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CARLOS ALBERTO DE NÓBREGA | MARÇO, 1989

Playboy Entrevista



Uma conversa franca com o único humorista que bateu a Globo no Ibope sobre seu sucesso com A Praça É Nossa, bastidores da TV e os tempos do presidenciável Sílvio Santos no circo


Nos últimos 24 meses de sua longa carreira de 36 anos, o humorista e diretor artístico Sistema Brasileiro de Televisão (a rede SBT, de Sílvio Santos), Carlos Alberto de Nóbrega, realizou três feitos que certamente mereceriam destaque nos currículos dos melhores profissionais da telinha no país.


O primeiro, e mais importante, é que o seu Programa A Praça É Nossa obrigou a poderosa Rede Globo a empregar todo o engenho e arte para não ser derrotada em audiência a cada semana, nas quintas-feiras, depois da novela das 8, em São Pauto e no Rio de Janeiro. Trata-se de uma produção que muitos criticam, pelo nível do humor que apresenta, mas que sem dúvida agrada a seus milhões de telespectadores.


No segundo, como diretor artístico, Carlos Alberto contribuiu para uma virada (embora ainda tímida) da emissora em busca de uma melhoria da qualidade técnica do conjunto de sua programação. E, no terceiro, conquistou o superastro Jô Soares. Esse fato deu um toque de prestígio ao SBT, mostrou que é possível fazer um programa de entrevistas na TV com bom humor, inteligência e sofisticação, sem sectarismos — e deixou claro para executivos e estrelas globais que há um promissor mercado de trabalho muito além do Jardim Botânico.


Mas, para alcançar tudo isso, Carlos Alberto precisou enfrentar algumas resistências, ocupar espaços e superar sua própria ansiei em fazer mudanças rápidas. Claro, nada tem silo fácil, resultando numa certa dose de frustrações e desentendimentos, logo superados pela sua facilidade em assumir arrependimentos, como ele mesmo admite: "Sou explosivo e quando brigo falo tudo. Mas não consigo ficar zangado com ninguém. Está acima das minhas forças".


É que o SBT conserva ainda um ritmo de trabalho lento, sem grandes ousadias. A cultura da jovem empresa sedimentou um cauteloso princípio de administração interna: cada passo deve ser consolidado, para reduzir as margens de risco. Ou seja, a ordem é crescer com segurança. Uma influência do estilo "calmo, objetivo e racional" — segundo Carlos Alberto — do empresário Sílvio Santos, fielmente seguido por seus diretores, que o acompanham desde a criação dos Estúdios Sílvio Santos, o embrião do SBT.


Então ele está insatisfeito? Absolutamente não. Até já recusou ofertas da Globo para voltar, "porque não há dinheiro que pague a tranqüilidade de trabalhar na 'TVS", de onde só sairia numa única circunstância: se Sílvio Santos o demitisse. Afinal, como diz, ele se sente um pouco dono da emissora. E não é força de expressão: o pai, Manoel de Nóbrega, usou toda a sua influência junto a militares e políticos para ajudar Sílvio Santos a receber a concessão de um canal de televisão em 1975, durante o governo Geisel. E o seu grande sonho é um dia tornar-se superintendente artístico do SBT.


Essa ligação com a emissora é reforçada pela amizade que o une a Sílvio Santos, desde a década de 50, o que o torna uma testemunha da sua vitoriosa biografia empresarial, pessoal e artística. Quando Carlos Alberto o conheceu, por exemplo, Sílvio Santos tinha acabado de trocar o Rio por São Paulo, morava na Pensão Maria Tereza, na avenida Duque de Caxias, começara a trabalhar como locutor no Programa Manoel de Nóbrega e fazia shows em circo para ganhar dinheiro. Hoje esse seu ex-parceiro do picadeiro saltou para as alturas de um império de 34 empresas e 15 mil funcionários que inclui, além da rede de televisão, o Baú da Felicidade, uma cadeia de lojas de eletrodomésticos, uma concessionária de automóveis e empresas no setor financeiro, com um faturamento total de aproximadamente 300 milhões de dólares no ano passado.


Tal ascensão deve-se muito, igualmente, à ajuda inicial de Manoel de Nóbrega. Foi ele quem deu de presente a Sílvio Santos o Baú da Felicidade, como reconhecimento por tê-lo salvado da falência. E também foi ele quem lhe ofereceu um horário na antiga Rádio Nacional de São Paulo — o início de sua escalada no rádio e na TV . É certo, como se verá na presente entrevista, que essa amizade com Sílvio Santos foi interrompida durante onze anos, "por imaturidade mútua", e só reatada em 1987. Hoje, porém, Carlos Alberto a considera "inabalável", a ponto de dizer que se Sílvio Santos for eleito presidente da República, o que ele acredita, por ser "o único candidato em condições de derrotar Brizola", ele pretende largar tudo e acompanhá-lo a Brasília.


Profissionalmente, Carlos Alberto sente-se realizado com o sucesso que vem fazendo sentado no banco da Praça, a maior herança que poderia ter recebido do pai, segundo seu amigo Jô Soares: "Um banco que nunca vai falir".


A Praça É Nossa é o único programa que ganhou sistematicamente da Globo, em níveis de audiência, durante 20 meses, desde a sua estréia, em 5 de maio de 1987, até dezembro último. Nesse período, a Globo tentou de tudo, até o Chico Anysio Show, e quase sempre perdeu. Só venceu poucas vezes: com um filme do Festival de Verão, em janeiro de 1988; com um dos capítulos finais da novela Mandala, em maio; com o caso especial As Garotas da Capa, em novembro; e com o show Roberto Carlos Especial, em dezembro.


No ano passado, A Praça registrou, em São Paulo, audiências mensais acumuladas superiores a 30 pontos, chegando a picos de 42 e 43, em junho e julho (contra 19 e 21, respectivamente, da Globo), segundo a divisão Audi Mídia do Ibope. No Rio, A Praça arrancou a partir de uma estréia com 12 pontos. Bateu a Globo em julho (21 pontos contra 20, no mês) e empatou em agosto (22 pontos). Em números mais claros, são índices que representam um público estimado em 17 milhões de telespectadores, em todo o Brasil, a cada programa.


A situação começou a reverter a partir de janeiro último, quando a Globo lançou um de seus trunfos mais poderosos contra A Praça: a Tela Quente, com filmes de sucesso, inéditos na TV. Já na estréia às quintas-feiras, o filme Indiana Jones e o Templo da Perdição, de Steven Spielberg, cravou 74% de audiência, contra 13% do programa de Carlos Alberto, em São Paulo (76% contra 9% no Rio).


Essa arma foi a mesma que a Globo usou na estréia de Veja o Gordo, no ano passado, numa tentativa de evitar que Jô transferisse sua audiência para o SBT. O programa tem uma média semanal de 12 a 14 pontos do Audi Mídia, contra 40 da Tela Quente, o que constitui um bom resultado dentro do SBT, muito superior à das outras emissoras. Isso faz com que Veja o Gordo seja um sucesso comercial, a ponto de haver fila de espera de anunciantes no horário.


Essa guerra promete esquentar, estendendo-se a outros horários, pois o vice-líder de audiência não pretende dar trégua à Globo. O programa Jô Soares Onze e Meia já obrigou a Globo a mudar os telejornais da noite, tornando-os mais regionais. E vem apresentando índices médios semanais de 6 pontos, com picos de até 12, principalmente às quintas-feiras, quando vai ao ar logo após A Praça, o que é considerado o gol de placa para a faixa do fim da noite.


Neste início de ano, o SBT concluiu que para aumentar o seu faturamento terá de diversificar a programação. Como? Produzindo novelas, programas de esporte e outros destinados ao público adolescente, e que irão ao ar ao longo desta temporada. Na área artística, Carlos Alberto quer provocar novas baixas na Globo, trazendo artistas e diretores de destaque, com os quais já fez os contatos iniciais, aguardando apenas o sinal verde de Sílvio Santos.


Para entrevistar Carlos Alberto de Nóbrega sobre todos os planos, a guerra de audiência, os batedores da televisão brasileira e o sucesso de Sílvio Santos, que testemunhou ao vivo, PLAYBOY designou o editor especial Luiz Antonio Maciel, que gravou 11 horas e meia de conversa. Este é o seu relato:


"Desde que me recebeu para a primeira de uma série de quatro sessões de entrevistas, na sua sala na TVS, até a última, no seu camarim e no banco da Praça, minutos antes da gravação de um programa, Carlos Alberto me deu a impressão de que ele e o personagem que interpreta são uma única e indivisível pessoa. Durante toda a nossa conversa ele manteve sempre o bom humor, o riso fácil e suficiente jogo de cintura para enfrentar até as mais embaraçosas perguntas.


"A sua sala tem cerca de 20 metros quadrados, sem janelas, mas com um sistema de ar condicionado permanentemente ligado. A mesa, junto à porta de entrada, tem uma mesinha auxiliar com uma máquina elétrica de escrever IBM, onde ele dá a redação final a seus programas. No canto esquerdo da sala, um microcomputador está abandonado, sem uso. Foi pedido por sugestão de Jô Soares, mas Carlos Alberto nunca conseguiu utilizá-lo para escrever ou arquivar seus textos. Estes estão todos empilhados atrás de uma cortina, no fundo da sala. Na parede à direita, uma estante guarda mais de trinta troféus recebidos por ele e seu pai. Junto à mesa, nas paredes, fotografias e textos emoldurados são uma lembrança permanente de Manoel de Nóbrega.


"Essa mesma forte ligação afetiva e de companheirismo que tinha com o pai, Carlos Alberto tem com seus quatro filhos. Destes, só os dois mais velhos até agora manifestaram a intenção de seguir seus passos de artista e profissional de televisão. O mais velho, Beto (também Carlos Alberto), de 25 anos, é produtor de vídeo; e o segundo, Marcelo, 24 anos, é ator na Praça. O seu grande sonho pessoal é tornar-se avô logo. Isso, entretanto, talvez demore um pouco, porque os dois filhos mais velhos, embora casados, ainda não pensam em lhe dar um neto. E ele pretende um dia encerrar a carreira de comediante no mesmo banco da praça onde trabalhou ao lado de seu pai, para se dedicar exclusivamente à direção artística da TVS, com a ambição de, no futuro, assumir a superintendência artística. Seu grande desafio será transformar a TVS numa nova emissora, do mesmo nível da Globo. A guerra está declarada".


PLAYBOY Depois de conseguir trazer o Jô Soares, o Sílvio Santos fez alguma nova investida desse tipo contra a Globo?


CARLOS ALBERTO DE NÓBREGA Um dia o Sílvio me telefonou e disse: "Olha, já dá pra conversar com o Chico Anysio. Vê se ele quer vir para cá". Como sou muito amigo do Chico, marcamos um encontro aqui, em São Paulo. Almoçamos no Le Lieu, por coincidência no mesmo dia, 18 de agosto do ano passado, em que a Globo jogou o programa dele contra A Praça É Nossa, e eu ganhei.


PLAYBOY Por que ele não aceitou? Problemas de dinheiro?


CARLOS ALBERTO Nem se falou em dinheiro. Eu disse pro Chico: "Nós queremos você no SBT. A casa está aberta para você". Trocamos idéias sobre como o programa poderia ser viabilizado. Ele ficou de pensar. Chegou a conversar com a irmã do Sílvio, que dirige a TVS do Rio, viu os estúdios e gostou. Depois telefonou para o Sílvio, dizendo que ia ficar na Globo.


PLAYBOY Essa idéia de trazer o Chico já era antiga?


CARLOS ALBERTO Quando quisemos trazer o Jô, nós pensamos também no Chico. Não havia preferência por um ou outro, pois os dois têm o mesmo valor. Mas eu mostrei ao Sílvio que era mais viável trazer o Jô, porque envolvia menos gente e, portanto, menos recursos. No programa do Chico, trabalham cerca de 70 pessoas. E o esquema de gravação é mais complexo. Por isso, o Sílvio preferiu deixar o Chico para uma segunda etapa, quando houvesse uma folga no orçamento, o que ocorreu em meados do ano passado.


PLAYBOY Como surgiu esse plano de trazer os dois da Globo?


CARLOS ALBERTO Depois de lançar A Praça É Nossa na TVS, eu quis fazer aqui uma comédia, Adultério à Brasileira. Mas não ficou boa, por problemas técnicos, e não foi ao ar. Uma das dificuldades foi contratar pessoal. Os artistas tinham vergonha de trabalhar na TVS. Convidei o Nuno Leal Maia e ele resolveu ficar na Globo pela metade do que nós lhe oferecemos. Convidei também o Fúlvio Stefanini, que deu uma desculpa e não veio.


PLAYBOY É a fama de brega da TVS?


CARLOS ALBERTO É. Isso ainda está na cabeça de muito artista. Então eu disse: "Sílvio, a gente tem de trazer alguém de prestígio, e não de popularidade, para mostrar que não somos brega". E o Jô, que não é brega, veio. Provamos aos colegas que ninguém morre profissionalmente se sair da Globo.


PLAYBOY Essa imagem brega da TVS já está mudando?


CARLOS ALBERTO Está. Veja, a Simone um dia desses veio cantar no programa do Gugu. Imagine se ela viria algum tempo atrás! Todo mundo se esquece de que a Globo começou com a Dercy Gonçalves, com o Chacrinha, com o Sílvio Santos, numa linha bem popular, que tinha até casamento pela TV. Ela não começou com o Fantástico, o Globo Repórter ou outros programas mais sofisticados. E, enquanto as outras emissoras decaíram ou faliram, a Globo se formou porque tem infra-estrutura. E a TVS, embora ainda seja pequenininha, também tem essa base. A gente está crescendo com cuidado, nunca gastando mais do que pode.


PLAYBOY Quais os outros nomes, além do Jô e do Chico, que você anotou em seu caderninho?


CARLOS ALBERTO Eu já disse lá na TVS que quero trazer o Miéle, o Nilton Travesso, o Augusto César Vanucci. E quero mesmo. Isso também obriga o pessoal que está aqui a mostrar serviço, melhorar o padrão de qualidade. Veja o programa do Gugu: está muito mais bonito.


PLAYBOY Tem outros nomes?


CARLOS ALBERTO O Moacir Franco e o filho dele, o Guto, estrearam e estão esperando horário para um programa só deles. Por enquanto ficam na Praça. Tentei o Walter D'Avila, que trabalha com o Chico, mas não consegui. E eu acabo de trazer a Fafi Siqueira, da peça As Noviças Rebeldes. Ela é muito engraçada, e vai estourar! Também já conversei com um pessoal de primeiro time. Só falta o Sílvio dar o sinal verde!


PLAYBOY Com quem você conversou?


CARLOS ALBERTO Com o novelista Doc Comparato, por exemplo, que está meio esquecido na Globo. É que o Silvio decidiu produzir novelas. A idéia inicial era começar depois que os novos estúdios, na Via Anhangüera, estivessem prontos, dentro de três anos. Mas agora a direção do SBT constatou que só conseguirá aumentar o seu faturamento com a diversificação da programação. E uma das saídas é fazer novelas. Então se pensou em contratar a produtora independente Art Vídeo, do Guga [Carlos Augusto de Oliveira, irmão do Boni — José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o vice-presidente de operações da Rede Globo], que tem muita experiência: foi ele quem produziu a minissérie Joana, com a Regina Duarte.


PLAYBOY Há condições de competir com a Globo?


CARLOS ALBERTO Essa história de que a Globo não tem concorrência é bobagem. É só fazer bem-feito que dá certo. A prova é Dona Beija, da Manchete. O resto é questão de tempo. A Globo levou vinte anos para chegar onde está. Mas, no dia em que o brasileiro aprender a escolher a programação, a história da TV aqui vai mudar.


PLAYBOY Além do Doc Comparato, quem mais está na sua lista?


CARLOS ALBERTO O Paulo Afonso Grisolli e o Régis Cardoso, para dirigirem novelas.


PLAYBOY Quando os estúdios da TVS ficarão prontos?


CARLOS ALBERTO As áreas administrativas e comercial do SBT já estão na Anhangüera desde fevereiro. A construção dos estúdios, que serão os maiores da América Latina, começa ainda este ano.


PLAYBOY Na sua lista você não incluiu o Ronald Golias. Por quê?


CARLOS ALBERTO Eu convidei o Golias, junto com a Nair Bello, mas eles preferiram ficar na TV Bandeirantes. Acho que foi por ciúme bobo, ou vaidade: no fundo, ele queria ter um programa dele, e não fazer um quadro na Praça. Esse seria só o começo, o caminho para um outro programa. O Moacir Franco é que estava certo quando me disse: "Beto, eu prefiro ficar 3 minutos no ar dando 40 pontos de audiência, a ficar 1 hora só com 3 pontos".


PLAYBOY — Você acha que o Golias voltaria a fazer sucesso?


CARLOS ALBERTO [Rindo] Eu nem queria que Deus me ajudasse, porque seria uma porrada! De qualquer jeito! Como dizia o velho Manoel de Nóbrega, meu pai: "Sorvete é gelado em qualquer lugar". O que foi engraçado há trinta anos também vai ser hoje. Tanto que meus filhos morrem de rir com um disco e uma fita antigos que tenho do Golias. A garotada hoje acha que ele imita o Renato Aragão, e é exatamente o contrário. Se o Golias voltar a fazer o professor Bartolomeu Guimarães — aquele velhinho que dormia conversando e, de repente, acordava, retomando um assunto já encerrado —, vão dizer que ele imita o Popó, do Chico.


PLAYBOY — Desde que assumiu a direção artística da TVS, o que você fez para melhorar a programação?


CARLOS ALBERTO Para começar com força como diretor, eu precisava trazer o Jô e segurar o Gugu — não deixar que ele fosse para a Globo. Por isso participei das negociações nos bastidores. E também procurei mudar a mentalidade da TVS, a partir da minha experiência da Globo. Com todo o apoio do Sílvio.


PLAYBOY — Como você começou a mudar a TVS?


CARLOS ALBERTO — A TVS tinha uma mentalidade feia, pobre, com um padrão inferior de iluminação, cenário, qualidade visual. E eu vim para cá com a cabeça da TV Globo, de plumas e paetês, muito acrílico, muita luz e figurinos bonitos. Para o programa do Jô eu trouxe um dos maiores maquiadores do Brasil, o Ivan Rodrigues, que foi da Globotec e fez a maquiagem da abertura do Fantástico.


PLAYBOY Na sua opinião, o que ainda falta fazer?


CARLOS ALBERTO — Tudo. Ainda estamos no primeiro degrau.


PLAYBOY — E a curto e médio prazo?


CARLOS ALBERTO — Falta um musical, um show que tenha tudo: quadros humorísticos, entrevistas e brincadeiras com o público. Era o programa que eu pretendia realizar se o Gugu fosse embora. A idéia já está aprovada em reunião e vou encher o saco do Sílvio até explodir. Pretendo gravar fora, na Miksom, e entregar o programa prontinho em abril. Até com patrocinador. O Sílvio só não vai pôr no ar se não quiser.


PLAYBOY — Enquanto você procura dar um padrão global para a TVS, ao que consta, a Globo está tentando contratá-lo de novo. E já teria mandado alguns emissários até você, inclusive o Chico Anysio. É verdade?


CARLOS ALBERTO — Realmente, naquele almoço no Le Lieu, quando convidei o Chico a vir para a TVS, ele me disse: "Quem quer levar você de volta é o Boni". Mas, como eu disse para o Chico, a Globo não quer A Praça; quer é acabar com o meu trabalho. Eu lhe vendi o título A Praça da Alegria, e se ela quisesse teria me colocado sentado no banco, e não o Miéle.


PLAYBOY A Globo desistiu de você?


CARLOS ALBERTO Não. Depois um diretor da Globo — só não vou dizer quem é — me propôs levar A Praça pra lá: "Bota no papel o que você quiser, quanto quiser, para voltar". Uma proposta igual à que o Sílvio me fez há dois anos. E eu disse não à Globo. Lá A Praça teria muito mais audiência, mas você acha que a Globo ia me deixar fazer o que faço aqui? Mas nem por um cacete! Aqui eu me sinto como se fosse dono. Há dinheiro que pague isso, a minha tranqüilidade? Além disso, ganho muito bem e só saio daqui se o Sílvio me mandar embora.


PLAYBOY O que consta, entretanto, é que você está infeliz dentro do SBT...


CARLOS ALBERTO O problema é que, como meu pai dizia, eu sempre procuro chifre em cabeça de cavalo. Sou muito explosivo e quando brigo falo tudo, mas cinco minutos depois morro de vergonha.


PLAYBOY Você chegou a denunciar, numa reportagem publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em seu Caderno 2, que está sendo boicotado dentro do SBT...


CARLOS ALBERTO Eu tive uma série de problemas aqui. Mas nada que não pudesse ser solucionado, como realmente foi. Problemas de pedir e não receber fitas novas para videoteipe, os equipamentos mais modernos que a casa tem e chamadas para A Praça É Nossa. Eu achava que havia muita coisa errada e, num domingo, logo depois do início das Olimpíadas fui à casa do Sílvio, no Morumbi, expor tudo a ele. Já na segunda-feira estava tudo resolvido...


PLAYBOY Então, como ele reagiu quando, mais de um mês depois, viu as mesmas queixas publicadas no jornal?


CARLOS ALBERTO Ficou nervoso, e me chamou a atenção. Ele se sentiu traído como amigo, e isso me doeu muito. Não tenho vergonha de confessar que chorei, porque o Sílvio sempre foi de uma integridade, uma lealdade, a toda prova, comigo e com meu pai. Eu tive e tenho medo de ficarmos mais onze anos sem nos falar, como já aconteceu. E eu disse para ele: "Sílvio, eu vou embora, peço demissão, faço o que você quiser para limpar essa barra. Só não quero perder a sua amizade, porque não sei se vamos viver mais onze anos para voltar a fazer as pazes".


PLAYBOY Como foi essa briga antiga com o Sílvio Santos?


CARLOS ALBERTO Na realidade, nós nunca brigamos. Apenas deixamos de nos ver e falar, por imaturidade. O Sílvio é sete anos mais velho do que eu, mas éramos muito amigos. Saíamos todo sábado. Nós quatro: eu e minha mulher, e ele e a mulher dele. A gente ia ao cinema, ao teatro, jantar fora, e rachávamos as despesas. Viajávamos juntos, e até passamos um Carnaval no Rio de Janeiro. Mas em 1976 nós vivemos momentos difíceis: meu pai morreu, e ele estava com problemas no Baú e com a mulher muito doente. Então ele me disse coisas que me machucaram. E eu me afastei...


PLAYBOY E o que ele lhe disse?


CARLOS ALBERTO Que eu deveria trabalhar com ele, porque, sem meu pai, ninguém mais me contrataria para escrever. Então me afastei, para lhe mostrar que eu sobreviveria profissionalmente sem meu pai. Naquele momento me esqueci de tudo o que já tinha feito sozinho: a Família Trapo, o Show do Dia 7, Folias do Golias. Mesmo assim, um dia voltei a ligar para a casa dele. Mas o Sílvio me disse: "Olha, Carlos, não sei se este ano vou ter tempo para falar com você". Pensei: "Porra, isso é muita sacanagem!" E nunca mais o procurei, por onze anos. Nesse meio tempo eu, infantilmente, procurei me vingar dele. Até hoje me arrependo desse episódio.


PLAYBOY O que aconteceu?


CARLOS ALBERTO Um dia, quando fui fazer uma entrada no programa do Moacir Franco, um repórter me perguntou: "O Sílvio Santos está ajudando o Golias?" Eu desci o cacete em cima dele, e disse esta maldita frase: "O Sílvio não ajuda, até mata!" Foi manchete no jornal Ultima Hora. Eu me referia, obviamente, à carreira artística do Golias, porque o Sílvio colocara um argentino para escrever o programa do Golias. Mas, por uma desgraça, essa frase foi publicada na semana em que a mulher do Sílvio tinha morrido. E ele ficou muito magoado comigo.


PLAYBOY Como foi o happy end?


CARLOS ALBERTO Um dia, em fins de 1985, meu tio Fernando José de Nóbrega, que é médico pediatra e estava cuidando de uma filha do Sílvio, me sugeriu que eu lhe telefonasse, pois o Sílvio tinha perguntado sobre mim várias vezes. Meio ressabiado, eu disse que falaria com o Sílvio, mas só para tratar de negócios.


PLAYBOY Que negócios?


CARLOS ALBERTO Eu queria abrir uma produtora de vídeo e usar os equipamentos e os estúdios da TVS no Rio. Dez minutos depois, meu tio ligou, dizendo que o Sílvio tinha ficado feliz e marcara um jantar na casa dele dias depois. Nos abraçamos, matamos a saudade e fechamos o negócio: sociedade meio a meio. Depois, um dia lavamos toda a nossa roupa suja. Até hoje o Sílvio ri da nossa "briga", porque não se lembra de nada.


PLAYBOY E nessa "briga" de agora, como reagiram o vice-presidente Guilherme Stoliar e o superintendente de programação, Luciano Calegari? Afinal, eles apareceram na imprensa como os responsáveis pelo boicote a A Praça E Nossa...


CARLOS ALBERTO Eles também se sentiram traídos com o meu desabafo sobre os problemas da TVS. Somos muito amigos. Almoço três ou quatro vezes por semana com o Luciano. Freqüento a casa do Guilherme. E eles tinham me dado tudo o que fora pedido. O Guilherme me disse que tinha sido apunhalado. Concordei com ele. Eu não tinha nem como desmentir, porque o que saiu publicado é o que eu já tinha dito a ele e ao Sílvio. O que chegou a ele, porém, foi uma versão de que eu dera aquela entrevista porque já estava com um pé na Globo. Como eu não faria isso nunca, porque não sou moleque, não levei mais que um minuto para tirar o punhal do peito do Guilherme. Pedi uma reunião de diretoria para me explicar e já fui com um carta de demissão no bolso.


PLAYBOY Você chegou a apresentá-la?


CARLOS ALBERTO Não... Não... Só verbalmente. Se eu entregasse a carta, eles poderiam pensar que eu estava realmente forçando a minha saída, para voltar à Globo.


PLAYBOY A sua amizade com o Sílvio não ficou abalada?


CARLOS ALBERTO Não. Ela é inabalável. E no fim de toda essa história o Silvio reuniu os pseudobriguentos e fomos de carro, juntos, batendo papo, almoçar na casa dele. Na verdade, não há guerra, mas pensamentos diferentes.


PLAYBOY Sobre o quê?


CARLOS ALBERTO Sobre a filosofia de trabalho. A maioria dos diretores da casa está com o Sílvio desde o começo e tem a mentalidade dele, que é um cara calmo, objetivo, racional. E eu sou emotivo, explosivo, quero tudo agora, já.


PLAYBOY Não é influência da Globo?


CARLOS ALBERTO Exatamente. A Globo pensa hoje e bota no ar ontem. Então eu, que já passei por quase todas as emissoras do eixo Rio—São Paulo, e só na Globo fiquei onze anos, sou muito imediatista. E o ritmo aqui é mais devagar.


PLAYBOY As divergências também não são em termos de qualidade?


CARLOS ALBERTO Não, porque eles também querem o melhor. Só não têm muita pressa. No dia que meu desabafo estourou na TVS, o Sílvio me disse: "Carlos, uma vez tentei fazer uma novela e quase fali. Não posso dar a liberdade e os recursos que você quer porque receio que não dê certo". O Sílvio tem consciência de que, se tiver um problema e atrasar uma semana os pagamentos, o mundo cai em cima dele. Ninguém perdoa uma pessoa de origem humilde que fez sucesso.


PLAYBOY Há quem diga que você se valeu dessas divergências, naquela entrevista, para dar o troco a pessoas dentro da TVS que levaram ao conhecimento da sua mulher um suposto caso seu com a Alice de Carli, a ex-dona Dadá de A Praça É Nossa e Troféu Bumbum 87 de PLAYBOY...


CARLOS ALBERTO Isso é a coisa mais ridícula que se falou sobre esse meu desabafo. Não tem nada a ver. Dou a minha palavra de honra. Eu não vejo a Alice há meses, desde que ela saiu do programa.


PLAYBOY Você teve um caso com ela?


CARLOS ALBERTO Não, absolutamente! É fofoca! Dizem até que eu a protegia, porque gravava todas as cenas com ela no começo, e em seguida a dispensava. Na verdade, eu fazia isso para matar logo a curiosidade dos homens da platéia, que queriam ver o bumbum dela. No teatro, Alice se tornou a estrela de A Dama do Cais. É uma peça minha, escrita há anos, mas não foi feita para ela. O título foi mudado para Miss Bumbum, a Dama do Cais sem que eu soubesse. Isso tudo fez com que surgissem esses boatos.


PLAYBOY Mas nos bastidores da TVS a Alice de Carli era considerada a primeira-dama da Praça...


CARLOS ALBERTO Isso é uma sacanagem! Eu explico o que aconteceu. Um dia a Alice passou mal durante os ensaios e eu gentilmente ofereci o meu camarim. Aí correu a história de que ela tinha uma chave e usava sempre o meu camarim porque era a primeira-dama da Praça. Pura maldade. Todo mundo o usa. Mas a situação chegou a um ponto tão insustentável que eu e a Alice achamos melhor que ela saísse do programa. Quem ganhou com isso foi ela, que está melhor com o Jô do que na Praça. Agora vão inventar um outro caso, e depois outro...


PLAYBOY Então você é um marido fiel?


CARLOS ALBERTO [Após alguns segundos em silêncio.] Esse é um problema meu e da minha mulher...


PLAYBOY Sua mulher o fiscaliza?


CARLOS ALBERTO Fiscaliza... E eu entendo: vivo no meio de mulher bonita, dou emprego, aumento salário, demito, promovo...


PLAYBOY E ela dá umas incertas?


CARLOS ALBERTO [Rindo] Ô se dá! Às vezes chega de repente aqui na TVS, sem avisar. Acho até gostoso. Eu também ia morrer de ciúme se minha mulher, que é psicanalista, ficasse uma hora trancada com o Tarcísio Meira, o Falcão, o Francisco Cuoco ou o Mário Gomes...


PLAYBOY E como você reagiria se estivesse na situação do Sylvester Stallone?


CARLOS ALBERTO [Rindo] Olha, acho que isso vai chocar, mas... [Gargalhando.] É pra falar a verdade? [Gargalhando.] Eu preferia ser traído por uma mulher do que por um homem. Porque ia ficar mal para a minha mulher, e não para mim. [Risos.]


PLAYBOY Esse é o seu lado machista?


CARLOS ALBERTO É... E eu assumo.


PLAYBOY Você é assediado pelas fãs?


CARLOS ALBERTO Ah... sim... é natural. Mas sempre mantenho muito respeito. Não sou antipático com ninguém, porém nunca deixo agarrar, beijar...


PLAYBOY O que o atrai numa mulher?


CARLOS ALBERTO A feminilidade. A mulher tem de ser fêmea, gata, gueixa...


PLAYBOY O que você acha do nu feminino?


CARLOS ALBERTO Sou a favor... Acho lindo, acho mulher uma coisa muito bonita.


PLAYBOY Mas você me pareceu um tanto chocado há pouco, quando a namorada do seu filho Vinícius, a Patrícia [a bonequinha do quadro do ventríloqüo, na Praça], me disse que gostaria de posar nua para PLAYBOY...


CARLOS ALBERTO [Rindo] É, eu fiquei espantado... Não com ela, mas com o meu filho, que concordou... É o meu lado machista... Mas eu gosto, e acho que o público também, de mulher bonita. Por isso, no meu programa, tenho cinco ou seis misses estaduais e uma Miss Brasil.


PLAYBOY Todas com muito pouca roupa...


CARLOS ALBERTO Mas tenho os meus limites, porque acho que chega um ponto em que choca o espectador. E tem também o lado do mistério, que é gostoso. Hoje em dia, na praia, ninguém mais liga pro fio-dental. Mas, se num restaurante uma mulher cruzar as pernas, deixando aparecer cinco dedos acima do joelho, todo mundo olha... Então oriento o meu figurinista para dar um clima de sensualidade sem chocar...


PLAYBOY Mas não há quem ouse mais?


CARLOS ALBERTO Há... Há... O meu programa tem uma tendência a escorregar para o popularesco porque muitos não entendem certas sutilezas. Há artistas que abrem a saia na costura do lado para aparecer mais meio palmo de coxa; outras abrem o decote para mostrar mais os seios. Tudo à revelia do figurinista. Então é difícil você lidar com gente que não quer evoluir, aprender...


PLAYBOY Como você se sente fazendo o único programa da televisão brasileira que a Globo não conseguiu derrubar durante vinte meses?


CARLOS ALBERTO É gostoso e fico feliz. Mas nunca fui deslumbrado, porque sempre soube que um dia a Globo me derrubaria. Para mim, a coisa mais importante é estar fazendo um trabalho bem-feito. É uma covardia a Globo se preocupar com a TVS, porque ela é infinitamente superior. Para que, então, essa garra, essa gana de destruir A Praça?



PLAYBOY Quem é líder nunca quer deixar o flanco aberto para o adversário...


CARLOS ALBERTO Mas ela ganha de segunda a domingo... Perder num horário, Por uma hora, não vai deixar a Globo mais pobre. No entanto, ela fica desesperada, e o que acontece? A imprensa comenta que A Praça é indestrutível. E o público torce para o lado mais fraco. Assim, o meu ego vai pro espaço e a TVS fica rindo de fratura exposta.


PLAYBOY A TVS também não fica preocupada com a audiência?


CARLOS ALBERTO Não. Aqui há programas muito famosos que não dão nem 15 pontos, o patrão fica feliz e as pessoas são super bem tratadas e jamais cobradas. Na Globo, quando dá menos de 40 tem reunião. Trabalhei onze anos fazendo Os Trapalhões e quando dava 39 pontos vinha cacete pra cima da gente. Mudava tudo. Rolavam cabeças. A grande vantagem também da TVS, sem querer ser puxa-saco, é que a gente não faz programa pro Sílvio Santos gostar...


PLAYBOY E na Globo?


CARLOS ALBERTO Lá a gente faz programa pro Boni, porque, se ele não gostar, tira do ar, mesmo que esteja dando mil pontos de audiência. Na Praça há quadros que eu acho chatérrimos mas não tiro porque sinto que estão agradando.


PLAYBOY Você faz pesquisa?


CARLOS ALBERTO Não. Eu só avalio pelos comentários das pessoas na rua. A Globo é que faz pesquisa pra tudo. Quando eu fazia A Praça lá, uma pesquisa descobriu que o quadro da Catifunda não tinha muita audiência porque faltava mulher bonita. Sabe o que fizemos? Nós a tornamos líder de um time de futebol e enchemos de mulheres bonitas, seminuas, junto do Miéle: um bumbum mais bonito ficava bem atrás dele, os seios mais sedutores eram colocados no melhor ângulo para as câmeras. E assim o quadro começou a subir de audiência.


PLAYBOY Como A Praça consegue sobreviver desde 1957, com algumas interrupções?


CARLOS ALBERTO O cenário é bom e a idéia, imortal. Tudo acontece numa praça. Uma vez o Jô me disse: "Teu pai te deixou um banco que nunca vai falir". E é verdade.


PLAYBOY De onde ele tirou a idéia?


CARLOS ALBERTO O Victor Costa, que era dono da TV Paulista e das rádios Nacional e Excelsior, pediu um programa humorístico a papai, que estava de viagem para a Argentina. Lá ele viu um senhor, que devia ser um aposentado, sentado no banco de uma praça. Era um personagem muito popular. Conhecia todo mundo que passava por ali, cumprimentava um e outro e conversava com alguns dos freqüentadores do local. Pronto! Lá estava a idéia para o novo programa.


PLAYBOY Por que A Praça vem dando certo há 31 anos?


CARLOS ALBERTO Não sei o segredo. Se soubesse, ia fazer sucesso também na CBS ou na NBC, nos Estados Unidos.


PLAYBOY Por que não aconteceu na Globo?


CARLOS ALBERTO Apesar de todo o carinho do Miéle com A Praça da Alegria, o que o público queria era me ver sentado lá no banco. Porque quando meu pai ficava doente ou viajava era eu quem sentava lá. E o público brasileiro é sentimental. Faço o que meu pai fazia. E um dia o meu filho Marcelo vai me substituir.


PLAYBOY O banco da Praça é uma herança da família?


CARLOS ALBERTO O problema não é a família. Mas a tradição. Não é a mesma coisa que o Leleco colocar uma roupa de palhaço e ser o novo Chacrinha.


PLAYBOY É por isso que a Praça Brasil da Bandeirantes também não deu certo?


CARLOS ALBERTO A Bandeirantes acabou com a Praça quando sentou o Moacir Franco ou o Dionísio Azevedo no banco. Foi burrice. Tentaram fazer o que eu faço. Só agora estão buscando um novo caminho.


PLAYBOY A Praça é um programa caro?


CARLOS ALBERTO Não é caro, não. Em outubro último custou, em números redondos, 36 milhões de cruzados, ou 9 milhões por programa, em média. Incluindo tudo: meu salário, os salários dos técnicos, os cachês, gastos com produção.


PLAYBOY Veja o Gordo custa quanto?


CARLOS ALBERTO O programa do Jô é o mais caro da casa, entre os de uma hora de duração. Custou 54 milhões em outubro.


PLAYBOY E o que A Praça rende para a TVS?


CARLOS ALBERTO Em outubro, um comercial de 30 segundos na Praça custava 1.350.000 cruzados. Com quatro ou cinco anúncios por intervalo, já no segundo break o programa foi pago. Fora o que as outras 43 estações repetidoras faturam. Então é altamente lucrativo. Isso é dinheiro que vai para o bolso do patrão. [Arrependendo-se.] Não, não. O Sílvio, coitado, não tira um centavo de lá. [Rindo.] Ele é o artista mais barato da televisão brasileira.


PLAYBOY Ele aplica tudo na TV?


CARLOS ALBERTO Ele deixa tudo o que ganha na TVS. É, a vida dele. O Sílvio tem loucura por isto. Outro dia, quando eu estava tentando fazer a cabeça dele para colocar menos filmes e mais programação nossa, o Sílvio me mostrou uma listagem de computador: "Veja o que eu tenho de filmes pagos". Na época era uma fortuna, um negócio da ordem de 20 milhões de dólares. E, se não passar esses filmes no prazo, que varia de um a cinco anos, ele perde o dinheiro.


PLAYBOY É por essa razão que o SBT tem tanto filme?


CARLOS ALBERTO Isso a gente também está mudando. Já reduzimos o número de filmes e vamos diminuir ainda mais. As nossas emissoras estão aí para dar emprego para brasileiros, e não pro Kirk Douglas. O problema é que o Sílvio tem um trauma com programações locais: quando o programa de humor Reapertura estava dando certo, a Globo levou todo mundo, e a TVS ficou na mão. Um dia telefonaram para o Sílvio: "Venha pra TVS depressa. O J. Silvestre foi embora, não vai gravar e você vai ter de fazer o programa dele". Com os filmes ele se sente mais seguro.


PLAYBOY Há filmes que custam uma fortuna, não?


CARLOS ALBERTO Duzentos mil dólares. E é o que o Jô Soares, na TVS, custou para a Globo, no começo. [Risos.] Toda semana. Esse era o valor de cada filme da Tela Quente para derrubar Veja o Gordo. Agora não deve ser tanto porque os filmes devem estar sendo comprados em pacotes fechados.


PLAYBOY Como foram as negociações nos bastidores para trazer o Jô?


CARLOS ALBERTO Quando o Sílvio me pediu que falasse com o Jô, eu fui ao Rio para conversar com ele na Casa 50, o prédio com as salas de produção da linha de show da emissora. Encontrei na porta o Hilton Marques, um dos redatores do programa, e perguntei: "Será que você e o Max Nunes teriam coragem de ir para a TVS?" E ele me disse: "Por que não?" Quando falei com o Jô e ele manifestou interesse, tive outra surpresa. Por dois motivos: ele era líder de audiência e também amigo pessoal, de freqüentar a casa, do Roberto Marinho. Coloquei ele em contato com o Sílvio, e a bomba explodiu.


PLAYBOY Qual foi o argumento da TVS que convenceu o Jô?


CARLOS ALBERTO Nós tínhamos um trunfo nas mãos. E não era dinheiro. A Globo cobriria qualquer oferta. Nós conseguimos mexer com a vaidade do Jô. Oferecemos a ele um outro horário, para que realizasse um antigo projeto, um programa de entrevistas semelhante ao Tonight Show, do Johnny Carson, que há mais ou menos 30 anos faz sucesso nos Estados Unidos. A Globo não tinha peito de fazer isso. E o Jô tinha uma experiência antiga com esse tipo de programa. Pouca gente sabe, mas ele começou a sua carreira profissional como produtor do programa do Silveira Sampaio, um dos maiores entrevistadores da TV brasileira.


PLAYBOY Na sua opinião, o Jô está dando certo na TVS?


CARLOS ALBERTO Até mesmo antes de estrear o Jô se tornou lucrativo, pois foi capa de algumas das melhores revistas nacionais, que antes nunca tinham dado tanto destaque para a TVS. E Veja o Gordo foi todo vendido antes de ir ao ar. O lucro, então, foi imediato. O programa só não teve a audiência que merece porque a Globo jogou a Tela Quente no mesmo horário. Essa briga passou a ser uma questão muito pessoal, contra o Jô. Afinal, ele foi a primeira grande perda da Globo. Depois, ela tentou levar o Gugu e também perdeu.


PLAYBOY Como a TVS segurou o Gugu?


CARLOS ALBERTO O mérito foi todo do Sílvio Santos, mas eu tive alguma participação, porque fui muito à casa do Gugu, conversar. Afinal, ele enfrentava o mesmo problema de falta de comunicação com o Sílvio que eu tive há 12 anos. O Gugu também se sentia abandonado por ele.


PLAYBOY Qual foi o mérito do Sílvio?


CARLOS ALBERTO Ele se empenhou pessoalmente na briga pelo Gugu. Foi em mangas de camisa, todo despenteado, sem óculos, para o Rio. E disse para o Boni: "O Gugu não vem. Ele vai ficar na TVS porque eu preciso dele".


PLAYBOY Para ser o sucessor dele?


CARLOS ALBERTO Sim, porque na época o Sílvio estava com problemas nas cordas vocais. Mas todos nós achávamos que era uma irresponsabilidade do Sílvio, porque o investimento era muito grande. Ou então um problema de vaidade, porque ele não queria perder pela primeira vez. Na verdade, ele queria preparar o Gugu como seu sucessor. Hoje, se o Sílvio tiver de parar por qualquer motivo — até ser presidente da República —, o Gugu toca sozinho o programa de domingo.


PLAYBOY O Sílvio está mesmo interessado em ser presidente?


CARLOS ALBERTO Está. E ele é o único em condições de ganhar do Brizola, porque é o homem mais popular do Brasil. O Roberto Marinho é o mais poderoso, mas o Sílvio é o mais popular. Ele não vai precisar dar cem empregos para um senador de Alagoas para ter votos no Estado. O povão vai votar nele. O Exército e a direita têm interesse em colocá-lo na Presidência, porque ele não vai deixar socializar o país. Então, quer queira, quer não, ele vai sair candidato, nem que seja pelo Partido Humanista.


PLAYBOY Como aconteceu essa virada na vida do Sílvio Santos, que sempre foi apolítico?


CARLOS ALBERTO Não sei se tenho esse direito, mas vou revelar alguns fatos da vida particular dele, por serem comoventes. Isso ele me contou chorando, com as lágrimas rolando pelo rosto. No fim do ano passado, ele foi para Boston sozinho, ouvir a sua sentença de morte, porque achava que tinha câncer nas cordas vocais, o que, felizmente, não se confirmou. E, enquanto esperava, sozinho no hotel, os resultados dos exames, ficou pensando nas dificuldades do povo brasileiro, em comparação com o americano, principalmente em questões de saúde. E voltou desesperado, alucinado, para o Brasil, querendo encontrar uma solução para o povo.


PLAYBOY Como?


CARLOS ALBERTO Ele me disse: "Quero resolver o problema deste país, acabar com a fome e a falta de habitação; quero dar remédios para o povo..." O Sílvio está muito preocupado com as diferenças sociais, a ponto de me dizer chorando: "Nós, empresários, somos filhos da puta, porque temos muito e nossos empregados não têm nada. Isso não é justo. Temos de dar casa para essa gente. O povo tem de comer. Não posso mais ficar na TV levando só alegria. Tenho de dar alguma coisa de mim para o povo".


PLAYBOY Por que ele não foi candidato a prefeito em São Paulo depois de manter todo aquele suspense em torno da sua candidatura?


CARLOS ALBERTO Ele pode até não admitir, mas foi passado para trás no Partido da Frente Liberal. Isso eu fiquei sabendo pelo Paulo Maluf [candidato pelo PDS, derrotado], com quem almocei antes das eleições. Tudo porque o Sílvio chegou lá no PFL e já foi dando o seu secretariado. Uma mistura de gente de vários partidos. Afinal, o Sílvio não é homem de aceitar imposições. Se for eleito presidente, ele é capaz de pôr o Lula e o Delfim Netto juntos no ministério se tiver confiança nos dois. Se achar que um comunista é competente, o Sílvio pode colocá-lo até no Ministério da Fazenda.


PLAYBOY Ele faz isso nas empresas que dirige?


CARLOS ALBERTO Faz. O Sílvio colocou as pessoas certas nos lugares certos e hoje administra tudo de uma salinha 4 por 4, na casa dele. São 15 mil funcionários.


PLAYBOY Se ele for candidato a presidente, os adversários certamente vão acusá-lo de querer transformar o Brasil num imenso Baú da Felicidade... [Risos.]


CARLOS ALBERTO Tomara! Porque o Baú é bem administrado e dá prêmios. [Rindo.] Vamos ver se com ele lá o Brasil dá prêmio para alguém.


PLAYBOY Mais do que um animador, o Sílvio é um grande vendedor?


CARLOS ALBERTO Mas o animador também é um vendedor porque convence. O Sílvio vende ar-refrigerado até no Pólo Norte. Ele não tem vergonha de dizer que foi camelô no começo da carreira. Eu não o conheci nessa época, mas dizem que ele observou, durante dias, o melhor camelô do Rio. Aí ele foi na rua da Alfândega, comprou uma porção de canetinhas e em pouco tempo vendia mais que o outro camelô. O Sílvio é um Midas. Onde bota a mão, vira ouro.


PLAYBOY Ele sempre foi assim?


CARLOS ALBERTO A primeira viagem internacional do Sílvio foi comigo, em 1957. Eu fui à Argentina comprar as roupas do meu enxoval de casamento, porque lá era muito mais barato. E o Sílvio, embora já trabalhasse como locutor de comerciais no programa de papai, na Rádio Nacional, comprou canetinhas, lapiseiras, muamba à beça para vender aqui. E ganhou uma nota...


PLAYBOY Você, que conviveu com ele todo esse tempo, pode dizer quando ocorreu a grande virada na vida dele, para que deixasse de morar numa pensão e se tornasse um grande empresário?


CARLOS ALBERTO Acho que a virada começou na década de 60, depois que ele comprou a carta-patente de uma cesta de Natal para o Baú da Felicidade. E foi rápida, mas não alucinante.


PLAYBOY Por que o Baú não deu certo com seu pai e deu com o Sílvio?


CARLOS ALBERTO O Baú é todo mérito do Sílvio. Papai não tinha visão comercial. E só se guiava pelo coração. Um dia papai descobriu que o sócio dele, um alemão, não estava entregando as cestas de brinquedos do Baú e pediu que o Sílvio tomasse conta para ele. Mas o Sílvio não queria... Papai teve de ligar três vezes para ele. No último telefonema, o Sílvio ficou com receio de que papai lhe tirasse o programa de 2 horas que tinha lhe dado na Rádio Nacional, e aceitou.


PLAYBOY Ficou com o Baú?


CARLOS ALBERTO O Sílvio foi lá, viu que estava tudo errado, consertou, e salvou o Baú de um desastre. Aí papai chamou o Sílvio e disse: "Eu não quero mais o Baú. Você já me salvou do prejuízo. É tudo seu". Foi a primeira vez que o Sílvio salvou papai da falência.


PLAYBOY Houve outras?


CARLOS ALBERTO Na segunda vez, o Sílvio desembolsou 2,5 milhões de cruzeiros, que era muita grana, na época, para cobrir um rombo na firma de representação das Travas de Segurança Carneiro. Papai tinha feito um péssimo negócio: era obrigado a ficar com determinado número de peças por mês, que depois não conseguia vender. A firma iria estourar se o Sílvio não tivesse ficado com ela.


PLAYBOY Como você disse há pouco, o Manoel de Nóbrega também deu um programa para o Sílvio?


CARLOS ALBERTO Quando fomos para a TV Record, meu pai deu um horário de duas horas na Rádio Nacional para o Sílvio. E ele fez um programa chamado, se não me engano, A Hora da Forca. Era de brincadeira com o público, que devia completar palavras. Aí disparou, virou Programa Sílvio Santos.


PLAYBOY Está aí o começo dele como animador de auditórios?


CARLOS ALBERTO Fora o tempo em que ele foi camelô, o que lhe deu muita experiência de lidar com o público, o Sílvio e eu também trabalhamos muito em circo. Lá você aprende a ter ritmo, a fazer humor depressa, a não ter medo de enfrentar o público. Você se desembaraça, perde a inibição. É uma grande vivência.


PLAYBOY Como vocês foram parar no circo?


CARLOS ALBERTO A gente ganhava mal em rádio. Para você ter uma idéia, em 1954, eu ganhava 3.000 cruzeiros e o Golias, 4.000. Tinha meses em que a gente faturava 10.000 ou 12.000 cruzeiros só trabalhando em circo. É que muitas vezes o nosso grupo, de cinco artistas, fazia numa única noite o mesmo show de variedades em três circos diferentes. Era uma correria de louco, mas valia a pena. Metade da bilheteria era nossa, e a outra metade do circo.


PLAYBOY E o Sílvio fazia parte do grupo?


CARLOS ALBERTO Não... Ele era nosso concorrente. Nosso grupo se chamava Caru, e o Sílvio organizou a Carvana do Peru que Fala. Mas, enquanto nós dividíamos o resultado da bilheteria entre os membros do grupo, em partes iguais, o Sílvio ficava com a renda e contratava os artistas por mês. Ele saía num jipezinho, que ganhou fazendo campanha para o deputado Cunha Bueno, com um alto-falante, anunciando pelos bairros: [imitando.] "Atenção, hoje a Caravana do Peru que Fala..."


PLAYBOY O Sílvio sempre explorou essa vocação empresarial?


CARLOS ALBERTO Muito. Ele nunca foi empregado de ninguém. Sempre se virou. Dizem que é sorte. Conversa! O Sílvio, naquela época, em 1955, 1956, tinha uma revistinha de palavras cruzadas, tinha um barzinho perto da Rádio Nacional, em São Paulo...


PLAYBOY E você? Como descobriu sua vocação para o humor?


CARLOS ALBERTO Acho que foi por hereditariedade ou por osmose. Desde pequenininho eu ia dormir ouvindo aquele barulho gostoso da máquina de escrever. Mas papai trabalhava sozinho e eu achava que precisava de alguém para ajudá-lo. Então comecei a escrever, escondido dele, com 15 anos...


PLAYBOY Seu pai não queria?


CARLOS ALBERTO [Rindo] Deus me livre! Quando lhe disse que queria trabalhar em rádio ele quase me matou. O meu melhor amigo, nessa época, era um colega de papai, o Mário Santos. Tinha um programa à noite, e era um boêmio, sem família, desquitado. Ele começou a me levar ao famoso rendez-vouz da Carmem, na avenida São João, para os lados da alameda Glete, ou à zona, nas ruas Aimorés e Itaboca, no Bom Retiro. Então, como eu queria sair cedo para a farra, comecei a ajudá-lo a escrever o programa. E fui aprendendo.


PLAYBOY E o seu pai sabia?


CARLOS ALBERTO Papai só sabia das farras. Eu tinha muita liberdade com papai, que foi o meu melhor amigo. Ele me dava uma mesada, e o Mário Santos conseguiu com a Carmem uma espécie de conta corrente para mim. Então, todo mês nós fazíamos as contas — "Este mês foram cinco vezes..." — e eu pagava. [Risos.]


PLAYBOY Quando o seu pai descobriu que você também escrevia?


CARLOS ALBERTO Quando eu repeti de ano na escola pela terceira vez, não consecutiva, tomei vergonha e decidi que ia trabalhar de dia para pagar os meus estudos à noite. Meu pai ficou louco. [Rindo.] E, quando disse que queria trabalhar em rádio, Nossa Senhora, o mundo desabou em cima de mim! Papai foi duro comigo: "O que você vai fazer no rádio, se você é gago?!!" Eu lhe respondi: "Quero escrever". E lhe mostrei alguns quadros escritos por mim. Ele gostou e me convidou: "Então, vamos trabalhar juntos". Isso foi em novembro de 1953.


PLAYBOY Como você se curou da gagueira?


CARLOS ALBERTO A gagueira é uma questão de insegurança. E este era o meu problema. Por ser filho de Manoel de Nóbrega, todos sempre faziam comparações com papai... Como eu também queria trabalhar como ator, na hora de escrever as minhas falas eu testava: se tivesse de dizer "Amanhã vai chover", e via que empacava no "aman-man-man-man-nhã", eu mudava a frase para outra em que não gaguejasse. E fui treinando dicção. Depois comecei a fazer os shows em circo, passei a ter confiança em mim, a me desinibir. Em menos de dois anos deixei de ser gago.


PLAYBOY Alguém famoso trabalhou com você nessa época?


CARLOS ALBERTO Quando passei a escrever o Programa Manoel de Nóbrega, trabalhei junto com o Boni, que era uma cria de papai e tinha mais ou menos a minha idade: 17 anos.


PLAYBOY Como seu pai o conheceu?


CARLOS ALBERTO Uma tia do Boni, manicure da minha mãe, pediu que papai o ajudasse. Naquele momento ele passava por uma situação muito difícil: tinha de contribuir para o sustento da casa, mas estava com problemas para encontrar emprego, porque tinha sofrido um acidente muito grave e quase perdera uma perna...


PLAYBOY Acidente de carro?


CARLOS ALBERTO Não... Parece que foi desastre de trem. Papai viu que o Boni sabia escrever. E lhe deu a chance de trabalhar como redator do programa. Nessa época o Boni almoçava e jantava na minha casa quase todo dia. Mas a Rádio Nacional não resolvia o problema dele, que era ter um salário, levar comida para a família. Aí um dia a Rádio Tupi o convidou, e ele foi embora sem avisar.


PLAYBOY O que o Boni foi fazer na Tupi?


CARLOS ALBERTO Foi escrever programas humorísticos. Também começou a trabalhar em propaganda. E se revelou. Hoje é o homem que mais conhece televisão no Brasil.


PLAYBOY Voltando à sua experiência sexual, a sua iniciação foi na casa da Carmem?


CARLOS ALBERTO Eu fui sexualmente muito precoce. Quando tinha uns 10 anos, uma amiguinha da mesma idade, filha de um amigo de papai, delegado de polícia, costumava ir brincar em casa. Às vezes ela dormia lá. E ia para a minha cama. Como tínhamos vergonha de mostrar nossos corpos, nada acontecia. Era só brincadeira de criança... [Risos.] Sexo explícito mesmo foi só no renclez-vous.


PLAYBOY Como foi a primeira vez?


CARLOS ALBERTO Foi muito bom, sem traumas. A gente tinha muitas mordomias lá, porque o Simplício [comediante da velha guarda, que faz um quadro na Praça, como moleque, repetindo a expressão "Ô, home!"] estava de caso com a irmã da Carmem, chamada Lúcia. Então ele e o Mário Santos escolheram uma gatinha, novinha, para mim. A dedo. E foi aquela gozação. O Mário dizia que ia ficar no quarto, para me ensinar...


PLAYBOY E ficou?


CARLOS ALBERTO Não... Dessa vez me deixaram em paz. Porém, um dia os dois se esconderam num armário, pra ver como eu me saía, se fazia direito... E eu não achei ruim. Tinha receio de que, se brigasse, eles não me levariam mais...


PLAYBOY Era literalmente uma zona!


CARLOS ALBERTO Foi uma fase boa. Eu achava tudo aquilo maravilhoso. Tinha só 15 anos e as mulheres brincavam comigo, pediam para eu mostrar se era bem-dotado... E eu mostrava, com o maior orgulho. Porra, aquilo para um garoto era o máximo... E na segunda-feira eu me tornava a atração da escola quando contava as minhas aventuras...


PLAYBOY E na época você namorava?


CARLOS ALBERTO Eu tive dois problemas sérios nesse campo: minha precocidade sexual e as leituras de Nélson Rodrigues. Tinha medo de casar e ser corneado. Para mim, tudo era só sacanagem. Então eu nunca namorei, exceto minha mulher. Nunca fui a bailinho de adolescentes. Naquela época não havia as facilidades de hoje. Então, eu preferia sair com uma puta. Porque para mim era a glória. Mas pra minha cabeça isso foi muito ruim.


PLAYBOY Por quê?


CARLOS ALBERTO Eu passei a nivelar tudo por baixo, a achar que toda mulher é puta. Eu não sabia como tratá-las.


PLAYBOY Quando você se libertou desses problemas?


CARLOS ALBERTO Ih, cara, já bem velhinho. Com uns quarentinha... Mas custou muita conversa e alguma análise. Quando eu ia escrever a Família Trapo, na casa do Jô Soares, eu conversava muito com ele sobre isso. E ele me ajudou muito.


PLAYBOY Com toda essa sua experiência, você acha que um homem deve encarar com bom ou mau humor o fato de, eventualmente, falhar na hora decisiva?


CARLOS ALBERTO Com péssimo humor. [Rindo.] Acho que não há nada pior pro homem do que isso.


PLAYBOY Com você já aconteceu?. Não vai dizer que nunca, como garantiu o Ziraldo na entrevista que deu a PLAYBOY...


CARLOS ALBERTO [Rindo] Não. Comigo nunca. No dia que acontecer, vamos ver o bicho que vai dar.


PLAYBOY Você tem medo da impotência?


CARLOS ALBERTO Pavor... pavor...


PLAYBOY A medicina já tem soluções...


CARLOS ALBERTO Eu sei... O Ivon Curi até já fez uma prótese. Mas aí eu acho que perde a graça.


PLAYBOY É por isso que, no seu programa, a gravata do Cocada está sempre pronta para levantar diante de mulher bonita? Para a crítica, esse quadro é um exemplo de que há muita apelação ao humor de gosto duvidoso...


CARLOS ALBERTO Mas o que é apelação? Quando fui chamado à Censura Federal, em São Paulo, por causa disso, eu disse pro delegado: "Se o senhor quer moralizar as bundas das meninas do meu programa, então tire a bunda de homem da novela Brega & Chique e do anúncio de relógios. Se a Globo pode, por que eu não posso?" E respondi à censora, que achava o quadro do Cocada muito pesado: "Pesada é a sua cabeça, porque na hora que a gravata levanta, para a criança é apenas isso. Mas para a senhora é um símbolo fálico".


PLAYBOY Como a censora reagiu?


CARLOS ALBERTO Ela começou a ficar irritada e aí eu dancei e rolei em cima dela. Perguntei: "Se queimar uma lâmpada na sua casa, a senhora trepa na mesa para trocar?" Nervosa, ela respondeu sem pensar: "Claro que trepo". [Risos.] Então eu argumentei: "Se eu digo isso na televisão, a senhora me corta". O chefe dos censores riu disso e eles nunca mais se meteram no meu programa.


PLAYBOY Seu pai faria essa versão da Praça?


CARLOS ALBERTO [Rindo] Nem por um cacete! Ele sempre me dizia: "Meu filho, antes de dizer uma piada pense se você poderia contar para sua mãe". Imagine se eu fizesse isso hoje! Acabava o meu programa! A velhinha surda da época de meu pai era pura, ingênua. A minha é sacana.


PLAYBOY O que mudou?


CARLOS ALBERTO O mundo mudou. Meu filho mais velho vai à Faculdade de Comunicação no Rio de bermuda, camiseta e sandália havaiana. Na minha época, para fazer exame oral na Faculdade de Direito, era preciso ir de gravata e paletó. Fumar na sala de aula? Nem pensar! Na faculdade de meu filho, maconha é melhoral, é cafiaspirina, é brincadeira!


PLAYBOY E no meio artístico não rola muita droga?


CARLOS ALBERTO Sei por ouvir falar. Nunca vi. Mas meu filho Marcelo foi podado numa minissérie na TV Globo porque não quis entrar no esqueminha dos caras de lá que cheiram pó, e também não quis comer um homossexual lá. E entre colocar meu filho ou um garotinho do esquema, meu filho dançou.


PLAYBOY O que você acha quando dizem que A Praça é grossa?


CARLOS ALBERTO Eu nunca disse que faço o humor mais fino da televisão brasileira! Se alguém disser que o programa é inteligente, tem mensagem, está me gozando ou está dizendo uma mentira. Se o programa tem audiência, alguma coisa está certa. É grosso? O povo gosta? Então não vou mudar nada para satisfazer os intelectuais. Quero que intelectual se dane, pó!


PLAYBOY Como definiria o seu humor?


CARLOS ALBERTO Popular, simples, imediato, despretensioso [rindo] e machista.


PLAYBOY Seu público é machista?


CARLOS ALBERTO — O brasileiro é machista, gosta de ouvir piada de mulher, sacanagem.


PLAYBOY Como você compara o seu estilo de humor com os dos outros humoristas da televisão?


CARLOS ALBERTO O meu e o dos Trapalhões são iguais. O do Chico Anysio é o mais inteligente, e seus personagens existem, têm vida. O Jô também faz humor inteligente, é muito engraçado, mas o seu humor na TV, em geral, é de bordões, repetições já se sabe o que vai acontecer. O Agildo Ribeiro é engraçado no teatro. Não gosto do que ele faz na televisão. Fazer piadas ou imitações de políticos não faz o meu gênero. Gosto de humor fácil, que faz rir. [Dá uma gargalhada.]


PLAYBOY Uma vez você disse que o Luis Fernando Verissimo e o Carlos Novaes não podiam escrever para A Praça porque tinham um texto de humor muito inteligente. Isso significa que o humor da Praça é menos inteligente?


CARLOS ALBERTO É mesmo, porque o cara que mora no interior do Piauí e o professor da USP devem entender e rir da minha piada.


PLAYBOY Quais os humoristas brasileiros que você mais admira?


CARLOS ALBERTO O primeiro é o Chico Anysio, por tudo o que ele é: pelo caráter, pelo artista, pelo ser humano. Golias foi o mais engraçado. Nunca vai aparecer outro igual. É até chato dizer isso, mas hoje quem mais me faz rir é o pessoal do TV Pirata. Eles fazem o humor de que eu gosto. O quadro do piloto da Fórmula 1, o Peixoto, é ontológico.


PLAYBOY — E o Jô?


CARLOS ALBERTO — O Jô está no mesmo nível do Chico. Eu sou fã dele. É muito engraçado e faz um humor inteligente e um pouco político... Pra mim, o melhor quadro é o do Cid Moreira, porque tudo aquilo acontece na realidade... [Risos.] Os dois encanadores, o Jefferson e o Washington, são engraçadíssimos. Mas o Jô Soares Onze e Meia está muito melhor. Vai ser o programa mais premiado do ano. Não tenho a menor dúvida. O Jô dá um banho de inteligência e cultura.


PLAYBOY E os humoristas do exterior?


CARLOS ALBERTO O Woody Allen é muito engraçado. Mas o cara que mais me fez rir na vida, o meu ídolo, é o Cantinflas. Nunca perdi um filme dele. E assistia o mesmo cinco ou seis vezes. Tem também o Peter Sellers, que fez um dos filmes de humor mais inteligentes que já vi: Muito Além do Jardim. É ontológico. Uma obra-prima. Totó foi outro gênio. Sem esquecer, obviamente, o Charles Chaplin. Foi o maior de todos.


PLAYBOY Como o Bozó do Chico, alguns personagens da Praça são baseados em pessoas reais?


CARLOS ALBERTO O Bozó é o Helmar Sérgio, um assistente do Boni, que fica puto quando falam que é o Bozó. Quer brigar, mas é ele. É um cara mulherengo, que diz, quando quer conquistar uma mulher: "Eu sou da Globo, vou te levar para fazer um teste". Para ele, o crachá da Globo é a coisa mais importante do mundo. Na Praça, o mais conhecido de todos é o "marido Oscar" na verdade o milionário paulista Oscar Americano.


PLAYBOY Quem você nunca gostaria de ver sentado na Praça?


CARLOS ALBERTO [Rindo] O Orestes Quércia. Não gosto dele. O Guilherme Stoliar já quis nos reaproximar. O próprio Quércia tentou falar comigo, mandou recados... Mas me recusei.


PLAYBOY O que houve de tão grave entre vocês?


CARLOS ALBERTO Ingratidão e jogo sujo... Faltavam só quatro ou cinco meses para eu me aposentar na Cesp [Companhia Energética de São Paulo] quando fui demitido sem explicações. A Fundação Cesp [entidade fechada de previdência privada] me pagaria o salário integral por toda a vida e, ainda depois de morto, a minha mulher. E o Quénia, na época vice-governador, não impediu a minha demissão, apesar de eu estar trabalhando na campanha dele para governador, no auditório da av. 9 de julho. E sabe com quanto me aposentei? Com dois salários e meio...


PLAYBOY Espere um pouco... E quanto tempo você trabalhou na Cesp para ter esse privilégio de uma aposentadoria com salário integral?


CARLOS ALBERTO Entrei no último ano do governo Maluf [1979-1983] e saí dois meses depois da posse do governador Franco Montoro. Mas isso não tem nada a ver. Eu podia ficar um mês e em seguida ser aposentado, recebendo o salário integral, contanto que fosse associado à Fundação Cesp. Eu tinha esse direito, legal, lícito.


PLAYBOY E quem você gostaria que se sentasse no banco da Praça?


CARLOS ALBERTO Um dia eu gostaria de ver o Golias de volta para sempre. E gostaria de ver o Chico Anysio, o Jô, o Renato Aragão, enfim, todos os grandes comediantes sentados ali.


PLAYBOY Agora, para encerrar, o que você achou de ser entrevistado por PLAYBOY?


CARLOS ALBERTO Foi o meu presente maior, num ano em que recebi todos os prêmios que podia ganhar. Achei maravilhoso. Um sonho. Estou realizado.


POR LUIZ ANTONIO MACIEL

FOTOS JÚLIO BERNANDES


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