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BOB WOLFENSON | NOVEMBRO, 1999

Playboy Entrevista



Uma conversa franca com um dos melhores fotógrafos do país sobre celebridades difíceis, estrelas nuas e modelos que até posam com roupa.

Se os números impressionam, comecemos por eles. Dos exatos 26 ensaios fotográficos que Bob Wolfenson clicou para PLAYBOY, ao longo de doze anos, nada menos que 21 foram capa – e isso sem contar as matérias de moda, os retratos e os ensaios comemorativos divididos com outros fotógrafos. Como Bob faz de setenta a 100 filmes em cada trabalho, fique o leitor sabendo que, para o seu deleite, Bob já disparou entre 63.700 e 91.000 chapas para a revista. E a galeria de estrelas que gentilmente tiraram a roupa diante dele não é menos impressionante.

Imagine o que é passar alguns dias procurando o melhor ângulo de Cláudia Alencar, as Hzetes, Luíza Thomé, Maitê Proença, Malu Bailo, Mylla Christie, Tatiana Issa e, mais recentemente, Angela Vieira. Além das estrelas de PLAYBOY, uma interminável lista de beldades posou para ele até mesmo vestida, de Bruna Lombardi a Malu Mader, de Carolina Ferraz a Thereza Collor, além de quase todas as modelos importantes do Brasil, fosse para revistas de moda, campanhas publicitárias ou os magníficos retratos em preto e branco com os quais ele fez quatro exposições e dois livros: Portfolium (1990) e Jardim da Luz (1996). Se é ele quem está atrás da lente, todo mundo quer posar, seja a líder sem-terra Diolinda Alves ou o sem-tempo Pelé, seja o recluso Chico Buarque de Hollanda ou o temperamental jogador Edmundo. Pense numa celebridade e lá estará ela, no arquivo de Bob Wolfenson. O presidente Fernando Henrique Cardoso sorri numa foto poucos dias antes da eleição de 1994. Luís Inácio Lula da Silva também. E Dorival Caymmi, Caetano Veloso, Elis Regina, Sônia Braga, João Cabral de Melo Neto...

Em trinta anos de carreira, Roberto Wolfenson — 45 anos, paulistano do tradicional bairro judaico do Bom Retiro — construiu um nome que une o glamour à excelência profissional. Está entre os fotógrafos mais bem pagos do país, a ponto de manter um estúdio de 600 metros quadrados de área construída (hoje em sociedade com o ex-assistente Fernando Laszlo) na Vila Madalena, em São Paulo, com dez funcionários. Apesar disso, ele jura que não está rico — e, como veremos nesta entrevista, não é do tipo que faz questão de ostentar. Acaba de comprar um jipe Land Rover Discovery mais pelo conforto do que pelo luxo. Bob até já tentou manter um Rolex no pulso, mas, depois que o próprio sumiu (e até hoje ele não sabe se perdeu ou foi furtado), optou pela simplicidade de um desses relógios imitáveis pelos camelôs. É daquelas raras pessoas que preferem passar a noite lendo Shakespeare a frequentar o circuito de descolados e socialites.


Santista roxo, acompanha tudo o que diz respeito a futebol pela TV, se diverte cantando músicas com a letra ao contrário e o máximo que leva nas viagens de férias com a família — a mulher, Mansa Guimarães, figurinista (45 anos), de seu segundo casamento, a enteada Francisca (22) e as filhas Helena (12) e Isabel (9) — é uma pequena câmera automática, como qualquer turista aprendiz. Seus prazeres são simples: "Meu lazer cultural é jantar fora", diz ele, gourmand assumido. Imune à moda propriamente dita, apesar de fotografar para as griffes mais vistosas do país, invariavelmente veste jeans e camisas nacionais, de vez em quando um paletó. Gravata, só em casamentos: "Não sei nem dar nó", jura. Sua única concessão à vaidade são as idas à academia de ginástica e a natação. Mas detesta perfumes e não acha que os cabelos mereçam mais do que um xampu convencional. "Que cabelo, o Paulo ou o João?", brinca. "Meus cabelos são tão poucos que têm até nome."

Talvez Bob seja assim despojado pela formação que teve na infância. Filho de um ex-militante comunista, Jacó, que se tornou dono de uma malharia, e da funcionária de uma entidade assistencialista judaica, Maria, o pequeno Roberto cresceu ouvindo falar na mais-valia e no proletariado o tempo todo. A primeira câmera, uma Beirette que o pai lhe deu aos 12 anos, era pura brincadeira, como tocar violão e surrupiar cartas de amor da irmã mais velha, Silvia, hoje produtora de documentários. Bob foi o caçula que acabou sendo o irmão do meio, já que a família também criou Jair de Oliveira, hoje jornalista. E só resolveu trabalhar quando seu Jacó faleceu, aos 56 anos, de câncer.

A família acionou os conhecidos e a primeira coisa que lhe apareceu foi um estágio no Estúdio Abril, aos 15 anos de idade. Isso foi em 1969, e tudo veio a seu tempo. Nos anos 70, Bob tornou-se um inseguro repórter em revistas técnicas como Máquinas & Metais e O Químico Industrial. Nos 80, estava em Nova York como assistente de Bill King, aquele que fotografou Isabela Rossellini para a campanha dos cosméticos da Lancôme. Nos 90, colocaria fotos no acervo do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e seria aclamado o Fotógrafo do Ano na premiação do Phytoervas Fashion Awards ( 1997).

Hoje, instalado numa sala repleta de livros especializados, e onde guarda o que chama de melhor foto de Bob Wolfenson — um retrato dele e da mulher feito por Vânia Toledo, há quase vinte anos, "quando ainda era magrinho e cabeludo" —, Bob é quase um mestre. Responsável por colocar no mercado o talento de ex-assistentes como Paulo Vainer, Mário Pontes, Fero Hamburguer, Roberto Steizer, Eduardo Mascareira, Tiago Molinos e André Passos (os dois últimos atualmente no mercado americano), diz que a principal exigência para alguém trabalhar com ele, além de dominar a técnica, é a índole: "Quem não entende as piadas aqui acaba indo embora". Para entrevistá-lo, PLAYBOY enviou a editora-contribuinte Rosangela Petta, que conta:

"Na primeira das duas rodadas desta entrevista, Bob e eu fizemos as contas e levamos um susto: nos conhecemos há exatos 21 anos. Ele estava começando na Editora Abril, eu também, e a extinta revista Pop nos uniu para cobrir uns desastrado campeonato de windsurfe no Guarujá, no litoral paulista, em que a chuva e o frio derrubaram a reportagem. Para completar, na volta pegamos um torturante congestionamento de trânsito. Mas foi aí que descobri quem era o Bob: como nem o rádio do carro dele, um velho Corcel amarelo e preto, pegava na serra, ele inventou um concurso de canto.

"Lá estávamos nós, sem matéria — e, portanto, sem dinheiro, pois éramos ambos free-lancers —, com fome, com sono, batendo os dentes de frio. Mas cantando no meio da estrada, uma vez cada um. E, reação mágica, com um delicioso relaxamento das tensões. Por isso, entendo perfeitamente quando todo mundo quer ser fotografado por Bob Wolfenson. Na sua franqueza debochada, no seu cavalheirismo enrustido entre piadas, no azul de seus olhos sempre curiosos, sempre dá motivo para a gente se sentir bem".


PLAYBOY: Que tipo de ensaio de nu você gosta de ver?

BOB WOLFENSON: Sou diferente do leitor de PLAYBOY. Quero ver fotos boas, só.

PLAYBOY: Não quer ver as mulheres?

BOB: Não. Porque não tenho esse tesão, que todo mundo tem, de ver uma mulher nua. No trabalho convivo muito com isso, né? Então, em geral, prefiro ver belas imagens.

PLAYBOY: É por isso que, para o seu próximo livro, Encadernação Dourada, você está fotografando mulheres nuas dentro de um tubo de plástico?

BOB: Comecei a fazer isso e não sabia muito por quê. É um método meu, ir fazendo sem saber a razão. Mas suponho que seja mais ou menos como eu me sinto quando estou fotografando as pessoas, especialmente quando elas estão nuas: sempre tem essa interposição entre mim e o sujeito da fotografia, um escudo transparente, uma coisa invisível que não permite a fruição física.

PLAYBOY: Não permite mesmo?

BOB: [Rindo.] Sabia que você ia fazer essa pergunta...

PLAYBOY: Então, já deve ter preparado a resposta.

BOB: [Pausa, olha para cima.] Que eu me lembre, não [gargalhadas]. Não, sério: você há de convir que, se chegar para mim e perguntar: "Ah, Bob, você já transou com alguma mulher que fotografou?", que é a pergunta que todo mundo faz, não será nenhuma novidade.

PLAYBOY: Vai ser novidade se você disser "sim", já que todos os fotógrafos dizem "não" [risos].

BOB: Então. Lógico.

PLAYBOY: Lógico que sim?

BOB: Lógico que não! [Gargalhadas.] Ora!

PLAYBOY: Mesmo trabalhando, fotógrafo e modelo continuam sendo homem e mulher, pode rolar um clima. Ou não?

BOB: No momento da foto, não [gargalhadas]. Olha, não sou esse estereótipo do fotógrafo comedor. Tem fotógrafos que fazem essa linha, os bonitões, grandões, bacanas. Chove mulher pra cima deles.

PLAYBOY: Deve chover pra você também.

BOB: Então eu não vejo.

PLAYBOY: As modelos não dão em cima de você?

BOB: Que eu saiba, não. O que pode acontecer é, por eu ter esse jeito muito irônico, ficar essa conversinha, essa brincadeirinha. As equipes são muito grandes e, quando você junta muita gente, só se conversa sobre isso.


PLAYBOY: Sobre sexo?

BOB: É. Respira-se um clima sensual. Mas daí até acontecer alguma coisa vai uma distância muito grande.

PLAYBOY: Certamente. Mas já aconteceu?

BOB: Não me lembro... [Pausa, gargalhadas.] Aconteceu antes de eu casar, vai! [Mais gargalhadas.] Sinceramente, não me lembro de transa em função de trabalho. Já tive uma namorada que foi modelo, mas eu tinha 17, 18 anos. E, claro, muitos fotógrafos namoram modelos. Casam com modelos.

PLAYBOY: E quanto a sexo sem amor?

BOB: Sexo sem amor, que perguntinha...

PLAYBOY: Por quê? É impossível?

BOB: Não, acho super possível. Mas, honestamente, não rola.

PLAYBOY: Nem uma cantada de vez em quando?

BOB: Digamos que eu não seja um homem muito interessante.

PLAYBOY: Quanta modéstia...


BOB: Talvez assim, conversando. Posso ser simpaticão, ter grana, ser famoso...

PLAYBOY: Cantadas de modelos masculinos, então?

BOB: De jeito nenhum. Quando era menino, fui muito bonito. Até uns 22 ou 25 anos, era bonito e muito feminino de feições. Aí, era assediado por colegas. Puta, de montão! Teve até uma época em que um cara ficou me ligando aí... Imagina! Não gosto. Não tenho a menor curiosidade.

PLAYBOY: De qualquer forma, as tentações na sua profissão são muitas.


BOB: Sei que está difícil de você acreditar [risos], mas acho que não sou o biotipo de homem que interesse. As modelos, hoje, são meninas. Têm 15, 16 anos — eu tenho 45! Se ainda estivesse no auge da minha forma física, bonitão e o cacete...

PLAYBOY: Mas você viaja com a modelo, vê a própria sem roupa...

BOB: [Interrompe.] Mas é vazio isso. Talvez, numa situação menos explícita. fosse mais fácil haver um clima.


PLAYBOY: É a mulher vestida que dá tesão em você?

BOB: [Longa pausa.] Não, mulher nua também me dá tesão [risos]. Mas não necessariamente as que estou fotografando. Quer dizer, muitas vezes até dá, acho bom estar vendo, digo: "Nossa, tá louco! Depois dessa aí vou chegar em casa e arrebentar as cortinas, rasgar o sofá!" [Risos.] Mas não chega a ser um tesão configurado, sério.


PLAYBOY: O nu, para você, ficou banal?

BOB: Um pouco, sim. A situação [durante o ensaio fotográfico] é muito banalizadora, profissional: tira ali, puxa aqui, arruma. Aquela nudez é para o outro, não é para mim. Sou um instrumento do leitor. Sou uma passagem.

PLAYBOY: Na sua vasta experiência com modelos e estrelas de PLAYBOY, ficou alguma lição sobre a natureza feminina?

BOB: Tem de tudo. Desde aquela mulher que posa só pelo dinheiro, bem objetiva, até aquela que tem tesão em ser fotografada. Você percebe que ela tem prazer.

PLAYBOY: Quem, por exemplo?

BOB: [Pausa.] Cláudia Alencar, quando fiz para PLAYBOY [capa de março de 1987, a 12ª edição mais vendida da história da revista], tomava umas vodcas, ouvia Janis Joplin e [imita] revirara o olho [risos]. Me pareceu que ficou muito excitada com o fato de estar sendo fotografada. A câmera tem um pouco essa representação fálica, de penetração, né?


PLAYBOY: Numa foto do ensaio com Mylla Christie [capa de PLAYBOY em novembro de 1997], ela parece estar chorando.

BOB: Ela está chorando de fato.


PLAYBOY: O que aconteceu?

BOB: Foi o seguinte: sempre procuro fazer uma coisa que seja um pouco inédita, surpreendente, insólita, e que tenha força. Mas, no primeiro dia, ela disse: "Ah, isso aí eu não vou fazer... Ah, não é bem assim... Ah, isso não é bom pro meu corpo..." Começou a dizer coma tinha de ser o trabalho. Pensei: "Vou tomar pulso dessa situação senão esta mulher vai me dominar".

PLAYBOY: Ela achou que ficaria feia?

BOB: Não, ela queria mandar. Controlar. E eu disse: "Nós vamos ter de nos entender, ou paro o trabalho aqui e vou embora." Aí, ela chorou. Depois, ficou mansa. Colaborou bastante. Tinha uma foto dela amarrada sobre uma mesa, meio frango assado, né? Foi legal, gostei. No último dia, no jantar, ela já trouxe um champanhe e botou na mesa, celebramos, foi muito bom.

PLAYBOY: Ou seja, quando é preciso, você dá uma dura?


BOB: Lógico. Mas não é comum. Até porque, nesse tipo de trabalho, a pessoa vai mais preparada. Nos primeiros dias, é sempre difícil. Nas 3 horas antes de começar o trabalho, quando a mulher ainda não confia em você, e eu também não sei o que vai ser, sempre é uma coisa delicada. Nunca sei muito como começar. Não tenho nenhuma estratégia deliberada para ganhar a confiança delas, mas fi­co brincando, já falo uma barbaridade aqui e ali...


PLAYBOY: Quem é mais difícil fotografar: uma modelo novata ou uma grande estrela?


BOB: A grande estrela. Porque ela tem vontades, né? Tem desejos, tem o "não". As notavas estão ali, sob o domínio do medo [risos].


PLAYBOY: Que parte do corpo da mulher é mais fácil de fotografar?


BOB: Depende muito da mulher. Tem mulheres em que o forte delas es­tá no peito. Outras, na bunda, no coto­velo, no rosto. Não tenho predileção. Nem acredito que seja mais fácil foto­grafar uma coisa que outra.

PLAYBOY: Você só vai saber na hora?

BOB: Exatamente.


PLAYBOY: Já aconteceu de não achar nenhuma parte fácil de foto­grafar?


BOB: Muito. Mas não posso dizer os nomes porque elas vão ficar muito putas, né?


PLAYBOY: Você declarou que fo­tografar mulher é mais fácil que ho­mem...


BOB: [Interrompe.] Falei isso, foi?


PLAYBOY: Falou, para a Revista da Folha, em 1996. Afinal, você acha que o homem é mais vaidoso ou pre­fere mesmo a plástica feminina?


BOB: Em retrato, não, é tudo igual. Agora, os modelos homens são me­nos interessantes. Sei lá. É uma pro­fissão muito estranha, né?

PLAYBOY: Você não gosta de fo­tografar homem?


BOB: Não é que eu acorde de ma­nhã e diga: "Puxa, que bacana, hoje vou fotografar dez homens!" [Risos.]


PLAYBOY: Fotografar o poeta João Cabral de Melo Neto foi mesmo uma batalha?


BOB: Estava louco para fotografá-lo para o meu livro [Jardim da Luz], em que juntei gente que conheço, gente que amo e gente que admiro. O João Cabral é um cara que eu li muito, desde a escola. Quando vi [a peça do mesmo autor] Morte e Vida Severina, foi muito impactante pra mim. Mas o [escritor] Antonio Callado, que tam­bém fotografei, me avisou: "Olha, fica em cima porque ele não gosta disso". Fui para a Academia Brasileira de Le­tras, montei o equipamento, mas o João Cabral dizia: "E aí, já acabou?" [Risos.] Às vezes, a fotografia tem uma coisa muito invasiva mesmo. O fotógrafo é muito cara de pau, um entrão. Procuro deixar a pessoa o mais confortável possível, para não me dizer "não", mas não roubo foto­grafia. Não faço o que o cara não quer que eu faça. E o João Cabral não estava nem querendo nem des­querendo. Sentiu-se um pouco lison­jeado, mas não tinha nem um pouco de saco para aquilo.


PLAYBOY: Num outro extremo, você fotografou Carlinhos Brown pa­ra uma campanha publicitária de ce­lulares. Foi mais fácil?


BOB: Ah, ele chegou falando: "Vamos fazer uma coisa maluca" e não sei quê. Se fosse um trabalho pessoal, meu, não faria daquele jeito. [Brown aparece com o celular amarrado na gar­ganta.] Mas era uma encomenda em que, quanto mais insólita a possibili­dade do telefone, melhor. Nossa, fiz, sei lá, uns vinte filmes. Teve, cenas de­le jogando o telefone pra cima, pra baixo... [Risos.] Já a foto [da mesma campanha] do Pelé com o celular na testa foi uma ideia minha. Falei: "Va­mos fazer como se fosse uma bola?" Colamos o telefone na cabeça dele com fita crepe [risos]. Ficou legal.

PLAYBOY: É comum a pessoa não gostar do próprio retrato?


BOB: Muito comum. A fotografia tem uma coisa de crueldade e agressi­vidade muito grande. Por exemplo, pa­ra um ator, ser fotografado é muito di­fícil. Ele não tem a fala, não tem o movimento. Você congela um momento dele, 1 milionésimo de segundo, e ele nunca se viu daquele jeito. Você mes­ma, quando pára no espelho, não fica fixa: você olha aqui, olha ali...


PLAYBOY: Procuro o meu melhor ângulo...


BOB: Exatamente. E a imagem no espelho, ainda por cima, é invertida. Você nunca se vê como numa foto­grafia. Em geral, as pessoas se recu­sam.


PLAYBOY: E qual é o seu segredo para lidar com essa tensão?


BOB: Não penso muito nisso, não. Tem um fotógrafo americano, cha­mado Arnold Newmann, um monstro sagrado dos retratos, que acho meio careta. Ele tem uma psicologização do fotografado, senta, conversa, quer saber da vida. E quer, também, tradu­zir isso fotograficamente.


PLAYBOY: Você acha possível?


BOB: Não, penso de uma forma to­talmente diferente. Vou meio ao sa­bor dos acontecimentos, não vou es­tudar a personalidade do sujeito. Acho que aquele momento ali, entre mim e o fotografado, é único e irre­petível. Eu bato um pouco em cima dessa ideia, que é o maior senso co­mum a respeito da fotografia, que é a "captação da alma". A foto nunca é a pessoa. Em primeiro lugar, é a opi­nião do fotógrafo a respeito daquela pessoa. Em segundo, é aquele momento singular, de estar com aquela luz, naquela situação, e que jamais voltará a acontecer. A fotografia mos­tra um pouco da geografia facial ou corporal da pessoa, mas não tem esse poder de traduzi-la totalmente.


PLAYBOY: Os emergentes costu­mam encomendar retratos para você?


BOB: Não. Sabe por quê? Meus re­tratos não são enaltecedores. São fe­chados, cortados, em preto e branco. Veja o meu livro: as pessoas estão en­rugadas. O que acontece muito é gente que, como profissional, precisa de fotos para divulgação e acredita que, com o meu nome embaixo, con­siga pôr as fotos numa revista. Isso tem bastante. E tem gente que me chama porque realmente gosta do que faço. Mas faria retrato de qual­quer pessoa. Como um cantor que faz show em baile de debutante.


PLAYBOY: Você faz campanha po­lítica também?


BOB: Faço. Já fiz para a [ex-prefeita de São Paulo pelo PT, hoje no PSB, Luiza] Erundina. Até hoje não recebi [risos]. Fiz para o [ministro da Saúde e então candidato ao senado José] Serra também.


PLAYBOY: Tem algum tipo de trabalho que você não faz de jeito nenhum?

BOB: Tem. Por exemplo, para o [presidente do PPB e ex-prefeito da capital paulista Paulo] Maluf, não faria, com certeza. Que mais? Tem muitas revistas que recuso, quando acho que aquilo não vai me dar chance de fazer uma coisa boa, não vai sair bem impresso. Minha relação com as revistas é exatamente essa: ter a possibilidade de me colocar, me expor e sair bem. Se vejo que a revista não vai atender esses quesitos aí... E não faço outras revistas de nu além de PLAYBOY.

PLAYBOY: Então, você recusa trabalho?

BOB: Recuso.

PLAYBOY: Qual é o critério?

BOB: Primeiro, se me enche o saco. Às vezes, o cliente fala assim: "Você não precisa se preocupar com modelo, locação, já temos tudo, tá?" Eu falo [indignado]: "Quer dizer que vou só apertar o botão?"

PLAYBOY: Fotógrafo não tem só que fotografar?

BOB: Lógico que não! Meu trabalho não é técnico, de forma nenhuma! Escolho a modelo, escolho o lugar, as pessoas que vão trabalhar para mim, como cabeleireiro e maquiador, escolho produtor de figurino... Claro, é uma coisa de bom senso. Você faz um casting [seleção] e oferece ao cliente, sei lá, dez modelos. Aí, ele recusa as dez — isso acontece. Aí, você oferece mais dez. Ele recusa as outras dez. Se começa com muita onda, assim: já fico puto. Já deixa de ser fotografia, entendeu?

PLAYBOY: Não.

BOB: O fotógrafo de moda não é como o de cinema, ele não vai solucionar nada tecnicamente. Ele é um pouco tudo, é arquiteto, técnico, psicólogo, diretor, diretor de arte. As vezes, desço da minha sala para o estúdio e vou só apertar o botão, mas isso porque meus assistentes já montaram tudo, já fizeram a luz que eu queria. Entrou aqui, o trabalho é meu.

PLAYBOY: Você é bom de ouvir palpite?

BOB: Sou, muito. Talvez uma das razões de eu estar há tanto tempo no mercado seja esta: dar muita voz aos meus assistentes, a quem está em volta. O trabalho de fotografia é de equipe mesmo. Sem um bom maquiador eu não seria ninguém.

PLAYBOY: Modelo pode dar palpite também?

BOB: Modelo se expressa. O que diferencia uma boa modelo de uma má? É ela estar ali contribuindo. Está para um fotógrafo como uma atriz para o diretor de teatro ou cinema.

PLAYBOY: Em termos mais claros, o que é uma boa modelo?

BOB: É quando ela não é só um cabide de roupa. Quando se movimenta. A Gisele Bündchen é assim. Fotografei muito a Gisele, fiz uns trinta trabalhos com ela E, no primeiro ou segundo, já vi: essa mulher é incrível. Menina, né? Tinha 15 anos. Nesse trabalho, um catálogo para uma confecção, a Gisele tinha de fazer uma cantora de jazz. Então, fazia aquilo de uma forma muito desinibida, forte, com vontade. Além da beleza extraordinária, ela tem isso. E é por isso que nem mora mais no Brasil — se fosse só bonita, não era ninguém. Isso é que faz a diferença. E tem a elegância, né? A pessoa nasce com isso, não se aprende muito, não. Às vezes a pessoa é dura, pesada, não dá. Mas me engano muito de modelo também.

PLAYBOY: Como assim?

BOB: Às vezes chamo uma pessoa linda que vi num book [espécie de currículo das modelos, só com fotos] e, quando vou fotografar, não rola. É uma situação complicada, muito difícil. Ou você leva em consideração a pessoa — e, muitas vezes, tendo a isso e me fodo no trabalho — ou dispensa. Sempre é chato.

PLAYBOY: Você dá conselhos às modelos novas?

BOB: Não. Nem tenho uma relação muito íntima com esse meio, não vou muito a festas. Vou quando estou a fim.

PLAYBOY: No meio da moda rola muita droga?

BOB: Para falar a verdade, rola maconha. Não tenho o menor problema [com isso], não fumo por questão pessoal. Aos 18 anos, tive uma alucinação e nunca mais fumei, fiquei com medo. Mas jamais repreenderia uma pessoa que fumasse maconha no meu trabalho, contanto que não esteja diretamente ligada a mim. Meus assistentes não podem fumar, de jeito nenhum, enquanto estiverem trabalhando. Quanto a outras pessoas que vêm aqui, cabeleireiro ou a própria pessoa que vai posar, não estou nem aí.

PLAYBOY: Maconha não atrapalha o trabalho?

BOB: Não posso proibir o cabeleireiro de fumar maconha. Se é o jeito de ele fazer bem o que sempre fez! Não me incomodo, realmente. Sei até onde a maconha vai. Nenhuma pessoa fica louca — eu é que tenho medo de ficar louco e não fumo.

PLAYBOY: E bate-boca, rola?

BOB: Rola, mas é raro. Com modelo nunca briguei. Mas já dei bronca em maquiador. [Lembra-se.] Ah, já mandei um cara embora, sim, um modelo. Era muita gente numa foto, trabalho complicado, e ele estava disperso, brincando o tempo todo. Falei: "Pode ir embora." Ficou todo mundo em silêncio, mas o trabalho rolou.

PLAYBOY: É verdade que você teve de separar um casal de modelos aos berros porque uma foto de beijo esquentou demais?

BOB: É, às vezes boto muita lenha na fogueira e, depois, tenho um prazer sádico de interromper [risos]. Isso acontece. Os caras ficam putos, né? Mas é na brincadeira, na ironia. Digo as coisas sempre meio do avesso, mas sempre digo tudo o que quero dizer. Tenho muito bom humor, é difícil eu sair do sério.

PLAYBOY: Você fotografou Cindy Crawford, não?

BOB: Fotografei, mas isso é totalmente irrelevante.

PLAYBOY: Trabalhar com Cindy Crawford é irrelevante?


BOB: Foi muitos anos atrás, há uns quinze anos, para a revista CLÁUDIA, mas nem considero digno de menção. Cindy Crawford esteve no Brasil, fizeram ela perambular por vários estúdios, ela veio aqui, fiz a foto, e daqui saiu pra outro, foi só isso. Mas nem acho... Não acho nada.


PLAYBOY: Por quê? Você não gostou da foto?

BOB: Não, é que essa mistificação em torno dessas mulheres todas... Fotografei a Christy Turlington em Miami [em 1996, para a grifie Viva Vida] e, aí sim, foi um trabalho: um catálogo de moda. Depois, trabalhei com a Caroline Murphy, em Nova York [em 1997, para a Daslu]. Mas o primeiro com uma top internacional foi o da Christy.

PLAYBOY: E aí, você tremeu?

BOB: Estava muito nervoso. Dormi mal, acordei cedo. Claro, cheguei com a maior cara de quem estava bem, né? Já dando ordem, dizendo como tinha de ser o cabelo... [Risos.] E o cabeleireiro e o maquiador eram dela! No fim, ela veio e me cumprimentou: "Você é muito rápido!" Mas estava nervoso, sim. Porque era uma situação inversa: ela quis me aprovar antes. Ela queria um fotógrafo de lá, mas, como insistiram num fotógrafo brasileiro, pediu para ver o meu portfolio. Adorou. Até me perguntaram: "O que você mandou que ela adorou tanto?"


PLAYBOY: E o que você mandou que ela adorou tanto?

BOB: Sei lá, umas fotos de moda. Talvez ela estivesse esperando uma indiaiada [risos].

PLAYBOY: É desconfortável ser julgado por uma modelo?

BOB: É. Mas na Europa e nos Estados Unidos as modelos têm muito poder. Elas vetam fotógrafos.


PLAYBOY: Que top você ainda gostaria de fotografar?

BOB: A Naomi [Campbell], talvez. Mas tenho medo dela. Dizem que é maluquíssima, xinga, chuta, tem uns pitis no meio do trabalho. Sei lá, com uma pessoa com esse nível de fama fico um pouco atemorizado, tenso. Tem de tudo nesse meio. Costumo dizer que é um estrato igual a todos os outros, como jornalismo ou medicina: tem ciúme, competição, inveja, fofoca, puxação de tapete, tudo igualzinho. O que acontece é um exagero da mídia em torno da glamourização do mundo da moda — aqui, já é [um problema] social. Acho uma distorção essa história de modelo no Brasil, hoje. Coisa de maluco.

PLAYBOY: Por quê?

BOB: As pessoas não querem mais estudar! Ser modelo já é um status muito grande para elas. Geralmente, são meninas do interior ou de capitais menores, nunca das metrópoles. Então, elas vêm descortinando esse mundo, que é meio uma Hollywood cabocla. Eu é que digo isso — para elas nem é cabocla, é uma Hollywood mesmo. E, para cada uma que está sendo fotografada, tem 500 que não estão. É exatamente essa a proporção. Passar pelas peneiras todas é um percurso difícil. Precisa de sorte e muito talento.

PLAYBOY: Tem aquela iniciante que já mostra a que veio?

BOB: Tem. A Luana [Piovani], por exemplo. Quando viajei com ela para a Disneylândia, numa matéria para a [revista] CAPRICHO, era uma menininha. Mas já mostrava uma personalidade muito forte, tinha um savoir vivre, uma vontade de fazer as coisas, um jeito particular. Cláudia Liz também era assim. E brinco muito com todo mundo. No primeiro dia em que veio aqui a Fernanda Tavares, que é uma modelo maravilhosa e nem mora mais no Brasil, estendi uma vassoura e um balde: "Fernanda, pode começar: primeiro, limpa toda a parte da frente, depois vai pegando a parte de trás e, na minha sala, quero que passe só um espanador, tá?" [Risos.] Ela olhou meio assim, mas a mãe dela riu, entendeu logo. E toda vez que encontro com a Fernanda, digo: "Você tá me devendo aquela faxina, hein!"

PLAYBOY: Modelo precisa ter cultura?

BOB: Não, cultura nenhuma. Mas se tiver esse lado positivo, alegre, aprende a língua no exterior, por exemplo. Essas meninas amadurecem muito cedo, o que pode ser muito bom e muito ruim.

PLAYBOY: E se uma de suas filhas quiser ser modelo?

BOB: [Pausa.] Em princípio, apoiaria qualquer coisa que minhas filhas escolhessem ser, tenho isso por premissa. Agora, foto de criança, acho complicado. Em geral, você vê que aquilo não é uma vontade da menina, é o pai que quer. Dá um beliscão e diz [entredentes]: "Ri, querida!" Em geral, trabalho com substituições. Chamo a [menina] principal e ponho uma do lado: se der problema, troco na hora. Isso é uma aberração para a mãe, mas sou muito frio nessas horas, preciso do meu trabalho pronto. Não vou entrar em questões pedagógicas e psicológicas. Faço com uma puta dignidade, muitas vezes com carinho, porque até me afeiçôo um pouco às crianças. Mas chorou? Está me atrapalhando? Até logo, com licença, vou mudar. Com bebês, então, a gente trabalha com três, e vai trocando.

PLAYBOY: Tem gente que se oferece para posar para você?

BOB: Tem muita maluca que me liga para ser fotografada nua, fazer um book e mandar para a PLAYBOY. Nem atendo.

PLAYBOY: As famosas também se oferecem?

BOB: Não, nunca. Às vezes, uma famosa diz que está negociando com a PLAYBOY e quer que eu faça. Ótimo, maravilha. Mas também tem as ciladas, né?

PLAYBOY: Que tipo de cilada?


BOB: Às vezes, acho que aquela mulher não é suficientemente interessante e elegante. Por exemplo, fiz a Andréa Guerra [PLAYBOY de maio de 1998] e acho que ela ficou gordinha. As fotos são legais, o leitor gostou, mas não é muito o meu gosto. Gosto fotográfico, bem entendido [risos.]

PLAYBOY: Que tipo de mulher você acha atraente?

BOB: Sei lá. Sou muito eclético. Como diz uma bicha cabeleireira que trabalha comigo, "não tenho tipo, tenho pressa" [risos].

PLAYBOY: Você é fiel?

BOB: Que insistência... [risos]. De certa forma, sou [gargalhadas].


PLAYBOY: Como "de certa forma"?

BOB: Porque eu já não fui fiel. Minha mulher [a figurinista de cinema Marisa Guimarães] sabe disso. E ela também não foi. Eu sei entender, sei mudar meu ângulo, me colocar na posição dela, e vice-versa. Mas não é fácil.


PLAYBOY: Por isso você passou a ser fiel?

BOB: Não é que eu passei a ser fiel, é que acho difícil ser infiel. Uma coisa muito dolorida. Por exemplo, a infidelidade da minha mulher machuca muito se eu souber. Mas nunca me separaria dela por causa disso. A não ser que ela dissesse: "Tenho um namorado, tá aqui, ó".

PLAYBOY: E como você se protege da infidelidade?

BOB: Até que nem me protejo tanto. Quer dizer, não tenho um contrato com a minha mulher, não somos nem casados. A gente está junto porque se gosta, porque precisa um do outro. Estou aí, vivo, para a vida, para tudo, mas peso as coisas que estão em jogo. Minha mulher está comigo porque gosta de mim. Quando me conheceu, eu não era o Bob Wolfenson, não tinha dinheiro, nada.

PLAYBOY: As mulheres se sentem atraídas pela sua fama?

BOB: Acho que tem esse apelo, sim. Por outro lado, [a fama] é uma parte integrante minha, hoje. Até posso usar isso para o meu bem, né? E como diz um amigo meu: "Se ninguém conhecer você, bota o crachá e tudo muda" [risos].

PLAYBOY: Apesar desse casamento cheio de compreensão, pinta ciúme de parte a parte?

BOB: Pinta. Minha mulher nunca me pergunta nada, eu é que sou mais insistente. Sou como você está sendo comigo agora [risos]. É que sou mais preocupado com a relação do que ela. Sou mais feminino nesse aspecto — minha mulher vai ficar puta, mas é verdade. Sou muito apaixonado pela minha mulher. Quer dizer, neste exato momento, não ando muito apaixonado, mas a minha história com ela é de muita paixão.

PLAYBOY: Você acha que um casamento precisa de paixão para se sustentar?


BOB: O casamento é muitas coisas. Uma é a procriação. Outra é a estabilidade econômica, segura bastante. Agora, acho que o casamento não é feito muito para o sexo, não. Ele atende a outras reivindicações internas: estabilidade, segurança, ternura, amizade. E, eventualmente, sexo. Em momentos, em ilhas da sua história. Apesar de ter tido altas trepadas com a minha mulher, sei que o casamento não é isso. O amor passa pelo sexo também, mas não só por ele. E, muitas vezes, passa sem o sexo.

PLAYBOY: Juntando seus dois casamentos, são 26 anos. Você gosta de estar casado?

BOB: Gosto. É legal voltar para casa, para a família, depois do trabalho. Às vezes fico de saco cheio de estar casado. Quando começa o rame-rame Amnéstico, ou quando vejo quanta gente depende de mim... Mas eu amo tanto as minhas filhas! Acho isso um prêmio.

PLAYBOY: Vamos falar, então, da sua fase pré-casado?

BOB: Não existe, porque era casado com outra [a atriz Salma Buzzar, com quem Bob viveu seis anos]. Fiquei separado da primeira para a segunda mulher uma semana. Me separei da Salma numa quinta, conheci a Marisa num sábado e já comecei a namorar.

PLAYBOY: Mas você não nasceu casado. Ou será que só começou a transar quando se apaixonou pela primeira vez?

BOB: Não, na minha época não tinha essa boiada de hoje em dia [risos].

PLAYBOY: Foi com uma profissional?

BOB: Foi. Fui [a um bordel] com um primo meu e a gente levou 2 horas até tomar coragem de entrar. Eu tinha 12, 13 anos, mas com cara de 8, e a garota falou: "Criança, o que é que você está fazendo aqui?!" [Risos.] Eu, querendo bancar o machão, dizia: "Não, imagina, já tô aqui há um tempão..." [Risos, pausa.] Pedi até um desconto, disse que era aniversário da minha mãe, precisava comprar um presente [gargalhadas]. Foi uma experiência da qual não me recordo com muita galhardia. [Pausa.] Passou, acabou. [Pausa.] Voltei lá mais duas vezes [risos] . Depois, a primeira namorada com quem transei acabou sendo minha primeira mulher. Tinha já 18, 19 anos. Casei quando tinha 24.

PLAYBOY: E paixonites?

BOB: Ah, isso tive desde pequenininho, era romântico. Mas muito picareta. Tinha um cara que era apaixonado pela minha irmã e escrevia cartas. Eu roubava as cartas dele, trocava só o nome da mulher e mandava para uma menina que era minha vizinha. Eu vivia na rua tentando vê-la.

PLAYBOY: Conseguiu namorá-la?

BOB: Acho que dei uns beijos, botei a mão no peito. Acho, hein! Não me lembro direito. Também, era o máximo que a gente conseguia fazer. Uma judiazinha argentina, linda...


PLAYBOY: Você teve uma infância tipicamente judaica, de frequentar sinagogas?

BOB: Meu pai era um judeu de esquerda, do PC [Partido Comunista, atual PPS]. Era militante e, até os 36 anos, vivia de salário do partido. Me lembro das reuniões na minha casa, vivi nesse mundo de efervescência política desde pequeno. Depois, ele teve uma indústria — a contradição maior, né? Um comunista explorando a mais-valia, o proletariado! [Risos.] Mas, com essa militância do meu pai, fui um judeu meio fajuto.

PLAYBOY: Ele achava que a religião é o ópio do povo?

BOB: [Rindo.] Achava! Não fiz nem bar milzvah [na tradição judaica, ritual de passagem para meninos de 13 anos].

PLAYBOY: Mas é circuncidado?

BOB: Sou. Essa coisa do meu pai era um paradoxo, claro. A gente vivia num gueto. O Bom Retiro [bairro da região central de São Paulo] era um gueto, meus amigos eram todos judeus e estudei numa escola judaica progressista, Sholem. Toda a minha família dirigia a escola, tia, primas. E a escola era de esquerda. Tanto que, na Guerra dos Seis Dias [em 1967, quando Israel bombardeou e derrotou simultaneamente o Egito, a Síria e a Jordânia], todos esses judeus de esquerda estavam lá em casa com uma posição meio ambígua em relação à guerra.


PLAYBOY: Seu pai era pernambu­cano e Pernambuco teve grandes co­lônias judaicas, não?


BOB: Isso no século XVII, durante a Inquisição, mas ele não era dessa imigração. Era de uma leva de cam­poneses que ia para Buenos Aires, em 1922, vinda da Ucrânia, e parou em Recife. Outro dia até brinquei com um amigo arquiteto, que é judeu também, perguntando: "Dá pra pôr a heráldica da minha família aqui em casa?" E ele: "É, um navio com o ter­ceiro andar do subsolo e uma enxada cruzada com uma colher de sopa." [Risos.]


PLAYBOY: O judaísmo, para você, também é um sentimento ambíguo como foi para seu pai?


BOB: [Pausa.] Na morte da minha mãe [em junho passado, aos 78 anos], fiz um funeral típico judaico. Fiquei um pouco... [Pausa, emocionado.] Acho que minha mãe era bem judia. E, em função do meu pai, parou de fazer jejum no Yom Kippur [na tradi­ção judaica, o Dia do Perdão], essas coisas. Então, foi uma homenagem minha a ela. Não nego minhas raízes de jeito nenhum.


PLAYBOY: Já foi discriminado por ser judeu?


BOB: Que eu saiba, não. Às vezes, falam: "Como você é judeu, só pensa em dinheiro!" E eu não penso muito em dinheiro. Quer dizer, até penso, mas sou muito mão-aberta, o contrá­rio do estereótipo do judeu. Pago bons salários, não tenho dinheiro guardado. Mas sei que as pessoas fa­lam: "Esse cara é judeu, você vai to­mar um nó dele, com aquele ali você não leva vantagem de jeito ne­nhum".


PLAYBOY: As piadas de judeu in­comodam você?


BOB: De forma nenhuma. Conto muito piada de judeu.


PLAYBOY: Tem uma aí?


BOB: Jacó morreu e Sara precisa pôr um anúncio fúnebre no jornal. Liga pra lá e dá o texto: "Jacó mor­reu". O cara do jornal fala que o pre­ço é único, ela pode colocar mais al­gumas linhas. Aí, Sara diz: "Jacó mor­reu. Enterro amanhã". O cara do jor­nal diz que ainda cabe mais uma fra­se. E a Sara: "Jacó morreu. Enterro amanhã. Vendo Monta 84" [risos].


PLAYBOY: Nos anos de militância da família, você conheceu gente que desapareceu durante a ditadura militar?


BOB: Muito, principalmente da es­cola. Fui parar no Colégio de Aplica­ção, onde todos os judeus de esquer­da punham seus filhos. Os não-ju­deus de esquerda também. Era um colégio estadual de gente muito rica, porque era difícil entrar lá. E, nessa escola, sim, conheci muita gente que desapareceu porque foi para a luta armada. Como o Alex Ibsen, que era maoísta.


PLAYBOY: Você também se envol­veu na luta?


BOB: Fui simpatizante de uma organização, a VAR-Palmares. Quando ela caiu, foram presas várias pessoas, como o Pérsio Arida [que se tornaria economista, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES, do Banco Central e um dos criadores dos planos cruzado e real]. Aí, tive de sair de casa um tempo.


PLAYBOY: Você precisou se esconder?

BOB: É, rapidinho. Fui para a casa de um amigo do meu pai. Fiquei três dias fora, só.

PLAYBOY: Por quê? Você era perigoso?

BOB: Nada! Fazia reunião [política, na clandestinidade]. Naquela época, não discerniam quem era perigoso, embora eu, com 15 anos, tivesse cara de 12. Com 18, tinha cara de 15. [Pausa.] Pena que isso não tenha continuado [risos]. Enfim, nunca fui preso, nunca tomei porrada, nada disso — o que, na época, dava status. Pô, se você fosse preso, depois comia um monte de mulher [risos].

PLAYBOY: Essa formação engajada fez a sua cabeça?

BOB: Os alunos do Aplicação impressionavam muito as pessoas. Me lembro de que, depois, no Colégio Equipe, o [escritor e ensaísta] Gilberto Vasconcelos, que era meu professor de literatura, ficou surpreso: com 15 anos, a gente falava de Mao Tsé-tung [líder da revolução comunista chinesa, em 1949, morto em 1976].

PLAYBOY: Você desprezava os prazeres da burguesia, como festas e rock?


BOB: Era ambíguo. Por um lado, sentia uma superioridade em relação a tudo isso e, por outro, tinha os desejos de todo garoto. Carros, por exemplo. Meu pai me chamava de "esquerdinha da Rua Augusta" [corredor de badalação da alta classe média paulistana nos anos 60.]

PLAYBOY: Qual era o seu nível de dificuldade econômica?

BOB: A gente era classe média média. Hoje, o Bom Retiro é um bairro mais médio baixo, mas na época meu pai tinha carro, minha mãe tinha carro, nós tínhamos empregada...

PLAYBOY: Viajava nas férias?

BOB: Ia para os acampamentos nas colônias de férias do partido [risos] em Peruíbe, Santos, São Vicente [cidades do litoral paulista], meu pai tinha apartamento no Guarujá. Isso na pré-adolescência, né? Na adolescência, já era militante.

PLAYBOY: Por isso foi estudar Ciências Sociais?

BOB: Foi. Entrei na USP [Universidade de São Paulo] em 1973.


PLAYBOY: Então, pegou um período de repressão política aos estudantes, inclusive o da morte no DOI-CODI, em 1975, do jornalista Vladimir Herzog, outro judeu, que era professor da USP.

BOB: Nessa época já não estava lá, larguei a faculdade no segundo ano. Mas trabalhei com o Herzog na revista Visão. O Geraldo Guimarães era fotógrafo, me chamou para ser free-lancer e, quando saiu de férias, me deixou no lugar dele. Aí, com 20 anos, fui editor por um mês. E trabalhavam lá o Herzog, o [diretor de arte George] Duque Estrada, o Rodolfo Konder [atual secretário municipal de Cultura em São Paulo.] Todos do partido, amigos da minha mãe, que me colocou lá. O [ex-presidente da Rede Cultura de Rádio e Televisão e secretário da Comunicação Social do governo FHC, de janeiro a março de 1995] Roberto Muylaert era o editor-chefe e o [economista e hoje senador pelo PT] Eduardo Suplicy era editor de economia.


PLAYBOY: Que tal o Suplicy como editor?

BOB: Olha, faz muito tempo. Eu não tinha, na época, discernimento pra saber nada. Mas me lembro de que fui fazer uma matéria sobre bóias-frias em Avaré [interior de São Paulo] e foi o Suplicy quem editou. Ele até citou uma frase minha [na matéria] porque uma mulher lá falou que eu era um menino muito bonito e não sabia por que eu estaria interessado nos bóias-frias.

PLAYBOY: Você vota nele?

BOB: Às vezes, dependendo do cargo.

PLAYBOY: Por quê você diz que se decepcionou com a esquerda?

BOB: Por todo esse socialismo que não se viabilizou, não se legitimou, e acabou praticamente sem nenhuma oposição, se autodissolveu. Depois, pela falta de liberdade, de democracia. Fui a Cuba há uns dez anos, trabalhando — [rindo] para a revista Vogue, veja só! —, e achei muito interessante, mas não gostaria de viver lá. Acho que ninguém tem o direito de dizer o que é bacana você ler. E todo esse lado disciplinar socialista, a máquina burocrática, me incomoda muito. Mas é lógico que os ideais do socialismo são maravilhosos, né?

PLAYBOY: Você se definiria como um socialista romântico?

BOB: Sei lá, acho que não. Sou mais à esquerda que à direita, sem dúvida, mas já votei no PSDB, não tenho nada contra as alianças desse partido. E voto no PT, [no deputado federal José] Genoíno, sempre. Talvez eu seja um social-democrata. Não sou muito guerreiro, não me incomodo mais tanto com política.

PLAYBOY: Com o que você se incomoda?

BOB: Com o que incomoda todo mundo: as diferenças sociais, você não viver civilizadamente, nos moldes em que se vive na Europa ou Estados Unidos, por exemplo.

PLAYBOY: Pensa em morar fora do Brasil?

BOB: Já morei, em 1982. Fiquei uns nove, dez meses em Nova York. Fui na louca: vendi tudo o que tinha, inclusive equipamento. Acho que, na época, juntei uns 9.000 dólares.


PLAYBOY: Na época, tinha uma carreira já em andamento, não?


BOB: Mas me achava medíocre. Olhava fotos de outras pessoas e achava muito melhores que as minhas. Aí, falei: "Ah, vou dar um tempo, aprender, estudar". Queria ser assistente de um grande fotógrafo americano e estabeleci um compromisso muito sério comigo mesmo. já não era nenhuns menino, tinha 28 anos, era namorado da minha atual mulher. Mas fui sozinho. Escrevi cinco cartas, para cinco grandes fotógrafos: Richard Avedon, Arthur Elgort, Irving Penn, Barry Letegan e Bill King [falecido em 1982], que foi com quem eu trabalhei, num estúdio na 5. Avenida.

PLAYBOY: Ele pagava um bom salário?

BOB: Eu não precisava de dinheiro, havia levado o meu para não ter de trabalhar como nada que não fosse assistente de fotografia. Mas ele até me pagou, 1.000 dólares por mês. Era bastante.

PLAYBOY: E o que você fazia no estúdio?

BOB: Ah, era faxineiro, office-boy, fazia tudo. Acompanhava algumas sessões de fotos, outras não.

PLAYBOY: Em Nova York chegou a fotografar?

BOB: Não apertei o botão nenhuma vez. Só na rua, para mim. Mas foi ótimo porque desmistifiquei um monte de coisas. Vi o quanto eu sabia, também foi uma experiência, na sua totalidade, muito boa. O que aprendi com Bill, e tenho comigo até hoje, é como dirigir um estúdio. Ele era muito organizado. Aqui, tenho uma estrutura parecida com a dele, com várias pessoas trabalhando para mim.

PLAYBOY: No mercado editorial, qual é o seu objeto do desejo?

BOB: No Brasil, todas as revistas que eu gostaria de fazer já fiz. Mas, lá fora, tem um monte. A Vogue da Itália, por exemplo. É espetacular.

PLAYBOY: Alguma dessas revistas estrangeiras equivale a ganhar um Oscar, em que o fotógrafo que publica ali passa a ganhar o triplo?

BOB: Sim, a Vogue americana. Publicou lá, entrou no mercado americano. Agora, para chegar à Vogue americana, é uma loucura. E [o fotógrafo] não ganha nada também! Como trabalho, em si, é até meio comercialzão. Mas dá um prestígio impressionante, você faz a mala. Assim como a [inglesa] The Face, a Vogue francesa. Nunca publiquei nessas revistas, a não ser fotos que elas compraram aqui. Então, tenho um pouco esse desejo. Mas já não me iludo mais.

PLAYBOY: Por quê?

BOB: Porque teria de sentar a bunda lá nos Estados Unidos e ainda correr o risco de que isso não acontecesse nunca. O melhor de cada lugar está lá, da Indonésia, do Paquistão, do Japão, da Inglaterra, estão todos lá. Eu seria um estrangeiro lá, com 45 anos de idade. Não teria de começar do zero, mas do três, vai. É complicado.

PLAYBOY: E aqui, a concorrência não é acirrada?

BOB: Também. Hoje, 90% dos trabalhos em publicidade qualquer fotógrafo faz. Um pouco por causa da tecnologia, um pouco por causa das exigências das agências, que, com razão, têm uma coisa preconcebida. No mercado de publicidade, a não ser que venha uma encomenda totalmente fora dos padrões, em geral são retratos que muita gente faz, e muito bem.

PLAYBOY: Você é careiro?

BOB: Tenho é fama de careiro.

PLAYBOY: É o mais bem pago do país?

BOB: Acho que o [J.R.] Duran rivaliza comigo. Talvez sejamos os mais bem pagos, não sei. Não tenho acesso à declaração de renda dos outros. E isso é muito cíclico também. Tem momentos em que estou ganhando muito, outros em que estou na miséria total.

PLAYBOY: Que exagero...

BOB: Digo a você o seguinte: ganho o suficiente para viver muito acima da média no Brasil, e muito abaixo do que vale um fotógrafo internacional. Sem falsa modéstia, um fotógrafo com a minha importância, fora do Brasil, está milionário.

PLAYBOY: Mudando a pergunta: quando você fez o seu primeiro milhão de dólares?

BOB: Não tenho 1 milhão de dólares. Nem juntando meus bens todos. Tenho uma casa na praia [a exclusivíssima Cambiai, no litoral norte de São Paulo], um terreno em Trancoso [no litoral sul da Bahia] e um terreno em São Paulo onde pretendo construir minha casa. Mas moro de aluguel, tenho um estúdio alugado...

PLAYBOY: Você investe em quê?


BOB: Viajo muito com a família, dou uma boa vida para todo mundo, tenho cinco empregados particulares. Não sobra dinheiro para fazer muitas loucuras. Vivo bem, vou muito a restaurantes, não conto dinheiro. Sou muito gastador.


PLAYBOY: A ciumeira entre fotógrafos é forte?


BOB: [Pequena pausa.] Olha, tenho amigos fotógrafos, como o Paulo Vainer, sempre saio com ele. Mas não vou dizer que não tenho ciúme, seria uma hipocrisia. Às vezes, tem um fotógrafo com algum trabalho que eu gostaria de estar fazendo. Tem uns fotógrafos de quem tenho até uma admiração invejosa.

PLAYBOY: Por exemplo?

BOB: [Pausa.] Alguns momentos do Paulinho Vainer, que acho extraordinário. Admiro principalmente os fotógrafos de fora.

PLAYBOY: Você não inveja ninguém do Brasil?

BOB: Ah, inveja não tenho nem dele [risos]. Mas, às vezes, ligo para um fotógrafo, como o Duran, e elogio o trabalho dele.

PLAYBOY: Recebe esse tipo de telefonema também?

BOB: Recebo.

PLAYBOY: Nunca passaram a perna em você?

BOB: Já tentaram me envenenar de muitas formas, mas não acredito muito em fofoca. Pó, estou aí há tantos anos! Se o trabalho não veio pra mim. não veio, pronto. Para cada lugar em que você trabalha, tem dez para os quais você não trabalha.

PLAYBOY: E quanto àquela alfinetada do fotógrafo Luiz Tripoli, sobre você não ter uma linguagem própria?

BOB: O que aconteceu foi o seguinte. Uma vez, fui a um programa de televisão, o Metrópolis [da TV Cultura]. [Baixo.] Nem queria ressuscitar esse defunto. O assunto, não o Tripoli [risos]. Bom, mas eu estava fazendo uma fotos no Free Jazz Festival, para a Folha de S.Paulo, fiquei muito em evidência e me chamaram para uma entrevistinha rápida. "O que você acha do Duran?" Respondi: "Bom." "E do Miro?" Sei lá o que eu disse. "Luis Tripoli?" Falei: "Nada".

PLAYBOY: E ele se ofendeu.

BOB: É que, na época, o Tripoli já não fazia mais nada, estava num interregno na vida dele. E ficou puto com essa história, sei que ele ficou louco. Talvez eu até tenha... [Pequena pausa.] Ah, nem vou me justificar porque, também, não quero me desculpar de nada.

PLAYBOY: Você e ele conversaram sobre isso?

BOB: Não, nunca. Até o encontrei numa festa há poucos dias. Ele não fala comigo, eu não falo com ele.


PLAYBOY: Você se arrependeu?


BOB: [Confuso.] Não é que eu me arrependi. E... Não sei por que falei aquilo. [Pausa.] Talvez porque não achasse mesmo nada dele naquela época [risos]. Hoje até acho o trabalho antigo dele muito bom, com muita personalidade. E, quando ele falou aquilo de mim, talvez até correspondesse a alguma verdade. Quando foi isso, começo dos anos 90? Eu estava mesmo sem uma característica.


PLAYBOY: Você acredita que fotografia é arte?

BOB: É uma questão complicada. O [fotógrafo alemão radicado nos Estados Unidos] Helmut Newton, que admiro muito, diz que as duas coisas piores para a fotografia — quer dizer, para o tipo de fotografia que ele faz, de mulheres, para revistas — são as palavras "bom gosto" e "arte". Tem que manter distância delas. São fotos de consumo, muito acessíveis, mas sempre tem esse senso comum: "Ah, que foto artística!" Tenho horror a essa intenção artística em fotografia, aquela coisa de torsos, aquelas luzes meio de Rembrant...

PLAYBOY: Como as fotos do baiano Mário Cravo Neto?

BOB: Não, Mário Cravo eu acho legal, o trabalho dele não é exatamente isso. Mas tem muito fotógrafo de moda, de gente, que fica com essa densidade, entendeu?

PLAYBOY: Se fotografia não é arte, por que vai parar no museu?

BOB: Porque tem gente que considera arte. Não entendo esses mistérios que elegem um fotógrafo como artista e outro não.

PLAYBOY: Você mesmo tem fotos no Museu de Arte de São Paulo, não?

BOB: Tenho várias na Coleção Pireli [fotos que a empresa compra e doa ao museu] e duas compradas pelo próprio Masp: da [falecida arquiteta italiana] Lina Bo Bardi e do [também falecido artista plástico] Hélio Oiticica.

PLAYBOY: Você não fica envaidecido?

BOB: Olha... [Pausa.] Coloco isso no meu currículo, sempre. Talvez mexa um pouco com a vaidade, mas a verdade é que, naquela Coleção Pirelli, todo mundo tem foto. Tem uns 200 fotógrafos ali.

PLAYBOY: Se você não é um artista, é o quê?

BOB: Um fazedor, talvez. Meu trabalho é mais comercial. O artista, que é um cara que vive com liberdade, faz, o que quer. Acho até que todo mundo que trabalha na indústria cultural, com arte aplicada, digamos, pode viver um momento artístico e conseguir transcender tanto o veículo quanto a encomenda para fazer daquilo uma coisa de fruição artística. já aconteceu comigo.

PLAYBOY: Por exemplo?

BOB: No meu livro Jardim da Luz. No trabalho, uma coisa mais próxima [de arte] foi o ensaio da Maitê [Proença] para PLAYBOY na Sicília [capa de agosto de 1996, a 9ª mais vendida na história da revista]. Ali tem uns momentos que transcendem uma revista de nu, que é fazer uma mulher mais palatável, mais acessível. Aquele ensaio pôs tudo fora dos padrões da revista até então, como a mão de um homem do peito dela e a incorporação das pessoas locais. Agora, [fazer arte] não é a minha média. Minha média é um trabalho que a gente orça e que tem um fim específico.

PLAYBOY: Você quer dizer que está com os dois pés no mercado?

BOB: Exatamente. Agora, é lógico que tenho essa inquietação. Toda vez que sou contratado, quero fazer uma coisa que expanda os limites da proposta. Por exemplo, numa matéria de moda para falar de malhas, que eu não seja absolutamente descritivo, mas possa fazer um comentário sobre aquilo, fazer uma experiência. Muitas vezes nem logro êxito, hein! Mas, nesses anos todos, com o nome que fiz, acho que tenho conseguido esse espaço. Aquele trabalho com a Maitê repercutiu muito [rindo] . E foi um trabalho meio brancaleônico.

PLAYBOY: Por quê?

BOB: A gente chegou à Itália e tinha um médico, o Vincenzo, que fazia a produção, conseguia as coisas pra gente. Chegava aos lugares e arrumava as situações, as pessoas. E a gente falava pra ele: "Você avisou que ela vai estar nua no meio dos velhinhos? Olha lá!" [Risos.] Uns velhinhos estavam jogando cartas. Então, com a Maitê vestida, a gente montou a situação. Quando ela falou: "Tô pronta" e tirou a roupa, os velhinhos ficaram impávidos por um momento... e continuaram o jogo como se ela não estivesse lá [risos]. A polícia ficou sabendo depois. Mas, como o Vincenzo conhecia o chefe mafioso da cidade, o capo, falava com o cara e resolvia tudo [risos]. Teve um momento também, na praça central, em que a Maitê sugeriu pôr na foto uns garotos que estavam brincando. Pedimos para eles ir em casa, botar uma roupa de domingo, eles toparam e se sentaram na escada. Essa experiência, desses meninos, de ver uma mulher nua na rua, aos 12 anos de idade, é indelével. Eles nunca mais vão esquecer isso.

PLAYBOY: Uma cena felliniana, não?

BOB: É! E tudo aquilo era de verdade! Já a foto com as mulheres foi arrumada. Eram senhoras carpideiras, extras de filmes do realismo italiano, estavam acostumadas. Mesmo assim, quando fomos fazer a foto, a Maitê se sentou nua perto delas e uma falou: "Me isso é pornografia?" A Maitê: [imita sotaque italiano] "Ma que pornografia?! E uma obra de arte, para uma exposizione em Nova York, belissima!" [Risos.]

PLAYBOY: Você já teve de correr da polícia durante um ensaio de nu?


BOB: Não, mas sempre tenho esse medo. Fico meio envergonhado quando é fora do estúdio e as pessoas estão vendo. A gente aluga uma casa e chega a família inteira, o pai, a mãe, o filho...


PLAYBOY: Você é pudico?

BOB: Num certo sentido, sim. Por­que acho muito invasivo estar na casa de uma pessoa fotografando. É deli­cado.


PLAYBOY: Você fotografa sua mu­lher nua?


BOB: Já fotografei. Ela está deitada na cama, grávida. Vou incluir essa fo­to no meu próximo livro.

PLAYBOY: E, dentro desse seu pu­dor, não fica incomodado em expor sua mulher?


BOB: Não, porque esse livro é um pouco a exposição da minha intimidade.


PLAYBOY: O que é pior: um cliente que acha que teve uma tre­menda ideia ou um editor de arte de uma agência de publicidade que quer baixar a sua bola?


BOB: Tenho muito claro o meu pa­pel. Não tenho este estúdio, com dez pessoas trabalhando, para pendurar foto na parede. Senão, estaria sozi­nho, vivendo como artista mesmo. Sei dos limites para trabalhar desse jeito. A foto encomendada faz parte do meu dia a dia.


PLAYBOY: Mas, quando você quer colocar nas fotos uma pessoali­dade, vamos dizer, o que é mais co­mum, enfrentar resistência ou apoio?


BOB: O comum é as pessoas me respeitarem. E, às vezes, é um trabalho tão simples que nem me arvoro a ficar inventando.


PLAYBOY: O que você recomenda para quem quer seguir essa carreira?


BOB: Desenvolver uma coisa pes­soal. Primeiro, adquirir os conheci­mentos técnicos para transformar os seus desejos em fotografia. Não é complicado nem difícil, mas precisa estudar, dominar a coisa, e isso de­mora.


PLAYBOY: E o que esse jovem as­pirante a fotógrafo não deve fazer?


BOB: [Pausa.] Ficar refém do mer­cado, das exigências. Ele precisa se desatrelar um pouco disso. Eu mes­mo já incorri nesse erro: fazer um portfolio destinado a um tipo de exi­gência que eu supunha haver do ou­tro lado. O cliente não quer ver você à mercê dele, subjugado. Quer que você tenha personalidade, que diga, que pense, que fale, [canta] "deixa is­so pra lá, o que é que há, o que é que tem?"... Ele quer ver você pensando! Ele pode até discordar — mas você disse, entendeu? Agora, se o fotógra­fo diz: "Pois não, você quer assim ou assado?", o cara não te respeita. Em profissão nenhuma.


PLAYBOY: Pode-se concluir, en­tão, que você já entrou em polêmi­cas?


BOB: Inúmeras vezes. Mais com as revistas, né? Porque, na agência de publicidade, a relação é muito clara: "Nós estamos te pagando muito bem e queremos você para fazer isto aqui". Aí, digo: "Vamos fazer dessa e dessa forma". Muitas vezes, querem é ouvir.

PLAYBOY: E se não quiserem?


BOB: Tudo bem. Se eu não quiser, também não faço. Agora, nas revistas é diferente porque elas não pagam [bem]. Tirando PLAYBOY, pagam ridiculamente — para mim. As de moda pagam ridiculamente. Ridículo, ridículo, mil vezes ridículo!

PLAYBOY: Então, por que o fotógrafo aceita? Para se manter na vitrine?

BOB: Considero uma chance de expressão pessoal e de fazer experiências. Eu uso a revista de moda. Tudo isso teoricamente, tá? Às vezes, não acontece. É como o jogador de futebol: tem um puta craque, mas tem dia que ele não recebe uma bola, ou chuta fora. Tem muitos editoriais pata revista que eu, às vezes, tenho vergonha de ver.

PLAYBOY: Quando você diz que não acertou, foi o Bob que não gostou ou o leitor?

BOB: Quando não gostam, pouca gente vem dizer que não gostou, não fico sabendo. Geralmente, quem fala é alguém muito próximo. Ou muito distante [risos]. Não existe crítica de fotografia, né?

PLAYBOY: E o contrário, uma foto sua que o surpreendeu quando nem esperava tanto?

BOB: É raro, mas acontece. Por exemplo, na hora não gostei do ensaio da Tatiana Issa [capa de março de 1998]. Teve um probleminha entre o cabeleireiro e ela, o clima não ficou muito tranquilo. Quando recebi as fotos, achei mais ou menos. Quando vi publicado, achei espetacular.

PLAYBOY: Já aconteceu aquela tragédia clássica de você fotografar sem filme na máquina?

BOB: Inúmeras vezes! [Risos.] Aí, fazemos de novo, né? O tipo de foto que faço dá para repetir. Não é fotojornalismo, que, se não fizer na hora, perdeu.

PLAYBOY: Dentre essas inúmeras tragédias, houve uma inesquecível?


BOB: Uma vez, no Rio, estávamos com uma equipe grande, 25 pessoas, para uma campanha da Mesbla. Deu um problema técnico, um vidro despolido, torto, que o meu assistente colocou na câmera. O que eu via através da lente estava em foco, mas não era o foco real. Como estava usando o tripé, por preguiça, eu não trocava de máquina. Quando cheguei a São Paulo, eram quarenta filmes fora de foco! [Rindo] Não sei se quebrei a Mesbla nessa época, mas tive que resolver a situação, né? Assumi os custos, banquei a volta das 25 pessoas pra lá e tudo. A Mesbla ficou um pouco sensibilizada e me deu um outro trabalho nessa ida ao Rio e fiquei no zero a zero, empatei. Por isso, digo sempre aos meus assistentes: "Por favor, qualquer cagada que vocês fizerem. me digam. É melhor levar o esporro na hora do que estragar o trabalho".

PLAYBOY: E como vem esse esporro?

BOB: Às vezes chamo num canto, às vezes vai na frente de todo mundo. Depende do meu humor. A gente brinca muito aqui no estúdio. Quando entra uma mulher bonita, meu assistente finge que enche uma bacia de álcool, eu finjo que risco o fósforo e nós falamos que vamos tacar fogo nas meninas que trabalham aqui [risos]. Em compensação, no dia em que vem homem, é a vingança delas: "Hoje vocês não vão nem entrar, o estúdio ficou pequeno demais para vocês" [risos].

PLAYBOY: Você vive cercado de mulheres, até em casa. Não cansa ter tanto estrógeno por perto?

BOB: É, tem hora que eu saio. Acho até que sou casado há vinte anos porque viajo muito. Volto morrendo de saudade e dá tudo certo.


PLAYBOY: Você tem muitos amigos homens, para compensar?

BOB: Amigo, amigo, tenho mais homem. Agora não tem mais a nossa roda de pôquer de 25 anos [com o apresentador de TV Serginho Groisman, o ator Cacá Rosset, o arquiteto André Vainer e seu irmão de criação, o jornalista Jair de Oliveira] porque o Serginho começou a ter muito trabalho, eu também.


PLAYBOY: Quem era o melhor na mesa?

BOB: O Serginho. Um rato total, ganhava muito. A gente até dizia que, se entrasse no ônibus, perguntaria ao cobrador: "Quanto é?" O cobrador: "Mil". E o Serginho: "Então, os seus mil e mais mil" [risos]. Mas eu também ganhava bem. Queria até ressuscitar esse jogo agora, aproveitar que o Serginho foi contratado pela Globo... [Risos.]

PLAYBOY: São seus amigos de infância?

BOB: De adolescência, quando eu nem pensava em ser fotógrafo. Na época, se você dissesse que seria fotógrafo, te internavam. Não era uma profissão. Mesmo o fotojornalista era uma profissão de quinta categoria. O fotógrafo que se conhecia era aquele de casamento, e que também era de quinta categoria. Mas o filme Blow Up [clássico de Michelangelo Antonioni, 1967] fetichizou a figura do fotógrafo, fez com que fosse o comedor das mulheres, o modernão que tinha um jaguar. E, nessa esteira, veio uma leva de fotógrafos. Hoje em dia, quem não faz nada diz: "Eu faço vídeo". Na época do Colégio Equipe, quando o cara não fazia nada dizia: "Eu sou fotógrafo" [risos]. Era um valor, um jeito de comer as mulheres, de ser moderninho. Então, só fui ter uma câmera depois de muito tempo como fotógrafo [risos].

PLAYBOY: Como foi isso?

BOB: Caí nessa mais por uma contingência do que por uma convicção. Tinha um amigo que fazia fotografia como hobby, a gente ia ao laboratório dele, quando meu pai morreu. Falei para minha mãe que queria trabalhar e, como tinha um cunhado que trabalhava na VEJA como chefe de reportagem, o Talvane Guedes, ele me arrumou um estágio no Estúdio Abril.


PLAYBOY: O que você fazia lá?


BOB: Era estagiário. Na verdade "escraviário", né? Levava cheque do cara pra descontar no banco, ficava 10 horas na fila... Me lembro que gastava mais para ir trabalhar do que recebia de salário. Lá no estúdio, o chefe era o Francisco Albuquerque, que hoje tem 80 e poucos anos e mora em Fortaleza. De vez em quando ele vem a São Paulo, me telefona e fala: [com sotaque nordestino] "Mas, rapaz, você era aquele que só fazia trapalhada e foi o que deu certo!"

PLAYBOY: Não se sentiu atraído pelo fotojornalismo?

BOB: Sou um puta admirador do fotojornalismo, vejo as exposições, tenho livros, adoro, mas acho que não sou talhado para isso. Sou muito ansioso, não tenho paciência. Não tenho essa coragem e esse desprendimento que tem o [fotógrafo brasileiro radicado em Paris] Sebastião Salgado [entrevistado por PLAYBOY na edição de dezembro de 1997], que fica meses longe de casa. Depois, eu queria ser bem impresso, bem paginado, e o fotojornalista infelizmente é muito maltratado. Está sempre a reboque da notícia. Eu quis ser fotógrafo de moda. Era, e é, onde eu podia ser mais experimental, buscar ousadia.

PLAYBOY: E onde acabou se tornando uma celebridade.

BOB: Acho que as pessoas me reconhecem do "Entre Nós" de PLAYBOY. A revista PLAYBOY brasileira é um fenômeno que não existe em nenhum lugar do mundo. Lá fora, é meio proibida. Aqui, é bacana, dá status. Sei disso pela repercussão que tem no meu trabalho: as fotos de moda ficam restritas àquele meio, as de PLAYBOY me dão uma coisa popular. Aliás, estou dando esta entrevista por isso.


PLAYBOY: E qual é a sua marca?


BOB: Tem um Bob Wolfenson 8 anos, um 12 anos... [Risos] Um 18, um 45... Não sei, só vendo.

PLAYBOY: Mas como é que o leitor bate o olho e reconhece um autêntico Bob Wolfenson?

BOB: Sei lá. Acho que é visível.

PLAYBOY: Pelo jeito, só não é dizível.

BOB: [Rindo.] É. Quer dizer, acho que os meus retratos são bem característicos, é onde me reconheço mais. Se tenho algum estilo, tenho nos retratos.


PLAYBOY: E você não pode defini-lo?

BOB: Não sei o nome. Isso eu deixo para vocês, para quem olha.


POR ROSANGELA PETTA

FOTOS CACALO KFOURI


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