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CHITÃOZINHO E XORORÓ | ABRIL, 1990

Playboy Entrevista



Uma conversa franca com a mais bem-sucedida dupla sertaneja do país sobre a mudança da letra de No Rancho Fundo, os shows, a grife, futebol, tietagem e até um fusca azul-calcinha


Nos gibis do Super-homem, existe um mundo estranho, o Universo Paralelo, onde tudo tem sinal trocado: a kriptonita é verde, os super-heróis são maus, tudo é parecido, mas diferente. Se houvesse um Universo Paralelo para a música pop, nele certamente estaria reservado um lugar de destaque para os irmãos José Lima Sobrinho e Durval de Lima. Ou seja Chitãozinho e Xororó — a mais bem-sucedida dupla sertaneja do país. Há vinte anos na estrada, eles continuam cantando em dueto, com vozes muito agudas, melosas canções que falam de amores impossíveis, dores-de-cotovelo e sentimentos banais, com um indisfarçável sotaque caipira. São bem casados, caretíssimos e humildes. Mas, como os grandes nomes do rock, usam roupas brilhantes, cabelos compridos e espetados, milhares de watts de som, canhões de luz, raios laser e arrastam milhares de pessoas para qualquer fim de mundo. E ganham muito, muito dinheiro.


Só no ano passado, fizeram 180 shows por todo o Brasil, assistidos por mais de 3 milhões de fãs de todas as idades. Animaram sem problemas os últimos comícios de campanha de Paulo Maluf e Fernando Collor — e na mesma cidade, a desconfiada Belo Horizonte. Venderam algo em torno de 2 milhões de discos, emplacaram um sucesso na novela das oito — o clássico No Rancho Fundo, de Ary Barroso e Lamartine Babo, que Xororó chegou a reescrever, para adaptar ao estilo da dupla. E preparam-se agora para avançar sobre o mercado latino, gravando no México e transformando-se em uma grife que vai comercializar desde perfumes até botas de borracha.


Tudo isso sem perder a pose — ou, mais exatamente, a falta dela — de quem nasceu em Astorga, norte do Paraná, e foi criado numa cidadezinha ainda menor, chamada Rondon, como os dois primeiros dos oito filhos da família Lima, sustentada por um motorista de caminhão que cantava e compunha música sertaneja, sonhando com o estrelato. Ali, Zé fez o primário, contando os tostões para o cinema de domingo, e Durval matou muita rolinha com o estilingue. Em Rondon, também, os dois irmãos formaram a dupla. Em São Paulo, começaram a carreira, do mesmo modo que todos os principiantes — cantando onde fosse possível conseguir um troco.


Hoje, nem sabem direito quanto faturam. Zé, ou Chitãozinho (1,69 metro, 66 quilos), tem muitos apartamentos, cinco carros (entre eles uma Mercedes 1983), e quer comprar uma casa na praia e um, jet-ski, passou o verão treinando pilotar uma dessas máquinas na represa de Americana (SP). Mora num apartamento de meio milhão de dólares, piso de mármore, sala inteiramente em branco e preto, num bairro nobre da cidade paulista de Campinas. Mas seu bar, de fazer inveja aos melhores bebedores, ostenta apenas garrafas lacradas. Sobre o balcão, abertos, nada além de um nacionalizado Vat 69 e de uma garrafa de San Raphael. Nem beber ele bebe. Passa o tempo na sala de som onde há todo tipo de equipamento importado, inclusive um moderníssimo videolaser.


Equipamento idêntico entretém as horas livres de Durval, o Xororó (1,63 metro, 57 quilos), em sua mansão igualmente caixa-alta, digna de figurar na CASA CLAUDIA, a poucas quadras do Shopping de Campinas. Ali, o refinamento alvinegro selecionado pela mulher do Chitão dá lugar ao mogno, latão, vidro fumê e granito marrom escolhidos por uma arquiteta amiga do casal. Nas paredes, gravuras de Fukushima, Newton Mesquita e companhia. Na garagem, falta espaço para os cinco carros novinhos da família — um fica em São Paulo, sem uso.


Todo esse conforto e requinte não impedem que, na casa de Xororó, a mesa da sala de jantar seja usada apenas em ocasiões especiais. Ou que na chácara de Chitãozinho, onde ele termina um palacete de mais de 400 metros quadrados, o almoço vá para a mesa nas grandes panelas onde foi cozido — num fogão de lenha, evidentemente.


Chitãozinho e Xororó não esquecem os tempos duros que, afinal, nem tão distantes assim estão. Até o final da década de 70, eles suavam a camisa para ganhar dinheiro com sua música. E ainda mandavam quase tudo para a casa dos pais, na Vila Alpina, zona leste de São Pauto, onde outros seis irmãos dependiam do sucesso da dupla para comer.


Em termos profissionais, ultrapassaram até seus sonhos mais mirabolantes. Gravaram discos com violinos e metais, estúdios de 24 canais, câmaras de eco, belos arranjos. Decuplicaram as vendagens. Apresentaram shows para dezenas de milhares de pessoas, com som perfeito, luz impecável, profissionalismo em tudo. Quebraram a barreira que separava o universo normal do paralelo, lotando seis sessões no festejadíssimo Palace, a casa de espetáculos mais badalada de São Paulo, em 1988. Tocaram no exigente Teatro Guaíra de Curitiba e num cassino em Las Vegas, nos Estados Unidos.


Agora, mostram o quão franca pode ser uma conversa de uma dupla tão singular de astros diante do gravador de PLAYBOY, que o editor-contribuinte Paulo Markun levou ao escritório da dupla, no decadente centro de São Paulo, e à casa dos dois em Campinas, onde o papo solto só foi interrompido para dois almoços: no primeiro, Chitãozinho, 35 anos, atacou iscas de tilápia frita, antes do arroz e feijão com frango caipira. No segundo, foi Xororó, 33 anos, que não vacilou em se servir de generosas porções de arroz, feijão e frango, a comida predileta de ambos. O resultado desses encontros, nos intervalos das apertadas agendas de ambos, é a entrevista a seguir.


PLAYBOY — Chitãozinho e Xororó é quê, além de uma dupla de cantores, hoje em dia?


CHITÃOZINHO — A exemplo de muitos artistas e jogadores de futebol, estamos começando a aproveitar nosso nome, transformando-o numa grife. Vamos lançar vários produtos — desde o xampu Fio de Cabelo, que é o nome do nosso maior sucesso, até calças jeans, camisas, cintos, botas. Não estamos trabalhando com exclusividade, mas licenciando a marca. Várias empresas se interessaram e nós estamos disponíveis para trocar uma idéia. Mas é a gente que aprova tudo. Bebida alcoólica, por exemplo, não tem muito a ver. Têm de ser coisas que a gente usa...


PLAYBOY — Nesse negócio de roupa, são modelos como os que vocês usam no palco, cheios de lantejoulas, de brilho?


CHITÃOZINHO — Tem as duas coisas, urna mistura. Botas de borracha para o sítio, roupa de trabalho e roupas iguais às que a gente usa no palco.


PLAYBOY — E a empresa de som, começou como?


XORORÓ — Essa era uma bandeira nossa. Começou com o Fio de Cabelo, o grande sucesso nosso, em 1983. Depois dele, a gente passou a perceber que o público havia aumentado bastante e nos shows tinha muito jovem, muito estudante, cantando a nossa música. E esse pessoal é mais exigente, é um pessoal que está acostumado com a música de qualidade. E, até então, até a gente começar a fazer música sertaneja com mais tecnologia, com mais qualidade, era qualquer nota, gravada de qualquer jeito, num estúdio pequeno. As gravadoras não se preocupavam com a qualidade do disco. Passamos a fazer no palco o que estávamos fazendo no disco. Como não podíamos levar urna orquestra grande, cordas, metais, nós botamos teclados — como usam hoje as bandas de rock, o Roberto Carlos, o Fábio Júnior. Investimos muito nisso. E para fazer um show de qualidade numa exposição de gado, por exemplo, tivemos de montar nossa empresa. No começo da carreira, íamos só nós dois, um acordeão e um contrabaixo, no máximo. Por isso, quando nós resolvemos fazer um show mais produzido, os empresários não queriam pagar o custo.


PLAYBOY — Quer dizer que não foi fácil?


XORORÓ — Não, não. Nós compramos todo o equipamento de som, contratamos os músicos e bancamos o investimento durante três anos. Hoje, não, nós temos o equipamento, mas muitas vezes nem levamos — pedimos o som de quem faz melhor na área e o pessoal aceita. Temos um caminhão Cargo, com baú de 15 metros, só para o som. Outro caminhão leva o nosso palco e vão ainda dois ônibus — um para os músicos, outro para a equipe técnica. Trinta pessoas ao todo. A única exceção é quando show é mais distante. Ai, todo mundo vai de avião, reduzimos a equipe para treze pessoas e não levamos equipamentos de som e de luz.


PLAYBOY — Desde quando vocês queriam fazer shows bem produzidos?


XORORÓ — Nossa mentalidade sempre foi essa, de fazer música sertaneja com qualidade. Em 1972, quando nós gravamos o segundo LP, percorremos o Brasil na caravana Ciabra-Consorte, que promovia um consórcio. Tinha um conjunto e vários cantores. O conjunto abria o show, aquele som na praça pública, para 20.000, 30.000 pessoas, e depois entrávamos nós, dois garotos, com dois violões e nada mais. Caía muito. Dai mandamos fazer um violão e uma viola elétrica, que não existiam no Brasil. Era com captadores, como até hoje se usa em regionais. Já melhorou, porque passamos a ensaiar com o conjunto e eles acompanhavam a gente.


PLAYBOY — E o nome da dupla, foi planejado?


CHITÃOZINHO — Não. Quando começamos a cantar éramos crianças, na faixa dos 10, 12 anos de idade. Chegamos ao disco através do Geraldo Meireles [compositor de músicas sertanejos e apresentador de programas do gênero na televisão]. Ele e o Athos Campos são autores da música Chitãozinho e Xororó, um clássico sertanejo, que já tem 42 anos e mais de cinqüenta gravações.


PLAYBOY — Chitãozinho e Xororó são pássaros, certo?


CHITÃOZINHO — A música faia no nhambu-chitão e no nhámbu-xororó. Eles sugeriram que a gente adotasse o nome — até então usávamos o sobrenome, Os Irmãos Lima — e nós acabamos aceitando.


PLAYBOY — E vocês se acostumaram...


CHITÃOZINHO — Muito. Em casa o pessoal me chama de Chitão ou de Zé. E eu só chamo o Durval de Xororó [risos].


XORORÓ — Eu só chamo ele de Zé, porque no começo não acostumava com Xororó, e ele, para implicar comigo, me chamava assim. Eu que não queria que o nome pegasse e nunca chamei meu irmão de Chitão [risos].


PLAYBOY — Na época em que vocês começaram profissionalmente, quem fazia sucesso na música sertaneja?


CHITÃOZINHO — Belmonte e Amaral, Tonico e Tinoco, Pedro Bento, Zé da Estrada e Celinho... Léo Canhoto e Robertinho apareceram mais tarde, na década de 70, com uma imagem diferente, cabelo comprido, meio hippie — eles foram meio pioneiros nesse estilo de modernizar a música sertaneja.


PLAYBOY — E Milionário e Zé Rico?


XORORÓ — Olhaí, são eles que estão cantando [aponta para a caixa de som instalada sobre a piscina e que transmite permanentemente a emissão da Laser FM Stereo, emissora de Campinas que só toca música sertaneja]. Eles cantam esse estilo desde aquela época. É uma coisa mais para o regional, um outro público, o público do sertanejo mesmo, com uma vendagem de 300.000 discos, na época. E nós chegamos com 1 milhão e meio de cópias...


PLAYBOY — Um milhão e meio foi com Fio de Cabelo?


XORORÓ — Foi.


PLAYBOY — E foi o recorde de vocês?


XORORÓ — Na época. Hoje a gente vende 1 milhão e meio, 2 milhões, 3 milhões... Cada LP que a gente lança, né?


PLAYBOY — Mas os primeiros discos de vocês não tinham essa modernização, nem vendiam tanto, não é?


CHITÃOZINHO — Não, era caretão. Era aquela de música regional mesmo. A novidade foi a nossa idade — dois garotos cantando música sertaneja, vozes infantis, superagudas. Eu tinha 15 anos e o Xororó, 13. O disco até que vendeu bem para a época, umas 3.000 cópias.


XORORÓ — Na verdade eu tinha 13, mas na certidão só 12. É que fui registrado um ano depois...


PLAYBOY — Como vocês foram se interessar por música?


CHITÃOZINHO — Meu pai era compositor e gostava de cantar. Ele era motorista de caminhão no Paraná. Cantava com a minha mãe, a gente ficava só ouvindo, pertinho... Uma vez, ele fez uma música, cantou dias seguidos, depois escreveu a letra e foi viajar. Passou uns oito dias fora. Quando voltou, procurou a letra, mas minha irmã, a caçula na época, Rosário, tinha rasgado. Papai ficou bravo com a mãe porque ele queria terminar a música...


XORORÓ — Não tinha gravador naquela época. E não tinha nem rádio em casa. A gente era muito pobre. A gente só ouvia rádio do vizinho...


PLAYBOY — Televisão, então, nem pensar...


XORORÓ — Fui conhecer televisão quando a gente veio para São Paulo... Paramos na casa de uns parentes em Londrina e vimos pela primeira vez uma TV.


CHITÃOZINHO — Na hora que o pai ficou meio brabo, então eu disse: "Acho que eu sei essa música..." Eu me lembro muito bem disso. Aí ele perguntou: "Você sabe como?" E eu: "Ora, de ver o senhor e a mãe cantar..." Daí chamei o meu irmão e começamos a cantar. E ele percebeu que a gente, mesmo criança, cantava direitinho, primeira e segunda voz, no tom. Aí que despertou nele... Tudo que ele fazia ensinava para a gente, ensinou o que sabia de violão e tal, músicas de outros artistas, a gente já fazia um dueto, sabe, oitavado e tudo. Nasceu assim. Eu tinha uns 6, 7 anos, o Xororó, menos.


PLAYBOY — E onde vocês cantaram a primeira vez fora de casa?


CHITÃOZINHO — Na escola. A gente estudava em classe diferente, mas ou eu ia para a classe dele, ou ele vinha para a minha — a gente sempre cantava. E na serraria, onde a gente morava, tudo que acontecia em termos de festa, eles iam em casa pegar a gente para participar. Nas igrejas, festas paroquiais...


XORORÓ — O patrão também parava lá em casa para ouvir a gente.


PLAYBOY — Sempre música sertaneja?


CHITÃOZINHO — Sempre.


PLAYBOY — Que músicas vocês mais cantavam?


CHITÃOZINHO — Tonico e Tinoco... Uma dupla que era sucesso na época, Jacó e Jacozinho. E tinha um lance. Aos domingos, o que mais a gente gostava era de ir ao cinema. A gente ia na missa, depois pegava o dinheirinho contado e ia na matinê, ver filme de Tarzã, bangue-bangue. E ia fugindo do pai, porque já éramos conhecidos e todo domingo tinha festa para a gente cantar. Às vezes ele ia buscar a gente dentro do cinema. Nós saíamos de lá chorando e íamos cantar... com raiva! Cantava chorando, mas cantava.


PLAYBOY — O que vocês faziam, além de cantar?


CHITÃOZINHO — Eu jogava futebol.


XORORÓ — E eu caçava de estilingue [risos]. Sempre fui fissurado em mato. Mas eu matava passarinho para comer. Hoje eu morro de dó, fico pensando como é que eu matava passarinho daquele jeito.


PLAYBOY — Que tipo de passarinho você matava? Nhambu também?


XORORÓ — [risos] Matava nhambu... Matava mais rolinha, porque ia caçar no mangueirão dos porcos, onde as rolinhas iam comer o resto da comida. No cafezal, eu matava pomba.


PLAYBOY — Você era mesmo bom de estilingue?


XORORÓ — Era. Chegava a matar cinco, seis por dia. E comia, não era para sacanear, porque carne a gente via só uma vez por mês, sei lá. Meu pai não recebia nem salário. Ganhava um vale para usar no armazém da serraria.


PLAYBOY — E o futebol?


XORORÓ — Sempre jogamos. Eu jogava um pouco melhor do que ele.


PLAYBOY — Mas o Chitão é mais ligado ao futebol do que você hoje em dia...


XORORÓ — Eu estourei o joelho jogando. Parei entre aspas. Tenho campo na fazenda, jogo enfaixado, não posso forçar. Estourei menisco e ligamento. Precisava operar, mas não tenho tempo. Melhorei com fisioterapia e vou tocando.


DEMA — [Mulher do Chitãozinho] Ontem nós jogamos aqui na chácara. O Xororó não estava. Fizemos dois times, eu joguei contra o Zé, fiz quatro gols! Ganhamos, e ele ficou uma fera [Dema formou um lime de futebol soçaite em sua chácara, que conta com o reforço de Ana Paula, filha de Roberto Carlos].


CHITÃOZINHO — Também, com o Mala no meu time! [Mala é o apelido de um rotundo amigo do cantor, mais chegado numa cervejinha que num overlapping]. Meu futebol dá para o gasto, embora tenha gente que diga que eu poderia ter sido profissional. Mas não sei, pode ser brincadeira do pessoal. Futebol é uma arte, né? A pessoa sabe jogar ou não sabe. Com o treinamento, com a convivência que tenho ultimamente com profissionais, aprendi mais. Só que aquela coisa de berço eu não tenho, não. Eu gostaria de ser profissional de futebol, principalmente porque é uma vida muito difícil.


PLAYBOY — Mais difícil que cantar?


CHITÃOZINHO — Ah, não tenha nem dúvida! Muito escravo do trabalho, da profissão...


PLAYBOY — Você nunca sonhou ser profissional de futebol. E sonhava ser cantor profissional?


CHITÃOZINHO — Nunca. Quando a gente era criança, lá no Paraná, eu ouvindo músicas dos artistas cantando no rádio, nem imaginava que um dia teria minha voz gravada também.


PLAYBOY — Você imaginava trabalhar com o quê?


CHITÃOZINHO — Nem imaginava. Estava fazendo o primário, depois entrei para o antigo admissão ao ginásio. Foi quando meu pai falou: "Olha, vou levar vocês para São Paulo". A gente acabou vindo por causa de um problema de saúde da mãe. E, quando nós começamos a freqüentar o meio artístico em São Paulo, eu pensava em ganhar dinheiro com a música, mas para sobreviver, para pagar o aluguel de casa, para ajudar o pai e a mãe, essas coisas, né? Aí, de repente...


PLAYBOY — De repente, a coisa avançou?


CHITÃOZINHO — A gente vai aprendendo, né? A vida é um barato. É legal você conhecer na estrada, ao vivo e em cores, mesmo...


XORORÓ — Meu pai foi nosso maior incentivador. Fomos a realização dele. E hoje eu sinto mais ou menos a mesma coisa que ele deveria sentir. É que meus filhos estão cantando e vão gravar agora.


PLAYBOY — Seus filhos?


XORORÓ — É, esse pequenininho aí e a mais velha. Ela tem 7 anos, ele tem 5.


PLAYBOY — Como vai se chamar a dupla?


XORORÓ — Não sei ainda. Ela é Sandy, ele, Juninho. Ela vai ser Sandy mesmo. Mas Júnior já tem, Juninho também, não sei ainda.


PLAYBOY — Eles cantam direitinho?


XORORÓ — Cantam, são afinados. Juninho, você vai cair daí! [O futuro astro sobe uma escada batendo bola.]


PLAYBOY — Foi você quem os estimulou a cantar?


XORORÓ — Não. Aconteceu bem como com a gente. Meu sogro era artista, minha sogra era artista, minha esposa cantava também, fazia teatro com a mãe. Há um ano e pouco, em Rio Preto, onde tenho fazenda, o prefeito me convidou para fazer um show. Eu disse que não podia, mas expliquei que estavam lá meu sogro e minha sogra, que cantam, e minha mulher, que canta com a mãe. Acertaram o show. Meu sogro e minha sogra, separados há dezesseis anos — eles formavam a dupla Mariazinha e Zé do Rancho —, começaram a ensaiar aquela música, nem lembro o nome — "Que você foi fazer no mato, Maria Chiquinha..." E as crianças prestando atenção. No dia seguinte, os dois estavam cantando direitinho. Foi quando eu percebi que era sério mesmo e não só uma brincadeira de criança. Passou um tempo e foram no Som Brasil, o programa do Lima Duarte. Fizeram o maior sucesso. O Brasil inteiro ligando, pedindo shows, as gravadoras interessadas... Resolvi não impedir o caminho deles, para que um dia minha filha não me acuse de ter retardado a carreira dela. Mas ponderei muito antes. Acho que dá para fazer isso, porque vai ser um hobby para eles, porque a gente não precisa. Então, sem atrapalhar o estudo, a alimentação, eles vão gravar e fazer uns shows.


PLAYBOY — Você não tem medo que a comparação seja cruel?


XORORÓ — Não, porque nós não vamos viver disso.


PLAYBOY — E os seus filhos, Chitão?


CHITÃOZINHO — Não sei. Eles cantam... Mas vou esperar cada um despertar aquilo que mais gosta e vou incentivar.


PLAYBOY — Parte do sucesso de vocês deve se explicar pelo fato de que vocês tiveram de trabalhar duro. Eles não vão precisar disso. Isso não preocupa vocês: ter o que se chama dois filhinhos de papai cada um?


CHITÃOZINHO — É por isso que eu quero esperar. Eles vão estudar e depois despertar para uma profissão que lhes faça bem. Pode ser médico, engenheiro, jogador de futebol, cantor...


XORORÓ — É por isso que vou condicionar a carreira do Juninho e da Sandy ao estudo, que vem em primeiro lugar.


PLAYBOY — Na vida de vocês, São Paulo foi uma grande mudança?


XORORÓ — Ah, foi. Na nossa cidade não tinha nem asfalto. Carro tinha muito pouco. Realmente, São Paulo era um sonho.


CHITÃOZINHO — Nós nascemos em Astorga, no norte do Paraná. Mas saímos de lá muito criança, eu com 4, Xororó com 2. Fomos criados mais para frente um pouco, em Rondon, perto de Paranavaí e Cianorte. Uma cidadezinha mesmo.


XORORÓ — E o mais engraçado é que quando estivemos em Astorga, fazendo show, depois do sucesso, encontramos uma porção de gente que jurava que tinha nos conhecido, lembrava de detalhes, eram íntimos [risos].


CHITÃOZINHO — E nós saímos dali de fralda ainda! Para Rondon, nós voltamos uma vez e encontrei antigos amigos.


PLAYBOY — Mas e a vinda para São Paulo?


CHITÃOZINHO — No Paraná, meu pai era motorista de caminhão. Aqui, ele veio trabalhar como motorista de ônibus. Nós fomos morar na Vila Alpina, na zona leste, onde minha avó já vivia. Nós ficamos uns tempos na casa dela, depois mudamos para Mauá.


XORORÓ — Foi ali que a gente passou a ver televisão. A gente era do mato mesmo. Tinha muito pouca informação. Conhecia somente Roberto Carlos, Ronnie Von. Daí ficamos dia e noite vendo televisão, direto. Se não mandassem dormir, era dia e noite.


CHITÃOZINHO — Logo o meu pai foi ser motorista na Viação Barão de Mauá e conseguiu, a muito custo, um emprego de cobrador para mim. Às vezes, a gente trabalhava no mesmo carro. Nessa época ele começou a levar a gente para cantar em festinha, em parque de diversão, e a programas de rádio no ABC, em Santo André.


XORORÓ — Foi a vó que falou para a gente ir ao programa do Geraldo Meireles, que tinha lançado Belmonte e Amarai. Ela só conhecia ele da televisão, mas achava um homem bom. Nós fomos, o Geraldo gostou da gente e disse para o pai que nós podíamos ser artistas, se ficássemos sob a orientação dele. O pai, que era um homem muito humilde, assinou todos os papéis e nós passamos, por assim dizer, a ser filhos do Geraldo Meireles.


CHITÃOZINHO — Ele prometeu que a gente ia gravar um disco. Eu saí do emprego, passamos a cantar uma vez por semana no programa de rádio dele, das 7 às 8 da manhã. Fomos duas vezes no Sílvio Santos, ficamos em primeiro lugar na primeira e em segundo na finalíssima dos calouros.


PLAYBOY — Quem foi o primeiro?


CHITÃOZINHO — Não lembro mais. Mas ficamos quatro anos com o Geraldo. Gravamos os primeiros discos, participamos da caravana do Ciabra-Consorte e nos tornamos profissionais da música.


PLAYBOY — Vocês ouviam outro tipo de música na época?


CHITÃOZINHO — Ouvíamos. Beatles, Roberto Carlos, Os Incríveis.


PLAYBOY — Nunca pensaram em montar um conjunto de rock?


CHITÃOZINHO — Não. Todo mundo só cantava música americana. Os brasileiros estavam em baixa na época.


PLAYBOY — Sertanejo então...


CHITÃOZINHO — Sertanejo era pior. O pessoal dos bailinhos a que a gente ia tirava sarro. Mas isso não fez a gente mudar de opinião, não. Quando saiu o primeiro disco, em 1970, passaram a nos respeitar mais.


XORORÓ — É, melhorou de um lado, mas piorou do outro. Música sertaneja era muito marginalizada nas capitais. Muitas vezes tive de brigar, porque eles chamavam a gente de caipira e coisa e tal. Humilhavam a gente. A gente via que eram pessoas que tinham menos do que nós, mas queriam nos humilhar, porque nós cantávamos música sertaneja.


PLAYBOY — Você era meio esquentado. Ainda é?


XORORÓ — Sou, sou... Mas na minha razão, sabe? Quando estou certo, ninguém me dobra. Mas primeiro analiso muito para depois explodir. E é uma vez só também. As brigas maiores eram porque a gente já cantava em televisão e sempre tinha as menininhas que gostavam mais da gente do que deles. Até os 14 anos eu tinha quatro, cinco namoradinhas de cada vez. Namoradas certinhas, de pegar na mão.


PLAYBOY — Nessa tal caravana, quais eram os outros artistas?


CHITÃOZINHO — Tinha um cara que até hoje é nosso amigo, o Teddy Lee, um alemão que cantava em inglês, a Nalva Aguiar, o Marcelo Costa...


XORORÓ — A Vilma Bentivegna, o Geraldo Meireles que apresentava, a Salomé Parisi, mais o Saracura, que era humorista. Uma caravana grande.


CHITÃOZINHO — Foi ali que a gente começou a tomar consciência de que já estava com o pé na estrada e tinha de seguir em frente. Tanto é que acabou o projeto e compramos um carrinho. Um Fuscão.


XORORÓ — Azul-calcinha... [risos].


CHITÃOZINHO — E com ele passamos a fazer shows em circos, agora por nossa conta.


PLAYBOY — Nessa caravana, iam só você e seu irmão?


CHITÃOZINHO — Só nós. Meu pai trabalhava, não podia sair. A gente saía de Mauá de trem — 40 minutos de subúrbio —, ia até a TV Tupi, encontrava o pessoal na padaria e aí pegava o ônibus. Ficava fora sexta, sábado e domingo. Interior de São Paulo, mas também Paraná, Santa Catarina, Minas, Rio Grande do Sul, Mato Grosso. A gente viajou para caramba.


PLAYBOY — E nesse meio já tinha uma tietagem, já tinha umas coisas...


CHITÃOZINHO — Tinha. Nossa, show em praça pública, o mínimo que dava era 5.000 pessoas.


PLAYBOY — Eles tratavam vocês como os mascotes da turma?


CHITÃOZINHO — Tratavam. O Geraldo é que tomava conta da gente. Eu dormia no quarto com ele, e Xororó ficava com o Saracura.


PLAYBOY — Então não tinha farra?


CHITÃOZINHO — Tinha, claro. Acabava o show, não tinha aquele compromisso de ser um astro, de não poder ir a tal lugar, porque é muito conhecido. Então a gente sempre arrumava uma namoradinha, ia para uma boate, ficava até as 6 da manhã e ia para casa de alguém fazer serenata.


PLAYBOY — Depois um motelzinho?


CHITÃOZINHO — Não, mas a gente sempre dava uma fugidinha [risos]. Geraldo era muito legal, não pegava no pé da gente nesse sentido.


XORORÓ — O Chitão transou pela primeira vez na caravana. Até porque ele era bem mais desenvolvido que eu. Mas depois, quando eu tinha 15, 16 anos... Acho que foi a primeira vez nessa idade.


PLAYBOY — Como foi?


XORORÓ — Não lembro. Lembro que foram tantas. Sou mais tímido do que meu irmão, mas eu é que passei a arrumar as meninas. Para mim, para ele e para o secretário que viajava com a gente [risos]. É que depois da caravana a gente passou a viajar sozinho, no tal Fuscão. A gente fazia muito circo e, nos shows, eu chegava antes. Quando as primeiras meninas apareciam a gente ia na beira da cerca e já armava. Uma para mim, outra para meu irmão, outra para o secretário...


PLAYBOY — Quer dizer que daquela história de sex, drugs and rock'n' roll só faltou mesmo o rock?


CHITÃOZINHO — Não. Faltou a droga também. O Geraldo Meireles sempre instruiu a gente para não se envolver com droga. Nunca fumei um cigarro, nem de papel. Conheci muito nego que fumava maconha, essas coisas, mas ninguém ofereceu.


PLAYBOY — Vocês nunca fumaram maconha, nunca cheiraram cocaína?


CHITÃOZINHO — Não. Nada.


PLAYBOY — Nem bolinha?


CHITÃOZINHO — Nada. Eu nem conheço cocaína. Não sei como é.


PLAYBOY — Nunca viram, no meio artístico?


CHITÃOZINHO — Nunca vi! Graças a Deus, eu nunca vi. Eu vejo coca pela televisão. Ao vivo, não.


PLAYBOY — Na verdade, essa não é uma declaração diplomática, apenas?


CHITÃOZINHO — Não. Você pode mandar fazer uma investigação a fundo. E nem o Xororó viu.


XORORÓ — Eu sou até mais careta, nem beber eu bebo. O Zé ainda toma cerveja. Eu, quando bebo dois copos, de ano em ano, fico tonto. Não gosto. Não suporto nem fumaça de cigarro. Quando era garoto experimentei, escondido no banheiro, bituca que o meu pai jogava, mas não gostei. Na caravana, o pessoal do conjunto curtia maconha, mas nunca forçaram nada.


PLAYBOY — No show você não bebe nada?


XORORÓ — Não. Só água. Sem gás.


CHITÃOZINHO — Foi tudo muito difícil, sabe? Aquela coisa de ter de ajudar a família, pagar o aluguel. Era contado o dinheiro... Acho que isso faz com que você não se envolva com pessoas disponíveis, que têm um poder aquisitivo maior e acesso às drogas. E a gente nem teve tempo para isso. Meu pai quebrou a rótula, nós aposentamos ele. E passamos a sustentar a família toda.


PLAYBOY — Durante anos, a carreira de vocês foi limitada, embora vocês digam que sempre quiseram fazer um trabalho de qualidade, com apoio de violinos, orquestras, bons arranjos. Quando vocês conseguiram isso?


CHITÃOZINHO — Nós conhecíamos o Homero Betio, da gravadora Copacabana, onde ele era produtor. Resolvemos então que ele produziria nosso próximo disco. E foi uma grande virada.


XORORÓ — Quando achamos o Homero, as idéias casaram. Realmente, a gente pensa igual. Não foi idéia dele, nem só nossa. Um falava uma coisa, o outro completava. Foi com ele que nós fizemos um LP do sonho, com violinos, metais, arranjos...


CHITÃOZINHO — Aqui a coisa começou, ó [Apanha um LP, em cuja capa a dupla aparece sob um fundo de neon, roupas negras e cheias de brilho, cabelos compridos.] Nesse aqui a gente conseguiu colocar o instrumental e a interpretação que a gente queria. Até esse disco, foi só sobrevivência. Nos fomos até fotografar naquela discoteca, que se tornou o Teatro Záccaro, lá na rua Rui Barbosa no Bexiga, em São Paulo...


XORORÓ — A Aquarius, que estava super na moda. Foi para dar um clima de modernismo.


PLAYBOY — E o público respondeu?


CHITÃOZINHO — Demais. O disco vendeu bastante. Foi o começo.


XORORÓ — Passou algum tempo, veio Fio de Cabelo, aquele sucesso enorme. Um Fio de Cabelo não se acha assim, foi uma sorte. É como um Detalhes, do Roberto Carlos, uma música eterna.


PLAYBOY — É de vocês?


XORORÓ — Não, é do Mineiro e do Darci Rossi. Quando fomos preparar o LP depois de Fio de Cabelo, nós pensamos: o que fazer depois desse sucesso todo? Foi aí que resolvemos fazer um trabalho mais bem elaborado, semelhante ao do Julio Iglesias, do Roberto Carlos. Aliás, se você pega um disco nosso, põe na vitrola, depois coloca um do Julio Iglesias, você não vê grande diferença.


PLAYBOY — E, nesse LP depois do Fio de Cabelo, qual foi o sucesso?


XORORÓ — Foi Amante. Nós fomos até pichados pelos conservadores, fomos criticados, muitos programadores antigos não tocaram, saíram manchetes dizendo que não tocávamos mais música sertaneja...


PLAYBOY — E o que ela tinha de diferente?


XORORÓ — A orquestração, bateria eletrônica, essas coisas. Mas o timbre era o tradicional, a maneira de cantar, também. Acharam que o som era moderno demais.


PLAYBOY — A resposta do público foi boa?


XORORÓ — Vendeu legal. Não 1 milhão e meio, mas 800 mil, 1 milhão em um ano. Depois disso, outras duplas, como Matogrosso e Mathias, João Mineiro e Marciano, Gilberto e Gilmar, passaram a fazer um trabalho semelhante ao nosso.


PLAYBOY — Desses tempos mais difíceis deve ter muita história para ser contada, não?


CHITÃOZINHO — No começo fizemos muito circo, íamos de Fuscão primeiro, depois compramos um Opala e em seguida uma Caravan. Mais tarde, passamos para um D 20 zero, depois um ônibus e hoje temos dois ônibus e dois caminhões. Em 1984 a gente viajava com um ônibus só. Nós estávamos em Minas quando, para desviar, pegamos uma estradinha de terra. Daí veio uma chuva e, numa subida, o ônibus encalhou. E foi chegando a hora de começar o show e escurecendo, a gente apavorado, quando de repente pintou um caminhão — era domingo à tarde. Um caminhão cheio de jogadores de futebol, mais a torcida, desses times de fazenda. Aí, sabe, aquelas coisas de fazenda, jogador e torcida tudo junto, o pessoal desceu: "Olha o ônibus do Chitãozinho e do Xororó..." Aí os caras ajudaram, pegaram todo mundo e levaram o ônibus lá em cima. Aí nós: "Muito obrigado..." E eles: "Obrigado, não, vocês têm de cantar uma música para nós". Foi a maior festa. Descemos lá, tudo cheio de barro, pegamos o violão e cantamos três músicas. A noite, o time e a torcida estavam no circo, vendo o nosso show.


XORORÓ — O nosso começo nos circos não foi fácil. Sucesso na época era Leo Canhoto e Robertinho. Eles faziam uma música mais avançada, mais para jovem que para o sertanejo. Eles lançaram nessa época uma espécie de espetáculo, levando drama, bangue-bangue. E explodiram nos circos. A peça era 50% da bilheteria. E a gente passou a fazer isso também.


PLAYBOY — Com que peça?


XORORÓ — Um bangue-bangue, Pistoleiros da Ave-Maria...


PLAYBOY Pistoleiros da Ave-Maria?


XORORÓ — É. Chitão fazia o mocinho, nosso secretário fazia outro bandido. E eu era o bêbado, fazia cômico [risos].


PLAYBOY — Tinha figurino?


XORORÓ — Sim, era arrumadinho. Os circos tinham teatro na época. Tinha uma moça que fazia a namorada do Chitão e tinha os bandidos, que entravam, falavam duas, três palavras e morriam [risos].


PLAYBOY — Era tiro de quê?


XORORÓ — De festim. Como era caro, a gente comprava a primeira caixa e depois carregava de novo. Eu carreguei muitas vezes festim. Pólvora socada, papel higiênico, espoleta plástica... Às vezes explodia. Saía bala voando dentro de casa. Foi uma loucura!


PLAYBOY — E por que Ave-Maria?


XORORÓ — Não tinha nada. Era um bangue-bangue comum. Os bandidos assaltavam uma fazenda, matavam a mãe, feriam o pai e o filho, os dois saíam cada um para seu lado, achando que o outro tinha morrido. O filho virava matador de bandido e o pai, caçador de recompensa. No fim, eles se encontram e o pai mata o filho. Tinha de tudo — tragédia, comédia. O povo gostava. Era uma loucura. Eu fazia quase duas horas de drama, depois cantava mais uma hora de show.


PLAYBOY — E dava dinheiro?


XORORÓ — Dava. A gente foi trocando de carro e sustentando a família. Mas depois percebemos que o público queria era ouvir as músicas, gritava o nome delas no meio do drama. E acabamos com a peça.


PLAYBOY — Acontecia alguma besteira na peça?


XORORÓ — Levei dois tiros de festim — um aqui, outro aqui. [Mostra o tornozelo e depois as costas.] É que o tiro de festim, quando acerta, machuca. O cara, coitado, não tinha noção, fez pontaria e pum!


PLAYBOY — E você?


XORORÓ — Eu queria pegar o cara em cima do palco. Mas não dava. Eu estava morto, né? [risos]. Mas foi gostoso, a gente tem saudade.


PLAYBOY — Vocês lembram de outras frias na carreira?


CHITÃOZINHO — Sim. A gente estava começando a investir, comprando aparelhagem, quando fomos fazer um show em Agudos (SP). Ginásio lotado, gente sentada no chão, e na hora em que íamos entrar, chegou o secretário e disse: "O fulano lá fugiu com o dinheiro da bilheteria, que era para pagar vocês. Agora, vocês que sabem, querem cancelar o show?" Como estava cheio de gente, cantamos.


PLAYBOY — Nunca mais encontraram o sujeito?


CHITÃOZINHO — Nunca mais. E ele se chamava Gentil — olha o nome do bicho! Tem também um cara de Lages (SC), que marcou três shows numa noite, um bem distante do outro e a temperatura caiu a 5 graus abaixo de zero naquele dia. Nós só conseguimos chegar no último show às 6 cia manhã. Isso no sábado. No domingo, nós fizemos um show legal, mas o cara queria que a gente cantasse num salão dele, para refazer um espetáculo que a chuva tinha cancelado. Nós não aceitamos e ele não pagou a ninguém. Foi o maior frio da minha vida e uma grande fria também [risos].


PLAYBOY — Trabalham sempre juntos, fora do palco vocês também não se largam?


XORORÓ — Não é bem assim. Cada um na sua, numa boa mesmo. Minha fazenda é um pouco distante, às vezes fico uns dias lá. Quando dá mais saudade eu vejo a mãe, se tem alguém lá junto a gente conversa, mas isso acontece uma vez por mês. O Chitão já fica mais ligado, por causa da chácara, do futebol. Eu acho até que ele deve viver mais do que eu, porque ele é bem tranqüilo.


PLAYBOY — Quem são os seus amigos?


CHITÃOZINHO — São pessoas simples, comuns. Cada um tem seu ramo de trabalho, e a gente se encontra para um churrasco, uma festa. Durante a semana, ou pelo menos durante o período de trabalho, ninguém vai perturbar o outro. A gente se encontra à noite ou no final de semana.


XORORÓ — Os meus? Tem um casal, ela é arquiteta, fez essa nossa casa aqui, e ele é um dentista. Conheci tem uns três anos, mas é uma convivência bem legal. O Fábio [o cantor Fábio Júnior] é bem amigo também. Tenho uma meia dúzia de amigos. Sou aquele tipo que, quando gosta, gosta de verdade. Custo a fazer amizade, mas, quando faço, é para sempre. Eu sou assim, não sou muito de mandar. Se tiver de serrar essa mesa, eu mesmo serro. E o Chitão, desde criança, dizia: "Pega aquela coisa para mim..." Ele nasceu para mandar e eu para fazer.


PLAYBOY — No palco é a mesma coisa?


XORORÓ — Não, aí já é diferente. Cada um faz sua parte. Como eu canto 100% e ele faz mais refrão, é ele que fala. Ele se desenvolveu mais nessa área. E é bom para mim — quando ele está falando, eu descanso.


PLAYBOY — Hoje em dia o que dá mais dinheiro: os shows ou os discos?


CHITÃOZINHO — Os dois, porque são muitos shows, a gente cobra caro, e muitos discos, que vendem bem.


PLAYBOY — Vocês sabem quanto ganharam no ano passado?


CHITÃOZINHO — Não. Tem de ver com o contador, porque dinheiro é uma coisa que você ganha aqui, aplica lá, desvaloriza, você perde a noção. Com essa inflação fica difícil analisar.


PLAYBOY — O cachê de vocês é salgado. Os empresários não reclamam?


CHITÃOZINHO — Não. Eles pagam o show adiantado. A renda é grande, a procura de ingresso é grande e já temos shows vendidos para dezembro.


PLAYBOY — Como é que vocês se divertem? Cinema?


CHITÃOZINHO — Depois do videocassete, nunca mais.


XORORÓ — Eu gosto de filme de violência, Rombo, essas coisas, mas também vejo filme de amor. Vou sempre, moro pertinho do shopping.


PLAYBOY — É evidente que vocês ouvem muita música. Além de sertanejos, o que vocês curtem?


CHITÃOZINHO — Nisso a gente se parece mesmo. Desde Maria Bethânia a Eric Clapton, passando por Neil Diamond, Julio Inglesias, Roberto Carlos, Fábio Júnior... E o rock me emociona, aquela vibração, aquele som pesado mexe comigo.


PLAYBOY — Vocês também curtem equipamentos eletrônicos?


XORORÓ — Demais. Temos quase os mesmos, só muda a marca. Agora estamos entusiasmados com o videolaser.


CHITÃOZINHO — Mas a gente tem diferenças. Eu sou mais urbano, o Xororó é mais rural.


XORORÓ — A gente tem muita coisa em comum, mas outras nem tanto. Futebol, ele é fissurado. Eu gosto uns 10% do que ele gosta.


PLAYBOY — Vocês não quiseram falar de dinheiro. Mas hoje são muito ricos, não?


XORORÓ — Não... Na situação em que está o país hoje, pode-se dizer que a gente está bem de vida.


CHITÃOZINHO — Eu costumo dizer que a gente ganha menos do que pensam e mais do que a maioria.


PLAYBOY — Pois bem, essa mudança leva vocês a terem que tipo de atitude?


XORORÓ — Eu procuro ser como eu era desde garoto, com a humildade acima de tudo. Para mim não tem preto, não tem branco, não tem amarelo. Não sou escravo do dinheiro. Não gasto à toa, porque foi difícil conseguir e ainda é. E a gente ajuda a família.


CHITÃOZINHO — Eu procuro viver bem, fazer as coisas que eu gosto, estar sempre em contato com a natureza, respirar ar puro.


PLAYBOY — Você viaja muito, sem ser a trabalho?


CHITÃOZINHO — Uma vez por ano. A cidade que tenho ido com mais freqüência é Miami. Eu gosto para caramba de lá.


XORORÓ — Acabo de voltar de lá. Não conhecia, gostei também.


PLAYBOY — Vocês conhecem outros países?


CHITÃOZINHO — Não. Mas vamos procurar conhecer. E vamos ao México gravar um disco em castelhano. Vamos entrar este ano nesse mercado latino.


PLAYBOY — Em que vocês investem?


CHITÃOZINHO — Em imóveis.


XORORÓ — Eu tenho uma fazenda em Rio Preto, apartamentos, duas casas...


CHITÃOZINHO — E eu uma chácara e um apartamento bom aqui em Campinas, além de apartamentos para investimento.


PLAYBOY — Se abrir a importação, você compra um carro estrangeiro?


XORORÓ — Em Miami, eu vi uma Van incrível. E custava menos que um Monza aqui.


CHITÃOZINHO — Ah, eu gostaria de ter um carro conversível. Acho que o Mercedes é o carro mais bem fabricado. A minha é 83... Mas não é conversível.


PLAYBOY — E de mulher, vocês gostam?


CHITÃOZINHO — P... que p... Quem não gosta?


PLAYBOY — Já foi muito mulherengo?


CHITÃOZINHO — Já, na época. Depois a gente casa, você tem de assumir uma posição e abrir mão de muita coisa. Mas eu já vivi bastante. Apesar de ter casado novo, conheci mulheres de todos os tipos. Acho que mulher tem de ter beleza, externa e interna, principalmente. Mulher tem de ser bonita e inteligente.


PLAYBOY — Nem sempre é fácil...


CHITÃOZINHO — Nem sempre. É a mais difícil. Às vezes, a mulher é bonita demais. Mas, abre a boca, decepciona...


PLAYBOY — Ser famoso deve facilitar as coisas, não?


CHITÃOZINHO — Facilita. Há um envolvimento emocional muito grande, pela música, pelo show. Você acaba conhecendo muitas pessoas, de todos os níveis sociais e econômicos.


PLAYBOY — E como você faz? Na hora H fala "não, eu sou casado?"


CHITÃOZINHO — É, a gente tem de ter uma cabeça firme com relação à liberdade, com teu comportamento, porque a gente está muito exposto, ao público, à imprensa. Você não pode mentir para ninguém.


XORORÓ — As pessoas no começo falavam que a gente devia parar de usar aliança, de dizer que é casado, mas a nossa mentalidade sempre foi essa aí — de não esconder nada. Se a gente tem um bom trabalho, não importa se é casado, se é solteiro, se é novo, se é velho. Sei que muitas fãs não curtem isso e imaginam um relacionamento mais íntimo, têm intenções com a gente. Acho que não se deve misturar as coisas. Tem artista que usa o sucesso, o nome, para ficar com as fãs que vêm até ele. Não curto isso.


PLAYBOY — Sua mulher é ciumenta?


XORORÓ — É e não é. Já organizou filas de beijo, não se incomoda com isso. Mas, se sente que tem uma menina interessada, ela fica de olho. Acontece muito de elas virem atrás, dar o telefone, cantar, pôr bilhete. Outro dia, num show, uma furou a segurança, subiu no palco, me agarrou, trançou as pernas nas minhas, feito uma louca. Eu fico pensando como pôde sentir isso pela gente, na frente de todo mundo. Mas eu digo: "Não, não é por aí. Você tem de gostar do Xororó como artista". Sempre fui assim. Já aconteceu muitas vezes eu deixar de sair com uma menina porque ela era virgem... e eu não queria ser o primeiro. Sempre pensei: um dia, vou casar, ter uma filha e não quero que isso aconteça com ela. Sempre fui meio família, desde moleque.


PLAYBOY — As músicas de vocês têm malícia, dor-de-cotovelo, paixões terríveis. Não combinam com o estilo de vida de vocês. Por quê?


XORORÓ — Muitas são minhas e falam de coisas assim. E isso confunde essas fãs. Elas acham que eu sou o que a música está falando. Tem muito da gente. Mas entra a parte de comércio, né?


PLAYBOY — O mais novo sucesso de vocês é No Rancho Fundo, tema da novela Tieta. Como vocês ressuscitaram a música?


XORORÓ — Pois é. Eu até tomei a liberdade de mudar uma palavra da letra [risos]. Acho que se o Ary Barroso fosse vivo, ele jamais permitiria. Troquei uma cabrocha por uma morena. Achei que tinha mais a ver com o nosso estilo e com a música: "Se uma flor desabrocha, o sol queima/a montanha vai gelando/lembra o cheiro da morena". E ele falava em cheiro da cabrocha. Achei cabrocha uma palavra feia. Não estou criticando, quem sou eu para criticar o Ary Barroso? [Na verdade, Ary Barroso fez uma música que recebeu letra de J. Carlos, com o título de Na Grota Funda. O compositor Lamartine Babo ficou impressionado com a melodia e lançou, sem pedir licença, a obra de Ary com uma nova letra, aí sim No Rancho Fundo].


PLAYBOY — Como é que vocês conheceram as suas mulheres?


CHITÃOZINHO — A Dema trabalhava no Geraldo Meireles, na Record. Era tele-moça. Uma época ela dançou também, balé, tipo chacrete. Era do meio artístico.


XORORÓ — A minha esposa fazia show em circo com a mãe dela e cantava. Quem me apresentou foi um amigo, que aliás gostava dela. Gostava assim, sem nada. Eu olhei, achei bonita e tal... Passou uns dias, o pai dela, que tinha uma dupla, marcou um show na Praça da Sé e convidou a gente. Nós abrimos o show e ela estava lá, mas não cantou. Ficamos batendo um papo, demos carona para ela e para o pai e aí nasceu o interesse. Uns dias depois, fomos ver Grease, do John Travolta. Foi um lance legal, nasceu uma coisa muito pura entre a gente. Eu sabia que ela era menina de família. Ela não gostava de mim, me achava metido, o cabelo muito arrumadinho, com escova e tal, e ela não gostava de tipo almofadinha. Quando me conheceu mudou.


PLAYBOY — E você era malandro?


XORORÓ — Era um rapaz solteiro, que saía e tinha mil namoradas, simplesmente isso. Um rapaz normal. Ela então me disse que não ia namorar mais, por causa da mãe, não me disse o motivo. E eu senti que estava apaixonado. Ficamos um tempo longe, depois voltei a vê-la na casa do pai dela. Passou um tempo, namorando escondido, a mãe dela atendeu o telefone e me chamou para conversar. Acertamos as pontas. Hoje ela me adora!


PLAYBOY — Vocês fizeram shows para políticos, não fizeram?


CHITÃOZINHO — Fizemos.


PLAYBOY — Pagou, vocês fazem?


CHITÃOZINHO — Não, conforme o candidato. Fizemos o último comício do Maluf.


PLAYBOY — De quem mais?


CHITÃOZINHO — Fizemos o último do Collor, no encerramento da campanha dele, em Belo Horizonte. Eu acho que a gente tem de acreditar na pessoa e não só cantar simplesmente pelo dinheiro.


PLAYBOY — Mas vocês cobram cachê?


CHITÃOZINHO — Cachê normal, de uma apresentação.


PLAYBOY — Vocês chegaram a fazer alguma campanha inteira?


CHITÃOZINHO — A do Antônio Ermírio, para o Governo de São Paulo, como o Roberto Carlos também fez. São pessoas em quem a gente acredita. Nunca fizemos nada só pelo dinheiro. Tem de ter vontade, sentir mesmo que vale a pena estar ali. Principalmente quando se trata de política, você não sabe se o candidato vai ganhar ou não. Então, pelo menos, você acreditou naquilo e fez de consciência limpa.


PLAYBOY — O que vocês acham que está errado no Brasil?


CHITÃOZINHO — Acho que o povo brasileiro é muito acessível, digamos assim, a uma campanha bem-feita, a um trabalho de massa. Nós deveríamos nos conscientizar da força que temos, principalmente agora, neste regime democrático, e escolher melhor.


PLAYBOY — E quem são, na sua opinião, os maus políticos do Brasil?


CHITÃOZINHO — Todo esse pessoal dessa revolução que teve do PMDB. Eu acho que o PMDB teve uma chance, foi louvado e ninguém trabalhou, ninguém fez nada.


PLAYBOY — Se, por acaso, você tivesse o poder, o que você imaginava fazer?


CHITÃOZINHO — Eu nunca pensei assim. Acho que sou muito humilde, nunca sonhei em dirigir um país. Mas acho que o Collor está no caminho certo, eu agiria por aí também, sem ter compromissos com partido nenhum, totalmente independente. O compromisso dele é com o povo.


PLAYBOY — O que você imagina que o povo espera de vocês?


XORORO — Vou dar um exemplo que me abateu um pouco. Uma vez saiu uma reportagem numa revista dizendo que eu estava de caso com a Marcela Muniz [Ela fez o papel de Diana na novela Sassaricando]. Isso foi um erro de um repórter de pouca qualidade, podemos dizer assim. Às vezes a pessoa fica atrás de coisa errada para fazer a manchete. Não quero ofender a pessoa, porque pode ter sido um engano. Ela me confundiu. A Marcela teve um caso com meu irmão Tiaõzinho e ele usava cabelo igual ao meu, um pouco mais baixo, e talvez essa pessoa tenha confundido. Botaram na revista que eu estava separando da minha esposa por causa da Marcela. E como a gente tem essa fama de artista comportado, de família, a polêmica correu o Brasil. Eu comecei a pensar: quantas pessoas estão pensando mal de mim? A gente tem de preservar essa imagem. Desde solteiro nunca misturei, nunca tive casos com moças de circo. O Xororó é uma coisa, o Durval é outra...


CHITÃOZINHO — Quando o povo gosta de um artista ele quer ver sempre aquele artista fazendo um trabalho bonito, gravando músicas bonitas, dando sempre uma mensagem de otimismo.


PLAYBOY — Vocês pretendem levar essa vida até quando?


CHITÃOZINHO — Deus que sabe. A gente nunca sonhou em ser o que é. E pensa que não pode deixar parar. Eu sinto que a maioria dos artistas de nome, os superstars da música brasileira, eles são superacomodados. Trabalham pouco. E, no entanto, há um campo muito grande de trabalho, o país é muito grande. É só a gente se dispor a pôr o pé na estrada...


XORORÓ — No meu casamento, eu não faço para minha esposa o que eu não quero que ela faça para mim. Isso eu aprendi no dia em que eu casei, com o padre. Ele me disse: "Você não vai ser feliz. Você vai fazer sua esposa feliz". Na época eu era muito moleque, não entendi. Depois, em casa, percebi: se eu fizer ela feliz, vou ser feliz, porque ela vai fazer a mesma coisa comigo. Acho que a minha filosofia de vida é essa.


POR PAULO MARKUN

FOTOS JÚLIO BERNARDES


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