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BETTY LAGO | DEZEMBRO, 1995

Playboy Entrevista


Uma conversa franca com a top model que virou atriz da Globo

sobre beijos nas novelas, fãs pirados, fofocas da moda

e namorados mais jovens.


Churrascaria Plataforma, Leblon, Rio de faneiro. Onze e meia da noite. Um cavalheiro de inconfundível ginga carioça aproxima-se daquela que é hoje, à falta de Tom Jobim, a mesa mais ilustre do restaurante. "Retinha, Retinha meu amor", exulta o cidadão, crispado de intimidade, apressando-se em puxar o braço direito da citada moça em sua direção e despejando na mão fina e alva dela — que mão! — uma saraivada de beijos quase pornográficos. O animado conquistador apresenta suas credenciais: associação das favelas do Rio, alto dirigente, modestamente a seu serviço. Sempre com a mão direita da moça presa à sua, ele diz: "Tesão essa menina, né não?" E completa, com atordoante sinceridade: "Só mesmo um boiola para não achar essa menina um tesão. Mas uma voz característica, do outro lado da mesa ilustre, prontamente contesta: "Quê quê issshhhto? Eu sou boiola e acho ela um tesão.

Este é o Brasil, genuíno, espontâneo, no qual a international Betty Lago acha graça. Três anos atrás, o alvo, ou vítima, do, vá lá, galanteio foi arrancada das passarelas internacionais para servir de ornamento de luxe de um seriado da TV Globo assinado pelo seu amigo Gilberto Braga, eterno candidato ao Prêmio Noel Coward da teledramaturgia. Morava em Nova York, brilhava no circuito saisons-maisons (Montana, Valentino, Armani, Gaultier, Mugler, Kenzo, Donna Karan, Yamamoto etc), frequentava aulas de teatro na New York University e não tinha a menor ideia de quem era o ministro da Fazenda do Brasil. Veio e, sem perder a allure e sem renunciar à distância quilométrica que sempre existirá entre uma Betty cosmopolita (Betí, oxítona, na França, ou Béri, como pronunciam na América) e uma Beth quase banal, ela contorceu as expectativas da telinha e triturou os corações. Vale a pena ver de novo a Nakilia, do seriado Anos Rebeldes, roubando a cena, com a serena segurança de atriz feita. Até um crítico impiedoso como Telmo Martino capitulou. "O que é que a TV brasileira andou fazendó esse tempo todo sem Betty Lago?" — perguntou Teimo.

De repente, a top model. que veio do frio, aquele talento de comediante e aquele nariz de Afrodite, monumento nacional que devia ser tombado pelo Patrimônio da Humanidade, mostraram que chegaram para ficar. A TV iludiu-se com a deliciosa ideia de ter-se tornado mais inteligente, mais elegante e mais bela com uma atriz que tem endereço no Gramercy Park e já jantou com David Bowie. Mas Betty Lago não é do tipo de se seduzir com aquele elogio do tipo "quem diria, hein? Fica quase ofendida. "Eu sempre soube que sou boa no que faço", é a resposta de uma impenitente perfeccionista, traço esse tão marcante nela quanto seu perfil grego. Paparicada pela Globo e pelo ibope, concedeu um bis à telinha na pele da Vicky de outra minissérie, Sex Appeal, mas caiu no gosto do público, de verdade, foi com a hilária Abigail da novela Quatro Por Quatro. É com a escrachada Bibi, nunca com a inacessível Betty, que o povão, na rua, no restaurante, costuma tomar suas liberdades. "Minha mãe iria gostar de ver outras pessoas rindo das palhaçadas como as que eu fazia em casa", lamenta, sem um pingo de melodrama.

Em abril, auge do sucesso da Abigail, não era a popularidade que lhe subia à cabeça e, sim, um tufo de penas esquisitas plantadas por Jean-Paul Gaultier para seu desfile semestral, em Paris — recaida da modelo Betty Lago, ou talvez a oportuna lembranca de que, onde quer que esteja, mesmo com um tufo de penas na cabeca, ela sempre estará em forma. Só não foi a Milão fazer Moschino, em outubro porque andava muito assoberbada com o trabalho. Nos bastidores do TV, a caloura Betty Lago ja construiu uma lenda. Ela não é uma atriz, ela é um elenco. Rigorosa, mas debochada, detalhista, mas cética, irreverente, mas generosa, ela não é de economizar nos sentimentos. Sofre, ri, grita, escuta, cobra, aporrinha, briga, defende, ama, odeia, trabalha, diverti-se. Em Quatro por Quatro, ela tinha de contracenar, certa vez, corn Helena Ranaldi — na época, namorada, hoje mulher, do diretor Ricardo Waddington. Locação ao ar livre, em Manaus. A equipe técnica atrapalhada com os fios, as luzes, os rebatedores. Betty, só olhando. De repente, o grito: "Gravando". Ela, Betty: "Gravando, coisa nenhuma". Surpresa. "Luz so pra ela?" — gritou, apontando para Helena. "E eu? Eu fico com quê? Estou nas trevas, nas trevas..." Gargalhada geral.

A carioca Betty Lago tem 1,77 metro de altura, cabelos castanhos claros (agora, louros e cortados curtinho), 40 anos, uma filha de 23, Patrícia, de um primeiro (e precoce) casamento corn João Netto, e um filho de 16, Bernardo, com o ator Eduardo Conde. São mais de vinte anos de estrada. Está solteira. O que não significa obrigatoriamente – como ela própria avisa – que esteja disponível. Como o metalúrgico Lula, a top model Betty só terminou o ginásio. Quem a conhece sabe que a finesse e o glamour que as pessoas vêem nela, por fora, nascem de sutis atributos que estão bem fincados lá dentro. Para entrevistá-la, PLAYBOY enviou ao Rio o editor senior Nirlando Beirão. Seu relato:

"Ninguém passa impunemente por uma entrevista com Betty Lago. É como entrar, de repente, numa comédia de Feydeau. O cenário de boa parte do entrevista foram duas acanhadas salas da produtora na qual ela cria, edita, sonoriza etc. seu programa semanal de moda e beleza, GNT/Fashion, do Globosat. Papéis pregados na parede, um micro do período Paleolítico, telefones freneticos e a chefa tresloucada regendo uma espécie de cancan vertiginoso em cujo chorus line estão a Liliane, a Patrícia, a Luísa, a Sandra — a equipe dela. A uma distância esperta, Lula, o redator, refugia-se do matraquear feminino com providenciais fones de ouvido. Betty fala, interrompe, é interrompida, pergunta, pede palpite. A entrevista é um livro aberto. Betty Lago é um livro aberto. Talvez a única pessoa que já entrevistei que jamais disse talvez. Raras vezes diz 'eu acho'. Já achou. Mas usou e abusou, em mais de 6 horas de picotada entrevista em três sessões diferentes, de um interessante recurso cênico: pontuou suas observacões com a sobrancelha. Nem ator de cinema mudo consegue conferir tanta expressão a uma sobrancelha. Interrupcão tipica: chega uma dos meninas, com cara desamparada. "Problema?" — antecipa-se a chefia. "É que fulaninho disse que a fita..." (Fulaninho quase sempre é um fulanão.) Betty pede: "Liga pra ele". Liga. No ato. "Olha aqui: quem é que disse que a fita..." Ela diz que esse é o jeito americano de lidar com as coisas e as pessoas. Modéstia dela: esse é o jeito Betty Lago de lidar com as coisas e as pessoas.

"Ela gosta muito de cinema, assiste com olhos de gato ao desempenho de tal e tal ator, ou atriz, e na escuridão da sola ela se deixa levar por um sonho muito possível. Eu revelo. Com licença de Telmo Martino, vai chegar o dia em que se perguntará: o que Hollywood andou fazendo esse tempo todo sem Betty Lago? Atuar, ela sabe. E o inglês dela é melhor do que o de Henry Kissinger — ou, se vocês quiserem, o de Sylvester Stallone. Betty gosta também de literatura. Contou que, um dia, descobriu o livro O Jardim do Éden, obra postuma de Ernest Hemingway. Comecou a ler. Texto esperto, seco, cortante. Hemingway da melhor safra. Amor, relacionamentos. Ela se deixou envolver. Mas, aí, a história ia se complicando. Ela ficava aflita e fechava o livro. Retomava dias depois. Mais dificuldades — e ela, de novo, escapulia. Mas a história a convocava, sedutora, e arrastava-a, pelas mãos, pelos olhos, pela alma, ao final. Betty não aguentou. Fechou o livro, de uma vez per todas, escondeu-o, fez questão de perdê-lo. Nunca saberá como termina a história. Mar, afinal, para que saber como terminam as histórias?"


PLAYBOY: Depois de três anos de Brasil, como anda o seu português?

BETTY LAGO: [Dando uma gargalhada.] A gente não perde, né? [Séria.] Mas tem coisa que você não consegue falar em português porque vem em inglês. Eu tenho sonhos em inglês. Afinal, é muito tempo fora. Dez anos. PLAYBOY: Sonho em inglês é de melhor qualidade?

BETTY: [Empolada.] Bem, tecnicamente falando, eu diria que... Você sabe que o cinema americano está meio caído... [sobrancelha irônica]. O lado criativo vai mal... [Ficando séria.] Inglês é uma língua fácil, especialmente o americano. Tenho um bom vocabulário. Tem palavras que chegam mais rápido, ou mais fácil, em inglês. Existe um folclore a meu respeito. O [jornalista do revista VEJA] Alfredo Ribeiro escreveu que eu sofro da síndrome de Gerald Thomas...

PLAYBOY: No bom sentido, naturalmente...

BETTY: É que, de cada dez palavras, duas são em inglês. De todo modo, acho que meu português vai bem, vai bem, sim [sobrancelha de interjeição].

PLAYBOY: Depois de dez anos fora do Brasil, o que sobrava de Brasil para você?


BETTY: Pouco, muito pouco.


PLAYBOY: Nenhuma saudade do feijão e da caipirinha?

BETTY: Nenhuma. Na verdade, so passei a conviver mais com os brasileiros depois que o Nelson [Motto, jornalista, produtor musical e compositor] foi morar em Nova York. O trabalho dele é muito ligado ao Brasil, e ele é muito ligado ao Brasil. Ele sublocou meu apartamento e fiquei hóspede dele algum tempo. Nessa época, 1992, eu estava vindo trabalhar no Brasil. Foi quando o Gilberto [Braga] me convidou para fazer [a minissérie] Anos Rebeldes. Voltei em 1993 para fazer Sex Appeal. Esta agora é minha maior temporada de Brasil. Mas continuo tendo minha casa em Nova York.

PLAYBOY: Espera aí: você e o Nelsinho Mona moraram juntos?

BETTY: Sob o mesmo teto, sim, por um tempo. Nada mais do que isso [sobrancelha de exasperação]. No momento do convite. eu hesitei. Pensava, "pôxa, metade da minha existência eu passei fora do Brasil... Você fica mais enraizado onde está do que no lugar de onde você vem. Nunca tive muito essa preocupacao de roots, não. Taí, não falei? A primeira: roots... Primeira de uma série de mil.

PLAYBOY: Eu traduzo: raízes.

BETTY: Raizes... Nunca tive preocupacão, não. O que interessa em determinado lugar interessa independente de você ter nascido lá ou não. Esse falso patriotismo, essas coisas [fazendo a caricatura do um torcedor de futebol] "aahhh, eu sou brasileiro". Isso so vale para quando você se dá bem.

PLAYBOY: No mundo da moda e das passarelas, como é isso? Você é Betty, a brasileira, ou Betty, a internacional?

BETTY: No início, identificam, sim. Só com o tempo você adquire uma personalidade mais internacional, pela for­ma como você se veste, como se com­porta... Você se reeduca, de uma certa forma. Passa a seguir os padrões do local em que está. Você fica interconti­nental [pronuncia em inglês].


PLAYBOY: A impressão é que, corn honrosas exceções, a moda gosta de gosta de um só padrão de beleza. Que as top models tenham o mesmo tipo, venham elas da Polônia, dos Estados Uni­dos ou do Brasil, é verdade?


BETTY: Depende... [pausa]. No meu caso, eu acho que... os meus traços... Tinha sempre alguem dizendo: "Ela é brasileira? Ah, é? Não parece..." Porque existe essa ideia generalizada de que brasileiro é moreno, ou mulato, ou índio. Eu tinha um tipo bem europeu.

PLAYBOY: Seu primeiro trabalho internacional foi quando?


BETTY: Foi em 1979. Eu ainda estava casada com o Eduardo [Conde]. A gen­te foi passear na Europa e levei meu book. Fui a um desfile e no camarim um cara veio falar comigo, mas eu não levei fé, não. Aquela coisa meio italiana, assim... [irônica]. Achei meio papo ­furado. Ele me deu o cartão. Eu mos­trei para o Eduardo. A gente ia a Paris, ia começar a temporada de desfiles, o Eduardo viu o cartão e disse: "Milão... Por que não passar em Milão?" Fui até lá, entrei na agência, ele não estava e a sócia dele não gostou de mim. Mesmo assim me deu uma lista: vai lá, faz esses castings aí... Naquela época, o Eduardo fazia os castings pra mim [ri]. Quer di­zer. era ele quem se apresentava na agência, vendia o peixe, "ah, ela é ma­ravilhosa, não é?" Eu vestia as roupas, desfilava... Peguei onze desfiles.


PLAYBOY: De cara?


BETTY: De cara. A mulher da agência tomou um susto. Aí, me ajudou o fato de ser brasileira. A gente tem um suingue... Não?


PLAYBOY: Claro...


BETTY: ... um corpo diferente, um jei­to... Nesse aspecto, é bom ser brasileiro, né não? A gente é mais light. Aqui não tem guerra, não tem porra nenhu­ma. Aqui, há outras coisas que pode­riam pesar, mas não pesam. A gente é muito mais bem-humorado, muito mais contente corn a vida. A gente é di­ferente... Aí, depois de Milão, ganhei uma grana, cheguei em Paris e foi a mesma coisa. Já estava tarde pars a sai­son, ainda fiz urn desfile, mas tinha de voltar, estava com filho pequeno. Não fiz a saison seguinte, mas voltei um ano depois. E as pessoas me diziam: "Pô, está todo mundo louco por você". Eu: "Ah, é?" Você se assusta um pouco... Do Brasil, o mundo parece distante. Quando você vai entrando, percebe que é perto.


PLAYBOY: Você disse que ganhou uma grana. O que era ganhar bem na­quela época?


BETTY: Naquela época? [Pensa]... Sei lá, uns 400 dólares por dia.


PLAYBOY: O que é ganhar bem hoje?


BETTY: Ah, depende da pessoa... Por exemplo, quem?


PLAYBOY: Uma top model internacio­nal. Por exemplo, Betty Lago...


BETTY: Ah, a Betty Lago faz poucos desfiles, ultimamente. Fez o Jean-Paul Gaultier, no início do ano... [desponta a sobrancelha autoritária]. Não gosto de falar de dinheiro. Acho estranho.


PLAYBOY: E do dinheiro das outras? Vamos lá: Cindy Crawford. Quanto ga­nha por um dia de trabalho?


BETTY: Dez mil dólares, às vezes 13.000, pode chegar a 20.000, depende do cliente. Se é o Versace, ele contrata a Cindy Crawford para fazer um desfile, com exclusividade, ela chega lá no ca­marim, catch the money, e imagine o que aquilo nao dá de retorno na mídia, quantas capas de revista. Versace pode pagar 50.000 que vai ter um retorno de, sei lá, 2 milhões de dólares. A moda mo­vimenta muito dinheiro hoje em dia.


PLAYBOY: E no Brasil? Com essa sua imagem de mulher fina e chique, você virou uma espécie de consultora de glamour, não virou?

BETTY: Consultora de glamour? [Ri.] Taí, gostei [sobrancelha de ironia]. É, tem o lado das pessoas que querem me ver pessoalmente, você sabe que televi­são significa uma audiência de 120 mi­lhões de pessoas, né? Não dá para esquecer. Associada a isso tem a questão da moda, que é um assunto que está in­teressando mais e mais as pessoas. Na semana passada, fui a Uberlândia [MG]. O pessoal que faz a assessoria de marketing de um shopping me convi­dou. Porque meu programa é visto lá, porque sou a pessoa que sou, pela novela, pela vida. Acharam que eu tinha autoridade suficiente para falar sobre moda. Eles desbundaram. Esperavam uma coisa, falei outra. Moda, para mim, é totalmente descartável. Não si­go padrões. Faço porque gosto, mas não sou escrava. Sou totalmente contra essa ditadura da moda.

PLAYBOY: Era o quê? Uma palestra?

BETTY: É, uma palestra, um workshop para lojistas. Mas aí tem uma foto, um autógrafo, a fila, as pessoas ficam excita­das, começam a te pegar, depois pedem, "um beijo, um beijo", e você aceita, e ai não aguento mais [grita] "ai, chega de beijo, vamos parar..." E ficam falando, "pô, mas a Betty Lago é uma chata"...


PLAYBOY: Foto, autógrafo, um cara te convidando para jantar...

BETTY: Não, eu voltei no mesmo dia. Bem, se eu ficasse, até que poderia rolar, por que não? [Sobrancelha maliciosa] Mas, não. O mais interessante é aquilo do feedback das pessoas. A rapidez que você tem de ter com as perguntas e respostas. Num Lugar totalmente estranho. No início, as pessoas estavam um pouco intimidadas. Aí, ficaram mais relaxadas.

PLAYBOY: Você assusta as pessoas?


BETTY: Acho que sim.

PLAYBOY: Isso é bom?

BETTY: Não me preocupo, não [gargalhada]. Ehhh... [pensa]. Todas as pessoas que não põem panos quentes na vida e que não são de meias palavras, todas as pessoas que são objetivas devem sofrer esse tipo de reação. Você fala o que pensa — claro que você fala demais, claro que você se expõe demais. Na realidade, sou muito mais susceptivel de ser atacada do que de atacar. Se sou aberta, sou aberta e ponto. Tudo o que vem, vem corn a mesma força do que vai, não é? Na mesma proporção [sobrancelha de indefesa]. Quem tem medo de mim não percebeu que a medida é a mesma.

PLAYBOY: Mais especificamente: os homens tern medo de você?

BETTY: [Desdenhosa.] Again and again. Você quer alguma coisa que não te quer como você é? Eu não. Então, tô com medo? Então, vá pra porra. Some, tem paciência... Prefiro estar cercada de pessoas que sejam inteligentes, que tenham perspicácia, que tenham alguma coisa para dizer... que sintam realmente... Não tô preocupada, não.

PLAYBOY: Explico melhor: medo do mulherão. Acontece?

BETTY: Acontece o tempo todo. É porque sou assim meio free controller. As coisas que eu faço, eu faço. As coisas que eu quero, eu quero. Tendo a ter mais certezas do que dúvidas. Não sou do tipo "será que é isso que eu quero?" [Sobrancelha enfática.]

PLAYBOY: E o que você quer?

BETTY: Como assim?

PLAYBOY: Na vida. Afinal, o que você quer na vida? BETTY: Quero trabalhar. Não sei se quero ser atriz de novelas. Gosto de fazer meu programa. Mas penso também em morar em Nova York. Minha identidade está lá. Tenho uma casa, os móveis são meus, tenho a chave, tenho meu computador. Chego, abro, cumprimento o dono da banca de revistas, faço minhas compras na esquina. Sei lá, é uma sensação interessante andar pela calçada e imaginar quantas vezes você ja andou naquela calçada. As vezes, sonho assim com uma estrutura familiar...

PLAYBOY: Às vezes?

BETTY: É, às vezes, acho que não. Que está legal como está. Às vezes, acho que it's like it's missing something [é como se estivesse faltando alguma coisa].

PLAYBOY: Você falou com o seu namorado sobre isso?

BETTY: A gente conversa sobre muitas coisas... [muda de assunto]. Principalmente no meu trabalho, na televisão, você tem de dizer o que quer. Não tem muito espaço para quem a bom [acentua a palavra bom]. Você não pode dizer "eu sou boa", que eles dizem, "que é isso? que coisa ridícula". Mas você é boa, não é? Mais low profile do que eu, puta merda, não vai dar. Mas também não tenho o menor medo de dizer: sou boa, acabou. "Ah, mas você se acha um estrela?" Não, não me acho.

PLAYBOY: Alguma vez você tem medo?


BETTY: Claro, bastante.

PLAYBOY: Sua estréia na TV, por exemplo. Você chegando dos Estados Unidos. Primeiro dia de gravação. Você teve medo?

BETTY: Huhhhnnnn.... [pensa].


PLAYBOY: Foi na Central do Brasil, não foi? Só isso já dá medo, não dá?


BETTY: Huuuhhnnn... [sobrancelha enigmática].

PLAYBOY: Chovia, né?

BETTY: Chovia. Como é que você sabe? [Surpresa.] O primeiro dia foi tenso, mas mais tenso foi o dia do teste. Quando, a convite do Gilberto [Braga], vim fazer o teste. Quando está longe, você passa a ter uma visão muito deturpada das coisas do Brasil. A Globo [ênfase], essa coisa toda. Tinha uma ideia com-ple-ta-men-te diferente. Nunca imaginei que tinha tanta gente, que rolava tanta coisa, entendeu? Achava que ia entrar num estúdio de Hollywood. Cheguei aqui ansiosa, decorei texto, tanto mais eu decorava, mais eu esquecia. Sabe quando você não quer errar nada, nada, nada? Não errar uma palavra? Eu tinha uma dificuldade muito louca de decorar em português, porque tinha estudado acting dois anos em inglês. Então, eu não entendia a pontuação do texto. Um dos exercícios de acting e de speech é você falar textos em voz alta. Você vai lalarilala [ence­na]. Lê em voz alta. Lê, lê, lê e lê. Eu lia em português e dizia: "Ai, eu não sei fazer, ai, não vou dar conta, não es­tou me entendendo". Aquilo virou uma folha de papel cheia de letras, sem emoção. Daí, fui fazer o texto. En­trei assim... Esperei tanto, tanto, tanto que fiquei calma [ri]. Cheguei às 11 da manhã, 11 e meia, e fui filmar às 5 da tarde. Deu tempo de dormir, acordar, sentar, levantar...


PLAYBOY: Dormiu?


BETTY: Dormi. Dormi por não ter nada o que fazer.


PLAYBOY: Mas dormir antes de um teste na Globo igual a dormir no divã do analista...


BETTY: Dormi. Deitei assim no sofá [faz o gesto de quem se estica] e dormi.


PLAYBOY: Você é cabeça fresca a pon­to de dormir num divã de analista?


BETTY: [Quase hor­rorizada.] Eu não [desponta a sobrance­lha irônica]. Fui lá uma vez, né? Entrei, ele [o psicanalista] começou a me en­cher o saco, eu disse, "não, não quero isso não" [imitando]. "Mas você não acha que isso é um pouco o reflexo de seu pai?" Eeeuuuu? Falar do meu pai? "Não vim aqui falar do meu pai... Meu pai já morreu. Falar de quem já morreu, por que?" Minha vida é daqui para a frente.


PLAYBOY: Quem era o analista? Aquele tal analista da Globo? O que atende a nove entre dez estrelas?


BETTY: Xiii, nem lembro o nome do cara [pensa]... Não me lembro. Ah, era aqui neste prédio.


PLAYBOY: Ahããã!!!


BETTY: Não vem com interpretação, não. Eu não estou aqui neste prédio por escolha. Mas, enfim, achei muito chato, muito pesado, sala escura...


PLAYBOY: Sentada? Deitada no divã?


BETTY: Sentada, né? Bicho, sou mui­to séria. Estou noutra, não dá. Nem o psicanalista pode se levar a sério, nem ele próprio. [O presidente] Fernando Henrique se leva a sério? Você acha? [Ironiza.] Nem pode se levar. Né, Liliane? [Grita para a outra sala, para alguém da produção.] Né, Lili? Psicanalis­ta pode se levar a sério? [Gargalha.]


PLAYBOY: Ela faz análise?


BETTY: Faz. Ela levou uma gongada, um dia desses. Cinco minutos, e levou uma gongada. O cara mandou ela embora. É lacaniano, tem aquela história de tempo lógico [a sessão de terapia não tem um tempo regular de duração]... Despachou ela [ri]. já rendeu aqui três dias de papo. Tempo lógico? Cada um aqui deu opinião. Imagina a minha. Disse: "Como é que é, Liliane, esse ne­gócio aí de Lacan?" E ela: "E ainda pa­guei..." "O que, Liliane?" Eu quebrava a cara dele. [Encenando.] "Não vou em­bora nem por um cacete. Você vai me ouvir. Estou me repetindo? Foda-se, vo­cê está aí sentado pra isso". Eu ia fazer um barraco. Sentar, falar cinco e ouvir: "Você pode ir embora..." Tempo lógi­co? "Vamos falar de lógica. Aritméti­ca... Matemática... Rene Descartes..." [gargalha].


PLAYBOY: As pessoas passam a fazer análise depois que te conhecem?


BETTY: [Ri.] A Liliane, não. Mas teve um homem que sim, que teve de ir [so­brancelha de má].


PLAYBOY: Você parece não ter os homens em alta conta. Você acha aquela coisa, de que, diante da emancipação feminina, eles estão — como é mesmo? — perplexos, confusos, sem rumo?


BETTY: Se eu acho? ...uhhmmm... [Pensa.] Será? Uhhmmm... Não [com­preensiva].


PLAYBOY: Então, os homens estão fingindo que estão fracos para enganar as mulheres?


BETTY: Não, não acho que fingem, não. Tem neles essa coisa do poder. De estar sempre no poder. O homem já nasce no poder, né? Olha, eu não fico medindo muito essas diferenças, essas distâncias. É meio perda de tempo.


PLAYBOY: Você joga pesado? Digo: nessa coisa da sedução?

BETTY: ... [Silêncio.]


PLAYBOY: Joga.

BETTY: [Casual.] Tem de ser, né? Faz parte, né? Faz parte da minha personalidade. Não é nada estudado. Não consigo. Não consigo nem chorar. Porque acho graça de tudo. Outro dia, eu estava chorando, chorava, chorava, não sabia por que, buábuá, hãhãhã [imita choro]. Aí, entrei no banheiro, olhei pra minha cara, hã hã hã. Aí, cansei [ri]. Sei lá, estava feia pra caralho, chorando. Chorando por quê? Me deu um cansaço... Cansaço físico de ficar chorando. Não vou chorar mais não. Pronto. Parei de chorar. Fiquei rindo. Gente, que cara hor-ro-ro-sa! Estava rouca, já. Toda entupida. Toda congestionada. Hã hã hã [fingindo chorar], não consigo nem respirar [diminuindo o choro]. Não vou chorar mais não [pára]. Não é, petitinha? [Fala com a filha, Patrícia, que acaba de entrar.] Não é? [Fazendo voz de criança.] Personagem não pode aparecer. Tenho um personagem, o Bambam. Pode mostrar, Patrícia? [A filha faz que não.] Olha só pra ela. Taurina. Ela vem assim, rasgando, rannnnnnn...

PLAYBOY: Você é Gêmeos, não é?

BETTY: Ascendente. Como é que você sabe? [Surpresa.] Câncer, ascendente Gêmeos. [Do outro lado da sala, alguém grita que tem uma canceriana em casa.] Como assim? Uma canceriana em casa? "Tenho uma canceriana em casa" [repete em voz alta]. Igual a: tenho um cachorro em casa... Por acaso ela fala? Ela late? [Gargalhada.] Você está vendo? Pra que análise? Aqui tem análise de grupo o tempo todo.


PLAYBOY: Como é mesmo aquela his­tória de as pessoas não se levarem a sé­rio? Adolescente, por exemplo, costu­ma se levar muito a sério.


BETTY: Mas sou adolescente e não me levo a sério. Não sou adolescente, Patrícia? [Para a filha.] Patrícia é mais velha do que eu. Ah é. É minha mãe. Minha filha é minha mãe. Ontem, eu estava aqui no maior fubá, contando um segredo no telefone, aí comecei a falar alto, lembrei que a Patrícia estava na área, pedi: "Sandra, vai lá olhar a Patrícia, senão daqui a pouco ela está aqui me dando bronca". De repente, ela estava olhando para mim assim, ó. [cara de brava]. Moralista, ela...


PLAYBOY: O que é que você faz de errado?


BETTY: O que faço de errado? [Gargalhada.] Você acha que eu quero morrer good girl? Quero morrer bad girl. Tá louco, imagina. Bad girls go to heaven [cantarola]. Aliás, good girls go to heaven, bad girls go everywhere. Mas [fica séria] não são coooiiiisas erradas. São coisinhas. Do cotidiano. Mas que eu não vou te contar, não. Não vou te contar.


PLAYBOY: Vamos falar teoricamente...


BETTY: Não vem me enrolar [ri]. Olha o papo dele: vamos falar em teo­ria.


PLAYBOY: Sei lá, fidelidade. Por exemplo: pequenas traições. Você é a favor ou contra?


BETTY: Pequenas traições? [Pensa.] O que são pequenas traições? Amorosas? Profissionais?


PLAYBOY: Amorosas.


BETTY: Pequenas traições profissio­nais, sou totalmente contra. Pequenas, médias ou grandes. A gente tem de ter fidelidade total no trabalho. As pessoas trabalham com a gente porque que­rem. Então, traição é barra pesada. Mas rola pra caramba, né? [Sobrance­lha enigmática.] Traições amorosas? Se sou contra ou a favor? [Pausa.] Não sei nem se seria essa a colocação. Acho que as coisas acontecem e você se permite ou não, entendeu? [Serena.] E às vezes é mais forte do que você, será? [Ri.] Não sou nem contra nem a favor [séria]. Cada história é uma história. A vida é muito simples e complicada ao mesmo tempo. Tem horas em que você se depara com situações em que você, ai ai ai [amolece], "o que eu vou faz agora"? Você pensa: se faz, tem culpa. Se não pensa, é um ato impensado, aí tem culpa também. Existem traições que são contra você mesmo. Dessas, estou fora.


PLAYBOY: Bem, você contou que estava lá em Nova York e, de repente, se viu fazendo minissérie na Globo. Que achou que ia desembarcar em Hollywood, desembarcou no Jardim Botânico...


BETTY: No Brasil... Fazendo teste...


PLAYBOY: Conta.


BETTY: O Gilberto [Braga] já tinha me convidado. Estava aqui passando férias e ele me ligou, perguntando se e não queria fazer o tal teste. Disse que não. Que não estava a fim de fazer novela. Pelo tempo: oito meses, sei lá. Expliquei que estava estudando teatro em Nova York, que estava muito envolvida, que não podia me afastar de lá oito meses. Mas disse para o Gilberto: "Se algum dia você escrever uma minissérie, eu garanto". Voltei para Nova York e ele terminou [a novela] O Dono do Mundo. Um dia, recebo um recado dele na secretária eletrônica: "Me liga. Me liga a cobrar. Preciso falar com você. Urgente". Foi gentilíssimo. Mandou um fax, dizendo que já tinha conversa do com o Boni [José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, vice-presidente da Globo], que ele achava que eu poderia faze Anos Rebeldes. Me convidava para um teste. Tudo muito gentil. Eu não sabia se o personagem era pequeno ou grande, se tinha diálogos ou não. Aí, ele me mandou os textos por fax. Leu uns trechos ao telefone. Fiquei emocionada até chorei. Eu choro muito. Falei: "Puxa, que bonito!" Desliguei e fiquei com medo: "Que texto grande! Será que consigo? Será que posso passar a emoção que ele me passou?" Fiz o teste e fui aprovada.


PLAYBOY: Teste na Globo, como é?


BETTY: Fiz o teste com a Cacau [Cláudia Abreu], que ia ser minha filha na minissérie. Um diálogo grande. Ia fazer um teste também com o Marcos Paulo, mas ele saiu da minissérie. O Pedro Cardoso estava no estúdio, acabou fazendo o teste comigo. Para o Dênis [Carvalho, diretor de Anos Rebeldes] ver. Sempre fui contra teste. Ninguém vai medir se você é boa ou não é. É só para saber se você cabe no personagem.

PLAYBOY: Por que tinha de ser você? Vir lá de Nova York?

BETTY: Queriam uma cara nova. Televisão tem esse velocidade, essa necessidade de lançar pessoas...

PLAYBOY: Ou era um capricho do Gilberto Braga, ter uma top model internacional, uma mulher fina e chique, uma atriz capaz de saber que Stravinsky não é jogador da Seleção Russa?


BETTY: É, a gente se conhecia há anos, falava sobre coisas em geral, tinha aquilo "ah, você um dia vai trabalhar comigo". E eu dizia: "Que bom, um dia eu vou trabalhar com você!" Na hora, me pegou de surpresa. Ele acreditou na própria intuição. "Ela tem talento. She has to do it".

PLAYBOY: Aí, você fez as malas, fechou a porta do seu apartamento, disse tchau para o seu casamento, tchau para Nova York... Assim, muito simples, muito casual?

BETTY: Eu não tranco portas, deixo abertas. Mas é a minha determinação que vai me levando. Se você me perguntar: "Por que você veio para o Brasil?" Penso na delicadeza do Gilberto. As palavras dele, naquele momento, talvez tenham sido mais importantes do que a ideia de me catapultar para uma fama imediata. Em momento nenhum pensei nisso. Fui muito movida pela emoção e pela necessidade de testar o novo. Um challenge: será que eu posso fazer?

PLAYBOY: Quer dizer, você não pensou: vou ser um sucesso.

BETTY: As coisas óbvias a gente não precisa pensar. Se você trabalha na TV Globo, o sucesso está garantido. Você vai estar na mídia, pelo bem ou pelo mal. E isso tem valor. É igual você ser rechaçado ou você ser aceito. Quem é muito massacrado pela mídia tem peso igual de quem está fazendo sucesso. Chama a atenção da mesma forma.


PLAYBOY: Mas e o casamento? Você estava casada em Nova York. É fácil, para você, ir saindo assim, sem mais?


BETTY: Quando você faz isso é porque já não está tão bem. É complicado. Um dia, o Robert [Kendall, designer de interiores, com quem ela estava morando] veio. Americano, de Nova York. Chegou, foi na gravação da minissérie, ficou assustado... [Muda de assunto.] Quando você faz as coisas com verdade... Passar a verdade é importante. Esteja você acting, ou não. Fiz a novela muito emocionalmente.

PLAYBOY: Parecia que você e a Natália [de Anos Rebeldes] eram uma pessoa só.


BETTY: Nada disso. Eu chorava. Chorava pra caramba. Eu me relacionava com tudo. Não adianta você não querer, mas você acaba relacionando o personagem e a história à sua própria vida.


PLAYBOY: Como era trabalhar na minissérie? Você sentiu que tinha alguém torcendo contra você? Digo: pelo fato de você ser modelo, ser famosa e não ser atriz?

BETTY: Tem gente que torce contra você por inveja, não porque você é modelo ou não é modelo. No máximo, aquela coisa de perguntar: "O que você acha do Victor [Fasano]?" Ou: "O que você acha da Sílvia [Pfeifer] ?

PLAYBOY: O que você acha da Sílvia?


BETTY: O que eu acho da Sílvia? [Pensa.] Acho que ela tem uma carreira diferente da minha. O que eu acho do Victor? Achei bacana ele dar aquela entrevista à VEJA. Corajoso, não precisava fazer. Acho que ele está bem [na novela Cara e Coroa]. Ele é bem [reforça o "é"]. Exatamente o que ele disse à VEJA: "Eu não sei fazer". Mas aí dizem a ele: "Não, mas a gente quer que você faça". Então, ele está dividindo a responsabilidade com um monte de gente que chama ele para fazer. Mas as pessoas criticam. Não me sinto na posição de julgar se é bom ou se é ruim. E difícil fazer televisão.

PLAYBOY: Mas você sabe quando está trabalhando com gente ruim.

BETTY: Você quer saber se já trabalhei com gente ruim? Já. Gente ruim... É como qualquer mídia: ou você dá para aquilo, ou você não dá. Não estou preocupada. Me preocupo com o todo.


PLAYBOY: Quer dizer: você gosta de novela, gosta de fazer sucesso, de ser popular?

BETTY: Todo ator devia fazer televisão. É um exercício maravilhoso você decorar 25 cenas, entrar no estúdio e sentar o pau. Não ter tempo, e ter que fazer o que está fazendo. Sucesso? Nunca trabalhei em novela que não tivesse sucesso. Deve ser muito ruim trabalhar em uma novela durante dez meses e não ter sucesso. É muito desgastante. É um casamento que você tem com as pessoas, seis, sete, nove meses. Se você não está feliz com o que está fazendo, deve ser muito ruim. Você vive em função daquilo.

PLAYBOY: Tem muito ator por aí que se leva a sério, não tem?

BETTY: Como é que você pode se levar a sério pegando um texto e vivendo um outro personagem? Me diga. Não dá! Você pode acreditar na palavra — acredito na palavra — e no talento. Mas não pode se levar a sério. Fica sem graça pra caramba. Mas tem o ator sério, sim [sobrancelha irônica] . "Eu sou um ator" [imita]. Um ator da Globo. Da Globo. Gloooobo. Havia um exercício lá na universidade em que eu tinha de falar those, com esse "o" redondo, those, percebe? Quando cheguei, tinha ator, desses atores da Gloooobo [ironiza], que não me cumprimentava. Cumprimentava os técnicos, o carinha do cafezinho, mas me desconhecia.


PLAYBOY: E você?

BETTY: Sempre dá para lidar com as coisas que são desagradáveis. Eu só conheço uma forma, que é ignorando, não é? Tenho de me preocupar com o que estou fazendo, não com o que as outras pessoas fazem ou deixam de fazer.

PLAYBOY: Entre as atrizes, não há competição?

BETTY: Não.

PLAYBOY: Nunca?

BETTY: Anos Rebeldes, por exemplo, tinha a Cacau [Cláudia Abreu], a Malu [Mader] e eu, personagens centrais. Ah, e ainda tinha a Beth Mendes, que fazia a mãe da Malu. Todas me receberam superbem. Fiquei superamiga tanto da Malu como da Cacau. Ia dormir na casa da Cacau para bater [ensaiar] texto, para a gente poder se conhecer melhor, poder fazer melhor essa relação mãe e filha. Eu pegava carona com a Malu. Tinha um pacto, uma integração.

PLAYBOY: E a Elisabeth Savalla? Vocês não competiam em Quatro por Quatro?

BETTY: É, trabalhei com ela...


PLAYBOY: Só isso?

BETTY: Como assim? Só assim? [Ironiza.] Trabalhar não basta?


PLAYBOY: E nos outros escalões da novela? O clima não é tenso? Não tem briga? Rivalidade? A famosa guerra de memorandos?

BETTY: Não. Eu fazia o que tinha de fazer. Cuidava da maquiagem. Dava palpite no figurino. Afinal, era minha imagem que estava em jogo.

PLAYBOY: Que história é aquela que você não usa cor ferrugem?

BETTY: Na novela, não uso. Tenho esse cabelo, ia ficar da mesma cor, da cabeça aos pés. Avisei: não uso ferrugem. Um dia, estava lá um vestido ferrugem. Chamei lá: "Pode trocar, não uso". Sempre aquela coisa meio brasileira: "Ih, você está muito estressada". Olha, eu trabalho pra caramba. Acordo às 7, 8 da manhã, e às vezes volto para casa à 1. Isso é uma coisa que estranho no Brasil e sempre vou estranhar: aqui você tem de trabalhar tanto para fazer alguma coisa, quando poderia trabalhar menos para fazer a mesma coisa.


PLAYBOY: Sei também de uma história de que tentaram te intrigar porque você mudou a cor do cabelo durante a novela [Quatro por Quatro].


BETTY: Eu estava na minha, fazendo as coisas que achava que tinha que fazer. Evidentemente, você está abaixo de uma série de pessoas, entendeu? Acho que a única forma de não deixar as coisas perturbarem você é sempre se colocar. Se alguma coisa me desagradava, eu ia e me colocava. Da mesma forma com o Ricardo [Waddington, diretor da novela]. Se alguma coisa desagradava a ele, ele ia se colocar, entendeu?


PLAYBOY: Fazer novela é uma espécie de casamento, não é? Você não consegue se programar, fica entregue às escalas...


BETTY: O roteiro [das gravações], até que não. Tem uma certa antecedência. Saía na terça à noite... O roteiro de quarta, quinta, sexta — e sábado, porque a gente começou a gravar sábado também, quando começou a apertar. E na sexta saía o roteiro de segunda e terça. Novela é uma coisa muito grande. Quero dizer, o texto. Aí, acontece de o texto não chegar. Ou o ator ficar doente. Fiquei doente. Duas vezes. Pára tudo. E ao mesmo tempo tudo tem de rolar. Então, sai outro roteiro. Chega um adendo. Essa cena não é mais assim. Você fica ali na adrenalina, fazendo só aquilo. E é puxado, né? Você tem de deal [lidar] com um monte de coisas. Com os outros atores, com texto, com o diretor, com o figurino, com a maquiagem... E com os repórteres. [Imitando.] "Oi, tudo bem? Vamos ali fazer uma capa?" Eu: "O quê?... Não. Naquela salinha ali, uma capa? Não, para fazer capa tem de montar um estúdio, fazer a capa com luz, direito". Aí, ele dizia: "Mas todos os atores fazem". Eu respondia: "Problema dos atores. Eu não faço". Não fiz. As únicas que fiz foram do jeito que eu queria. Se você vive da imagem, como é que você entra numa sala que vai daqui até o final dessa mesa [abre os braços], encosta na parede e o cara faz três fotos, tic, tic, tic, com aquela luz horrenda na sua cara, e aí você vai para a capa, para, sei lá, quanto é a tiragem de uma Contigo, de uma Amiga? Não sei como um ator não tem esse tipo de cuidado. O cara querendo fazer, fine. Mas se você não quer aceitar, eles vão ter de mudar. São milhares de coisinhas no seu dia de de trabalho.


PLAYBOY: Se vocês atrizes não falam mal umas das outras, sobre o que falam nos camarins da Globo? De política?

BETTY: Pelo menos comigo, não [sobrancelha de pavor].


PLAYBOY: De que, então?

BETTY: Fala-se de trivialidades [ri]. Todo o mundo fala um pouco de seus namorados, das suas vidas, dos seus personagens. Um pouco por aí.


PLAYBOY: Namoro é bom assunto?


BETTY: Namoro é um bom assunto. Meio como uma análise de grupo. Você trabalha com um monte de gente. Claro que é um bom assunto.


PLAYBOY: Uma novela destrói quantos casamentos, em média?


BETTY: Não tenho a menor ideia. Só fiz uma novela.


PLAYBOY: Quantos casamentos você já destruiu?


BETTY: Eu não destruí nenhum.


PLAYBOY: Você não. Mas...


BETTY: Também não é por aí, essa coisa de...


PLAYBOY: Estamos falando dessa ideia sobre os bastidores da Globo, esse troca-troca de casais, uma certa promiscuidade...


BETTY: Isso não é na Globo. Isso não é da Globo. Isso é na profissão. Você sai de casa para beijar outro homem [ri.] Entende?


PLAYBOY: Você não passa impunemente por um beijo?


BETTY: Não é assim. Você passa impunemente quando você quer.


PLAYBOY: Você já deu quantos beijos, e em quem?


BETTY: No [José] Wilker, que era meu marido. No Kadu [Moliterno], que era meu amante. No Marcos Paulo, no Marcello Novaes ...


PLAYBOY: Um time para matar as mulheres de inveja, hein?


BETTY: Bom time. Tá bom, não tá? Todos nas deles. Imagina, acabou a cena, acabou. Valeu a cena, foi maravilhosa.


PLAYBOY: Olha aqui, deve ter beijo mais caliente e menos caliente, não tem?


BETTY: Cada beijo é um beijo, não é? Todos normais. Beijos de trabalho. Ninguém fica enfiando a língua na boca de ninguém, não [gargalhada]. Com respeito. As coisas acontecem com naturalidade. É muito injusta essa coisa com o Marcello [Novaes] e a Letícia [Spiller], porque sou testemunha do que eles viveram. Não sei exatamente em que momento eles se olharam a descobriram que estavam apaixonados um pelo outro, mas trabalhei direto com os dois, e sei que é pura intriga as pessoas acharem que rolava alguma coisa. Não rolava mesmo, entendeu? Ela ficava na dela, e ele na dele. Todo o mundo tinha uma relação de trabalho. Nunca vi a Letícia, sabe, dando malho, e olha que ela andava seminua, porque aquela roupa da Babalu... Tenho a maior admiração por ela.


PLAYBOY: Vocês da novela não sacaram nada?


BETTY: Eu [dá ênfase] não estava preocupada com isso. Eu não estava lá para saber quem ia ser namorado de quem. Ou de buscar eu mesma alguma coisa nesse sentido. E era um time de homens lindos.


PLAYBOY: O que aumenta o perigo, não aumenta?


BETTY: Acho que é agradável. Todo o mundo gosta de trabalhar com pessoas bonitas e atraentes. Faz bem. Aos olhos e à alma. Talvez o Vinicius [de Moraes] estivesse certo: "As muito feias que me perdoem..." [citando] . É bom você chegar e ter um time de rapazes e homens bonitos: o Marcos [Paulo], o Humberto [Martins], o Marcelo Farias, que fazia papel de meu filho. Um gato adorado. Uma personalidade ótima. Chega, te abraça, diz coisas do tipo, "Oi, mamãe!" Foi um prazer trabalhar com esse garoto. Tomara que ele se dê muito bem. E rola muita cumplicidade também. Todo o mundo se deu muito bem [em Quatro por Quatro]. Eu gostava de contracenar com eles. O Marcos

[Paulo] também. Tinha o maior prazer em trabalhar com o Marcos.


PLAYBOY: Diretor, técnicos, figurinistas — nem tudo deve ser um paraíso, não? Não tem estrelismo? Bate-boca?


BETTY: [Pensando.] Bem, meu primeiro diretor foi o Dênis [Carvalho] ...


PLAYBOY: Qual é o estilo dele?


BETTY: O estilo dele? [Silêncio.]


PLAYBOY: Ele cobra? É rigoroso?


BETTY: Olha, acho que ele cobra, sim. Ele tinha uma responsabilidade enorme em fazer Anos Rebeldes. Havia uma expectativa muito grande. No meu caso, eles apostaram numa atriz completamente desconhecida, e era um papel grande. Mas ele conduziu bem a minissérie. Tem momentos ema pessoa grita, tem momentos em você não está bem, aí você grita de volta. Mas essas coisas fazem parte. Porque se for tudo muito água com açúcar fica aquele nhenhenhém. Às vezes você se expressa de uma forma mas isso não quer dizer que você não goste, ou que você desacredite no trabalho um do outro.


PLAYBOY: Não tinha hora em que você pensava, "meu Deus, o que é que eu estou fazendo aqui?"


BETTY: Não. Não dava para pensar. Fiquei receosa antes. Mas quando você , entra. Entrou, vai embora.

PLAYBOY: Bem, você teve críticas desde a estréia!


BETTY: Tive. Mas até você ter as críticas, você está ali só fazendo. Eu não vejo revisão [o ator pode rever, e refazer, a cena que acabou de gravar]. Quer dizer: vou olhar as cenas, depois de gravadas. Não tenho esse tipo de vaidade. Televisão não tem tempo de fazer revisão. Mesmo em minissérie. Ela não tempo de corrigir as imagens. Vai que você olhe uma coisa da qual não gostou... E você tem mais dez cenas para var naquele dia...


PLAYBOY: É um tipo de defesa, também, não é?

BETTY: Talvez. Mas é minha forma de trabalhar. E de não perturbar o que estamos fazendo. A única cena que fui ver foi a primeira cena que fiz com o Kadu [Moliterno], em Anos Rebeldes. Foi uma cena mais quente, em que tomaram o cuidado em tirar as pessoas do estúdio.

PLAYBOY: Ah é? Cena de nu — e você estava nua mesmo?

BETTY: Completamente, não. Mas uma cena delicada. Eu quis olhar, depois. A Cacau [Claudia Abreu] também fez uma cena nua, e tiraram todo o mundo do estúdio.


PLAYBOY: Quem fica? O diretor, a equipe...


BETTY: Fica o diretor no switch [mesa de controle], ou então no estúdio. Acho que, no meu dia, o Dênis [Carvalho] estava no switch. Ficam os atores, o câmera e só.


PLAYBOY: Como você se sentiu?


BETTY: Inibida, lógico. Acho que sempre dá, não é?


PLAYBOY: Você reviu e achou que estava bom?


BETTY: Achei que estava ótimo. Bem alinhado, bem dirigido. Foi uma das melhores cenas. O cenário tinha quatro paredes, viradas para a câmera poder balhar. Foi bastante cuidadoso.


PLAYBOY: Na televisão, você diz que não há competição. E no mundo da moda? As modelos não se odeiam?


BETTY: Também não. Se houver, é mais fora do Brasil do que aqui.


PLAYBOY: Claudia Schiffer e Cindy Crawford podem ser boas amigas?


BETTY: Podem. Mas acho que não são.


PLAYBOY: Rivalidade, é isso?


BETTY: Sei que a Naomi [Campbell] é amiga da Christy [Turlington]. A Christy era amiga da inda [Evangelista], mas já não são tão amigas. Chega uma hora que... Amiga, para mim, é 24 horas por dia na sua casa.


PLAYBOY: Para você, de todas as top models, quem é a top?


BETTY: Christy. Como pessoa, como modelo. Ela é perfeita. Bacana. Dá o tempo dela. Quando acha que está demais, pára e sai fora. Ela se preocupa com outras coisas.


PLAYBOY: Continuando: Naomi Campbell.


BETTY: Não conheço muito. Ainda está começando. É a tal história: muito garota, fez sucesso muito cedo. Namorou Mike Tyson, namorou Robert De Niro. Se você não tem estrutura, não tem cabeça, cria aquela coisa de kill business, não é? Aquelas paixões em que ninguém acredita, sabe? Mas ela é excelente. Supermodelo. A Brigitte Bardot negra, como é chamada.


PLAYBOY: Prosseguindo: Kate Moss.


BETTY: Um fenômeno. Ela extrapolou. Ultrapassou. Ficou mais famosa do que qualquer outra. É uma coisa que tem de ser aceita.


PLAYBOY: As lolitas estão na moda, é isso?


BETTY: Ué, nada diferente do que foi a Twiggy nos anos 60. Não é diferente.


PLAYBOY: Cindy Crawford.


BETTY: Conheço bem, trabalhei com ela.


PLAYBOY: Quando?


BETTY: Quando? [Pensa.] A primeira vez que a vi foi no primeiro desfile dela em Nova York, deve ter sido em 1985, por aí. Totalmente desprezada.


PLAYBOY: Por que não fazia aquele figurino, clássico da modelo magrelinha?


BETTY: E, ela era mais round [redonda], mais chubby [gordota]. Agora é que ela está mais magra... Depois, foi morar em Paris...


PLAYBOY: Mas não foi exatamente esse tipo cheinha, mais pedaçuda, gostosa, que empurrou pra frente a carreira da Cindy?


BETTY: Não é questão de ser bom ou ruim para ela. Aconteceu, ponto. Ela não tinha dimensão do que ela seria. Foi uma bola de neve. Teve sorte. Soube administrar bem. [Carreira de modelo] é uma administração. A fórmula é luck, talent e administration. Sorte na frente. Tem tanta gente que tem sorte e não tem talento, e você percebe e se pergunta: mas como pode? Pode, acontece. Aquela coisa de estar na hora certa no lugar certo. É isso. Vinte anos atrás talvez a Isabella Rossellini não tivesse lugar na campanha da Lancôme. Ela chegou num momento em que o mercado pedia uma pessoa mais velha, uma beleza menos convencional, e é um turning point para a Lancôme. Alguém pensou: todo o mundo está usando só garotas em anúncios de beleza, vamos usar uma mulher com uma cara assim... Aí, óbvio, ajuda que ela seja filha da Ingrid Bergman, que o pai dela tenha sido o [diretor de cinema italiano] Roberto Rossellini.


PLAYBOY: Assim como ajudou à Cindy ter casado com o Richard Gere...


BETTY: Ela é de Chicago. Me parece uma pessoa bastante honesta. E apaixonada: "Richard está na Índia, Richard não sei o quê, Richard está chegando..." Trabalhei inúmeras vezes com ela e sempre a vi como uma pessoa extremamente profissional. Quando ela foi fazer a MTV, não quis salário. Foi porque achou o projeto interessante. Eu conhecia o Richard desde os tempos em que ele namorava a Silvinha Martins [artista plástica brasileira e jetsetter internacional].


PLAYBOY: Continuando: a Iman.


BETTY: Conheço. Já trabalhei com ela. Bacana. Uma vez jantamos, com o namorado dela. David Bowie. Uau! [Grita.] Um charme magnético. Uma cabeça!


PLAYBOY: O mundo das top models é uma orgia? Festas, sexo e rock'n'roll? Muita gente em volta, com suas milionárias propostas indecentes?

BETTY: Se existe isso? [Pensa.] Existe em qualquer lugar onde tem gente bonita. Na dose normal.

PLAYBOY: Descreve: xeques árabes com limusines e tiaras de diamantes para dar de presente?


BETTY: Sabe aquela limusine branca gigantesca, estilo James Brown? Num desfile de alta saison, em Paris, tinha oito limusines dessas no backstage. Das modelos. Precisa alguém mandar uma limusine? Precisa alguém mandar jatinho? O salário da Claudia Schiffer é de 10 milhões de dólares por ano. Ela trabalha vinte dias por ano. Ela precisa? Aquilo é business. Que te dá, sim, uma exposure maior, que outras profissões não dão.


PLAYBOY: E essa história de lesbian chie entre as modelos?


BETTY: Chato esse assunto. Como se as lésbicas tivessem aparecido hoje. Acho muito chato.


PLAYBOY: Você já foi cantada por mulheres muitas vezes?


BETTY: Muitas vezes? Não. Poucas vezes.


PLAYBOY: O suficiente?


BETTY: É, o suficiente.


PLAYBOY: Vamos lá: no Brasil. Quem é a Betty Lago brasileira?


BETTY: [Gargalha.] A Betty Lago brasileira? [Pensa.] Acho que não tem. [A sério.] Olha, não foi fácil. Quando cheguei lá [nos Estados Unidos] não foi fácil. Fui muito rejeitada, pelo tipo físico. [imitando] "Hummm, muito sofisticado... Trop exotique". A moda é assim.


PLAYBOY: Mas o que não é exótico? A loirinha clássica, de cabelos escorridos?


BETTY: É, aquelas que fazem comerciais, com aquele sorriso e aqueles dentes, que na verdade são todos falsos. O que fabricam de dentes nos Estados Unidos é um absurdo. Profissionalmente eu me dava melhor em Paris. Passei lá cinco anos, mas não gostava da cidade. Na verdade, a rejeição fez muito parte de minha vida. As agências me rejeitavam. No Brasil, quando eu trabalhava como modelo, uma vez virei de perfil e o fotógrafo disse: "Não, não, não, não vira não que o seu nariz é muito grande..."


PLAYBOY: Esse nariz?


BETTY: "Muito grande..." [sobrancelha de ironia]. Depois, trabalhei dois anos com a Sarah Moon, nos Estados Unidos, fotografando para a campanha de Cacharel, e as pessoas diziam, "ah, é a cara da Silvana Mangano, olha o nariz, olha o nariz..." O nariz chegava primeiro. Mas em Nova York tinha muito isso: "É muito sofisticada, muito sofisticada" [sobrancelha de desdém]. Cansava. A Giselle Zelauy, minha amiga, foi outra. Quando estava em Paris, eu encontrei ela no camarim do Lanvin. Cheguei para provar roupa, ela fazia cabine. Nunca tinha visto na vida. "Ué, o que que você está fazendo aqui?" E ela: "Estou fazendo prova", não sei o quê”. Eu disse: "Você vai se dar bem". Mas eles diziam: "Essa mulher é horrorosa..." e eu: "vocês são loucos, gente, eduquem os olhos, pelo amor de Deus".

PLAYBOY: Que vem a ser “fazer cabine”?


BETTY: É ficar lá provando roupa que as tops depois vão desfilar. O cara tem a coleção, tem que botar acessórios, aí você fica lá...


PLAYBOY: Mais para cabide do que para cabine...


BETTY: Chamam de cabine porque é uma sala [para prova]. Botam a coleção em você e vão montando a roupa do desfile em cima de você. Encontrei Giselle e a Mira, outra brasileira. Disse pra Giselle: "Você não pode ficar aqui não”.


PLAYBOY: E ela não ficou...


BETTY: Claro que não. Foi para um agência e fez booooom, aquela explosão. Porque ela é óóóótima [arrasta a palavra ótima vários centímetros além de sua própria medida]. Tem beleza tem disciplina. Disciplina, nesse negócio, é fundamental.

PLAYBOY: No Brasil, como era tratada a Betty Lago?


BETTY: Aquilo que eu disse: uns desfiles, umas capas de revistas... Algumas rejeitadas porque pintei meu cabelo de vermelho! [Sobrancelha de espanto cínico.] Mas aí eu perguntava ao fotógrafo e à produtora: "Mas se vocês sabiam que ia ser rejeitada, por que fizeram?" Aí, aquela história: A gente acha você maravilhosa, a gente pensou, vai que de repente o editor gosta da foto, né?... Dizem que Adolpho Bloch [dono da revista Manchete e fundador da Rede Manchete de Televisão] come foto, né? Então, tudo é possível... Não tem esse papo, de que ele comia foto?[Gargalhada.]


PLAYBOY: De onde veio esse cabelo vermelho?


BETTY: Ah [ri], o cabelo vermelho é uma história engraçada. Eu tinha tido a Patrícia. Estava com 16 anos. Aí, um dia me olhei no espelho e disse: "Ai, que cara..."


PLAYBOY: Casar aos 15 anos foi um jeito de fugir da escola, foi isso?


BETTY: [Rindo.] Não, acho que não... Um pouco de ingenuidade... Um pouco de fantasia da maternidade... Casar não tem idade, não.


PLAYBOY: Você não lamenta ter tido filho tão cedo?


BETTY: [Sobrancelha introspectiva.] Não, não... Tudo tem um preço, né? Talvez não tenha dado a ela o que ela precisasse quando ela era pequena... Mas, hoje, ela está aqui... A gente tem uma relação bacanérrima, porque nunca houve mentira. No passado, tinha muito choro, despedida... Mas com criança sempre tem muito choro, mesmo quando você está presente. Faz parte, né?


PLAYBOY: Não era duro, para você, ser mãe à distância? Você lá em Nova York, e os filhos com os pais? Você não tinha culpa de não ser mãe full time?


BETTY: Ninguém é mãe full time. Nem quem está ali o tempo todo com os filhos. Isso não existe. O ser humano é complexo demais para se dedicar totalmente a uma coisa... Claro que era duro para mim, mas eu tenho um instinto de sobrevivência muito grande, muito forte. Sou assim: se eu não fizer, quem vai fazer? Eu faço. Não dá muito para pensar, não.


PLAYBOY: E com seu filho, como foi?


BETTY: Com meu filho, também. Com a diferença de que a Patrícia ficou com a avó e o Bernardo ficou com o pai, o Eduardo, né? E, sei lá, homem reage de forma diferente, eu também já era um pouco mais velha. Pouco mais velha é 23 anos [ri]... Mas quando eu fui morar fora de vez foi em 1981, ele já tinha uns 3 anos. Fui embora por não aguentar mais aquela divisão, morar aqui, morar lá.


PLAYBOY: Foi aí que você se separou do Eduardo?


BETTY: De uma certa forma, sim.


PLAYBOY: Separar de uma certa forma, como é isso?


BETTY: É que no início o Eduardo ficava três meses lá, eu ficava três meses aqui, a gente se visitava. Tem uma hora que você não está nem lá nem cá, está todo o mundo carente, inclusive você... [puxa uma garrafa d'água de debaixo da mesa e dá um gole]. Desculpa, estou dando uma de casca grossa, aqui...


PLAYBOY: Água? Dieta? Você faz daquelas dietas de manequim?


BETTY: Não é dieta, não. Água é bom, não acha? [Irônica.] Está vendo essa mala aí embaixo? Uma mala de remédios. Estou andando com esses remédios pra cima e pra baixo. Vou te mostrar. Fui num médico interessante lá de Nova York. Coisas de Giselle [Zelauy], que me levou... [ri]. É que a gente come natural, essas coisas. Aí, de repente, café, café, cafeína, muita cafeína. E cigarro. Eu não fumava. Me envolvi em vários tipos de alimentação diferentes, tem uma dieta indiana que se chama ayurveda, uma coisa meio macrobiótica. É interessante. Você olha a pessoa e percebe que ela está saudável, sabe? Pele maravilhosa. A Giselle se cuida, o filho, o marido... é bacana. Eu gosto. A gente tem uma afinidade alimentícia. Ela faz umas comidinhas... [Voltando aos remédios.] Aqui tem uns trinta. Eu trago e penso, hoje vou botar eles na mesa. Um são sete vezes ao dia, outros são seis... Sé você não tem na frente, você se esquece. E vai marcando num papel: esse já tomei, tem aquele outro. Eu não consigo. Mas estou louca para tomar. Olha este aqui: anti-stress. Tô precisando [ri].


PLAYBOY: Quer dizer, você tem um guru...


BETTY: Não chamaria de guru, não, porque é meio, meio... over. É um médico. Numa linha mais oriental. Recebe você de bermudão. Ouve muito, fala pouco...


PLAYBOY: Oriental oriental? Chinês? Hindu?

BETTY: Não, americano. Dr. Manning. The Manning Institute. Esquisito. Bacana [puxa uma receita e lê]. Olha aí: o que dá para comer, o que não dá para comer. Carne vermelha, por exemplo, está aqui, você tem que eliminar... Isso aqui é brush, de cerdas naturais, que você tem de passar em certas partes do corpo, para ativar algumas glândulas, ativar a circulação.... Você tem que estar com a cabeça ligada. Por isso é que trago todo dia e fico olhando, olhando. Custou caro pra caramba, tenho que fazer [ri].


PLAYBOY: Quanto você pesa?


BETTY: Eu pesava 55 quilos. Hoje devo estar com uns 60, 62. Já tive problemas com isso aqui. "A Betty Lago? Está gorda... está caída".


PLAYBOY: São as duas polegadas da Marta Rocha...


BETTY: É... Todo o mundo aqui acha que você está sempre 2 quilos acima do peso. Por isso é que não faço desfile aqui.

PLAYBOY: Num de seus últimos programas, você entrevistou a Carmen Dell'Orefice, uma top model de 65 anos. Você está muito longe disso. Mas está preocupada com a idade?


BETTY: Não foi nada autobiográfico, não... A Lauren Hutton tem 52...


PLAYBOY: Na entrevista à PLAYBOY, que publicamos em setembro, a Cindy Crawford diz que uma modelo tem vida útil de dez anos. Você concorda?


BETTY: É a perspectiva dela, de quem ganha 7 milhões de dólares ao ano.


PLAYBOY: Uma pessoas que tivesse tido uma carreira como a da Betty Lago poderia parar de trabalhar?


BETTY: Se quisesse... [vaga].

PLAYBOY: Poderia?


BETTY: Lógico. Qualquer pessoa pode parar de trabalhar. Depende do que ela vai fazer quando estiver parada.


PLAYBOY: A Betty Lago aposentada não ficaria jogando dominó no calçadão de Copacabana, ficaria?


BETTY: Aquelas pessoas que sentam ali em Copacabana, ninguém sabe qual é a conta bancária daquelas pessoas. Ninguém sabe.

PLAYBOY: Você não gosta mesmo de falar em dinheiro, não é?


BETTY: Acho que isso não é importante.


PLAYBOY: Você tem contrato com Globo?


BETTY: Jamais... [ri].


PLAYBOY: Como funciona isso?


BETTY: Depende do ator. Eles me propuseram um contrato, mas achei que, no momento, não. O contrato é interessante para dar uma segurança financeira, mas eu...


PLAYBOY: Com contrato, o ator ganha, trabalhando ou sem trabalhar?


BETTY: Não sei como é. Ganha menos, quando não trabalha, acho — mas ganha. Ao mesmo tempo, você fica à disposição. Se eles precisarem de você para uma participação aqui, ou ali, eles chamam. Acho mais legal ser dona do meu tempo. Se pintar outra novela, a gente conversa.


PLAYBOY: Você tem uma conta alta a pagar?


BETTY: [Silêncio.]


PLAYBOY: Roupas de griffes...


BETTY: Griffes? [Espanto.] Designers? É isso?


PLAYBOY: É.


BETTY: Ah, até por uma questão de trabalho. Trabalho com todos eles. Tenho de ter.


PLAYBOY: O que você usaria num jantar social?


BETTY: Minhas griffes todas. Todas [gargalha]. Falando sério: usaria um casaco, um paletó. Talvez um brinco. Não gosto muito de joias.


PLAYBOY: Quanto tempo você demora para se arrumar?


BETTY: Para me arrumar? Meia hora, tá bom? [Ironia.]


PLAYBOY: Banho incluído?


BETTY: Aí, não [sobrancelha sarcástica]...


PLAYBOY: Banho de banheira...


BETTY: Com leite de cabra... [ironiza]. Esse negócio de banheira tem um pouco de carência. Você quer uma banheira que abraça [ri]. Já pensou? Devia ter um dispositivo para falar com você: "Você é linda! Você é uma uva!" [gargalha].


PLAYBOY: Cite uma brasileira elegante.


BETTY: [Pensando.] Huuummm....


PLAYBOY: Luiza Brunet?


BETTY: [Pensando.] Luiza Brunet... Será? Não sei....


PLAYBOY: Sílvia Pfeifer?


BETTY: [Tentando se concentrar.] Dessas que estão aí, deixe-me ver... Malu Mader. Eu acho. Ela tem um estilo bacana. A elegância está ligada à forma pela qual você adapta a roupa a você.


PLAYBOY: Dona Ruth Cardoso, que tal? O que você achou dela naquele vestido do [Issey] Miyake?


BETTY: Era azul, né? [Tenta se lembrar.] Ou roxo? Vi nas revistas... Sinceramente não me lembro muito bem. O vestido da posse, não gostei. Aquele do dia. O da noite, gostei. Ela tem seu charme, dentro do que ela é. Ela não é uma mulher bonita. Ela não é uma mulher magérrima. Mas acho que ela desempenha bem, tem uma atitude, uma elegância... Com certeza, mais do que a Hillary Clinton, que é uma mulher bonita mas que fica tentando, tentando, tentando... De repente, aparece vestida de preto, com uma capa. Você vê que há uma produção de moda por trás dela. A produção deve estar lá mas você não pode ver.


PLAYBOY: Não pode dar na cara, ser over, é isso?


BETTY: Quando está bem feito é quando você não vê. A Hillary Clinton força esse negócio de estar elegante, de representar a mulher americana. Enfeita o cabelo, corta não sei como, pinta com um tom mais forte, um tom menos forte.


PLAYBOY: E o presidente Fernando Henrique, é um homem elegante?


BETTY: Fernando Henrique?... [Sobrancelha irônica.] Vocês acham o Fernando Henrique elegante? [grita para a sala vizinha]...


PLAYBOY: Romário. O Romário é elegante?


BETTY: O que vocês acham? [Escapa]... Paulinho da Viola. Taí, ele é elegante.


PLAYBOY: Caetano Veloso? Ele é nosso Cary Grant?


BETTY: Tem um Cary Grant no Brasil?


PLAYBOY: Fernando Collor?


BETTY: Não, eu não acho o Fernando Collor [para a outra sala] Estou pedindo um help. Elegante... elegante? O Gilberto Gil é elegante.


PLAYBOY: E entre os políticos?


BETTY: Políticos? [Sobrancelha de desprezo.]


PLAYBOY: O ministro Malan? O ministro Serra?


BETTY: Sei não. Tinham que mandar um alfaiate lá para Brasília, não é? Mas um cara elegante, o Cary Grant que você está querendo... Está difícil.


PLAYBOY: Você não se interessa por política?


BETTY: Não.


PLAYBOY: Zero?


BETTY: Zero.


PLAYBOY: Mas votou?


BETTY: Votei. No Fernando Henrique.


PLAYBOY: Algum político faz a sua cabeça?


BETTY: [Silêncio.] Acho que o [Jaime] Lerner [governador do Paraná]. É Lerner, não é?


PLAYBOY: Continuando: e o John-John [Kennedy]. É elegante? Você o conhece pessoalmente?


BETTY: Não.


PLAYBOY: Gostaria de conhecer?


BETTY: Se eu gostaria de conhecer? [Pausa.] Só se fosse para casar com ele [ri]. Imaginem eu e John-John. Vocês me telefonam lá pra Nova York e eu digo: "Não posso falar muito, gente, porque eu tenho uma recepção lá na Casa Branca. Tchau". [Alguém comenta: "Ai, adorei a ideia... "] Adorou a ideia? Eu não. Muito gato, muito visado.


PLAYBOY: É difícil namorar homem assim?


BETTY: Se é difícil? Sou suspeita de falar, não é? Eu também sou visada.


PLAYBOY: Como é que seus namorados se comportam, com relação a isso?


BETTY: Well, low profile total. Como é que você vai brigar? Não dá para não ter ciúme. Ter ciúme é natural. Tem sempre alguém... Não é verdade?


PLAYBOY: Os seus últimos namorados, parece, eram todos garotos. Há quanto tempo você faz esse gênero Marilia Gabriela?


BETTY: É? Sinceramente não sabia. Ela gosta de rapazes mais jovens? [Irônica.] Mas o que é gostar de rapazes mais jovens?


PLAYBOY: É, por exemplo, não querer se envolver com pessoas mais velhas.


BETTY: Sei... No meu caso específico [reforça o "especifico"], acho que as pessoas que se aproximam de mim... O Robert tinha 45 anos e era uma mala. Acho que tem a ver. As pessoas mais jovens são mais light, talvez sejam menos complexadas. A idade, em determinadas pessoas, pesa muito... Eu não trocaria meus 40 por 30 ou 25. Estou muito melhor agora. Gosto do que estou fazendo. Acho menos complicado. Vejo mais rápido as coisas, entende? Mas não é que eu só vá me relacionar com pessoas mais jovens. Tive vários namorados. Não é que eu vou atrás. Eu não investiria...


PLAYBOY: Nesse departamento...


BETTY: Nesse departamento. Acontece, entendeu?


PLAYBOY: Quem tem o número do seu celular?


BETTY: [Gargalhada.] Pode crer... Agora até que está ficando mais amplo o número de pessoas [maliciosa]. Mas é chato esse negócio de celular. Especialmente no Rio, onde você não tem caixa postal. Está vendo? Eu já ia falar voice mail. Voice mail [com suavidade], em vez de caixa postal [dura]. Está entendendo o que eu digo? Borges já dizia: só dá para ler os originais.


PLAYBOY: Para quem você daria o número do celular?


BETTY: Para quem? [Ganha tempo.]


PLAYBOY: Vamos lá: Harvey Keitel?


BETTY: Harvey Keitel [com entusiasmo]. Nota 20.


PLAYBOY: Eu sabia...


BETTY: [Os atores] Al Pacino... Brad Pitt... Morgan Freeman. Ah, o Matthew Modine. Matthew Modine... [Como se fosse espreguiçar.] Conto uma história?


PLAYBOY: Conta.


BETTY: Era um desfile num estúdio da Twentieth Century Fox, que eu fiz. Em Los Angeles. A recepção era do outro lado. E o cenário do estúdio era do Die Hard [Duro de Matar]. Eram aqueles skylines de Los Angeles, tudo iluminado. E o [estilista] Valentino só convidou algumas modelos. Eu, Dalma [Canado, top model brasileira], a Iman, só mais uma ou duas, a Tara, esqueci o nome dela, a ruiva... Tara Shannon... Estava todo o mundo: Tony Perkins, Anjelica Huston, que veio falar com a gente, "the show is fabulous", a gente [sobrancelha debochada], "ah, thank you, thank you". No dia seguinte ia ter uma festa na casa da namorada do [maestro e compositor] Quincy Jones. Uma ricaça, ele ainda não estava casado com a [atriz] Natassia Kinski. Festa na piscina, quer dizer, cobriram a piscina toda, botaram as mesinhas aqui e ali, e em nossa mesa estava ninguém menos do que o [ator] Matthew Modine com a mulher, que era uma brega [acentua a palavra]. Ainda é. Aí, Dalma ficou completamente louca por Matthew Modine, monopolizando o cara, e o cara só olhando pra mim, só olhando, até que ele se virou pra mim e, em voz alta, disse: "Desculpa, eu não páro de olhar pra você porque você é a cara de uma namorada minha do high school". Uauuuu! Really? Aí a Dalma começou a ficar nervosa e eu, em português: "Porra, Dalma, ele quer conversar comigo, dá licença? O garoto quer conversar. Deixa, tá?" Fiz um barraco.


PLAYBOY: Quando foi isso?

BETTY: [Pensa.] Tem uns seis anos isso? Sete... Pô, como o tempo passa ráaaaaa-pi-do.

PLAYBOY: É difícil lidar com a popularidade? Você recebe cartas? Fax?

BETTY: Não, recebo, às vezes, telefonemas.

PLAYBOY: Apaixonados?

BETTY: Na época da novela, tinha mais. Outro dia, tinha um que dizia [sobrancelha melodramática]: "Ah, sua voz é linda, você é maravilhosa". Mas normalmente é criança e mulher.

PLAYBOY: Mulher? Ahã!

BETTY: Saiu uma carta numa revista. Dizia "Ela — ela, quer dizer eu — sempre deveria ter posto minissaia, porque tem pernas maravilhosas. Aquelas cenas com o Marcello Novaes, em que eles se abraçavam e se beijavam, até eu queria dar um amasso nela". Parecia diálogo masculino. Só no final percebi que era mulher.

PLAYBOY: Saiu publicado?

BETTY: Saiu.

PLAYBOY: E as cartas que você recebia?

BETTY: Tinha muito adolescente. Muito.

PLAYBOY: Por que será?

BETTY: Foi a mesma pergunta que fiz: por que é que as crianças se identificaram tanto comigo? Talvez por uma projeção assim de ter uma mãe maluca, engraçada, divertida, mas que verdadeiramente é pop, ama, defende de uma forma louca, extrapolada, sem nada careta. E tinha muito a ver com coisa da moda: "Quero ser modelo como você"... Em Joinville tinha dez seguranças na porta do meu camarim, eu não podia sair. Só garotas de 13, 14 anos gritando, chorando. Eu me sentia a própria Xuxa. Uma gritaria. Tive que sair do palco direto para o carro. Agarravam minha roupa, eu disse: "Me larga! Larga meu braço!" "Ah, mas não sei o quê." "Não interessa. Você tem que me respeitar."

PLAYBOY: Você não gosta desse assédio?

BETTY: Não. Agarrar, não. Estragaram meu casaco.

PLAYBOY: E quando são os maiorezinhos que agarram?

BETTY: E eu não tenho cara de amante, tenho? Estou falando fisicamente. Às vezes, estou no restaurante, pedem licença, me dão os parabéns. Acontece de tudo. Falam loucuras: "Você é muito sexy, você está de parabéns. Essas atrizes por aí estão todas caidonas [risos], mas você não, está inteirona, bacana". Não chego a ficar perplexa, porque a gente lida com um pouco de tudo, não é?

PLAYBOY: Você tem muito cafajeste no seu encalço? Tipo Renato Gaúcho?

BETTY: Peraí, esse eu conheço. Eu estava no restaurante, ele veio falar comigo. Levantou da mesa e veio me cumprimentar. Estava com a esposa dele, com várias pessoas, educadíssimo, gentilíssimo, completamente distante daquela imagem... Só falta ele voltar para o Flamengo.

PLAYBOY: Outros cafajestes...

BETTY: Ele não é cafajeste. Ele não é cafajeste [sobrancelha enfática]. Se você visse a delicadeza dele... Já disse: não tenho o tipo de amante. Não tenho cara. Tenho? Não tenho. Não sou o tipo. Não sou sex-symbol. Não sou loura burra. Não agrado, não preencho os requisitos dos cafajestes. So sorry [ri]. Seria até interessante, uma experiência inusitada, no meu caso.

PLAYBOY: Você costuma responder às cartas dos fãs?

BETTY: Não, não respondo. Nas cartas, as pessoas pedem apartamento, casa, passagem. "Não tem um papel pra mim na Globo?" [Imitando.] "Eu moro muito longe, sou muito pobre, você pode me mandar uma passagem? Meu sonho é conhecer o Rio." Não quero né? Tinha uma menina que vivia me telefonando, de madrugada. O diálogo dela — eu nunca falei com ela —, mas o diálogo dela era como se ela me conhecesse, e que tudo tava combinado. Ela falava: "Olha, deixei uma carta aí embaixo, com minha foto. Então me liga, estou te esperando. Um beijo. Você não me ligou ontem? Você deve ter estado cansada e tal. Ontem você estava ótima na novela. Naquela cena assim, assim. Vou para a escola agora. Depois você me liga. Eu devo estar em casa tipo às 7. Tchau". Uma da manhã. A gente descobriu, por intermédio da banca de revistas onde eu faço compras, que a menina ia lá. O cara me disse: "Olha, tem uma menina que vem aqui e chora à beça quando vê as suas fotos". Você saber que alguém faz essas coisas é muito estranho, não é? É muito esquisito. No caso da menina, a gente descobriu, falou com a mãe da menina. Ela me ligou, disse uma porção de desaforos: "Tomara que você não tenha mais nenhum fã".

PLAYBOY: E teatro? Você não tem planos de fazer?

BETTY: Fiz, recentemente, com o Zé Celso [José Celso Martinez Corrêa], em São Paulo. Só fiquei quinze dias. Para substituir a Julia Lemmertz, que estava doente. Em Hamlet. Aliás, Hamlet, como o Zé Celso fazia questão. Ele me ligou...

PLAYBOY: O Zé Celso, em pessoa, convidando... Que prestígio!

BETTY: [Sem entusiasmo.] Ele me ligou. Aí eu liguei para o Mauro [Rasi, autor de teatro], liguei para várias pessoas. Todos me disseram: "Olha, ele é louco, mas é muito talentoso". Foi barra pesada. Não tinha tempo para decorar o texto. Não trabalhei com o Zé Celso. Trabalhei com o assistente dele. Nem eles se interessaram por mim, nem eu por eles.

PLAYBOY: Não gostou?

BETTY: Valeu. Mas era era uma coisa repetitiva. Chatérrima. E não gostei daquela esfregação nos camarins. Não é a minha turma.

PLAYBOY: Você foi da geração anos 70. Preferia sexo, droga ou rock'n'roll?

BETTY: Minha loucura foi pintar o cabelo de vermelho e sair para dançar. Aí comecei a queimar fumo. Fumava uns baseados, ficava louca, ouvindo Pink Floyd. Aquelas coisas. Foi uma época interessante. Pirava...

PLAYBOY: Cocaína?

BETTY: É, também. Mas sou muito fraca para qualquer tipo de droga. Por isso não bebo. Não gosto de drogas. De cara, vi que não era a minha.

PLAYBOY: Você tem um filho adolescente. Você fala sobre isso com ele?

BETTY: O tempo todo. Sei lá, meu filho joga basquete, minha filha tem outros interesses. Vou dizer uma coisa que talvez nem seja pertinente. Vá lá: desconfio que naquela época a droga também era de melhor qualidade.

PLAYBOY: De todas as qualidades atribuídas a Betty Lago, elegância, inteligência, beleza, charme, segurança, determinação, etc., qual delas você levaria para uma ilha deserta? Qual delas é fundamental para você?

BETTY: [Determinada.] Determinação. Determinação significa que você tem um objetivo lá na frente.

PLAYBOY: E a paixão? Onde é que fica a paixão? Onde estão as suas paixões?

BETTY: Um pouco em tudo, eu acho. A minha paixão é assim.

PLAYBOY: Mas você nunca chorou de paixão, nunca cantou um bolero, nunca rolou na sarjeta?

BETTY: Claro que sim. Muitas vezes. Imagine! Você está louco?


POR NIRLANDO BEIRÃO

FOTOS FÁBIO GHIVELDER


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