top of page

CLÁUDIA RAIA | MARÇO, 1994

Playboy Entrevista



Uma conversa franca com a bailarina que virou show-woman sobre aplausos, vaias, sucessos amorosos e decepções políticas.


Há dez anos, quando posou para PLAYBOY pela primeira vez, Cláudia Raia tinha quase exatamente o mesmo corpo que hoje. A diferença é para cima: ela cresceu 1 centímetro em altura e vários metros como atriz e bailarina. Aos 27 anos, com 1,80 metro e de volta aos 63 quilos da adolescência, Cláudia não só se manteve no pódio dos maiores símbolos sexuais brasileiros, como passou a acumular outros títulos. O talento de comediante, por exemplo, revelado em Viva o Gordo, amadureceu no saudoso TV Pirata e vez por outra volta a brilhar em especiais como Nunca Houve uma Mulher como Gilda, apresentado pela Rede Globo no fim do ano passado. Ela estrelou também algumas das novelas de maior sucesso da Globo, como Sassaricando, Roque Santeiro, Rainha da Sucata e Deus nos Acuda. Fez três filmes nesse período, o que no Brasil pode ser a maior das façanhas. E, correndo por fora das telas, simplesmente se tornou a grande show-woman do país, desde 1991 lotando platéias nas capitais por onde passou com seu espetáculo Não Fuja da Raia. E, agora, com Nas Raias da Loucura, que estréia em São Paulo no mês que vem para uma longa temporada. Definitivamente, aquela menina que em 1983 se revelava tão encantadora no musical Choros Line cresceu um bocado.


Durante essa década, o feliz leitor de PLAYBOY pôde acompanhar o desenvolvimento de seu corpo como um privilegiado médico de família — desde a primeira sessão de fotos, quando tinha 17 aninhos, Cláudia enriqueceria com suas forma mais três edições memoráveis da revista. Mas, se alguém ousou imaginar que já tinha visto tudo, eis aqui uma surpresa; nunca Cláudia Raia se mostrou tão nua como na entrevista que você vai ler agora. Em seis horas de conversa franca e direta, quase sempre engraçada e às vezes veemente, ela falou de tudo. Da relação de amizade e a decepção com o ex-presidente Fernando Collor, por exemplo, ou do sofrimento com o boato mentiroso de que estaria com Aids. Da vida sexual plena desde a primeira relação, e das duas únicas e traumáticas experiências com drogas. Revelou detalhadamente as sensações que se tem nas cenas de amor das novelas e do cinema. Às vésperas de se casar com aquele que acredita ser o grande amor da sua vida, explicou a sua mudança para um estilo mais calmo e discreto. E, magicamente, voltou para um mundo de infância que só está à espera de um Ingmar Bergman para ser recriado como merece.


Nessa história real, quatro mulheres moram sozinhas num casarão que ocupa quase uma quadra inteira no centro de Campinas, interior de São Paulo, herança de um barão do café de quem todas descendem. A mais nova delas, Maria Cláudia da Motta Raia, é uma garotinha feia que morre de inveja da beleza da irmã mais velha, Olenka. Todas dançam o tempo inteiro — a avó, Ernestina, dá aulas de balé, tango e bolero; a mãe, Odete, é dona de uma academia de artes que funciona no próprio casarão. Quando não está na ponta dos pés, a pequena Cláudia desce ao porão onde passa horas diante do espelho, coberta de fantasias e plumas de montagens antigas da mãe. Seu pai, um homem alto de origem grega, morreu quando a menina tinha 4 anos e, na falta de um modelo masculino em casa, ela cresce se acostumando a dirigir o próprio destino. Mais tarde, quando sobe do porão para a vida lá fora e encurrala o jovem professor de capoeira da academia num canto do jardim, desde o primeiro beijo é ela quem toma a iniciativa. Assim, não é de espantar que aos 13 anos embarcasse sozinha para morar em Nova York, ou que no ano seguinte estivesse em Buenos Aires dançando balé clássico no Teatro Colón e na mesma noite rebolando no teatro de revista do El Nacional.


Para entrevistar essa pessoa tão especial, PLAYBOY mandou ao Rio de janeiro o editor-contribuinte Guilherme Cunha Pinto, que a seguir conta suas impressões.


"A entrevista foi marcada para duas tardes seguidas numa suíte do Copacabana Palace, porque o apartamento de Cláudia Raia estava atulhado com a mobília dela e a de Edson Celulari, à espera da mudança para os dois novos endereços do casal: um apartamento maior em Ipanema e outro em Vila Olímpia, em São Paulo, para onde viajam seguidamente.


Cláudia Raia sabe que impressiona ainda mais ao vivo do que em vídeo ou em fotografias. 'Todo o mundo diz isso', adianta-se ela, adivinhando meus pensamentos, em seguida a uma entrada triunfal pela porta giratória do hotel. Ao fundo, mas não diria em segundo plano, reluz pela transparência do vidro o BMW 1993 cor-de-vinho, avaliado em 86.000 dólares, que ela deixou nas mãos com luvas brancas do manobrista. Às 2 da tarde, energizada por 500 abdominais e duas horas de exercícios com pesos feitos pela manhã, discreta na medida do possível num tailleur escuro, ela está pronta para falar. Na companhia de sua assessora de imprensa, subimos para a primeira sessão de entrevista.


De um modo geral, existem dois gêneros opostos de entrevistados: os objetivos, que respondem estritamente às questões, e aqueles que divagam e às vezes obrigam o repórter a puxá-los de volta para o tema. Cláudia Raia faz parte de uma categoria especial que reúne as qualidades dos dois estilos, pois decola com facilidade mas encontra sempre o caminho de volta para a linha de raciocínio de onde partiu. Ela é capaz de retomar uma resposta que deixou suspensa entre vírgulas para atender ao secretário, ou resolver algum problema da equipe de catorze pessoas que carrega pelo país com seu espetáculo — sim, porque além de atriz, bailarina e cantora bissexta ela se tornou empresária das próprias montagens e descobriu outro prazer na vida. 'Adoro ter problema para resolver', diz ao desligar o telefone de uma das muitas chamadas que receberia nessas duas tardes.


Ao final da entrevista, é outro espetáculo ver Cláudia Raia deixando o Copacabana Palace. Enquanto ela desce a escada do saguão, majestosa como o cenário de um musical, vêm subindo duas turistas alemãs jovens, loiras e bonitas, que podem muito bem ser modelos em férias tropicais. Estão rindo, com sacolas de compras nas mãos. A atriz não parece tê-las notado, mas as duas param ao mesmo tempo, fascinadas pela visão daquela mulher altíssima, de pele perfeita e andar decidido, para quem todos os funcionários do hotel abrem passagem reverentemente, numa coreografia natural. Ao ver Cláudia Raia sumir num rodopio da porta giratória, essas moças vindas do outro lado do mundo podem nem saber quem ela é, mas não têm dúvidas de que ali vai alguém."


PLAYBOY — Você se entende melhor com homens ou mulheres?


CLÁUDIA RAIA — Tenho ótimas amigas, mas a maioria dos amigos que eu tenho são homens. As mulheres com quem me dou são mais ou menos do mesmo temperamento que eu. Jamais poderia ser amiga de uma dondoca, não dá. Tem uma coisa de competição entre mulheres, não é?


PLAYBOY — Ciumeira?


CLÁUDIA — Principalmente por causa dessa imagem que eu tenho, fica um clima em volta que elas mesmas criam. E é bobagem, porque nem me dou conta se tem algum homem me olhando, se alguém piscou, não percebo mesmo. Sou desligadérrima com isso, entendeu?


PLAYBOY — Ou seja, você não fica esperando a aprovação, um sinal, um convite. Quando está a fim, você é quem toma a iniciativa, não é?


CLÁUDIA — Exatamente. Então não fico observando esse tipo de reação. Na verdade eu sou muito pouco assediada, acho que intimido um pouco pelo tamanho, por tudo. Então fui eu sempre que ataquei os homens, que tomei as atitudes. Sou uma mulher de personalidade muito forte, ligeiramente masculina nesse aspecto.


"Eu sou muito pouco assediada, acho que intimido um pouco pelo tamanho. Então, fui eu sempre que ataquei"

PLAYBOY — Mas acontece de reparar em quem não olha para você? Pensando assim: por que esse cara não quer nada comigo?


CLÁUDIA — Acontece. Com o Edson foi assim, ele não queria me namorar de jeito nenhum enquanto durassem as gravações de Deus nos Acuda. Ele temia prejudicar o nosso trabalho. "Não vamos nos envolver" — esse era o bordão dele. Eu pensava: gente, não é possível, tem alguma coisa errada. Mas durante um bom tempo eu ainda aceitei isso, porque achei que ele pudesse ter razão. Imagine se a gente começa a namorar e dá errado. Imagine aquele par romântico da novela se detestando. Seria uma desgraça.


PLAYBOY — A propósito, como são essas coisas? As cenas de amor...


CLÁUDIA — Não são só as cenas de amor. É você conviver oito meses com uma pessoa, trabalhando com ela dez horas por dia, contracenando seguidamente com ela, e você odiando essa pessoa. É complicado. Tanto que, quando a gente é escalada para um par romântico numa novela, tenta criar a maior harmonia possível. Não rola beijo, pelo menos comigo, não rola sexo — é só uma coisa viável para que haja uma abertura, para você não entrar no set com uma pessoa com quem não tem a menor intimidade e sair abraçando e beijando essa pessoa.


PLAYBOY — Mas e o inverso? Quando existe atração mútua, ela não se transfere para a interpretação?


CLÁUDIA — Nem nessa novela, quando começou meu envolvimento com o Edson, nem em nenhuma outra, eu nunca beijei ator nenhum de verdade. Digo beijar com a língua, enfim, beijo mesmo. Como é a interpretação de um beijo? É você abrir um pouco a boca e fazer todos os movimentos para dar a impressão de fora que esteja acontecendo um beijo de verdade. E uma coisa técnica. É assim, pelo menos comigo. Assim eu proponho aos meus companheiros.


PLAYBOY — Isso tem uma conversa prévia?


CLÁUDIA — Não. Isso na primeira cena de beijo você propõe, na prática, e se a pessoa tiver outra intenção ela já segura. Nunca tive problema... a não ser uma vez, na novela Roque Santeiro. Na época eu estava despontando como símbolo sexual, e Maurício do Valle ficou tão emocionado de me beijar pela primeira vez que me deu uma mordida na boca. Ele não largava! Foi tão forte que a gravação teve de ficar uma hora inteira parada — e era uma cena de quermesse, com muita gente — até desinchar a minha boca. Hoje a gente conversa sobre isso e morre de rir, o Maurício e eu. Foi só. Sendo que em Deus nos Acuda nem no final, quando eu e o Edson já estávamos namorando, a gente deu um beijo de verdade.


PLAYBOY — Os espectadores da novela jurariam que sim.


CLÁUDIA — Mas não. Na verdade esse beijo da Maria Escandalosa e do Ricardo fomos nós que criamos, eu, ele e o Jorge Fernando, diretor da novela. A gente estava procurando um jeito de beijar que excitasse as pessoas, que emocionasse. Conversando, chegamos a esse beijo mais caloroso, mais fogoso que um beijo normal, com uma mão que entrava no cabelo, essas coisas. Isso no começo da novela. As pessoas já ficavam meio assim, mas não rolava absolutamente nada entre o Edson e eu. E depois, quando começou a rolar, também não mudou nada em cena. Tanto que eu fiquei muito surpresa com o beijo real dele. Era outra coisa, outro beijo. Adorei.


PLAYBOY — Como foi isso? Você dizia que não queria misturar as coisas. Até que...


CLÁUDIA — Até que usei a minha velha tática de atacar. E pronto.


PLAYBOY — Onde foi?


CLÁUDIA — No camarim. Eu fui lá e... nhact!


PLAYBOY — Não dá para fazer um replay em câmera lenta?


CLÁUDIA — Bom, ele não se decidia. Já estava acabando a novela, e pensei: tenho que tomar uma atitude. Um dia perguntei onde estava o Edson e me disseram que estava no camarim masculino. Sozinho? Sozinho. Falei para o camareiro: "Olha aqui, eu vou falar com ele e você fica na porta pra não deixar ninguém entrar, porque é um assunto urgente." O Edson estava no telefone, lindo, com uma camiseta vermelha. Perguntei se a conversa era importante e ele respondeu que não. Então pedi para ele desligar e disse: "Vim te dar um beijo." E dei. Foi assim que começamos a namorar.


PLAYBOY — E a partir daí, nem um arrepiozinho nas gravações?


CLÁUDIA — Sabe o que é? Você está concentrado, com um texto para lembrar, marcações determinadas. Milhares de pessoas a sua volta, e não é só o pessoal da gravação, o Brasil inteiro vai te ver e você não pode perder uma cena dessas. O profissional fala mais alto, é o seu trabalho em jogo, tem uma responsabilidade ali.


PLAYBOY — E no cinema? Em seu último filme, Matou a Família e Foi ao Cinema, sua personagem namorava uma mulher, interpretada pela Louise Cardoso. Que tal a experiência?


CLÁUDIA — A Louise é minha grande amiga, minha irmã mesmo, mas realmente não me apetece em nada porque eu não acho graça nenhuma em mulher. E eu tinha que dar um beijo na Louise no filme. Aquilo virou um inferno na minha vida, eu ficava o tempo todo com isso: como é que eu vou dar um beijo numa mulher? Na cena eu estou horrível, pareço uma tonta nessa hora, beijando a Louise com uma cara esquisitérrima. Dou um beijo estranhíssimo, passo a mão pelo corpo dela, desvio do seio quando ele aparece no caminho, é ridículo. Na verdade, fiquei adiando essa filmagem enquanto deu, até que pensei: "Eu sou uma atriz, tenho de fazer de tudo." E fiz. Mas foi difícil.


PLAYBOY — Quando na sua vida você descobriu que queria ser atriz? Desde pequena?


CLÁUDIA — Não. Eu cresci determinada a ser bailarina. "Quero ser a primeira bailarina do mundo", era minha frase. Pisei num palco pela primeira vez com 2 anos e meio, para dançar O Bem-Te-Vi Atrevido, e senti de cara que aquele era o meu mundo. Na verdade, antes de qualquer outra coisa, eu sempre soube que seria diferente das outras pessoas.


PLAYBOY — Diferente como?


CLÁUDIA — Eu nunca tive amiga da minha idade, nunca quis fazer programa de criança. Nunca brinquei de boneca, achava horrível. Então não tive infância e não sinto a menor falta disso. O que eu adorava era descer no porão e vestir as fantasias e as plumas diante do espelho. Colocava música e ficava dançando, inventando cenas.


PLAYBOY — Não sabia, mas já estava trabalhando.


CLÁUDIA — O balé é uma coisa difícil, sabe? Dançar dói, mexe com os ossos, porque a gente naturalmente anda em paralelo mas nas coreografias tem de se movimentar em outro sentido, na lateral. Desde cedo, o que a dança exige é disciplina, trabalho, repetição. A dança é um negócio militar: técnica, técnica, técnica. Como eu cresci aprendendo a dançar, a academia da minha mãe na nossa própria casa, naturalmente fui incorporando uma série de coisas que me ajudaram muito depois na minha carreira profissional, já adulta. Não falo só da formação em balé clássico, que é a base de tudo o que você queira dançar pelo resto da vida. Falo de coisas como respeito aos horários — e se eu chegasse um minuto atrasada, minha mãe me deixava de fora da aula. Ou de dar valor à aplicação, ao que se acerta nos ensaios. O Ruy Guerra, que me dirigiu no filme Quarup, disse que nunca tinha trabalhado com uma atriz que seguisse como eu as marcações de cena — e para mim isso é mais do que natural, porque no balé cada passo que você dá foi marcado, repetido mil vezes antes.


PLAYBOY — Mas vamos voltar um pouco à infância que você não teve. O balé era tudo?


CLÁUDIA — Não. Além de dançar eu queria fazer curso para tudo — violão, piano, guitarra, manequim. À noite, arrumava um jeito de me enfiar no carro do namorado da minha irmã, escondida no banco de trás, de pijama e chupeta. Aparecia dizendo assim: "Oi!", de surpresa. Eu queria sair com ela, claro. E eu também queria me maquiar, queria ter peito logo, botar cílios.


PLAYBOY — Por que essa pressa toda?


CLÁUDIA — Eu fui uma criança muito feia e tentava compensar isso de todo jeito. Tinha que me sobressair de alguma forma. Minha mãe me teve aos 44 anos de idade, contra o conselho do médico, que achava melhor ela abortar porque poderia ter uma filha com problemas. Um dos meus problemas, realmente, era a beleza da minha irmã Olenka, seis anos mais velha. Até hoje ela é linda, tem um gênero selvagem, bem diferente do meu — somos superligadas, ela cria todas as coreografias dos meus espetáculos, mas na época era um problemaço: ela era a paixão da escola, a cobiçada. Eu era a feia e talentosa.


PLAYBOY — Você tinha um gênio muito difícil?


CLÁUDIA — Eu era um inferno. Entre os 6 e os 7 anos de idade tive uma crise de identidade terrível. Vivíamos quatro mulheres em casa, meu pai já tinha morrido há dois anos e eu não me achava parecida com ninguém. E tinha aquele problema: minha irmã Olenka, como tinha sido um bebê maravilhoso, tinha uns três ou quatro álbuns de fotografia, o primeiro chumaço de cabelinho, a primeira unha cortada, o primeiro punzinho gravado. E o meu álbum não tinha nada, só umas três fofinhas. Então eu pirei, comecei a achar que era filha adotiva. Passei a chamar a minha mãe de dona Odete. Exigi que fôssemos fazer um exame de sangue, ela e eu. Só que nós eramos donos, praticamente, do maior hospital de Campinas, a Beneficência Portuguesa, que foi fundado por meu avô. Quando chegou o resultado do exame, achei que todos estavam num complô para forjar o resultado. Como o hospital era nosso, por que não? — imagine a minha cabeça... Então eu fiz minha mãe enfrentar uma fila de duas horas no Inamps para repetir o exame num lugar onde a família não tivesse nenhum acesso.


PLAYBOY — Impressionante você ter noção das coisas nessa idade. Você era boa aluna?


CLÁUDIA — Muito boa. Mas não era de estudar muito em casa, porque prestava uma atenção danada nas aulas e tinha ótima memória. Então existia aquela história de compensar minha falta de beleza e eu vivia às voltas com a arte, promovendo eventos culturais, animando a turma. Devia dar certo, porque eu tinha uma amiga linda, mas lembro de ficarem grupos de meninos me rodeando e ela sempre sem ninguém. Lembro também que escrevi umas duas pecinhas, que eu mesma dirigia e interpretava, e ia apresentando de classe em classe. Eram textos curtos, de nem dez minutos, porque eram oitenta classes na escola.


PLAYBOY — Foi sua primeira excursão.


CLÁUDIA — Apresentava tudo no mesmo dia. Imagine que o final da peça era chorando, então chegava um momento em que eu não tinha mais lágrimas, eu não tinha estoque para chorar em oitenta classes. Por isso levava umas rodelas de cebola num tupperware — na hora certa eu esfregava o dedão lá e levava aos olhos.


PLAYBOY — Os colegas gostavam, você era aplaudida?


CLÁUDIA — Era... eu era meio invejada no colégio, alguns me achavam metida, mas a maioria gostava. Eu definitivamente não sabia escrever, o texto era horrível — lembro de um deles que contava a história de uma estátua que ganhava vida. Eu entrava na classe, sob o silêncio geral, e subia num caixotinho. Parava, olhando para o vazio. Fazia uma imagem meio Nossa Senhora, com um lençol que me cobria a cabeça e servia para eu dizer o texto sem parecer que era eu que estava falando. Cobria lentamente a boca com o lençol e, sempre com os olhos imóveis, narrava o off para explicar a história, para as pessoas entenderem a peça.


PLAYBOY — Que idade você tinha?


CLÁUDIA — Uns 10, 11 anos.


PLAYBOY — E seus esforços para ficar mocinha logo estavam dando resultados?


CLÁUDIA — Bom, eu fiquei menstruada com 10 anos e meio. E sempre fui muito alta. Tive de fazer tratamento para parar de crescer, senão ficaria com mais de 1,90 metro.


PLAYBOY — Como foi que você viu o começo da transformação do seu corpo, de menina para mulher?


CLÁUDIA — Isso aconteceu um pouco mais tarde, quando eu estava nos Estados Unidos cursando o American Ballet Theater. Eu tinha 13 anos quando viajei para lá sozinha e já era bem grandona, mas ainda com corpo de criança. Lá em Nova York foi que me desenvolvi. Lembro que enquanto o seio crescia eu não conseguia nem ter a roupa em cima, porque doía. O carocinho aparece, vai se desenvolvendo e fica sensível, sabe?


PLAYBOY — O primeiro sutiã, então, foi em Nova York.


CLÁUDIA — Eu nunca usei sutiã. Meu ginecologista briga horrores comigo, diz que eu tenho de usar, mas eu não consigo. Cheguei a comprar, tentei, mas não deu.


"Eu nunca usei sutiã. Meu ginecologista briga horrores comigo. Cheguei a comprar, mas não deu. Foi só para dizer que já usava"

PLAYBOY — Então o primeiro sutiã foi o último.


CLÁUDIA — É. Só comprei para dizer que já usava sutiã. Também aquele negócio de depilar a perna...


PLAYBOY — Um autor americano já escreveu que não entendia como as mulheres podem ter medo de barata e coragem para arrancar os pêlos com cera quente.


CLÁUDIA — Eu não tinha pêlo na perna, como continuo não tendo — a não ser do joelho para baixo, por um problema que eu mesma criei. Quando tinha 11 anos raspei para ver como é que era, já que toda mulher fazia isso. Agora tenho de depilar, mas como é só um pouco, posso fazer com cera de mel.


PLAYBOY — Estando biologicamente apta para ter um filho desde os 10 anos e meio, você não pensa nisso?


CLÁUDIA — Quero ter filhos, mas uma vez minha ex-sogra disse uma frase que nunca esqueci: "Tenha filhos só quando te bater no coração." Isso deve acontecer comigo lá pelos 30 anos, quando eu estiver administrando com mais tranqüilidade a minha carreira.


PLAYBOY — Qual a imagem mais remota que você tem da sua infância?


CLÁUDIA — A morte do meu pai, quando eu tinha 4 anos. Eu me lembro direitinho quando fui visitá-lo no hospital naquela noite e ele me disse que estava indo embora, que eu deveria seguir a minha carreira, que eu não tinha vindo ao mundo para sofrer. Que eu tinha uma missão a cumprir, era uma missionária, e lá de cima ele ia me ajudar. Fui dormir em casa e de madrugada chegou a notícia de que ele tinha morrido. Aí fui ao necrotério e lembro que eu era mínima, o caixão ficava muito acima de mim. As pessoas vinham e saíam chorando, vinham e choravam, e eu também queria olhar para ver o que tinha ali dentro. Então um tio me levantou no colo e, quando subi, não vi meu pai. A última vez que vi meu pai foi no hospital. No caixão eu vi, em vez dele, aquela imagem de Jesus Cristo — uma pessoa de barba, com uma túnica azul e os olhos azuis olhando para mim. Eu sorri e desci.


PLAYBOY — É. engraçado: você com 4 anos e ele já te antevia como artista?


CLÁUDIA — Minha avó e minha mãe eram bailarinas, e eu com 2 anos já estava no palco. E ele já sabia. Uma pessoa, quando está para desencarnar, fica com um poder, uma sabedoria que a gente não tem normalmente. Na verdade, ele deu uma mensagem para cada um de nós.


PLAYBOY — E você costuma imaginá-lo lá de cima te ajudando? Acredita nisso?


CLÁUDIA — Sou muito mística. Se bem que sinto mais isso da parte da minha avó Ernestina, que me acompanhou a vida inteira. É impressionante como eu sinto, eu percebo a ajuda dela, como ela conduz algumas coisas. A minha vida mudou da água para o vinho depois que ela se foi. Faz três anos que ela morreu e a primeira vez que eu a vi foi agora, há alguns meses, em Manaus. O teatro estava lotado e no meio do show, de repente, vi minha avó na platéia, mas a poltrona dela flutuava acima do público. Ela toda de branco, sentadinha de lado, me olhando, sorrindo e aprovando o show. É um momento do espetáculo em que há um cone de luz, e ela estava dentro desse cone, sorriu e desapareceu. Nesse instante eu voltei a ver o público, que me olhava, espantado, porque eu parei de falar, os técnicos correram lá atrás para ver o que tinha acontecido, então eu disse um "aaah!" retomei o texto lá da frente, dei um jeito de voltar e tudo acabou dando certo. Foi incrível.


PLAYBOY — Você disse que mudou da água para o vinho depois que ela morreu. No quê?


CLÁUDIA — Eu sempre dizia que quando ela morresse eu não ia agüentar. Ela era importante demais na minha vida, uma pessoa maravilhosamente louca, que morreu aos 86 anos dando aula de tango, de bolero, de balé, uma força tremenda. E eu, que temia tanto essa perda, passei por tudo bastante tranqüila, agüentei, entendi. Hoje, sou uma pessoa muito mais calma, muito mais equilibrada, me encontrei no budismo, achei a paz.


PLAYBOY — Você cortou, escureceu o cabelo, parece mais discreta hoje. Também é resultado disso?


CLÁUDIA — Todo o meu visual reflete o que me tornei. Eu era uma adolescente louca, insana, que parecia mais um evento que uma pessoa. Eu era uma árvore de Natal ambulante e me divertia com isso, na verdade procurava meu caminho o tempo todo. Usava brinco, chapéu, tudo junto, ficava uma mulher de um exagero impressionante, mas era superfeliz.


PLAYBOY — Do jeito que você fala não dá para saber se você não teve infância ou se não teve adolescência, ou se misturou as duas fases numa só. Parece que usou chupeta até ter 1,70 metro de altura...


CLÁUDIA — Foi.


PLAYBOY — Não fez falta um período sem tantos compromissos, sem compromissos claros? Muitos jovens andam sem rumo numa fase, alguns chegam a experimentar drogas, parece que há uma tentativa de se desligar de uma parte do mundo em volta...


CLÁUDIA — Eu experimentei maconha uma vez e dei tanto detalhe... Sou muito fraca para esse tipo de coisa, odeio tudo que me tire do meu prumo.


PLAYBOY — "Tanto detalhe" foi o quê?


CLÁUDIA — Ah, me joguei no chão, me encolhi inteira e rodava como um pião dizendo: "Eu sou uma maçã, me morde." Eu estava numa casa noturna, morro de vergonha só de lembrar. Eu já sou louca sem nada, entende? Aí, outra vez experimentei cocaína. Eu sou alérgica, tenho rinite, fiquei 24 horas espirrando, foi um inferno, eu me senti malérrima, não conseguia dormir, só espirrava. Foram as duas drogas que eu experimentei. Bebida eu tenho horror, não tomo nem licor. Passo mal, meu organismo rejeita. Então são coisas de que participei, uma de cada vez, e vi que não tinha nada a ver, porque eu sou uma pessoa que vivi sempre para o meu corpo, que é meu material de trabalho. Morei um ano em Nova York, vi aquela loucura toda e achava engraçado, até, mas não participei de nada. Podia ter virado qualquer coisa, uma louca, uma drogada, uma prostituta, sei lá, porque estava sozinha, aos 13 anos, podendo alguém me moldar de qualquer maneira. Mas nunca deixei ninguém me moldar.


PLAYBOY — Lembrando da sua precocidade: com 13 anos, quando foi para Nova York, você ainda era virgem?


CLÁUDIA — Fui e voltei virgem. Minha primeira transa aconteceu justamente na volta. Quando fui ainda era uma criança, claro que com um lado sexual muito forte, só que eu acho que descarregava tudo na dança. Lá pelos 11 anos eu vivia no porão treinando para o primeiro beijo. Beijava muito o espelho, com minha própria imagem.


PLAYBOY — Eram beijos sensuais, apaixonados?


CLÁUDIA — Beijos mesmo. Com a boca aberta.


PLAYBOY — Você lambia o espelho?


CLÁUDIA — Lambia! Sim, porque eu tinha de fazer como via no cinema e nas novelas. Até que um dia dei um beijo de verdade no Geraldo, que era o professor de capoeira na academia da minha mãe, e ficamos namorando. Mas quando fui para Nova York ainda era muito criançona, ainda usava chupeta para dormir. Que loucura: já fumava durante o dia, porque comecei com 12 anos, e usava chupeta à noite.


PLAYBOY —Você sempre foi muito oral, não é?


CLÁUDIA — Sempre. Então me imagine no avião, uma moçona alta, com cabelo pela cintura, salto alto, uma roupa linda, e de chupeta na boca para dormir. As aeromoças ficaram espantadíssimas.


PLAYBOY — Era uma chupeta cor-de-rosa?


CLÁUDIA — Azulzinha..


PLAYBOY — Sempre querendo chocar, hem?


CLÁUDIA — Eu tinha duas, as duas azuis. Mas na excitação da chegada, quando eu arrumei as coisas no apartamento do Jo Jo Smith, um bailarino amigo da minha mãe que me hospedou em Nova York, acabei perdendo as chupetas. Desci até a farmácia e não achei nenhuma igual às minhas, que eram daquele tipo retinho. Só tinha duas ortodônticas, acabei não me acostumando com elas e assim perdi o hábito da chupeta.


PLAYBOY — Não surgiu nenhum namorado nesse tempo todo?


CLÁUDIA — Um bailarino russo. Mas nada muito sério, porque na verdade nesse tempo eu trabalhava muito, aproveitando a bolsa de estudos. Foi nesse período que comecei a me desenvolver como mulher, para depois explodir nesse mulherão no ano seguinte, quando também estava fora do Brasil, morando em Buenos Aires.


PLAYBOY — Por que tantas viagens tão cedo na vida?


CLÁUDIA — Bom, o curso em Nova York foi para a formação como bailarina clássica. Já Buenos Aires foi acidental. Minha avó adorava a Argentina e estava se mudando para lá, para ficar um ano. E eu fui com ela, pensando em passar um mês de férias. Só que quando cheguei lá o Teatro Colón estava promovendo uma audição para selecionar bailarinos e fui fazer, por curtição. Estava em plena forma, voltando da bolsa no American Ballet, e só queria ver como era. No meio da audição fui chamada pelo mestre, que me disse que eu estava aprovada e me perguntou se não queria ficar como primeira bailarina do Colón. Aceitei, lógico. E minha avó, que ia ficar um ano, veio embora depois de um mês. E eu, que ia ficar um mês, fiquei um ano e meio.


PLAYBOY — Quanto eles te pagavam?


CLÁUDIA — O equivalente a uns 2.000 dólares. Estava hospedada na casa de um outro amigo de minha mãe, um bailarino maravilhoso mas que fazia principalmente teatro de revista. Então a coisa começou a acontecer na minha vida. Nesse momento, estavam abertas as inscrições para bailarinos no teatro El Nacional, que apresentaria um musical chamado Sexytante. E eu, curiosíssima, também fui ver como era. Estava com uma calça jeans colada, uma camisa e uma sandália alta. Me sentei na última fila mas, quando o coreógrafo do espetáculo me viu em pé, disse: "Meu Deus, que mulher linda! Você dança?" O Rubem, que era o amigo da minha mãe, riu assim: "Se ela dança? Ela é a primeira bailarina do Colón!" Em resumo: subi no palco e eles ficaram enlouquecidos. Fui contratada com um ótimo salário, carro, motorista, apartamento. E fiquei conciliando as duas coisas. Fazia Romeu e Julieta no Colón, acabava o espetáculo e saía para o Sexytante no El Nacional, que ficava a uma quadra de distância. Ia soltando o cabelo, tirando as pérolas. Corria para colocar o maiô, carregava na purpurina, virava abóbora.


PLAYBOY — Ou seja, já tinha se transformado numa linda mulher. Como é que acabou isso?


CLÁUDIA — Acabou tudo de repente, numa noite em que o El Nacional pegou fogo. Era o mês de agosto, o Colón tinha dado férias, então eu vim ao Brasil com tudo marcado para voltar para Buenos Aires. Mas chegando em São Paulo eu vi que estavam abertas as inscrições para a montagem brasileira de Chorus Line, um musical que eu tinha adorado, tinha visto sete vezes em Nova York. Desde que assisti ao espetáculo pela primeira vez, meu sonho era fazer uma personagem, a Sheila.


PLAYBOY — Definitivamente já não pensava só em balé clássico, não é? Passou a achar uma coisa careta?


CLÁUDIA — Careta não, mas achava que não me completava, não me bastava. Também tinha a questão da minha altura, porque você não pode dançar com um homem mais baixo que você, e eu nas pontas dos pés fico com 1,90 metro. Em Buenos Aires ainda havia uns bailarinos iugoslavos enormes, mas aqui no Brasil ficava mais difícil encontrar parceiros. Só que não era só isso. Eu fiquei enlouquecida com Chorus Line, percebi que era aquilo que eu queria fazer. Então, no dia em que abriram as inscrições em São Paulo, eu cheguei às 15 para as 6 da manhã, era a primeira da fila. Fui para o teste vestida igualzinho à personagem, porque eu sabia bem como era, e também já falei o texto em inglês, porque quem ia fazer a seleção era um americano que montava o Chorus Line em todo o mundo, o Roy Smith. Para encurtar a história, das 1.500 candidatas só duas tiveram 10 em clássico e 10 em jazz, e eu era uma delas. Mas não ganhei o papel imediatamente.


PLAYBOY — Por que não?


CLÁUDIA — Havia uma outra candidata que nem fez os testes todos com as outras, porque era uma atriz consagrada em São Paulo. Então eu fui chamada para contracenar com ela, dançamos, cantamos, mas no fim acho que ninguém teve coragem de dizer que ela estava perdendo o papel para uma iniciante. O Roy afinal nos chamou e disse que ela seria a Sheila-titular e eu, a substituta. Perguntou se eu aceitava e eu disse que não. Peguei a bolsa e saí louca da vida, porque sinceramente não achava que ela fosse melhor que eu. Sou supercrítica comigo, nunca acho o que eu faço legal, porque o que é bom para mim é muito acima do que sou. Mas definitivamente ela não era melhor. Saí batendo o pé, o Roy atrás de mim e eu dizendo que ia voltar para Buenos Aires, que era a primeira bailarina do Colón, essas coisas. Mas minha mãe me encheu tanto a paciência em casa, dizendo que eu tinha de começar por baixo, precisava ser humilde, que eu acabei voltando atrás e fui assinar o contrato de stand-by no escritório do Walter Clark, que era o produtor da peça. Estava tão revoltada que recusei um lugar no sofá e fiquei sentada no chão. Então ele me ofereceu um valor e eu disse que não, que queria o dobro para assinar o contrato. Aquilo que ele estava oferecendo eu aceitaria para ficar em cena, no palco; mas para ficar frustrada, sozinha, sem aplauso, eu queria o dobro.


PLAYBOY — Ele concordou?


CLÁUDIA — Riu e disse que pagava. Mas acho que deram um jeito de oferecer um salário para a outra atriz não aceitar mesmo, e então quando a peça estreou eu já era a Sheila titular. Trabalhei como uma louca, ensaiava das 8 da manhã às 8 da noite, sendo que antes e depois disso eu tinha uma hora de aula de canto — porque eu não nasci mesmo para cantar. Sempre tive de estudar muito para ser não uma cantora, mas uma atriz que canta razoavelmente. E valeu todo o esforço, porque fui elogiadíssima pela crítica. Depois vim para o Rio com a peça e comecei a fazer também televisão, no programa Viva o Gordo, e aí se abriu outra estrada à minha frente.


"Não nasci mesmo para cantar. Sempre tive de estudar muito para ser não uma cantora, mas uma atriz que canta razoavelmente"

PLAYBOY — Sua vida sentimental, enquanto isso...


CLÁUDIA — Eu tinha me apaixonado pelo Edgard, filho da Márika Gidali, do Ballet Stagium. Naquele estilo: "Quero namorar você", e já fui atacando. Nem perguntei se ele queria, com medo que ele dissesse um não, e taquei um beijo nele.


PLAYBOY — Você já ouviu muitos nãos na sua vida amorosa?


CLÁUDIA — Poucos. E bem mais quando era menor, criançona. Bom, mas eu também não fazia isso toda hora, é difícil acontecer. Mas quando eu quero uma pessoa, eu quero. Foi o que aconteceu com o Edgard. Namoramos, mas ele não foi o primeiro homem da minha vida.


PLAYBOY — Pelo amor de Deus: quem foi?


CLÁUDIA — Era um bailarino também, o Jorge, muito mais velho que eu — tinha 32 anos, eu 14. Foi a coisa mais natural do mundo para mim. Não senti nenhuma dor, nada foi desagradável, pelo contrário. Só um pouco antes eu estava nervosa demais, fumava um cigarro atrás do outro, mas ele conversou comigo horas e horas. A gente já namorava há um bom tempo, tinha marcado esse dia para ir ao apartamento dele, mas na hora bateu a insegurança. Lembro que quando tudo afinal começou eu joguei no chão um cigarro que tinha acabado de acender, o cigarro deve ter rolado pelo assoalho até a cortina — que era uma dessas de tecido bem sintético, porque pegou fogo e queimou na hora, tsshhh, de baixo para cima, só ficou aquele babado chamuscado no alto. Bem no quarto da mãe dele.


PLAYBOY — Parece cinema: a câmera sai do casal, que intensifica as carícias na cama, e vai para uma cortina, que se incendeia. Muito simbólico.


CLÁUDIA — Não é mesmo? Foi muito legal. Ele foi supercarinhoso. Soube conduzir muito bem. Então eu posso dizer que desde o início minha vida sexual foi sempre sem problema algum, muito saudável. Todas as fantasias que tive eu realizei, não fiquei com trauma algum. Talvez por ter dado tudo certo desde o começo, nunca tive problema com nenhum companheiro.


PLAYBOY — Você quer dizer que nunca deixou de ter orgasmo numa relação?


CLÁUDIA — Nunca. Sou uma mulher extremamente fácil nesse sentido, não tem de ter tamanho, coisas, posições. Existem mulheres que só se realizam sob determinadas condições — não é o meu caso.


PLAYBOY — É como o Ziraldo, que diz que nunca falhou?


CLÁUDIA — É. Sou uma Ziralda. Mas acho que para a mulher é mais fácil do que para o homem. Acho que vocês sofrem mais, a cabeça pode atrapalhar a qualquer momento.


PLAYBOY — Já aconteceu de alguém se inibir com a perfeição do seu corpo e não conseguir seguir em frente?


CLÁUDIA — Várias vezes. Mas em geral com pessoas de fora do meio artístico, ou que estavam começando e não estavam acostumadas com atrizes. Nesses casos, é comum confundir a mulher com o símbolo.


PLAYBOY — Suas relações mais profundas sempre foram com artistas, não é? Primeiro esse time todo de bailarinos, depois o Jô Soares, depois o casamento com o Alexandre Frota, o namoro com Fausto Silva e o casamento agora com o Edson Celulari. Por quê? O universo dos mortais é muito chato?


CLÁUDIA — Sabe o que é? A necessidade de explicar cada coisa é muito complicada. Olha, eu vou sair pra fazer uma foto numa praia lá longe, e não sei a que horas volto. Ou vou fazer uma cena de amor com o Antônio Fagundes. O cara diz: "Com o Fagundes?" É difícil ele entender que não tem nada a ver, é só profissional.


PLAYBOY — Já aconteceu de um milionário desses que acham que o dinheiro compra tudo fazer, digamos, uma proposta indecente?


CLÁUDIA — Diretamente para mim, não, mas para meu empresário umas três vezes. Ofereceram coisas incríveis — um apartamento, um carro...


PLAYBOY — Por uma noite?


CLÁUDIA — Por uma saída. Jantar... não sei, nem quis saber. Aliás, eu tenho um orgulho enorme de ter uma carreira feita sem concessão alguma. Tudo o que eu consigo é por mim mesma. Falo isso com a maior tranqüilidade: nunca precisei transar com ninguém, estar com ninguém, nem fazer parte de panelinha nenhuma.


PLAYBOY — O que te atrai primeiro num homem?


CLÁUDIA — Posso falar em teoria, porque estou completamente apaixonada pelo Edson, só consigo pensar nele, e se Deus quiser vai ser assim até o fim da vida. Mas geralmente o que atrai primeiro é o carisma, o comportamento. A roupa é uma coisa que me chama a atenção imediatamente. Depois o perfume — sou louca por cheiro. Um homem bonito, elegante e cheiroso... 50% já está ganho. Depois, evidentemente, o papo, a cabeça.


PLAYBOY — Quais os seus perfumes masculinos favoritos?


CLÁUDIA — O Pólo, do Ralph Lauren, que eu acho chiquérrimo, perigoso. O Van Cleef masculino. E um que eu não conhecia e o Edson usa, o Davidoff.


PLAYBOY — E o que te afasta de um homem?


CLÁUDIA — O perfil garanhão. Não quero mais esse tipo de homem na minha vida. Simplesmente não consigo viver com uma pessoa de quem eu possa desconfiar. Já tive relações em que ficava desesperada de ciúmes, agoniada, sem saber onde a pessoa estava. Não quero mais isso, é uma coisa doentia, isso é sofrer e acho que o amor não tem nada a ver com sofrimento.


PLAYBOY — O casamento com o Alexandre Frota foi essa agonia?


CLÁUDIA — O Alexandre é uma pessoa muito, muito... diferente, digamos assim. Eu gosto muito dele, tenho um carinho muito grande por ele. Mas foi um casamento muito adolescente, entendeu? Ele era muito imaturo, nem sabia que estava casado, não sacou isso.


PLAYBOY — E a questão da Aids?


CLÁUDIA — Engraçado, eu nunca fui uma mulher de muitos parceiros. Sempre tive poucos namorados por muito tempo. Jamais gostei de estar saindo a cada hora com uma pessoa diferente, sempre tive horror disso. Até porque me sinto extremamente incomodada com isso, vazia, sem rumo. Quando estava solteira eu geralmente namorava meus ex-namorados, sempre me preservando muito.


PLAYBOY — Como está aquele seu processo contra o médico Ricardo Veronezzi, de São Paulo, que dois anos atrás declarou que você tinha HIV positivo?


CLÁUDIA — Perdi em primeira instância e recorri, mas o processo é lentíssimo.


PLAYBOY — Por que você acha que ele disse isso?


CLÁUDIA — Não sei, ele é completamente louco, nunca me viu na vida, nunca teve acesso a qualquer exame meu. Não sei, acho que ele quis fazer uma piada sobre o Collor. O Jânio Quadros estava hospitalizado no Hospital Israelita Albert Einstein, muito mal, naquela época em que o Collor emagreceu muito. O doutor Veronezzi saiu do hospital e os repórteres perguntaram se era verdade que o presidente Collor estava com Aids. Ele falou que só respondia em off. Os repórteres desligaram os microfones e ele disse: "O que eu posso dizer sobre isso é que o teste HIV da Cláudia Raia é positivo." E saiu rindo. Loucura, né? Naquela noite eu fui a uma festa da Brahma, aqui no Rio, junto com o Alexandre. Quando a gente chegou foi aquele escândalo de flashes dos fotógrafos, luzes acendendo — até comentamos: "Puxa, que sucesso a gente ainda faz juntos!" Foi quando vieram me contar o que ele tinha dito. Na manhã seguinte eu estava fazendo o exame, apavorada.


PLAYBOY — Como foi até receber o resultado negativo?


CLÁUDIA — Fiquei duas noites sem dormir, pedi para passarem o resultado porque eu precisava dar uma entrevista para negar tudo. Mas pensava: por que essa pessoa está dizendo isso de mim?


PLAYBOY — Você já tinha feito exame antes?


CLÁUDIA — Na Globo a gente tem de fazer exame de sangue de dois em dois anos. Aí saiu o resultado, graças a Deus negativo, e dei a coletiva — uma coisa superconstrangedora, tendo de mostrar o exame. Mas graças a isso passei a fazer o exame a cada seis meses, virou um hábito, aliás acho que todo o mundo deve fazer.


PLAYBOY — O seu advogado que desculpe, mas como é que você conseguiu perder esse processo na primeira instância?


CLÁUDIA — Não sei. O juiz disse que eu queria me promover à custa dele. Impressionante, né? Mas mexeram com uma capricorniana: vou passar 100 anos recorrendo.


PLAYBOY — Ainda te perguntam se você teve um caso com o ex-presidente Fernando Collor?


CLÁUDIA — Ainda.


PLAYBOY — E você ainda responde que não?


CLÁUDIA — Respondo, vou responder a vida inteira, porque eu não tive, entendeu? Não é verdade! Sempre neguei quando ele era presidente da República e nego agora, quando eu não teria nada a perder.


PLAYBOY — Mas por que ninguém acredita?


CLÁUDIA — Acho que o Brasil é um país tremendamente libidinoso. Acho que isso faz parte de uma fantasia — aliás, é o auge da fantasia: a Cláudia Raia, que é esse símbolo sexual, perto de um homem superbem-sucedido, bonito, novo, inteligente, interessante. Já pensou? A Cláudia Raia e ele transado na despensa, não sei onde. Então...


"Faz parte de uma fantasia. A Cláudia Raia, símbolo sexual, perto de um homem bem-sucedido, bonito, novo, interessante. Já pensou?"

PLAYBOY — Mas não é uma exclusividade brasileira a ligação entre sexo e poder. Basta ver o noticiário sobre o presidente Bill Clinton, dos Estados Unidos. Ou John Kennedy.


CLÁUDIA — Claro... Os homens muito interessantes e poderosos, isso sempre vai ocorrer. O Menem, da Argentina... se bem que o Menem dá motivos.


PLAYBOY — Você conhece o presidente da Argentina?


CLÁUDIA — Não, não conheço. Mas no caso do Collor a amizade vinha de muito antes. Eu conheço o Fernando há sete anos, quase oito anos. Eles e Rosane tinham se casado há seis meses, o Alexandre e eu estávamos para casar dali a seis meses, então ficamos os dois casais muito amigos. Eu sou muito carinhosa com todas as pessoas de quem gosto, logo vou tocando — até hoje eu me seguro para não ser mal interpretada, para não parecer outra coisa. Quando começaram os comentários resolvi mesmo me afastar, foi até uma coisa falada entre a gente, com a Rosane junto, para acabar com isso.


PLAYBOY — Ela é muito ciumenta?


CLÁUDIA — Ela é, mas de mim parecia que não. Porque mulher fareja, né, vê quando tem coisa. Ela é ligada, superesperta.


PLAYBOY — Não é a imagem que a maioria das pessoas, a distância, tinha dela. Na verdade, a distância o ex-presidente sempre pareceu muito acima dela intelectualmente.


CLÁUDIA — Não estou falando desse aspecto.


PLAYBOY — Mas não é um casal que a gente vê e imagina que se completa. Por isso, talvez tenha sido tão fácil imaginar o presidente...


CLÁUDIA — É, talvez tenha sido por isso. De repente na cabeça das pessoas eu formava com ele o casal perfeito. Mas eu não fui a primeira-dama, não sou e não pretendo ser, eu acho que nem gostaria de estar nessa posição. Eu não gostaria de ter nada com o Collor, até porque não sou uma pessoa que teria caso com um homem casado — abomino isso, não aceito, não gostaria que fizessem com meu marido e eu não faria com ninguém. Além disso, não nasci para ser segunda, não aceito dividir o que é meu com ninguém.


PLAYBOY — Você tem alguma atração pelo poder?


CLÁUDIA — Pelo contrário. Me assusta, acho que as pessoas enlouquecem com o poder. Eu me afastei muito do Fernando depois que ele virou presidente, embora tenha ficado muito feliz com a eleição.


PLAYBOY — Mas se afastou por quê?


CLÁUDIA — Porque uma pessoa que vira presidente passa a ter milhões de compromissos, de protocolos, quase não tem mais tempo para nada.


PLAYBOY — Você foi uma das poucas pessoas do meio artístico a apoiar Fernando Collor no segundo turno das eleições contra o Lula, em 1989. Foram você, a Marília Pêra...


CLÁUDIA — ... a Simone...


PLAYBOY — Os artistas no Brasil, em outros países também, historicamente representam uma voz da esquerda. A Marília Pêra chegou a ser insultada pelo pessoal de uma passeata em São Paulo. Você sofreu muito esse tipo de agressão, principalmente depois que o governo dele foi afundado nas denúncias de corrupção?


CLÁUDIA — Eu fui extremamente atacada. Não ganhei nada, só levei porrada. Fui superameaçada...


PLAYBOY — Ameaçada como? Pessoalmente?


CLÁUDIA — Por telefone, bilhetes, através do meu carro, quebraram meu vidro, furaram pneus. Mas, sabe, isso são coisas que eu não costumo revelar porque seria piegas da minha parte dizer: "Olha como fui massacrada." Fui, todo o mundo sabe que fui e pronto. Nunca ninguém me pediu para votar no Collor, nem me pagou por isso. Votei porque quis e as conseqüências eu tenho de sofrer calada, entendeu? Escolhi assim. Não tive culpa, não ganhei nada, não participei dessas falcatruas todas, não tenho o que temer. Sofri alguns boicotes, como visitar 150 possíveis patrocinadores da minha peça, Não Fuja da Raia, e receber 150 nãos. Mas sobrevivi, vendi o que tinha, banquei o espetáculo, foi um sucesso, deu tudo certo.


"Não ganhei nada, não participei de falcatruas, não tenho o que temer. Sofri alguns boicotes, mas sobrevivi. Deu tudo certo"

PLAYBOY — Entre seus colegas artistas você enfrentou algum problema?


CLÁUDIA — Nunca. Eu fazia o TV Pirata na época, eram nove com o button do Lula e só eu com o do Collor, mas a gente se divertia muito com isso, brincava a toda hora. Também fiz um espetáculo de teatro durante esse tempo e nunca ninguém disse nada, eu tinha até um pouco de medo de que isso pudesse acontecer. Só o que aconteceu foi ter sido vaiada no Festival de Brasília por 3.000 pessoas...


PLAYBOY — Como foi isso?


CLÁUDIA — Fui ao festival para o lançamento do filme Matou a Família e Foi ao Cinema, do Neville de Almeida, que me pediu pelo amor de Deus para ir. O cinema nacional naquela crise, sem Embrafilme, sem verbas, e o Neville tinha feito um esforço danado para montar e sonorizar o filme. Antes da exibição subimos ao palco eu, o Neville e alguns outros atores do filme. Quando anunciaram o meu nome o teatro veio abaixo, era uma coisa uníssona. Eu fiquei parada, com as pernas completamente bambas, sem saber o que fazer. Nunca tinha passado por aquilo. Pensei: e agora? O Neville não ia ao microfone, ninguém ia. Então fui eu. Disse que agradecia os aplausos de alguns atores que saíram em minha defesa, mas também as vaias, porque tudo aquilo fazia parte da vida do artista. E que eu estava lá para apresentar com muito orgulho um filme que tinha sido feito com tanto sacrifício, apesar do término do cinema nacional — aí alguém gritou: "Foi o Collor, seu amigo!" Eu disse que exatamente o Collor tinha acabado com o cinema nacional e nós estávamos ali tentando revivê-lo, com todas as forças. Voltei ao meu lugar, e as pessoas continuaram a vaiar. Sentei, apagaram as luzes e eu tive uma crise de choro, os fotógrafos disparando os flashes para tentar pegar aquele momento. Aí aparecia meu nome no letreiro, vaia. Eu aparecia em cena, vaia. O único momento de aplauso do filme foi quando a Louise Cardoso me dá um tiro e me mata. Foi tudo muito difícil, mas sobrevivi. O tempo cura tudo.


PLAYBOY — Depois que o governo Collor desmoronou e veio o impeachment, você se interessou em ler algum dos livros que trataram do período? Por exemplo, o de denúncias de Pedro Collor, a defesa do Cláudio Humberto, a história da ex-ministra Zélia Cardoso de Mello pelo Fernando Sabino?


CLÁUDIA — Nenhum dos três.


PLAYBOY — O irmão do ex-presidente chegou a falar em macumba nos porões da Dinda, em cocaína introduzida por supositório. Você viu alguma coisa disso?


CLÁUDIA — Nunca, sinceramente. Nunca vi esse tipo de atitude. Pelo contrário: via um homem que olhava o Jornal Nacional e ficava aos urros de "vou salvar esse país, isso não pode mais acontecer, é um absurdo!", sabe assim? Pessoas morrendo de fome no Ceará, aparecia qualquer notícia dessas e ele ficava irado — e não era um palco onde tinham pessoas assistindo, éramos eu e a Rosane. E eu já era amiga deles há anos, não precisaria representar para mim. Então eu fiquei boba com as notícias de corrupção, do mesmo jeito que 38 milhões de brasileiros que votaram nele. Mas antes mesmo, quando vi o que estava acontecendo na cultura, quando vi que ele não tinha nenhum projeto para a cultura, já fui ficando desesperada.


PLAYBOY — E quando foram se confirmando as denúncias de corrupção?


CLÁUDIA — Eu perguntava para ele e ele dizia que não, que era uma calúnia, que estavam tentando acabar com ele. Mas ele dizia com uma convicção que era impressionante. Eu sempre falava com ele no telefone: "Fernando, isso está acontecendo?" E ele, desesperado: "Não, não está acontecendo." E eu não sabia o que pensar, porque me lembrava do que Fernando costumava dizer na casa dele, que não tinha dinheiro, que não se comprava roupa, que era preciso cortar despesas...


PLAYBOY — Quando isso?


CLÁUDIA — A última vez que eu estive na casa da Dinda foi na posse dele, antes da reforma dos jardins, que depois eu vi na revista. Mas ele sempre foi um homem que teve dinheiro. Um homem sofisticado, que sempre se vestiu muito bem e sempre teve tudo de melhor na casa dele. Você vê que ele é sofisticado pelas coisas de que gosta, pelos livros que lê, os lasers a que assiste... Ele ouve ópera, entendeu? Assiste balés na Rússia...


PLAYBOY — E as drogas?


CLÁUDIA — Perto de mim, pelo menos, nunca. Na campanha, pelo contrário, ele entrava no avião e pimba, dormia direto. Nunca foi de falar muito, sempre foi extremamente discreto, para dentro.


PLAYBOY — Quando foi a última vez que você falou com ele?


CLÁUDIA — Foi no dia do impeachment. A gente se falou no telefone e ele disse que estava certo de que ia ganhar. Eu falei que ele tinha aqui uma amiga, que politicamente algum dia a gente ia voltar a conversar, porque ele sabe que sou completamente contra isso tudo, sou radical mesmo, mas como amiga eu continuava aqui. Ele nunca me procurou, eu nunca mais liguei, mas confesso que estou bastante chocada, decepcionada mesmo. Mas eu também não fui a única a elegê-lo, não posso carregar essa cruz nas costas.


PLAYBOY — Você votaria nele para alguma outra coisa, se não tivesse sido cassado?


CLÁUDIA — Enquanto as coisas não forem completamente esclarecidas, é impossível isso. Eu até agora não sei exatamente o que aconteceu, ninguém sabe. Eu quero é que os culpados sejam punidos, presos. Se ele era um deles, a coisa tem de ser provada. Agora, eu não gostaria que uma pessoa envolvida em tantas coisas assim fosse eleita. Acho que até deveria partir dele essa vontade de se afastar. Eu já achei errada a atitude dele de tentar voltar, antes de esclarecer tudo. Uma pessoa que quer se redimir, ou quer mostrar sua inocência, tem de limpar essa sujeira toda e depois continuar. Essa ganância toda de querer se candidatar me parece uma loucura.


PLAYBOY — A indignação virou geral quando se soube que durante o confisco eles continuaram formando um caixa.


CLÁUDIA — E, quantas pessoas se suicidaram, se destruíram... Uma coisa de uma irresponsabilidade, sabe? Uma coisa muito grave.


PLAYBOY — Você dançou com quanto?


CLÁUDIA — Eu tinha um dinheiro na poupança. Não era muito, não, eram uns 3 milhões de cruzeiros. Cinqüenta mil ficaram liberados e eu tinha 3 milhões. Me lembro que a gente fazia uma novela, a Glória Menezes e eu, e as duas fumávamos Charm. Ouvimos a notícia, compramos um maço e dividimos, dez cigarros para cada uma. Mas naquela hora, tudo bem. Se fosse para ser como estava prometido, eu acho que num momento desses você até tira as calças para salvar o teu país.


PLAYBOY — Afinal, você se arrepende de ter votado nele?


CLÁUDIA — Não me arrependo de nada do que fiz, só do que não fiz. Participei de um momento político muito importante, acreditei numa pessoa — e errei, todo o mundo tem o direito de errar. Mas acho que se ele não tivesse vindo e feito tudo isso, nós não estaríamos passando por toda essa ação de limpeza. Eu acho que todo mal é para um futuro melhor, é para o bem. O que estamos passando agora é para o crescimento do país e acho que a gente vai conseguir sair dessa mais limpo. Desde que se vá fundo e se apurem todas as culpas.


"Se eu tivesse de votar amanhã, estaria na UTI. Não estou preparada. Ainda bem que as eleições não são amanhã"

PLAYBOY — Em quem você está pensando em votar na próxima eleição para presidente?


CLÁUDIA — Não tenho idéia.


PLAYBOY — Imagine uma lista assim: Lula, Paulo Maluf, Ciro Gomes, Antônio Britto, Fernando Henrique Cardoso, Antônio Carlos Magalhães, Leonel Brizola e Jaime Lerner. Você poderia apresentar uma ordem de preferência?


CLÁUDIA — Não sei responder assim. Não sou uma pessoa que, depois de tudo o que aconteceu, vá te dizer: não quero mais saber de política. Acho isso extremamente covarde, e acho também que a opinião de um artista tem muita influência. Mas eu sinceramente não sei. Estou observando. Acho o Ciro Gomes muito interessante, está fazendo um governo bastante interessante no Ceará. É um rapaz novo, com garra — mas até bate um pouco de receio quando penso nisso, não é? Não sei. Sinceramente.


PLAYBOY — Maluf, Antônio Carlos Magalhães...


CLÁUDIA — Olha, queria dizer que fiquei impressionada com o Antônio Carlos Magalhães. Fui à Bahia com meu espetáculo e me senti no primeiro mundo, não existe nada igual no Brasil. E não só o teatro, a cidade está limpa, as pessoas mudaram sua mentalidade.


PLAYBOY — E o Lula, definitivamente não gosta dele?


CLÁUDIA — Mas eu gosto do Lula! Eu acho ele superespecial, com muito talento. Só não concordo com o projeto de governo dele, com as idéias dele. Assim como acho o Brizola um super-político, com um carisma incrível.


PLAYBOY — E o Fernando Henrique?


CLÁUDIA — Também gosto dele. Acho sério, concentrado. Idealista, de uma forma muito calma, serena, com maturidade.


PLAYBOY — Antônio Britto e Jaime Lerner?


CLÁUDIA — Não conheço nenhum dos dois suficientemente.


PLAYBOY — Bem, encerrada a lista, você elogiou quase todo o mundo mas falou primeiro no Ciro Gomes. Se você tivesse de votar amanhã, portanto, ele seria seu preferido?


CLÁUDIA — Se eu tivesse de votar amanhã eu estaria numa UTI tomando soro e tentando clarear as idéias. Não estou preparada para votar amanhã e o Ciro Gomes não é o meu preferido. Diante de uma lista de pessoas, eu respondi o que achava deles. Não tenho uma escala, por enquanto nem sei em quem votar mesmo. Ainda bem que as eleições não são amanhã.


POR GUILHERME CUNHA PINTO

FOTOS FERNANDO SEIXAS


1.772 visualizações0 comentário
bottom of page