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CID MOREIRA | AGOSTO, 1991

Playboy Entrevista



Uma conversa franca com o jornalista mais conhecido do país sobre notícias verdadeiras e falsas, sexo, vaidade, Rede Globo, fãs, dinheiro, viagens e poder


Sua imagem já está tão impregnada à do Jornal Nacional que é estranho vê-lo sem terno e gravata e sem a moldura da tela da TV. Pois foi vestindo regata azul-clara e calção e com os pés no chão que ele recebeu PLAYBOY no seu apartamento, em Ipanema, enquanto tomava café da manhã. Sem café. No cardápio, então, leite, frutas, mel e queijo branco. "Sou lacto-fruti-vegetariano", diz, categórico. O jornalista mais conhecido do Brasil, segundo uma pesquisa feita recentemente pela revista Imprensa, detesta dar entrevistas. Sobretudo, detesta dar opiniões. A não ser sobre assuntos como tênis, dietas alimentares, operações plásticas, sexo e, de alguns anos para cá, preservação dos cabelos prateados que se tornaram sua marca registrada.


É inútil armar suspense. Você já leu o título da entrevista, já viu as fotos no pé da página. Para entrevistar Cid Moreira, o apresentador número 1 do Jornal Nacional, da Rede Globo, PLAYBOY designou o colaborador Fernando Pacheco Jordão. Já ao marcar o encontro, Cid Moreira deixou bem claro: "Só falo de mim e da minha carreira. Não me peça para dar opinião, nem criticar ninguém". PLAYBOY sustenta o compromisso. Só não concorda com o pedido para que não se use o gravador, afinal uma garantia para os dois lados de que o que se diz fica registrado. Não há como desmentir ou deturpar. "Por isso mesmo", é o argumento de Cid. "De repente eu digo coisas que não devia e elas ficam gravadas." Outro compromisso de PLAYBOY: o que ele julgar inconveniente, que previna na hora. Se não for apagado, pelo menos juramos que não será publicado.


Superadas as primeiras desconfianças, Cid Moreira se abre — e o leitor perceberá isso — com uma franqueza e uma sinceridade maiores do que esperávamos. Se existisse um poço de vaidade, como diz a expressão, Cid, hoje com 63 anos, estaria atolado lá no fundo. No entanto, foi franco ao ponto de confessar episódios que poderiam tisnar sua reputação de galã, como a patética sucessão de fracassos na tentativa de sua primeira experiência sexual. E foi sincero ao admitir que, para ele, por muitos anos, o Jornal Nacional, do qual se tornou a própria imagem, não passou de um "bico": dado o boa-noite, sequer sabia o que tinha acabado de ler.


Só se encolheu de verdade — e às vezes pediu para desligar o gravador — quando a conversa se avizinhava do terreno da política. Comporta-se como se pisasse em terreno minado. Fica tenso, pigarreia muito, titubeia, não acha as palavras, mesmo quando provocado a dar opinião sobre fatos que já pertencem à História. Como um ator que se recusasse a falar de seus personagens. Foi assim quando PLAYBOY começou a enumerar nomes sobre os quais ele deu notícias nesses 22 anos como apresentador do Jornal Nacional — todos ditadores latino-americanos —, pedindo-lhe uma nota ou um adjetivo. "Esse foi bravo", "péssimo", "não foi nada bom", ele foi dizendo para Stroessner, Videla e Pinochet. A lista empacou no presidente Emílio Medici. Preferiu não dizer nada. "Minha imagem é de imparcialidade", justifica ele. "É o mesmo que um locutor de futebol: ele não pode ficar anunciando para que time torce."


Em outras passagens da entrevista — cinco horas e meia numa só rodada —, o gravador só é desativado para alguma confidência, como o relato do único caso amoroso, dos muitos que pontuaram sua carreira, envolvendo uma jornalista da Globo, cujo nome ele, galantemente, omite. Fora isso, Cid Moreira baixa a guarda e se expõe aos leitores de PLAYBOY para contar sua vida: que está no terceiro casamento e tem, do primeiro, uma filha de 39 anos e um neto, "que deve estar hoje com 14", ambos vivendo em Taubaté, a cidade onde ele nasceu; que, com a atual mulher, Ulhiana Naumtchyk, filha de russos,. 34 anos mais nova que ele, ainda vive a fase de paixão e pretende continuar casado "até morrer"; que está montando em seu apartamento um pequeno estúdio de gravação, com uma mesa de som Yamaha de 8 canais, para faturar suas gravações fora da TV sem sair de casa (os textos podem ser recebidos pelo fax); que está agora diversificando os negócios: é sócio de sua mulher numa clínica de tratamento de cabelos e numa confecção e loja de roupas de couro de cabra; que faz de tudo para não perder o charme e a saúde; que, ao contrário de boa parte dos colegas da Globo, hipocondríacos incorrigíveis, não consome remédios, com exceção de umas cápsulas suíças para conter a queda dos cabelos; que lê pouco e, na TV, prefere as novelas. Da Globo.


A seguir, conheça melhor o homem que freqüenta a sala de milhões de brasileiros e brasileiras todas as noites.


PLAYBOY — Um ex-chefe de reportagem da Globo disse uma vez que o Cid Moreira se ama. É verdade?


CID MOREIRA — Eu me cuido. Se se cuidar é se amar, eu me amo, uai. Aí vai um pouco da filosofia que eu adotei desde garoto: se você não se cuida, Deus não pode ajudá-lo. O ser humano tem que cuidar da aparência, da alimentação. Jogo tênis diariamente para manter a forma. Mesmo que eu não fosse um homem de televisão, tenho certeza de que seria a mesma pessoa, iria cuidar de mim do mesmo jeito — como meu pai, que está com 88 anos e enxuto até hoje.


PLAYBOY — O Brasil conhece Cid Moreira como ele aparece na televisão: da cintura para cima. Como é Cid Moreira da cintura para baixo?


CID — De que ponto de vista?


PLAYBOY — Sexualmente.


CID — Sexualmente? Eu sou agitado. Sempre fui. Sempre ativo — e faço tudo para conservar essa atividade.


PLAYBOY — Você faz algum tratamento para isso?


CID — Não. O tratamento que faço é a minha alimentação: frutas. A fruta dá uma energia muito grande. Sou lacto-fruti-vegetariano. De manhã faço uma boa refeição de frutas, mel e queijo fresco, durante o dia só como frutas e, à noite, depois do Jornal Nacional, janto normalmente. Não como carne de espécie nenhuma.


PLAYBOY — Perder audiência para aquela molecada mexicana da novela Carrossel, do SBT, não é chato?


CID — Precisa ver quem eu perdi, que classe. Precisa ver se esse pessoal que somava não ligava só para esperar a novela ou estava mesmo interessado nas notícias. Uma vez, pondo gasolina num posto, o funcionário me perguntou se eu não podia ler o noticiário mais rápido. Eu quis saber por que e ele respondeu: "É que eu quero assistir à novela mais cedo". [Risos.] O cara via o jornal por obrigação.


PLAYBOY — Você se preocupa com essa fuga do público?


CID — Já aconteceu outras vezes e é bom que aconteça. A alma do negócio não é a concorrência? Todo o mundo concorda — e não vai aqui nenhum puxa-saquismo — que a Globo é uma empresa bem estruturada, bem organizada, sólida, que faz pesquisas, se preocupa em ter um padrão de qualidade. Por isso, ela está anos na frente.


PLAYBOY— Como começou sua carreira?


CID — Foi em Taubaté, eu devia ter uns 17 anos. Era garoto, do interior, de família simples. Meu pai era funcionário público estadual, bibliotecário — vive lá até hoje. Ele e minha mãe estão perto dos 90 anos, ela com 87, ele, como já disse, com 88. Meu pai, como bibliotecário, substituiu o pai da Hebe Camargo, que era conhecido como Feguinho. Eles eram muito amigos. Meu pai não faltava, sempre foi muito caxias — até hoje guarda um elogio que saiu no Diário Oficial quando ele se aposentou. Estudei contabilidade, mas nunca trabalhei como contador. Cheguei a fazer um estágio, mas não tenho nada a ver com números. Fiz contabilidade porque, na época, para um garoto do interior, as opções que havia eram o concurso para o Banco do Brasil, carreira de fiscal de renda, coletor. Quando soube que o pai de um colega no curso de contabilidade era um dos sócios da Rádio Difusora de Taubaté, pedi a ele uma chance para treinar no escritório. Acontece que o pai dele tinha o hábito de levar o regional da rádio para tocar em festas e eu acompanhava. Enquanto estavam instalando o equipamento, eu ficava brincando no microfone, imitando humoristas e locutores da época, como César Ladeira, Carlos Frias, Luís Jatobá. Aí, em vez de contabilidade, acabaram me convidando para um teste e eu comecei como locutor na rádio.


PLAYBOY — Quais foram as primeiras coisas que você leu no rádio?


CID — Tinha na rádio um locutor, Hílton Aguiar, com um vozeirão, que fazia à noite um programa em que lia poemas do J.G. de Araújo Jorge, com fundo musical. Eu achava sensacional e ele me incentivava. Às vezes, eu lia também. Além disso, em casa, eu treinava muito no banheiro, para sentir bem o timbre da voz, com aquela acústica.


PLAYBOY — Como apareceu a oportunidade de sair de Taubaté?


CID — Uma vez, um repórter que gravava de lá para um noticiário da Rádio Bandeirantes ficou afônico e me pediu para fazer o boletim para ele. Eu fiz e, na mesma hora, o Rebelo Júnior, que era diretor da Bandeirantes, ligou para Taubaté e disse que queria me contratar imediatamente. Eu me acho um predestinado.


PLAYBOY — Por quê?


CID — O Hílton Aguiar, que bebia muito, sempre ia para um bar em Taubaté, depois que a rádio saía do ar, com uns dez ou quinze boêmios. Eu, garotão, ia junto, me interessava pela conversa — era a perspectiva que eu tinha. Uma noite, lá pelas tantas, o Hílton, não sei por que, olhou bem para mim e disse: "Você vai ser o locutor mais conhecido deste país". Ele falou de uma maneira como se um espírito baixasse nele, tanto que aquilo calou em mim e eu não esqueço até hoje.


PLAYBOY — Você é supersticioso?


CID — De jeito nenhum. Eu confio em mim. Vou dar um exemplo. Quando entrei para o ginásio, em Taubaté, todo final de semana tinha desfile do colégio com a fanfarra. Todo o mundo parava na rua para ver. Então, achei que podia aparecer entrando para a fanfarra e pedi para participar. Me deram uma corneta, que eu não sabia tocar, mas me disseram que era só fingir na hora em que os outros tocassem. Eu saí, todo vaidoso, mas, no meio do desfile, achei que aquilo era uma vergonha para mim e resolvi aprender. Não tinha ouvido nenhum para música, mas aprendi e cheguei a ser o chefe da fanfarra. Meu maior orgulho era ter dado os toques de corneta de ordem-unida quando embarcou para a guerra, com a FEB, um batalhão do Exército que havia lá em Taubaté. Tudo que eu faço — e na locução é assim também — quero fazer o melhor. Sou perfeccionista.


PLAYBOY — Qual foi seu primeiro bom salário?


CID — Quando entrei na Rádio Bandeirantes, me ofereceram o dobro do que me pagavam na Difusora de Taubaté, o que me pareceu ótimo. Só que eu esqueci que em Taubaté tinha pai e mãe, casa, comida. Em São Paulo, não: tinha que pagar uma pensão, lavagem de roupa. Além do que, eu já estava noivo, querendo casar. Então, quinze ou vinte dias depois, procurei de novo o diretor e, como estava agradando, já pedi um aumento.


PLAYBOY — Como você entrou na TV Globo?


CID — Da Bandeirantes eu vim para a Rádio Mayrink Veiga, no Rio, e comecei a fazer também televisão, na equipe do Show de Notícias, que o Fernando Barbosa Lima dirigia na TV Excelsior, com meu irmão, Célio, Luís Jatobá, Jacinto de Thormes, Sérgio Porto, João Saldanha. Fiquei com a equipe do Fernando Barbosa Lima, que depois foi para a Tupi, mais tarde para a Globo e de novo para a Excelsior. Depois de uns três ou quatro anos é que eu voltei para a Globo, por causa de um incidente com o Jatobá, que tinha ficado lá.


PLAYBOY — Que incidente foi esse?


CID — É um incidente que até deu motivo a uma peça de teatro, A Longa Noite de Cristal, de Oduvaldo Vianna Filho. Foi em 1969 e ainda não era Jornal Nacional. Era jornal da Globo local. Houve um caso de atropelamento e a falta de socorro à vítima envolveu dois hospitais, o Miguel Couto e o Souza Aguiar, um responsabilizando o outro pela falha. A versão dada num dia foi desmentida no outro, porque houve panos quentes. O Jatobá, que era também médico ortopedista e tinha visitado a vítima no hospital, ficou revoltado com aquilo. Ele leu ó desmentido, mas acrescentou: "Eu, Luís Jatobá, não concordo com isso. Boa noite". Só disse isso. Saiu na mesma hora. No dia seguinte, não foi mais para o ar e eu entrei no lugar dele.


PLAYBOY — Você nunca faria isso — dar sua opinião no ar?


CID — Se eu fizesse isso, estaria correndo o risco que ele correu. Acabou com ele.


PLAYBOY — Mas você nunca leu alguma notícia com a qual não concordasse e que lhe desse vontade de fazer a mesma coisa?


CID — Acima de tudo, a pessoa tem que ser profissional e, se ela é profissional, tem que vestir uma camisa. Se não tem esse condicionamento, ela tem que ser idealista, pegar uma bandeira e ficar protestando sozinha. Se você pertence a uma grande empresa. tem que seguir as regras da grande empresa. Quem se insurgir contra isso vai comprar uma briga sozinho, não vai? Para ganhar o que com isso? Não há condição.


PLAYBOY — Alguma vez você leu uma notícia sabendo que não era verdade?


CID — Como o quê, por exemplo?


PLAYBOY — A bomba do Riocentro, em 1981. O Jornal Nacional mostrou uma foto, informando que no Puma dos militares havia uma segunda bomba, mas, no dia seguinte, teve que desmentir, dando a versão de que não era bomba, mas um pedaço de cano. Você sabia que era uma bomba, não sabia?


CID — Na época, eu ouvi os colegas comentando. Mas fica aquela dúvida, se era ou não era. A mesma coisa na morte do Tancredo Neves. Foi ventilado que fizeram de propósito. Até desapareceram agora com os documentos... Onde há fumaça sempre há fogo, então você pode ler uma notícia acreditando que é verdadeira, mas não é.


PLAYBOY — Mas você sabia que a segunda versão — a do cano — era mentira?


CID — Eu sabia o que todo o mundo lá comentava. Mas sou um profissional: tem que ler, eu leio, acabou.


PLAYBOY — Você se envaidece com a pesquisa que o indicou como o jornalista mais conhecido do Brasil?


CID — Foi o maior troféu da minha vida, mais valioso do que todos os que eu tenho aqui neste escritório. Meu nome foi lembrado espontaneamente. Não é uma glória? Claro que eu teria uma expressão limitada se não estivesse num veículo de grande projeção como a Globo.


PLAYBOY — Voltando à forma física, o que você faz quando engorda?


CID — Em geral, isso acontece nas férias: eu ganho uns 2 ou 3 quilos. Quando volto, fico até em jejum, se for necessário. Eu só como um tipo de fruta, por exemplo, por quatro ou cinco dias. Se for época de abacaxi, só abacaxi. Época de manga, só manga. Você perde peso sem perder energia.


PLAYBOY — Não enjoa?


CID — Não. Quando eu fiz uma experiência com macrobiótica, passei quinze dias comendo arroz integral, sem molho, sem nada. Mas, normalmente, tomo um vinhozinho e gosto de uma cervejinha, principalmente depois do tênis. Em compensação, só na quarta-feira passada, jogando 2 horas, de meio-dia às 2, debaixo de sol, devo ter perdido uns 2 quilos no mínimo.


PLAYBOY — Como foram as operações plásticas que você fez?


CID — A primeira foi em 1981, para corrigir as bolsas debaixo dos olhos, mas eu não achei que deu resultado muito bom. Eliminar essas bolsas é importante, porque tira da pessoa aquele ar de cansaço. Com a idade, a pele vai desabando com a própria gravidade. Fiz uma segunda e, está fazendo um ano, uma terceira, sempre para corrigir a região dos olhos, tirar essa espécie de sombra que até dificultava a visão. Ainda assim, ficou diferente um do outro, repare.


PLAYBOY — É. Um olho parece um pouco mais caído que o outro e, no canto direito, a pele tem um vinco que não tem no esquerdo.


CID — Mas ficou muito melhor do que estava antes.


PLAYBOY — Você faria uma quarta plástica?


CID — Não. Não faço mais. Já fiz o que tinha que fazer.


PLAYBOY — Você está pensando em encerrar a carreira?


CID — Ainda não. Outro dia, quando conversei com o Boni [José Bonifácio Sobrinho, vice-presidente de Operações da Rede Globo] sobre o projeto de relançar os LPs de mensagens espirituais que eu gravei há dezoito anos, brinquei dizendo que estava no fim e era uma forma de encerrar brilhantemente a minha carreira. O Boni perguntou a minha idade e disse que eu pareço mais novo do que ele e estou muito longe de encerrar a carreira. Mas, de repente, a filosofia muda...


PLAYBOY — Você se preocupa com a perspectiva de envelhecer?


CID — De jeito nenhum.


PLAYBOY — Você ficou rico com a televisão?


CID — A televisão é uma boa parte da minha subsistência. Mas, durante muitos anos, fui um profissional que não ligava para a televisão porque gravava muito. Os meus rendimentos extras, que são as gravações de documentários, comerciais e audiovisuais, representavam uns 80% da minha renda. A televisão era um bico. Hoje é o inverso.


PLAYBOY — Então, mesmo com todo o prestígio, o Jornal Nacional era um bico?


CID — Exatamente. Todo o mundo imaginava que eu ganhava rios de dinheiro. Nada disso.


PLAYBOY — Você não ganha rios de dinheiro na Globo?


CID — Eu ganho relativamente bem.


PLAYBOY — Quanto?


CID — Não vou dizer.


PLAYBOY — O que você faz com o dinheiro que ganha?


CID — O que eu ganho dá para as despesas.


PLAYBOY — Você paga pensão a duas ex-mulheres?


CID — Pago.


PLAYBOY — E patrimônio?


CID — Eu fiquei com uns 30% do patrimônio que tinha antes do divórcio de minha segunda mulher, que foi litigioso. Uma cobertura duplex de 600 metros quadrados, com piscina, sauna seca e a vapor, que eu tinha na Barra, acabei vendendo pela metade do preço.


PLAYBOY — Você chegou a montar uma empresa para administrar o trabalho de gravações, não foi?


CID — Eu tentei montar uma espécie de associação dos locutores, para termos uma tabela e uma maneira de controlar isso, mas não deu certo, por causa da concorrência entre os próprios locutores. Eu era mais lembrado, mais solicitado que outros, e isso despertou ciumeira.


PLAYBOY — Você está há 22 anos no ar, sempre com grande público. Qual o segredo?


CID — Há profissionais que criam um estilo, são reconhecidos por aquela maneira de falar e, passam cinqüenta anos, o cara não muda. Eu sou contra isso. Acho que é como na vida, como naquela teoria de que nada se perde, tudo se transforma. Um fator meu de permanência é que eu tenho capacidade de me adequar. A minha narração, se você prestar atenção, para cada assunto eu faço diferente.


PLAYBOY — Uma coisa que sempre chamou a atenção no Jornal Nacional é a mudança do estilo dos seus ternos e de suas gravatas. Nos anos 70, você aparecia, por exemplo, de camisa amarela, gravata estampada com muitas cores. Era um diretor de arte que escolhia?


CID — Não. Era eu mesmo. Quando começou a TV colorida, a gente não tinha um caminho. Partia para as coisas berrantes. Não podia ser terno cinza e camisa branca. A gente tinha que mostrar para o público a variedade de cores, não podia ser todo dia a mesma coisa.


PLAYBOY — Você guarda a coleção de 22 anos de gravatas e ternos do Jornal Nacional?


CID — Não, mas devia ter guardado, porque as gravatas vão e voltam. Agora, estão voltando aquelas grandonas, largas, e eu acabei com todas elas. Como me mudei uma porção de vezes, muitas eu dei ou perdi.


PLAYBOY — Há momentos no Jornal Nacional em que você claramente quer carregar na emoção. Você cai um pouco a sobrancelha, coloca uma voz mais compungida. Alguém dirige você? A redação pede para você ler de um jeito ou de outro?


CID — Ninguém nunca me pediu nada. O profissional faz como acha que deve ser feito. Não há nada ensaiado. Nem há tempo para isso, ainda mais agora que está sendo usado computador. É tudo na correria. É tudo para ontem.


PLAYBOY — Tem palavras que você risca do texto porque complicam a leitura — palavras em que você tropeça?


CID — Tem a palavra "técnica", por exemplo: é difícil de falar, eu evito. Os redatores deveriam ler em voz alta o que escrevem, para sentir o ritmo e as dificuldades. O Armando Nogueira [ex-diretor da Central Globo de Jornalismo], quando tinha que escrever um editorial para o Jornal Nacional, lia o texto em voz alta. Quando não era em cima da hora, eu mesmo ia à sala dele para ensaiar o texto. Se esbarrasse em alguma palavra, ele mudava.


PLAYBOY — Dizem que, assim que o Jornal Nacional sai do ar, se perguntarem, você não sabe o que acabou de ler. É verdade?


CID — No começo, sim. O que eu ganhava no Jornal Nacional representava só uns 10% ou 20% da minha renda. Eu andava com um bip na cintura, gravando com Deus e todo o mundo. Era minha sobrevivência. Então, a TV era mesmo um bico. Eu chegava em cima da hora, pegava o script correndo, fazia o jornal e, quando saía, ainda ia para algum estúdio gravar mais.


PLAYBOY — Mas você de fato não se lembrava mais do que lia?


CID — Eu tinha a preocupação do profissional que se concentra na voz, e não naquilo que está lendo. Então, eu entrava preocupado em apresentar uma boa voz, uma boa aparência. E se estava preocupado com isso, não me preocupava muito com o que estava lá. Então, como é que eu ia guardar? Hoje, não. Eu acompanho as notícias.


PLAYBOY — Seu ritmo de trabalho diminuiu?


CID — Ainda gravo muito, embora hoje em dia a gente esteja numa crise de gravação. Mas, durante muito tempo, eu gravei diariamente, em vários lugares: institucionais, documentários, comerciais, de tudo. O que eu gosto muito é de gravar audiovisuais, porque dá chance de interpretar melhor. Tanto que, quando acaba uma gravação, eu estou molhadinho.


PLAYBOY— Tensão?


CID — Não. É concentração. Eu fico concentrado naquilo que estou fazendo. Pela minha cabeça passa tudo aquilo que está no texto.


PLAYBOY — Você nunca vê a imagem do que está gravando?


CID — Antigamente a gente gravava vendo a imagem, mas é um método meio complicado e demorado. Se você tem a facilidade de imaginar, é melhor. Quando vou gravar alguma coisa, pergunto sempre qual é o objetivo — se o tom é incisivo, se é amigável. Aí, o sujeito me passa e eu faço certinho.


PLAYBOY — Você, então, não faz as coisas mecanicamente?


CID — De forma nenhuma. Eu considero a narração uma arte. Tenho três LPs gravados com mensagens espirituais — muitas delas foram o "Boa noite" do Fantástico. Faz dezoito anos, mas até hoje eu recebo cartas. São mensagens de otimismo, como o "Desiderata", um poema hindu encontrado numa igreja dos Estados Unidos em mil setecentos e tanto, que servem para qualquer pessoa. Qualquer um de nós está sujeito a uma fase down. Eu até propus ao Boni o relançamento desses LPs e ele adorou a idéia. Tem também textos do bispo dom Pedro Casaldáliga e de dom Hélder Câmara.


[Toca o telefone. Cid atende. Por coincidência, era assunto ligado à gravação de mensagens.]


CID — Era o padre Firmino Neto, meu amigo, de Rio Claro [interior de São Paulo]. Ele adora escrever mensagens e eu gravo para ele. Gravo também para o Instituto Alberione, das Irmãs Paulinas, de São Paulo. Para o fim de ano, vou gravar para elas uma adaptação dos Salmos.


PLAYBOY — De graça?


CID — Não. Essas mensagens gravadas são todas vendidas comercialmente.


PLAYBOY — Qual o segredo para dar esse polimento permanente à voz?


CID — Minha alimentação. Está tudo ligado à alimentação.


PLAYBOY — Quando era garoto, você já tinha essa voz poderosa?


CID — No colégio, o professor geralmente queria que eu lesse em voz alta. Um detalhe: eu era muito tímido. Minha mãe dizia para os outros: "Não pergunta nem o nome dele, porque senão fica só á roupa no chão; ele some". Mas, quando o professor chamava, eu ia lá na frente e lia — e todo o mundo gostava.


PLAYBOY — Você já foi ator?


CID — Tive essa opção também. Eu era chamado porque sempre tive boa aparência. Fiz algumas pontas no cinema, em filmes do J.B. Tanko e do Lulu de Barros. Um diretor me convidou uma vez para fazer um papel de um cadete de Agulhas Negras. Eram uns vinte dias de filmagens. Eu fiz as contas, comparando as gravações que tinha com o que iam me pagar no cinema, e era uma piada.


PLAYBOY — O Walter Cronkite, que durante 31 anos foi âncora do jornal da CBS, diz que a notícia apresentada por um locutor, como é o seu caso, e não por um jornalista, como era o dele, perde credibilidade. O que você acha disso?


CID — Ele preparava o jornal todo?


PLAYBOY — Ele era o editor, além de apresentar.


CID — No meu caso, como eu já disse, peguei o carro andando e, para mim, era um bico. Eu não poderia me dedicar integralmente. Se me pagassem o que eu ganhava fora para acompanhar e editar, sim: eu gosto até de escrever, sempre tive jeito.


PLAYBOY — Mas você acha que a credibilidade fica prejudicada?


CID — Será que o Cronkite realmente participava de tudo, acompanhava cada nota, ou ele tinha uma assessoria? Porque, veja, é uma coisa muito complexa. Enfim, eu já encontrei essa máquina montada assim, faço parte dessa engrenagem e procuro, como locutor profissional, desenvolver voz e entonação — uma vivência que vem da experiência do rádio. Eu já estou nessa máquina há tantos anos, não é agora que vou mudar. Outros podem ter uma vivência maior da edição, mas eu compenso com minha experiência de narrador, embora não participe diretamente da redação e da edição. Quer dizer: um anchorman não tem uma voz trabalhada que passou pelo rádio, não tem as expressões.


PLAYBOY — É quase como um trabalho de ator?


CID — Exatamente. Você me dá um texto que, passando a vista, já sei o que ele quer dizer, o que quer transmitir. Sei fazer as pausas certas — e dificilmente um anchorman saberia fazer isso.


PLAYBOY — Alguma vez o dono da Globo, o dr. Roberto Marinho, o parou no corredor para cumprimentá-lo por seu desempenho?


CID — Ah, várias vezes. A primeira vez que iam lançar a novela Roque Santeiro e a Censura vetou, foi feito um editorial e eu defendi a empresa com unhas e dentes. Li tão bem que o Boni, o Walter Clark [na época diretor geral da Globo] e o Dias Gomes [o autor da novela] me cumprimentaram. O Boni me abraçou e chorou. Várias vezes, quando eu saio do estúdio, tem fila de gente para me cumprimentar — o Alexandre Garcia, o Joelmir Betting. Quando morreu o Carlos Drummond de Andrade, eu li o final estraçalhando. Ninguém me dirigiu. Fui eu.


PLAYBOY — Você disse que gosta de escrever. O que você escreve?


CID — Sei que tenho jeito. Não tenho pretensão de dizer que sou um escritor — eu não sou nada. Mas, se quiser, sei que eu tenho coisas dentro de mim que dizem que eu tenho essa condição. Eu tenho capacidade para cortar um texto sem prejudicar o conteúdo. Ainda ontem, gravando um comercial, consegui melhorar o texto sem prejudicar a informação. Quando ainda trabalhava na rádio, em Taubaté, tive idéias que na época eram um absurdo, mas hoje se usam muito.


PLAYBOY — Que idéias?


CID — Os textos eram muito pão, pão, queijo, queijo. Por exemplo: "A loja de ferragens tal, rua não sei quê, tem isso, tem aquilo". Em vez disso, eu imaginava logo contar uma historinha: "Se você tem um problema na sua geladeira..." Recusaram a idéia. Era fora de época, mas hoje tudo é feito assim. Se eu me dedicasse à literatura, tenho certeza de que teria sucesso.


PLAYBOY — Você pensa escrever suas memórias, quando se aposentar?


CID — Quem sabe?


PLAYBOY — Você mesmo se define como locutor e narrador. No entanto, foi indicado como o jornalista mais conhecido do Brasil, sem ser jornalista. Como você se sente?


CID — Sem ser jornalista quer dizer sem ter atividade. Mas eu sou jornalista, pertenço ao sindicato e tenho registro na carteira profissional. Trabalhei, em São Paulo, num jornal na Rua Florêncio de Abreu — eu esqueço o nome. O que acontece é que, profissionalmente, fui chamado por um lado não do idealismo, porque o idealismo não pagava nada.


PLAYBOY — Faz 22 anos que você fala toda noite para milhões de pessoas. Você tem consciência do poder que tem nas mãos?


CID — O anchorman defende a tese de que ele vai lá e fala o que quer. Mas é um "o que quer" relativo à filosofia da empresa. O anchorman é mais ou menos como, antigamente, um animador de auditório: conversa com um, entrevista outro, como no tempo do rádio. Eu nunca fui animador de auditório. Sou um apresentador que passa toda a emoção — e acredito que melhor que um anchorman. Então, acho que eu tenho esse poder de pegar um texto e, se quiser, até botar em perigo a organização, numa pausa, num olhar.

PLAYBOY — Você vê o Bóris Casoy, anchorman do TJ-Brasil, do SBT, como seu concorrente?


CID — É como eu dizia: não tem nada a ver, a filosofia é outra. Ele edita tudo, passa tudo pela mão dele, como se fosse o Cronkite, não é? Pelo pouco que eu vi, acho ele bom, mas não é um locutor.


PLAYBOY — Que diferenças você sentiu no seu trabalho na mudança de direção do jornalismo da Globo, do Armando Nogueira para o Alberico Souza Cruz [atual diretor da Central Globo de Jornalismo]?


CID — Nenhuma diferença. Tanto o Armando como o Alberico obedecem à filosofia da casa, que é determinada pelo dr. Roberto Marinho.


PLAYBOY Na entrevista que deu a PLAYBOY, o Boni definiu você assim: "Correto, um profissional leal, disciplinado, aplicado, com competência para a leitura e uma voz extremamente bonita". Como você definiria o Boni?


CID — O Boni? O Boni é um gênio na área da televisão. Ele consegue manter a Globo nos patamares mais elevados durante anos. Tem demonstrado sempre grande intuição e inteligência. É um nome respeitado na área.


PLAYBOY — Você já levou um daqueles famosos esporros do Boni?


CID — Nunca. Só uma vez, quando estava saindo tudo errado no jornal, a imagem não casava com o que eu estava lendo, eu abri os braços reclamando e, justo nessa hora, a câmera cortou para mim e eu apareci no ar desse jeito. O Boni mandou um memorando dizendo que eu falava para milhões de pessoas, era um ótimo profissional e precisava me conter.


PLAYBOY — Contam que você passou por outros constrangimentos no ar. Por exemplo: uma vez, lendo um editorial do dr. Roberto Marinho, você não se deu conta de uma página fora de lugar, que alguém montou errado no script, e meteu no meio do editorial, sem se perturbar, um texto sobre futebol que não tinha nada a ver. É verdade?


CID — Isso nunca aconteceu. É intriga da oposição.


PLAYBOY — Você se dá bem com o Sérgio Chapelain, seu parceiro no Jornal Nacional?


CID — Muito bem.


PLAYBOY — Fora do ar, vocês são amigos?


CID — Não. Nunca houve um relacionamento fora da TV.


PLAYBOY — Você nunca recebeu proposta para sair da Globo?


CID — Sim, numa daquelas reformulações da TV Tupi. Me ofereceram um salário realmente espetacular — o equivalente a umas sete vezes o que eu ganhava na Globo. Coincidiu que, na época, eu estava reformando contrato com a Globo, que ia me dobrar o salário. Não pretendia sair da Globo, nem acreditava na reformulação da Tupi. Mas aproveitei a oferta deles para pedir mais na Globo. O Boni concordou com o dobro do salário que eu tinha mais 50%. Dois ou três meses depois, os que embarcaram na canoa da Tupi não estavam nem recebendo.


PLAYBOY — É fácil negociar com o Boni?


CID — Eu sempre tive boa acolhida. Minhas reivindicações sempre foram atendidas. Vejo o Boni até como um padrinho meu [ri]. Ele gosta muito de mim. Ele me trata com muita cortesia.


PLAYBOY — Você freqüenta a casa dele?


CID — Não. Minha filosofia é outra, minha área é outra.


PLAYBOY — Você com certeza é reconhecido em todo lugar. Isso é bom ou ruim?


CID — Vou te dizer: hoje eu tenho raiva de ouvir na rua "você não é o Cid Moreira?" Se fosse cobrar 1 cruzeiro cada vez que ouço meu nome na rua, ia faturar uma nota. Em qualquer lugar, até em Nova York. Uma vez, numa esquina de Nova York, eu estou parado, pensando "aqui eu posso meter o dedo no nariz, coçar o saco, fazer qualquer coisa, que ninguém me conhece, ninguém vai me chatear". Não é que chega um cara bem perto de mim e fala "plim, plim"? [Risos.] Era um paulista, todo alegre: "Oi, Cid Moreira, tudo bem?" Uma vez, chegou ao cúmulo. Naquela época em que cabelo comprido era moda, eu apresentava o jornal com aquela bela cabeleira e correu a versão de que era uma peruca. Num almoço no restaurante De Marchi, em São Bernardo do Campo, São Paulo, aquele que tem frango com polenta e serve eu acho que umas 5.000 pessoas, tinha uma mesa barulhenta com um pessoal bebendo e comendo muito. De repente, veio de lá uma mulher e, sem a menor cerimônia, foi dizendo: "Eu fiz uma aposta com o pessoal que o Cid Moreira usa peruca". E, ato contínuo, pegou meu cabelo e puxou. Me deu uma vontade de dar uma porrada na mulher! É um absurdo a gente ser popular e ficar sujeito a coisas assim.


PLAYBOY — Mas também tem suas vantagens, não é?


CID — Tem. Uma vez, em Brasília, tive que voltar de tarde para o Rio, num desses dias em que o aeroporto está assim de deputados viajando. Não tinha reserva, mas o cara do balcão me deu lugar no avião quando viu que eu era o Cid Moreira. Quando eu volto do exterior, também não ficam examinando minhas malas na Alfândega.


PLAYBOY — Você viaja muito para o exterior?


CID — De férias. Gosto mais de Nova York, gosto muito do frio. Na Europa, já fui à Espanha e Portugal. Em janeiro estou programando ir a Orlando com minha mulher. Mas eu viajo muito pouco; já passei uns quatro ou cinco anos sem tirar férias.


PLAYBOY — Você fala outras línguas?


CID — Não. Eu arranho.


PLAYBOY — Nunca se interessou em aprender inglês, por exemplo, para sua profissão?


CID — Não. Por quê? Se eu fosse um repórter...


PLAYBOY — Você disse à revista Claudia, numa entrevista em 1973: "Durmo cedo, não fumo, só bebo vinho". Continua assim?


CID — Continuo. Às vezes, lá em Itaipava, janto às 6 horas e às 8 estou indo para a cama.


PLAYBOY — Você vai todo fim de semana para Itaipava?


CID — Sexta-feira à noite, depois do jornal, eu estou subindo. Lá eu tenho piscina, sauna, quadra de tênis e a casa construída num terreno comum com meu irmão. Volto para o Rio no sábado à tarde para fazer o jornal e vou de novo para lá quando termino. Aí, fico em geral até segunda-feira à tarde. Venho fazendo isso há trinta anos e até estou pensando em mudar a rotina: vender a casa para ter outras opções de fim de semana.


PLAYBOY — Quando conversamos pelo telefone para acertar esta entrevista, você logo falou em Ulhiana e deu nitidamente a impressão de ser um homem embevecido com seu casamento, com sua terceira mulher. Confere?


CID — Realmente. Além de jovem e bonita, ela é uma excelente cabeça. É uma mulher que participa, produz, me ajuda na despesa. Ela está ficando famosa.


PLAYBOY — Ela é especialista em tratamento para queda de cabelo, não é?


CID — É. E foi assim que eu a conheci, em 1985. Foi numa ocasião em que eu estava perdendo muito cabelo, estava começando a aparecer — o cameraman me dizia — e minha ex-mulher me convenceu a ir a um salão de um amigo dela onde trabalhava uma moça recém-chegada do Rio Grande do Sul que fazia um tratamento especial. Era a Ulhiana.


PLAYBOY — Deu certo?


CID — Deu, olha aí. [Mostra cabelos novos brotando no alto da cabeça.] Pode ver: é bastante cabelo. Além do remédio suíço que eu tomo todo dia, tem o tratamento. Ela primeiro limpa o couro cabeludo, depois passa um produto, aplicado com uma corrente magnética. Você sente um choquezinho e o gosto do remédio na garganta. É efeito imediato: desobstrui o bulbo capilar e reativa a circulação. Olha eu aqui já dando aula de cabeleireiro. [Risos.] É que eu ouço tanto ela falar...


PLAYBOY — E, com isso, vocês se apaixonaram?


CID — Não foi de imediato. Eu comecei um tratamento e isso nem me passava pela cabeça, até pela diferença de idade. Aos poucos, comecei a prestar atenção na moça, conversando com ela eu já vivia uma crise de casamento e, quando vi, tinha acontecido.


PLAYBOY — Você fica orgulhoso de exibir uma mulher 34 anos mais nova que você?


CID — Claro que fico, mas não foi por isso que eu me casei com ela. Confesso que, no começo, andava até meio escondido na rua, imaginando que as pessoas iam dizer "Olha ali, fugiu com a cabeleireira" [risos]. Ela chama a atenção, porque é bonita e se veste muito bem. Mas o importante é que ela me conquistou pela conversa, pelos argumentos. A Ulhiana tem uma cabeça fora de série, sabe como age, sabe onde pisa. Jamais eu ficaria com uma pessoa jovem que não tivesse cabeça. Mas o fato é que, se minha mulher posasse para PLAYBOY, ela ia arrasar.


PLAYBOY — Só que você não deixa.


CID — Claro que não. Mas ela tem um corpo maravilhoso, uma plástica notável.


PLAYBOY — O que você acharia da situação inversa: se a Hebe Camargo, sua conterrânea, um dia aparecesse com um rapagão 34 anos mais moço do que ela. Você se escandalizaria?


CID — Como homem, eu não entenderia muito bem a opção de outro homem por uma mulher mais velha. A maioria das mulheres se desgasta muito mais do que o homem, não sei se por questão de hormônios, gravidez, trabalho doméstico.


PLAYBOY — Você quer mulher presa dentro de casa?


CID — Antigamente eu era muito machista. Sempre fui contra mulher trabalhando fora de casa. Em todos os meus relacionamentos eu fui assim. Agora, pela primeira vez, tenho uma mulher que trabalha fora e eu apóio. Gosto que minha mulher dirija, saia, se vista bem.


PLAYBOY — Você mudou por quê?


CID — No começo fiz como agi com as outras — eu era contra a Ulhiana trabalhar. Ela ficou pouco mais de um ano indo comigo às gravações, me acompanhando. Mas acontece que ela é uma mulher a mil por hora, começou a trabalhar desde pequena. Fui entendendo que, com essa diferença de idade — vamos supor que, amanhã ou depois, haja um desentendimento e eu me separe dela —, eu estaria interrompendo uma carreira, uma vida, egoisticamente.


PLAYBOY — Quando percebe um homem encarando sua mulher, você é do tipo que vai tirar satisfações?


CID — De jeito nenhum. É normal a minha presença despertar atenção. Acompanhado de uma mulher jovem e bonita, mais ainda. Então, é natural que olhem. A não ser que a situação chegue a me ofender, que o sujeito diga algum gracejo, aí ele pode até levar uma cadeira na cara.


PLAYBOY — E sua mulher tolera que outras mulheres fiquem encarando você?


CID — Ela não gosta, tem ciúme. Às vezes, reclama, achando que eu estou correspondendo ao olhar de alguma mulher, mas eu sempre digo a ela que seria absurdo ficar procurando outra estando com ela, que é jovem, bonita e tem boa cabeça.


PLAYBOY — Mas com certeza você recebe cantadas, não recebe?


CID — Eu sempre fui uma pessoa cobiçada. [Risos.] Teve um caso em que minha vaidade ficou um tanto ouriçada. Quando a equipe do Fernando Barbosa Lima fazia um programa na Globo, tinha uma mulher muito bonita, a Gilda Müller, que todo dia fazia um comentário chamado "Um minuto de Gilda Müller". Começaram a chegar cartas querendo um minuto de Cid Moreira. Sabe o que fizeram? Me botaram um minuto no ar, sem falar nada, em dose, só para satisfazer as fãs. Atendendo a pedidos, um minuto com Cid Moreira.


PLAYBOY — Você era visto como galã?


CID — Era. Na época, a Manchete fez uma enquete para descobrir os dez maiores galãs e os mais votados fomos eu e os atores Tarcísio Meira e Hélio Souto. Até hoje, tem mulher que não pára de me escrever, dizendo que me ama, que quer se casar comigo. Algumas fazem isso há anos, dizem que não desistem.


PLAYBOY — Quantas cartas você recebe?


CID — Hoje umas cinco ou seis por dia. Agora, quando eu era mais jovem, era muito mais.


PLAYBOY — Você respondia a essas cartas?


CID — No começo, tentei, mas vi que era impossível. A Globo chegou a armar um esquema para essas respostas, mas acabaram desistindo também. Vinha, ainda, muita carta pedindo coisas: geladeira, televisão, bicicleta, cadeira de rodas. Tem pedidos que são atendidos pela Globo — pelo Departamento de Relações Públicas ou Fundação Roberto Marinho, não sei bem.


PLAYBOY — E cantada direta, corpo a corpo, você também recebe?


CID — Aí é até perigoso. Uma moça, não faz muito tempo, se atracou comigo no estacionamento da Globo — eu até, depois, reclamei com a segurança —, me forçando a pôr a mão no peito dela para ver como o coração disparava. Ela gritava: "Eu morro de paixão por você".


PLAYBOY — Cantada de homem, tem?


CID — Ah, isso não.


PLAYBOY — Nem por carta?


CID — Por carta, sim. Teve um homem que me escrevia sempre — acho que ele era de Pernambuco. Dizia que era funcionário do Banco do Brasil, dava o que eu quisesse porque gostava de mim. Ele insistiu durante um bom tempo e, uma vez, mandou xerox de um cheque que ele estava disposto a me dar. Quem está numa vitrine, como eu estou, fica sujeito a tudo.


PLAYBOY — Você acha que precisa haver fidelidade num relacionamento?


CID — Acho fundamental. A fidelidade é um pacto entre duas pessoas e, quando deixa de existir, é porque o relacionamento não está correspondendo de alguma forma. Eu vivi esse tipo de coisa. Quando fui obrigado a quebrar essa fidelidade, me dava conta de por que estava fazendo aquilo. É porque não estava havendo alguma correspondência do outro lado.


PLAYBOY — E a infidelidade da mulher, o que você acha?


CID — O mesmo direito que o homem tem a mulher também tem. Se eu deixo de corresponder à mulher em alguma coisa, ela tem amplo direito de fugir de mim. Eu vejo assim: a lei tem que ser a mesma para os dois.


PLAYBOY — A primeira reação sua quando foi convidado para esta entrevista foi perguntar: "Querem meu retrato nu?" Você teria coragem de posar nu para uma revista?


CID — De jeito nenhum. Eu estava brincando. [Risos.] Eu sou um velho circunspecto.


PLAYBOY — Todo entrevistado de PLAYBOY responde a esta pergunta: como foi sua primeira experiência sexual?


CID — [Risos.] Responde mesmo? Conte alguma.


PLAYBOY — O Roberto Freire, do Partido Comunista, escandalizou todo o mundo porque disse que foi com uma empregada doméstica de sua casa. O Lula também: contou que foi com bichos, lá em Pernambuco.


CID — A minha história, então, vai ser diferente de todas. Eu fiquei virgem até muito tarde. Quando fui para São Paulo, já com uns 19 anos, praticamente eu era virgem. Explico. Eu tinha tido experiências, mas era uma coisa muito dolorosa, porque eu tinha um sério problema de fimose. Passei a olhar aquilo até como um sacrifício. Se eu tivesse tendência para homossexualismo, hoje eu seria um, porque era um horror — o excesso de pele estrangulava quando havia ereção. Doía e esfolava tudo. E, depois, coçava. Foi um horror, até eu fazer circuncisão, já adulto, em São Paulo.


PLAYBOY— Até então, nenhuma relação?


CID — Eu chegava a fingir. Em Taubaté, a garotada ia atrás de uma tal de Nhá Maria, que vivia no mato. Ia todo o mundo se servir de Nhá Maria. Eu, com aquele orgulho de garoto — se não fosse, iam dizer que eu era bicha —, também ia, mas representava, só fingia. Não fazia nada. Até hoje, meu irmão, que também andava com a turma, acha que eu transei com a Nhá Maria.


PLAYBOY — E, depois da circuncisão, tudo bem?


CID — Em termos. Eu já trabalhava na Bandeirantes, que na época era na Rua Libero Badaró, no centro de São Paulo. Já era galãzinho, minha voz era bonita. Eu ficava sob um foco de luz no auditório e, de summer ou de smoking, sentado numa mesinha, lia crônicas e mensagens. Tinha um monte de meninas que freqüentavam o auditório da rádio, moças bem vestidas, de chapeuzinho. Ah, essa história vai mesmo ser diferente... [Risos.]


PLAYBOY — Foi com uma das meninas?


CID — Não. Justamente agora que eu tinha feito a operação, não conseguia ninguém. Deu aquele branco. Como eu estava com pressa de experimentar, fui à zona, na Rua Itaboca, ali perto da Estação da Luz, onde as mulheres ficavam que nem gado. Escolhi uma loirinha — eu gosto muito de loira — e ela me levou por um labirinto até um, quarto, num porão. Fazia um calor danado, o coração batia. Eu tinha educação católica, tinha sido auxiliar de sacristão, então era aquela sensação de pecado. Pedi guaraná para mim e para ela, mas, quando eu olho, a mulher estava de pernas abertas, batendo palma e dizendo: "Vamos , vem logo". Michou. Nem tentei. Eu não sei fazer nada correndo. Sou assim até hoje: eu gosto de curtir, quero dar satisfação à parceira.


PLAYBOY — Afinal, depois disso tudo, como foi a primeira?


CID — Não me lembro.


PLAYBOY — Não é possível. Faça um esforço.


[Longo silêncio.]


CID — Francamente, não consigo me lembrar. É curioso: guardei na memória só os fracassos.


PLAYBOY — Você tem medo de ficar impotente?


CID — Tenho. Mas não é bem medo. Acho que tudo que acontece de uma maneira irreversível você tem que aceitar. Mas eu luto para não ficar. Eu treino. Bato bola todo dia. [Risos.]


PLAYBOY — Em quem você votou para presidente?


CID — No primeiro turno, votei no Covas. No segundo, no Collor.


PLAYBOY — Que programa de televisão você assiste?


CID — Eu assisto pouco. Em geral, à noite, depois do Jornal Nacional, volto para casa, eu e Ulhiana jantamos e assistimos à novela. Atualmente, O Dono do Mundo e a minissérie O Sorriso do Lagarto.


PLAYBOY — Você lê?


CID — Ultimamente ando meio parado, mas eu gosto. Já li muito.


PLAYBOY — Que tipo de leitura você prefere?


CID — Leitura depende muito do estado de espírito da pessoa. Eu gosto de livros de aventura. Li Shogun [de James Clavell], gostei e daí li outros. Li O Prêmio, acho que é do Irving Wallace [é]. Leio sobre ioga, sobre alimentação.


PLAYBOY — Que jornais você lê?


CID — Leio O Globo e Jornal do Brasil, e no carro ouço as notícias no rádio também. Estou sempre ligado.


PLAYBOY — Você costuma ler a Folha de S.Paulo?


CID — Só quando sai alguma coisa sobre mim e as pessoas me avisam. Regularmente, não.


PLAYBOY — O cronista de televisão da Folha, José Simão, chama você de Aborrecido Moreira, porque acha você muito soturno, lendo más notícias com ar compungido, voz empostada. Você se incomoda com esse tipo de brincadeira?


CID — Não me importo. Não é o Ibrahim Sued que diz "falem mal, mas falem de mim"? Como eu fui escolhido o jornalista mais popular, tenho que aceitar tudo isso, numa boa.


[Toca o telefone. Dalva, a empregada, anuncia: "Raimundo, do tênis". Cid atende, explica que melhorou das dores lombares, resultado de um backhand de mau jeito, dois dias antes, mas ainda não pode jogar. "Até para levantar da cadeira eu tenho que me concentrar, senão o músculo dói", diz ele.]


PLAYBOY — Era o seu parceiro de tênis?


CID — Era. É o Raimundo. Esse camarada foi convidado a dirigir a delegação de basquete que vai para o Panamericano. Ele é professor de Educação Física na Universidade, tem o físico do Pelé e é mais novo do que eu. Tem 49 anos. É daquele tipo de adversário que dá raiva: devolve tudo quanto é bola e tem uma direita assim meio escondida, você não vê o braço dele. Quando vê, a bola já está cruzando a rede num ângulo que você não espera. É fogo!


PLAYBOY — O que você achou de ter dado esta entrevista para PLAYBOY?


CID — Eu não gosto de dar entrevista. Tenho recusado muitos pedidos, porque já me dei mal em muitas. Eu não ganho nada com uma entrevista. Uma pessoa dá entrevista para quê? É uma forma de aparecer. Eu não preciso disso para me sobressair, já estou sempre em evidência. Então nem sei por que concordei. Acho que é porque o Boni deu entrevista — e ele é o comandante lá. Se o Boni deu entrevista e eu fui solicitado, achei que devia dar.


POR FERNANDO PACHECO JORDÃO

FOTOS FERNANDO SEIXAS


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