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CASAGRANDE | SETEMBRO, 1985



O defensor da camisa 9 da Seleção fala da intimidade na concentração, de sexo, noivado, drogas, tietes — e do sonho de estourar na Copa


POR ROSANGELA PETTA

FOTO MÁRCIA MAY

Alto, muito cabelo e pouca barba, garotão da periferia paulistana, bom de bola desde os oito anos e profissional aos 17, Walter Casagrande Júnior cresceu muito — e depressa. Tanto que sua velocidade, temperada com uma agressividade que sempre rende altas emoções em campo, vazou inevitavelmente dos limites do Sport Club Corinthians Paulista: aos 22 anos, o centroavante do Timão sacudiu toda a galera brasileira durante as eliminatórias da Copa do Mundo de 1986. Ariano, filiado ao Partido dos Trabalhadores e roqueiro convicto, criou fama de se sair bem em todas, das participações no cinema a um processo por porte de cocaína que deu em nada. Mas "Casa" resolveu maneirar em suas aventuras e — acredite se quiser — se declara um careta por opção. Está noivo da levantadora do time de vôlei do São Paulo, Mônica, 19 anos. Casam-se em novembro. Curte morar com os pais, seu Valter e dona Zilda. E, depois de um treino, no único lugar em que poderia dar uma entrevista exclusiva à editora-assistente Rosangela Petta (uma sala do departamento médico do Corinthians, com quem já estava se desentendendo), garantiu que, acima de tudo, é um bom moço.





1. Você se emociona com a perspectiva de ir para a Copa do Mundo? Eu sou um cara superemocional, saca, e estou empolgado, claro. Se a Copa fosse amanhã, tenho certeza que ia estourar. Cada dia em que a convocação chega mais perto, meu coração bate mais. Mas eu quero evitar um pouco a emoção. Porque acabo me ligando demais nas pessoas, nunca fui de medir as conseqüências: acreditava numa coisa, ia lá brigar por ela. Agora, estou super ao contrário do que eu era.


2. Você mudou, então? Nas eliminatórias, por exemplo, fiquei dois meses e meio trancado. Acabava o treino, ia pro quarto ouvir um som. Às vezes via um filme na sala de vídeo, mas não queria saber de reunião se o ambiente estava mal, nem participar de nada. Quando vejo uma "panela", um grupinho, fico muito puto, sabe? Começo a querer explodir, arrumar, e fica difícil. Quanto mais trancado eu estava, menos coisa via. E olha que sou um cara preocupado com o entrosamento da gente fora do campo, sou muito ligado em papo de união. Mas, lá, eu fui só profissional, eu não quis descontrair. Quando saía, brincava com todo mundo. Mas não era eu, o Valter: era o jogador Casagrande.


3. Quer dizer que pintou fofoca, rivalidade? Você ficou chateado? Não, estou falando de engrenagem. Se começo a participar, e vamos supor que eu veja alguma coisa errada, aí vou tentar colocar pros caras: "Olha, isso não está certo, nós temos que ser assim". A gente tinha pouco tempo, eu poderia deixar as coisas pela metade. Não ia dar certo, só ia ficar cheio de grilo e eu poderia ser mal interpretado: "Pô, o cara é rebelde, agitador, irreverente" — esses papos. Então, eu não queria ver a engrenagem, não queria ver quatro ou cinco mandarem. Mas não fiquei chateado, fiquei com uma certa depressão. Sé, pensava na família — acho que fui o jogador que mais sofreu em termos de saudade —, mas pode ser que eu ficasse pior se visse algo que não queria. Agora, no ano que vem, com a Copa, a gente pode ficar um tempão juntos, e aí sim dá para ver o que está certo ou errado, e participar.


4. Essa solidão na concentração pintou com o técnico Evaristo, com Telê Santana ou o tempo todo? Não, no tempo do Evaristo eu participei mais. Era um grupo novo, todos estavam chegando, inclusive ele. Não tinha separação. Foi da época do Evaristo que eu tirei mais experiências a nível pessoal, como um homem dentro de um grupo. Bem diferente da época do Telê: fui o oposto. O Telê já tinha sido da seleção em 1982, pegou um puta grupo experiente que ele tinha na cabeça e colocou mais dois, eu e o Renato. Nós dois éramos de fora, entende? Fui de novo convocado porque fiz um bom trabalho na seleção do Evaristo e tinha que estar na outra também. Trabalhei pra ganhar a posição de novo. Mas foi um papo individual. Com o Evaristo, não; mesmo fora do campo tentei dar uma força, todos tentaram. Com o Telê, não achei necessidade de ajudar em nada, foi tudo certinho, tudo esquematizado. E, na minha opinião, deram uma facilidade enorme pro Telê. Até ontem havia toda dificuldade para trazer jogador da Itália, mas de hoje pra amanhã estão todos aqui, sabe...


5. E como era o clima durante o boicote que a seleção de Evaristo fez à imprensa? O lance foi o seguinte: estávamos sendo muito mais criticados do que devíamos. Era a primeira vez que se convocava aquele time e queriam o quê, que a gente chegasse na Colômbia e desse de seis? Era tudo novo, meu. E começaram a atacar a gente para atacar o Evaristo. Muitos estavam corretos, mas alguns passaram dos limites, estavam com sacanagem. Não tínhamos como separar e, então, resolvemos boicotar todos. Mas fizemos um documento para explicar o boicote à imprensa, com os motivos e tal. Aí, quando fizemos uma reunião para entregar, o Evaristo achou mal, disse que podiam usar isso contra nós e teve um monte de gente que ficou em dúvida. Foi a nossa falha. Acharam então que era rebeldia. Eu também, no lugar deles, ia achar.


6. Você é um cara rebelde? Fora do campo sou tranqüilo, sossegado. Defendo meus pontos de vista, mas nunca perdi as estribeiras. Em casa, não me envolvo com a vida dos meus pais, e quero que eles se envolvam o menos possível com a minha. Eu sei que tenho de entender que eles se preocupam com o filho. Mas, se algo passar do limite, vou lá discutir. Já falei um monte de vezes pro meu pai: "Nunca fui no seu trabalho dizer pro patrão que você tem que ganhar mais, então, não vai no meu pedir pra um diretor aumentar o meu salário que eu acho isso ridículo".


7. Eles cuidam muito de você? Pô, demais. Chego até a ser mimado. Nunca trabalhei na minha vida, sempre estudei e joguei futebol. Eles não eram ricos, mas faziam o máximo para me dar tudo o que queria. Tanto que tive que aprender a respeitar uma porrada de coisas. Quando fui jogar no Caldense de Poços de Caldas [em 81, Casagrande foi o terceiro artilheiro do Campeonato Mineiro, aos 17 anos], era a primeira vez que eu saía de casa. Morava numa república com mais uns cinqüenta caras, dividia o quarto com outros, tudo misturado, branco, preto, japonês, dos 17 aos 30 anos. Não lavava roupa. No quarto tinha um bolo de camisetas sujas e eu ficava na praça o dia inteiro, ouvindo uns caras tocar violão. Minha mãe foi me visitar e não acreditava: "Você veio jogar ou ser hippie?" Nessas, fui amadurecendo. Já tomei porrada pra cacete, fui até responder aquele processo sobre tóxico, um saco.


8. Por que você acha que "armaram" o tal flagrante por porte de cocaína, como você disse, no final de 82? Não sei quem armou, nem por quê. Mas foi isso, pô, fazia um mês que eu não estava em São Paulo, chego e vêm em cima de mim?! Só sei que foi na época em que, no Corinthians, a gente estava tendo uma participação direta em termos políticos. Foi quando começou a democracia corintiana, quando eu e o Wladimir nos filiamos ao PT, quando participamos de uma porrada de coisas. Acho que apareci muito, pus a cara, falei demais. E não me arrependo. Tudo isso me adiantou um lado de vivência, mas atrasou meu lado profissional. Eu era para entrar na seleção há dois anos [Casagrande foi absolvido em 4 de maio de 1983], porque em 82 fui o artilheiro do campeonato paulista, o terceiro artilheiro do Brasil, com mil troféus, prêmios, esses papos. Por isso também é que este ano fui pra seleção com uma puta vontade. Talvez quem queria me prejudicar não esperasse que eu conseguisse dar a volta.


9. Mas o que você pensa sobre drogas? Já provou alguma? Eu não me interesso por nada disso, saca? O meu pensamento sobre droga é o mesmo sobre homossexualismo: acho que ninguém tem que cuidar da vida de ninguém, cada um sabe o que faz. Sou é contra traficante. Por exemplo, se vejo um carinha de 16 anos comprar maconha de um traficante, vou ficar invocado, meu. Mas eu não transo. Ando muito careta, às vezes me olho no espelho e digo: como esse cara tá chato! [risos]


10. Você, careta? Hoje eu me preocupo com a minha imagem. Essa mudança fui eu que fiz, ninguém veio falar. Queriam é que eu fosse do mesmo jeito pra meter o pau todo dia. Antes, queria fazer, fazia. Queria beber, bebia. Chegava de manhã, pensava em alguma coisa pra fazer, pegava o carro e ia com os amigos pra Campinas sem dar satisfação. Sumia do Corinthians, minha mãe ficava louca. Agora tenho que ver o meu lado profissional. Nesse sentido sou careta, não em termos do que penso.


11. Você sai muito pela noite? Faz muito tempo que eu não passo da meia-noite... As horas de folga eu passo com amigos que tenho desde a infância e a gente bate um papo. Mas não gosto mais de sair porque, se vou a um barzinho, enquanto os caras não bebem está tudo bem, mas, se começam a ficar mais alegres, já vêm encher o saco. No Rock in Rio foi a única vez que eu me senti bem pra cacete no meio da multidão. De vez em quando alguém passava e dizia: "E aí, Casagrande, tudo bem?" Ninguém veio me atormentar. Achei legal, mas só fui no dia do heavy metal.


12. E as fãs, atacam muito? Ah, já teve aquele papo, nas viagens, da menina mandar avisar que está me esperando. Mas eu fico no meu quarto, não chego a usar esse lado, sabe? Quando tenho tempo, converso, lógico, fico trocando idéia. Mas não vou pegar a menina, levar pro quarto, transar e fim — isso tá por fora, pra mim. De repente, pode ser que você se interesse, aí já muda de figura. Mas, quando viajo pra jogar, meu, vou com a maior responsabilidade. Sou frio pra cacete. No dia seguinte, no jornal, não vão atacar a mina que saiu comigo, vão me atacar. Eu olho muito o meu lado, saca?


13. Você se acha gostoso? Não sei... [risos] Eu acho que não fiz imagem de galã. Recebo muitas cartas, a maioria de mulheres. Tem umas que dizem "eu te amo", mas muitas falam que me acham legal no campo ou que gostaram de uma entrevista que dei. É outro tipo de público, por exemplo do público do Éder, que tem imagem de sexy. Mas é difícil responder a todas as cartas, não dá tempo.


14. E para namorar, você tem tempo? Como é a transa com a Mônica? O namoro da gente é bem... tradicional. Eu abri um espaço em mim nesse sentido, pela família dela, com aquele lance de estudar em colégio de freira, dar satisfação em casa, essas coisas. Então, o relacionamento da gente é bem à antiga, entende? Não de cabeça, nosso diálogo é bem avançado. Em matéria de sexo é antigo.


15. Se você não transa com sua noiva, como é que você faz? Olha, eu tô na minha. Não sou nenhum maníaco sexual, não tenho taras, nem fissura. De repente, pode acontecer... mas não fico atrás, procurando. Eu acho que sexo é uma tremenda conseqüência de um relacionamento, antes dele tem a compreensão, a paciência. Sério! E sou fiel. Tanto que, nas eliminatórias, eu ficava no mesmo quarto que o Renato, que também é solteiro, e, quando tocava o telefone pra mim, não respondia. Ele dizia: "Cara, é mulher, você está louco?" Eu não queria saber. O Renato até dizia que eu sou fiel demais pra cabeça dele. Mas é porque com a Mônica foi a primeira vez que assumi um compromisso sério.


16. E no cinema? Foi um dublê ou você mesmo quem fez sexo explícito no filme Onda Nova, de Ícaro Martins e José Antônio Garcia? Fui eu, e me arrependo muito. O primeiro filme que fiz, Procuro uma Cama, do Deni Cavalcanti, achei legal porque fazia papel de jogador, não saí da minha área, saca? Mas, nesse outro, eu e o Wladimir entramos para dar força ao futebol feminino, que era o lance do filme. Só que nós paramos na metade, nem quisemos receber o cachê. Depois é que entrou o dublê. Rezei pro filme não passar [risos]. Eu ficava evitando fazer a cena, faltava nas filmagens, mas um dia não teve jeito. Pô, não gostei de ter feito. Também não acontece nada, meu, são mil câmaras e pessoas do lado. E a gente tinha ido lá só pra dar uma força. Eu e o Wladimir ficamos um dia inteiro vestidos de mulher para uma cena, de maria-chiquinha e tudo, sabe o que é isso?


17. Então você apoia o futebol feminino? Ainda existe preconceito, papo de homossexualismo? Só. No vôlei diminuiu, mas no basquete os caras ainda falam demais. E não tem nada a ver. Acho que as pessoas dividem muito as coisas: se um cantor de rock fuma maconha e é homossexual, está limpo, tudo certo. Agora, no futebol não pode, nem no basquete. Mas isso tem entre artistas, secretárias, todo mundo! Sem essa de discriminar.


18. E a Nova República, você apoia? Está satisfeito? Satisfeito não estou e acho que ninguém está, porque não aconteceu nada ainda, né? Acho difícil. Qualquer um que estiver lá vai ficar com uma faca nas costas. Rotularam, é a "Nova República", e qualquer coisa que ganha um rótulo fica uma merda, o pessoal fica ligado naquilo. Tenho essa experiência no Corinthians, por causa da "democracia". A gente carrega esse saco até hoje, porque rotularam. E, na Nova República, está fodido o cara que entrar lá. O Sarney tá numa fria. Eu achei o maior barato aquele discurso dele na TV, estava à vontade e disse que também tem o direito de errar. Só que ninguém vai admitir, eu não vou também. Não estamos no momento de "achar", mas de fazer. A hora de esperar já foi, meu.


19. Você se considera uma pessoa de que posição política? Se é de esquerda alguém que pensa em uma maior igualdade, numa vida melhor para todo mundo, num respeito pra todos, na liberdade de participação e no respeito de opinião de todos, então eu sou. Isso eu defendo.


20. Você vai ficar rico? Nunca fui materialista, mas agora vou começar a pensar mais nesse lance. Tenho mais dez anos de futebol: vou quebrar a cara, vou jogar e conseguir tudo o que eu puder. Porque, quando parar, eu não quero fazer mais droga nenhuma. Se depois disso não der pro cara se estabilizar, não valeu, só vai ficar ouvindo história de que "fulano fez três gols não sei quando". Se eu for para a Copa, vou tentar ganhar, claro, e depois partir para altos contratos. Posso continuar no Corinthians, mas, de repente, se vem um time da China me chamar, eu vou, meu. Vou exercer minha profissão, eu me dedico muito, até em joguinho de rua. Quero trabalhar, e não interessa onde.


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