BETH — O fato é que a pressão está funcionando, porque, sem o trabalho das feministas, o governo dificilmente passaria uma lei como essa.


HILDETE — Nós temos plena consciência de que não é à toa que os meios de comunicação, que sempre nos gozaram, estão se abrindo para nós. Temos conquistado espaço na grande imprensa, e até a televisão está se interessando pelas nossas bandeiras, como no programa Malu Mulher.


PLAYBOY — O que vocês acham de Malu Mulher?


TETECA — Eu acho que a mulher normal não se identifica com o programa por um simples motivo: a Malu não tem problema de dinheiro. Isso é flagrante. Ela enfrenta uma série de problemas reais da mulher descasada, mas em momento algum se coloca o problema da pensão, do sustento dos filhos. Além disso, ela é socióloga. Ora, socióloga nenhuma tem aquela casa. A maioria está é desempregada!


HILDETE — De qualquer maneira, eu acho o programa excelente e uma grande vitória para nós, mulheres.


PLAYBOY — Nos parece que muitas mulheres se deixam entusiasmar pela pregação de vocês, mas não se animam a participar efetivamente do movimento como militantes. Por quê?


TETECA — Porque é difícil mulher participar de qualquer coisa mesmo. Não participa do movimento feminista, como não participa do movimento sindical, enfim não participa politicamente da sociedade. Mulher, para ir a uma reunião, tem que deixar os filhos em casa sozinhos ou se arriscar a levar bronca do marido quando volta, isso quando ele não proíbe que ela vá. Há toda uma pressão em cima da mulher para que ela não participe. E não é só aí, não. O próprio Lula já barrou a entrada das feministas no primeiro congresso dos metalúrgicos, sob a alegação de que elas iriam desvirtuar...


BETH — É, mas a gente não estava lá para saber se, do ponto de vista político...


HILDETE— [interrompendo.] Barrou porque barrou mesmo, Beth. Não é porque o Lula é o Lula. Ele não é nenhum santo!


LEONOR — Eu acho que está se querendo aqui resguardar a imagem do Lula. A gente não desconhece o valor dele, mas, se todo homem tem posições machistas, ele não pode ser diferente.


PLAYBOY — Vocês costumam experimentar na prática essas discriminações? O que acontece quando uma de vocês entra desacompanhada num bar ou restaurante, por exemplo?


HILDETE — A gente se sente mal. Houve um caso incrível no começo do ano, aqui no Rio. Uma amiga nossa estava no Degrau com outras moças, quando um sujeito numa mesa ao lado começou a dizer gracinhas. Ela respondeu, mandando que ele parasse, e o cara bateu nela em pleno Degrau. Sabe o que a gerência do Degrau fez? Mandou que elas saíssem!


TETECA — Além disso, há bares que não recebem mulheres desacompanhadas, de jeito nenhum.


HILDETE — Estamos até pensando em ir a alguns deles num batalhão e, se nos barrarem, vamos fazer um auê, chamar a polícia, o diabo!


PLAYBOY — Bem, concretamente falando, o que vocês acham que o homem devia fazer para se convencer de que essa nova mulher que está pintando não é uma ameaça para ele?


BETH — Precisa ter coragem de discutir esse problema com a mulher. Perder o medo e discutir.


HILDETE — Mas o medo dele é de perder alguns privilégios.


PLAYBOY — É. Por que um homem se sentaria a uma mesa com uma mulher para abrir mão de privilégios que levou dois mil anos para conquistar?


CHRISTINA — Porque a perda de determinados privilégios vai permitir uma relação de igual para igual, e o homem vai poder parar de representar determinados papéis, que são pesados também para ele. Ou seja, o papel do dominador, do machão, do cara que tem todas as respostas. Mas ele tem medo de perder isso.


PLAYBOY — Na opinião de vocês, ele vai perder isso para quem? Para as feministas ou para a nova mulher de que falamos?


TETECA — Mas essa mulher tem a ver com o movimento feminista pra burro! O movimento feminista não está solto no espaço, não, nem é apenas um conjunto de militantes. Ele está expressando a consciência de um conjunto de mulheres, e é a pressão dessas mulheres que faz com que ele exista. E não são só trinta mulheres, porque, se fosse, os homens podiam rir. Mas eles estão com medo, estão ameaçados! Se são só umas mil mulheres organizadas hoje, são muitas mais ouvindo, pensando a respeito e achando que a gente tem mais é razão, mesmo. Podem não entrar agora para o movimento, mas vão entrar daqui a dois ou três anos!


PLAYBOY — Caramba! E como é que vocês estão se organizando?


HILDETE — Todos os sindicatos estão criando os seus departamentos femininos, na maioria dos Estados. Os dos metalúrgicos, dos professores, dos bancários e até dos jornalistas. E não é por imposição da diretoria, não, mas por uma pressão que vem de baixo.


PLAYBOY — Quer dizer que o movimento feminista, no Brasil, está se tornando uma potência?


LEONOR — Ainda não, porque é composto basicamente de mulheres a partir de 30 anos, como nós dissemos.


TETECA — Mas as que estão na faixa dos 20 já estão sendo mobilizadas. E é ilusão vocês acharem que essas carinhas estão transando numa boa.


PLAYBOY — Não estão transando numa boa?


TETECA — O fato de estarem transando mais do que a gente não significa que estejam transando sem culpa.


CHRISTINA — Exatamente. Segundo o Relatório Hite, o trabalho se tornou uma coisa tão monótona que o capitalismo teve de procurar uma outra válvula de escape. Então ele estimula o pessoal a trepar. E, se a mulher não trepa, pô, é porque é boba, deve ser ruim de cuca. "Mas como? Então você não trepa?" A mulher passou a desempenhar um outro papel, o de ser obrigada a trepar. Porque, se ela não trepa, deve ser reacionária, tem problemas, o escambau. Há uma falta de liberdade de dizer não. E é preciso ter a liberdade de trepar ou não, de só ir quando quiser. Não é porque eu vou com um cara ao cinema que esse programa tem que acabar na cama!


TETECA — E o homem devia ter essa liberdade também, porra. Tem uma hora que ele devia dizer: "Não. Com essa mulher eu não vou trepar, obrigado".


PLAYBOY — É raro, mas acontece. Como diz um famoso psicanalista aqui do Rio, o dr. Eduardo Mascarenhas...


TETECA — [rindo] "Mascaralho." Ele é mais conhecido como "Dr. Mascaralho", porque incentiva o erotismo dos que são analisados por ele.


PLAYBOY — Deixa pra lá. Vocês têm sentido na prática que o homem está com medo de vocês?


TETECA — E como! Porque ele sabe que, finalmente, está transando com uma mulher que não está esperando tudo dele, que não está passiva. O homem está com medo de que, quando acabar, a mulher diga: "Olha, foi uma merda. Eu não gostei".


PLAYBOY — Vocês não acham falta de educação dizer isso?


TETECA — Não, é de uma honestidade fantástica! Mas a mulher pode dizer também: "Olha, não foi bom. Vamos procurar um jeito de ser melhor". Isso faz parte da relação dos dois, e, se eles não se integrarem, não vai acontecer nada. Não adianta a mulher ficar esperando pelo Super-Homem.


LEONOR — É por isso que tem tanta impotência por aí. Na realidade, a impotência é apenas o fato de o homem não estar com vontade. Mas nunca é dado ao homem o direito de não estar com vontade. Não, ele tem que cumprir o papel, como se diz.


BETH — E essa é uma bandeira que os machos deviam reivindicar: o direito à impotência!


LEONOR — Esse medo do homem é muito pelo desconhecimento que ele tem do que as mulheres estão propondo, principalmente por intermédio do movimento feminista. O homem insiste em ser o dono não só do corpo da mulher, como também da personalidade dela, até anulá-la por completo. Mas isso não é benéfico para ninguém. Então a proposta nova do movimento seria uma relação diferente, que seria boa também para os homens, mais tranqüila, muito mais gostosa... E quando o homem descobrir isso, vai ser ótimo...


PLAYBOY — Quer dizer que vocês estão fazendo aos homens uma proposta irrecusável e eles, babacamente, estão recusando?


CHRISTINA — Babacamente, não. Humanamente. É o medo do desconhecido.


PLAYBOY — Mas, como ficou demonstrado, descobrimos que o machismo não é um problema apenas dos países capitalistas, porque nos socialistas ele também ocorre. Nem é apenas uma característica do subdesenvolvimento, porque nos países superdesenvolvidos ele também existe, embora em menor grau. O machismo não será uma coisa inerente ao homem?


CHRISTINA — Não. A destruição dele é apenas "a revolução mais longa", como disse uma feminista famosa. No caso do Brasil, a gente não descobriu isso agora. A gente já sabia. Mas ninguém vai pegar a gente de surpresa porque já estamos cuidando disso.


PLAYBOY — Quer dizer que o negócio é "Homens, se cuidem!"


CHRISTINA — Não. É "Homens, eduquem-se".


PLAYBOY — E como vai a educação dos maridos de vocês? Algum deles ajuda a dividir o trabalho doméstico?


HILDETE — O meu ajuda bastante.


PLAYBOY — Qual o marido de vocês que lava pratos?


HILDETE — O meu.


CHRISTINA — O meu, também.


BETH — O meu, freqüentemente. E também cozinha muito bem.


LEONOR — A verdade é que, se acabassem com as empregadas domésticas, haveria uma revolução feminista no Rio de Janeiro. Todas as mulheres se converteriam.


PLAYBOY — Apenas para encerrar: vocês não estão mortas de vergonha, pelo fato de serem cinco mulheres contra apenas um entrevistador?


TETECA — [rindo] Estamos com muita peninha. Você quer que a gente faça alguma coisa por você?


PLAYBOY — Obrigado, bonecas.


POR RUY CASTRO

FOTOS SÉRGIO SBRAGIA


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