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BRIGA DE PLAYBOYS

Reportagem

O DIA EM QUE OSCAR MARONI E EIKE BATISTA DUELARAM AO VIVO PELO BIQUÍNI DE LUMA DE OLIVEIRA


POR ROMULO TESI

FOTOS FLÁVIO BATTAIOLA


“O assunto é: o leilão de um par de sandálias e de um biquíni que a exuberante Luma de Oliveira usou na publicidade da revista PLAYBOY”, anuncia um obeso Fausto Silva, antes de chamar a modelo ao palco do Domingão do Faustão. É junho de 2001. “Vocês vão conhecer o cara que arrematou nesse leilão as peças da intimidade de Luma ”, completa, convocando-a como “símbolo da beleza da mulher do Brasil”. Ela nem sonha e Faustão ignora, mas ambos vão protagonizar um dos maiores tendepás da história da TV brasileira. Ao tentar virar um jogo que perdia, Luma acabou arrastando o então marido, Eike Batista, o apresentador do Domingão, a Rede Globo e a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) para um golpe de marketing arquitetado pelo empresário Oscar Maroni Filho. No centro da cobiça, o figurino usado por Luma em seu último ensaio para a PLAYBOY em maio daquele ano.


A produção do Domingão preparara para aquele 10 de junho a entrega das peças pelas mãos de Luma ao vencedor do leilão promovido pela revista. Também presente, a então presidente da Apae, Angela Barroso, que levaria os 6.001 reais arrecadados para a entidade. Todos os elementos de uma bela tarde dominical brasileira pré-Netflix.



Na época, Maroni trabalhava para lançar a edição brasileira da norte-americana Penthouse, que chegaria ao mercado nacional para concorrer com a PLAYBOY e outras publicações do ramo. Para encarar a gigante, o empresário matutava um plano infalível e barulhento para divulgar a revista do figuraça Bob Guccione. Ao saber do leilão da PLAYBOY, Maroni teve a ideia ousada de usar a rival para promover sua publicação. Arrematou biquíni e sandália passando-se por um funcionário seu. No Faustão, contou que no momento do lance passeava por Nova York. “Estava em São Paulo mesmo”, revela, em 2016, às gargalhadas, sentado no largo sofá de seu escritório no Bahamas, casa de entretenimento adulto da zona sul paulistana.


Segundo a jornalista Malu Gaspar, autora do livro Tudo ou Nada, sobre Eike Batista, foi Maroni quem convenceu a produção a fazer a entrega no programa. O empresário nega. O irmão de Luma, Mem de Oliveira, que cuidava da carreira da modelo, garante que também não foi coisa dela. Procurada, a TV Globo se recusou a indicar uma fonte para a matéria.


Em Búzios, na região dos Lagos do Rio de Janeiro, Angela buscava reverter a combalida situação financeira da Apae da cidade. Descobriu que o SBT tinha leiloado a fantasia que Luma usara no Carnaval daquele ano. Ouviu que a emissora não se interessava em fazer outra ação do tipo, mas conseguiu o telefone de Mem, que a avisou da iniciativa da PLAYBOY. Luma aprovou a ideia, mas já tinha decidido recuperar biquíni, sandália e talvez reparar possíveis danos à sua imagem. “Ela não gostou de terem feito o leilão, mas como tinha um bom relacionamento com a revista, decidiu que o dinheiro seria doado para a Apae”, lembra Mem.


A venda é parte de uma série de desgostos de Eike, que não aprovara o ensaio. O empresário havia vetado novas fotos nuas da esposa desde que se casaram, em 1991. No início, até da Sapucaí ela sumiu. Quase uma década depois, Luma chegou a acertar com a revista a capa da edição do milênio, a primeira do ano 2000. Mas o marido encrencou e conseguiu fazê-la desistir da ideia. E lá foi Vera Fischer, perto dos 50, protagonizar a edição histórica.


Em 2001, porém, a modelo ganhou a parada e foi fotografada no Rio e em São Paulo como “A Deusa da Luxúria”. Mas não sem crise. Pessoas que acompanharam as fotos, e toparam falar sob anonimato, descrevem dias turbulentos, com uma Luma chorosa, temerosa da reação do marido e já insegura com poses e ângulos que revelassem as imperceptíveis marcas dos seus quase 40 anos.


“Toda hora ela pedia para parar, preocupada com o que o Eike poderia fazer”, conta uma testemunha. Responsável pelos cliques, J.R. Duran diz não lembrar dos entreveros. “Mas muita coisa que acontece no set eu não fico sabendo”, despista. A edição vendeu 520 mil exemplares, segundo o Instituto Verificador de Comunicação.



As imagens com o biquíni não entraram no ensaio, mas foram usadas em chamativos outdoors. Indoor, a crise com Eike passou. Mas é possível imaginá-lo sapateando ao saber do leilão. Luma e o marido concordavam em pelo menos uma coisa: tinham que recuperar a lingerie, nem que fosse necessário um novo leilão. No dia, a modelo rumou para o Projac com Eike a tiracolo, mas sem a lingerie e as sandálias. Estas, segundo Maroni, já haviam sido entregues a ele. No Faustão haveria apenas um ato simbólico, típico das fantasias da TV.


VAI TER GOLPE


No palco, Luma surge exuberante. Um vestido com uma longa fenda deixa exposta parte de sua coxa esquerda. Ela conta que ficara sabendo do leilão navegando pelo site da PLAYBOY. “Eu achei que era uma peça muito íntima e fiquei um pouco desconfortável”, justifica. “Então, vamos transformar isso numa causa nobre.” No caso, dar a grana para a Apae.


Depois das brincadeiras sobre a beleza da modelo, Faustão fez mistério para convocar o novo dono do biquíni e da sandália. “Não o conheço. Ele falou que é um fã”, diz uma hesitante Luma. Maroni, então, aparece. Faz elogios, com algum gracejo, a Luma, que mal esconde o desconcerto. Talvez ali já imaginasse que algo fugira do roteiro. Ele revela planos de levar o biquíni para um tal Museu da Sensualidade da Mulher Brasileira, onde a peça dividiria uma vitrine com calcinhas de Dercy Gonçalves e Hebe Camargo. Um papo cada vez mais surreal.


“Esse cara, se falar, bicho, vai dizer que o apagão não vai acontecer... Tem um xaveco que é coisa de louco”, brinca Faustão, fazendo menção à crise energética que o Brasil enfrentava na época. Luma dá o que acreditava ser sua cartada surpresa, sacada da fenda do vestido: “Mas posso fazer uma contraproposta?” E chama Eike, de terno e óculos escuros. Ele pisa no palco com movimentos robóticos e sob gritos femininos histéricos.


“Também fui pego de surpresa ao ver que uma peça íntima da minha esposa foi leiloada. Para mim vale mais”, diz o empresário, diante de uma sorridente Luma, tratando como dinheiro de pinga os 6 mil reais do arremate. Contrariado, o dono do Bahamas anuncia empolado: “Eu sou o publisher da revista Penthouse Brasil...” Faustão se apressa para impedir o marketing de emboscada. Vai ter golpe, sim.


Eike e Maroni fazem uma disputa de cifras em que o destino do dinheiro, a Apae, fica em segundo plano. Talvez pensando alto, Eike solta uma pérola que hoje viraria meme: “Se estivéssemos na Idade Média, eu teria que desafiar o nobre cavalheiro a um duelo de espadas”. Faustão chama Angela, da Apae, que se coloca a favor da reabertura do leilão. O impasse prometia aumentar a doação. Até uma Kombi entrou para o montante, que rapidamente chegou a 35 mil reais.


“EU NÃO SEI DE ONDE VEM ESSE DINHEIRO, DA PENTHOUSE, DA ‘PEN DO CACETE’, DO PENTELHO... NÓS TEMOS QUE ARRUMAR ISSO AQUI” FAUSTO SILVA, APRESENTADOR

Faustão perde a paciência com a enésima citação à Penthouse e, soltando palavrões como na época de Perdidos na Noite (programa que passara por Gazeta, Record e Bandeirantes), questiona quem comprou “essa porra desse biquíni”. Maroni reclama da sua “situação delicada”. Faustão se irrita ainda mais: “(em) situação delicada (fico) eu! Vocês dois passam a falar pra cacete aqui, eu não sei de onde vem esse dinheiro, da Penthouse, da ‘pen do cacete’, do pentelho, e a verdade é que nós temos que arrumar isso aqui”. Já são mais de 12 minutos de quadro, e nada de solução no horizonte de Jacarepaguá. Sem vergonha de assumir o coup, Faustão se volta para a câmera: “Que golpe de marketing os caras deram aqui! Isso vai sair ainda muito mais caro!” E o quadro é encerrado pelo impaciente apresentador, que enxota os convidados do palco. A cena está imortalizada em toda a sua glória nonsense no YouTube.



Nos bastidores, as negociações seguiram. Maroni chegou a chamar Eike de “Zorro”, em referência aos óculos escuros do empresário. Angela, temendo danos ao nome da Apae, assumiu a mediação. Ela deixou a TV Globo certa de que conseguira a Kombi de Luma e Eike, que prometeu fazer a doação, e 10 mil reais de Maroni, 4 mil além do valor inicial. Porém, para quem estava em casa, o biquíni de Luma era uma história sem desfecho.


VOLTA OLÍMPICA


Nos dias seguintes, Maroni peregrinou por programas de TV para ostentar a peça e contar sua versão. Teria até sido visto em um aeroporto, exibindo orgulhoso o espólio de guerra a quem o reconhecia. Já Angela recebeu logo depois um telefonema. “Luma me ligou e disse que eu precisava convencer o Oscar a devolver o biquíni. Mas aquele não era o combinado”, conta. A ex-modelo recusou os pedidos de entrevista para a reportagem.


A Apae ainda esperaria cerca de um mês até receber o dinheiro e o carro. No meio-tempo atendia ligações de Luma e Maroni, um querendo saber se o outro havia cumprido o acordo. E Eike, que vencera grandes leilões por suas empresas, perdera aquele para o dono da boate e fazendeiro de Araçatuba (SP). Em comemoração, Angela desfilou o veículo por Búzios. “Luma de Oliveira: beleza, bondade e solidariedade. Obrigada. Apae – Búzios”, dizia o singelo cartaz, carregado por funcionários da entidade.


Em São Paulo, Maroni colocou biquíni e sandálias entre as atrações do Bahamas. Mais do que peça de museu, a lingerie vestiu mulheres da casa, em apresentações inesquecíveis para ele. “Anunciava que era da Luma, mas ficava de olho para ninguém roubar”, diz. Ele curte falar sobre o dia em que mandou fechar a casa para uma festinha. “Peguei o biquíni e a sandália, que encaixou direitinho nos pés da moça, como a Cinderela”, narra.


“Fomos para a mesa de bilhar e ela se deitou. Desamarrei as duas pontas do biquíni e passei a mão por baixo, sem tirar, pensando: ‘Isso encostou na Luma’”, conta, reencenando o ato. “Ela tinha os seios grandes, como os da Luma. E... (hesita, mas prossegue) veio a projeção da Luma na minha cabeça...”, conta, em voz baixa, como se revelasse um segredo ou se autocensurasse, para gargalhar em seguida.


Mais tarde o biquíni foi aposentado e só voltou à cena em 2015. Na ocasião, o juiz federal Flávio Roberto de Souza foi visto dirigindo o Porsche Cayenne de Eike Batista, que teve bens apreendidos em processo por uso indevido de informações privilegiadas e manipulação de mercado. Maroni vestiu a peça de Luma e gravou um vídeo, publicado no Instagram, oferecendo a lingerie ao juiz.


Sem previsão de abertura do museu e fora das atrações do Bahamas, a lingerie e as sandálias vivem o ostracismo. Mas Maroni quer colocá-las em seu testamento ou trocar, “desde que seja algo que dê prazer, como um Porsche”. Um final e tanto para um simples biquíni vermelho, turbinado por canutilhos de cristal, material que, apesar do nome, é facilmente encontrado na Rua 25 de Março, em São Paulo, por 50 reais a embalagem de 500 gramas.


O biquíni e a sandália, ainda em ótimo estado, foram as estrelas de uma amarga disputa que a maior parte dos envolvidos prefere esquecer.


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