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DANUSA LEÃO | JANEIRO, 1980

Playboy Entrevista



Uma conversa franca sobre sexo, homens, cantadas, infidelidade, atração física, com uma das mulheres mais liberadas e bem-sucedidas do Brasil


Ninguém se lembra de nada que Danusa Leão tenha feito. Nunca trabalhou em teatro; nunca gravou um disco; sua carreira na televisão limitou-se a alguns meses como jurada num programa dominical; e até sua célebre ponta no filme de Terra em Transe, de Gláuber Rocha, em 1966, já foi esquecida. No entanto, ela sempre teve a notoriedade de uma estrela. Tanto que Gláuber convocou-a de novo para um pequeno papel em seu novo filme, A Idade da Terra.


Colunável? Sim, mas não rica, embora circule num meio de ricos. Os colunistas sociais passam e Danusa Leão fica. Bonita? Sem dúvida, mas isso não costuma ser bastante para manter uma mulher em cena durante tantos anos. E a verdade é que, desde 1948, quando estreou aos 15 anos como debutante da então influente revista Sombra, ela nunca mais saiu de cartaz. Sombra já acabou há muito tempo, mas Danusa permanece indestrutível.


Nada de especial também em sua vida profissional: foi manequim, proprietária de butique e, como agora, relações-públicas de companhias aéreas ou diretora de casas noturnas. Entre um emprego e outro, dedica-se a comprar apartamentos, decorá-los e revendê-los com bom lucro. "Sou independente porque sempre trabalhei", diz ela. "Sem essa de ser sustentada por homem." Mas, se nada disso torna uma pessoa conhecida, qual é, afinal, a de Danusa Leão?


Uma mulher desejada, que sempre fez o que quis e nunca deu satisfações a ninguém. Enfim, o típico modelo da mulher liberada que as feministas — sem sucesso até agora — vêm tentando impor aos homens, mas que Danusa soube impor, sozinha, usando apenas o seu charme, força e inteligência. Não é uma teórica na vida — é prática.


Pelo menos, é esta a imagem que vem à cabeça dos homens, no Rio, quando a vêem correndo na praia, dançando no Hippopotamus ou, de manhã, nas páginas dos jornais. "Esta sabe viver", murmuram as pessoas, enquanto procuram esconder um ligeiro ressentimento machista por julgá-la mais auto-suficiente do que deveria ser. O fato de Danusa sempre ter escolhido os seus homens — muito antes que isso ficasse na moda — também contribui para que eles a vejam com um misto de admiração e temor. Danusa assusta os homens? Ela própria se assusta com a pergunta, e o seu retrospecto amoroso parece desmentir que isto já possa ter acontecido. Afinal, se o seu mito foi construído sobre a sua intensa vida particular, é de se concluir que não muitos homens se deixaram assustar.


Espantoso é que, com toda a sua forma civilizada de viver, Danusa seja, no fundo, uma garota do interior que deu certo no Rio. Ela nasceu em Itaguaçu, no Espírito Santo, num ano que muitos tentam adivinhar: 1933. Saiu de lá aos quatro meses, quando sua família mudou-se para Vitória, e nunca mais voltou. Aos 9 anos, quando nasceu sua irmã Nara, seu pai (um advogado valente e ambicioso) resolveu tentar a sorte no Rio, e foi então que Danusa sentiu-se verdadeiramente em casa. Aos 17 anos, foi ser manequim. em Paris, e nunca mais parou de acontecer.


Seus casamentos também foram motivo de gossip. O primeiro, com Samuel Wainer, durou de 1954 a 1961, e foi sacudido por uma intensa vibração política, devido às ligações de Wainer com Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart. Desse casamento nasceram seus três filhos: Samuca, Pinky e Bruno. O segundo, com o cronista Antonio Maria, fez história nas noites de Copacabana, devido ao temperamento explosivo de ambos. Antônio Maria teve um enfarte no dia seguinte separação, em 1964, e morreu pouco tempo depois. "Esta é a primeira entrevista, nesses quinze anos, em que me disponho a falar de Antônio Maria", confessou Danusa a PLAYBOY. E o terceiro casamento, com o também jornalista Renato Machado, durou de 1971 a 1975, e constituiu-se mais num retiro a dois em Santa Teresa — do qual ela saiu gloriosamente após a separação.


Entre um e outro casamento, os homens entraram e saíram de sua vida quando ela bem entendeu — cineastas, teatrólogos, humoristas, escritores, pintores, etc., além de incursões fora do terreno artístico. E foi-se formando o mito da eterna musa de Ipanema, embora ela reaja fortemente ao rótulo: "A gente não escolhe ser musa de nada. Os outros é que decidem".


Sem pintura, vestida com elegância e simplicidade, Danusa falou durante cinco horas, em seu espaçoso apartamento de cobertura no Leme, ao nosso editor Ruy Castro.


PLAYBOY — Você é o tipo da mulher que as feministas lutam para impor à sociedade: a mulher liberada, que faz o que quer. Você é feminista?


DANUSA LEÃO — Eu? Pelo contrário, sou até machista! Eu morro de rir das feministas. Agora, partindo da idéia de que os homens e as mulheres devem tentar atingir uma certa igualdade, é bom que esteja acabando essa coisa que foi muito comum na minha geração: a mulher sustentada pelo homem. Eu acho que esse é o preço mais caro que uma mulher pode pagar para ser alguém na vida, entendeu? Se, para ter as coisas, ela é obrigada a conviver mentirosamente com uma pessoa, ter de sorrir quando não tem vontade, para não falar em ter de ir para a cama com ele, eu prefiro cavar, ir para a lavoura.


PLAYBOY — Por quê?


DANUSA — Porque é uma transação desonesta de parte a parte. O homem que sustenta uma mulher, que paga o que ela come, não pode cobrar nada dela; e a mulher que se deixa sustentar não pode cobrar nada dele. Então, ela tem todo o direito de fazer o quiser, de tarde, e ele tem todo o direito de fazer o que quiser, de noite.


PLAYBOY — Nunca pintou um marido rico na sua visa?


DANUSA — Pintar, pintou. [Risos.] Eu é que não fui. Sabe aquela frase do Scott Fitzgerald, de que os ricos são diferentes da gente porque têm mais dinheiro? Eu acredito nisso. Cabeça de gente rica é outra coisa. Por exemplo: quem é rico quer continuar rico e não abre mão disso por nada, nem por uma idéia. Então, para mim, já está errado. O homem tem que estar pronto a abrir mão de tudo, a qualquer momento, se pintar alguma coisa que realmente valha a pena.


PLAYBOY — Você cobrou essa possibilidade dos ricos que passaram pela sua vida?


DANUSA — Não. Os ricos na minha vida passaram por pouco tempo. O que me fascina no homem é a cabeça, a inteligência. O resto não tem importância. Não que os ricos não possam ser inteligentes, e eu até convivo bem com eles, mas a importância que eles dão às coisas é diferente da que eu dou.


PLAYBOY — Você foi casada com três homens inteligentes, por acaso todos jornalistas: Samuel Wainer, Antônio Maria e Renato Machado. Você se considera realizada?


DANUSA — Não. Eu acho que deve haver muitas mulheres da minha geração que se casaram e continuam com seu marido numa boa até hoje, e que devem ter-se realizado mais do que eu. É uma façanha invejável ficar com um marido numa boa por muito tempo.


PLAYBOY — E por que você não conseguiu?


DANUSA — Ah, eu não sabia das coisas, era muito tonta. Se eu tivesse a cabeça que tenho hoje, poderia ter segurado as coisas por mais tempo. Mas a minha cabecinha era muito ruim.


PLAYBOY — Você sempre escolheu os homens que te tiveram?


DANUSA — Ou que eu tive, né? Deixe eu ver... Eu me dei ao luxo de só ter tido os homens que quis porque é o mínimo que uma pessoa pode querer.


PLAYBOY — Já aconteceu de você ter escolhido um homem que não estivesse a fim de você?


DANUSA — Já aconteceu, mas pouco, porque eu me preservo muito. Eu gosto tanto de mim, mas tanto, que procuro só entrar numa boa. Agora, eu vejo mulheres que passam anos obcecadas por um homem que não lhes dá a menor bola, e elas ali, apaixonadas. Isso é masoquismo, é uma loucura tão grande que não dá para entender. Porque, se eu gosto muito de mim, só posso gostar de quem gosta de mim, me paparique e faça coisas maravilhosas por mim.


PLAYBOY — Você já virou a cabeça de milhares de homens?


DANUSA — Alguns, né? [Rindo.] Agora, fora de brincadeira, eu acho que sempre fui uma boa mulher para todos os homens que passaram na minha vida. Todos guardaram uma boa recordação de mim porque, quando eu fui deles, eu fui integralmente deles.


PLAYBOY — Mas a imagem que você sempre passou era a de uma mulher moderna, sem preconceitos, no tempo em que isto não estava na moda...


DANUSA — É, eu sempre fui moderna, sim, mas também sempre fui careta, sabia? Eu tenho um lado careta que, durante muito tempo, consegui encobrir de mim mesma e que só agora estou tentando assumir.


PLAYBOY — E como se manifestava essa sua maneira de ser moderna?


DANUSA — Ah, de querer provocar as pessoas, de tentar parecer inconseqüente e sem preconceitos? As pessoas adoravam e adoram quando eu faço um pouco isso...


PLAYBOY — Mesmo durante os seus casamentos?


DANUSA — Não, porque, quando eu estou casada, eu assumo os preconceitos todos. [Risos.]


PLAYBOY — O que você acha da traição, da infidelidade?


DANUSA — Eu acho que a traição masculina não tem a mesma significação da traição feminina. Nesse ponto eu sou completamente antifeminista, sou machista. Para o homem, sair, pegar uma mulher e ir para a cama com ela tem muito menos importância do que para uma mulher. Aquilo passa e não fica nada, entendeu? Mas a mulher é muito mais apegada a certas coisas, mais amorosa e mais tudo isso que o homem. Se ela é casada e vai para a cama com outro, ela coloca nisso uma carga enorme de emoção, envolvimento e de agressão ao marido. E não é pela culpa com que a gente fica depois, mas é porque, quando eu olhar para o marido, ele estará outra coisa, outra pessoa. Não será aquele Deus para mim. Quer ele saiba, quer não.


PLAYBOY — Por quê?


DANUSA — Porque, quando eu olhar para ele, eu vou dizer: "Pô, mas esse cara aqui é corno!" E eu quero um homem que não seja corno, que seja maravilhoso, felicíssimo e que eu faça tudo para botar pra cima. Porque trair um homem é botar ele pra baixo, mesmo que ninguém saiba, e, aos meus olhos, ele fica diminuído no momento em que eu o passei para trás.


PLAYBOY — E mulher, leva corno?


DANUSA — Depende. Para começar, esse negócio de traição é profundamente demodê, ultrapassado, que não está com nada. Mas, digamos, entre pessoas burguesas, tradicionais, o sujeito vai e pega uma mulher para transar de tarde... Mas qual foi a pergunta mesmo?


PLAYBOY — Se mulher leva corno.


DANUSA — Depende. Eu não gosto de falta de respeito. Respeito é bom, e eu gosto, sabe? Se acontecer isso com um homem que está comigo, eu não sei, não. Porque, se o homem está comigo, ele não vai fazer charme, nem charme social, para a mulher que está do lado, porque eu não aguento.


PLAYBOY — Como é que você reage?


DANUSA — Mal. Mas muito mal mesmo. Posso dar um cartão amarelo antes, mas, se o negócio engrossar, dou o vermelho direto.


PLAYBOY — E se o sujeito tiver um caso aí fora...


DANUSA [Olhos arregalados.] — Caso?!? Mas onde é que nós estamos, meu Deus? Eu estou falando de charme numa festa, não de caso!


PLAYBOY — E se você não ficar sabendo?


DANUSA — E eu não sei das coisas? Eu sei de tudo!


PLAYBOY — Você já foi passada para trás, trocada por outra mulher?


DANUSA — Claro, quem não foi? [Risos.] Na época, fiquei triste, mas, hoje em dia, as coisas se passariam de maneira diferente. Aliás, isso não chegaria a acontecer, entende? Porque, na hora em que a relação começasse a não estar bem, que começasse a virar uma relação menor, ela já não me interessaria.


PLAYBOY — E o que é uma relação menor?


DANUSA — É uma relação que já não é maior, não é? [Risos.] Eu acho que uma relação tem de ser uma coisa absoluta, completa, total, uma coisa mútua, constante e que não admite qualquer falha nunca, entende? Nunca! Então, a não ser que eu esteja realmente transando com uma pessoa muito ordinária, que, mesmo sabendo que eu sou assim, consiga camuflar uma história com outra mulher e eu não perceba, isso não vai acontecer. Eu nunca deixarei nenhum homem por outro, como nenhum homem me deixará por outra mulher.


PLAYBOY — Você já teve muitas relações menores com outras pessoas?


DANUSA — Já. Eu já me enganei muitas vezes, mas acho que foram exatamente essas experiências que fizeram de mim o que eu sou hoje. Foi preciso passar por tudo isso, filtrar muito bem. Se eu tivesse passado a vida em brancas nuvens, não seria a mesma pessoa.


PLAYBOY — Há uma diferença entre escolher gente para transar e gente para casar?


DANUSA — Há.


PLAYBOY — E o que te atrai num homem?


DANUSA — Nada. Por isso que eu transo pouco...


PLAYBOY — Mas, não há uma constante?


DANUSA — Geralmente, eu escolho para transar os homens com quem eu poderia eventualmente casar [risos], mesmo que não me case. Porque há sujeitos que poderiam ser um grande namoro, um grande caso, mas que não dão para casar, não têm nada a ver. Para casar, um sujeito tem que ter certos atributos, certas competências, certos gostos domésticos, entendeu? Não era assim que os homens diziam antigamente? Aquela moça é para casar e aquela outra não é? Pois é...


PLAYBOY — E quando eles já são casados, como é que você faz?


DANUSA — Mas isso não acontece. Raríssimo, acontecer isso na minha vida, eu transar com um homem casado.


PLAYBOY — Mas, e quando acontece?


DANUSA — A última vez que aconteceu eu estranhei rapidinho. Porque, realmente, eu não sou mulher pra de 5 às 7. Eu sou mulher full-time, porque eu exijo muito.


PLAYBOY — Claro. Mas se você estiver muito a fim do homem, você não poderia arrancar o sujeito da mulher?


DANUSA — Não, porque minhas defesas estão de tal maneira construídas que eu não me interesso por ninguém casado. Da última vez que aconteceu, foi porque ele era casado, mas estava sozinho, sem a mulher. Então a transação se efetuou sem problemas de horário, sem limitações de lugares para ir ou coisa assim. No que eu senti que as coisas iam se modificar, destransei.


PLAYBOY — Então é você que transa e destransa, escolhe quem é para transar e quem é para casar. Esse excesso de iniciativa da mulher não estará inibindo o machão brasileiro?


DANUSA — Eu não sei, eu vejo os homens tão inseguros, sabe disso? As mulheres estão a fim de ir para a cama com um homem e vão, mas sem sentir nada. Elas estão numa posição ofensiva, tomando atitudes agressivas, mas, pelo menos no meio em que eu vivo, tudo é uma grande farsa.


PLAYBOY — Por quê?


DANUSA — Eu não sei... Se você me perguntar se o homem e a mulher brasileiros melhoraram, eu não sei. Eu, como mulher, melhorei, entendeu? Agora, para isso, eu lutei, batalhei e sofri muito. Não existe essa de você percorrer as praias e dizer que, de repente, melhorou o homem brasileiro. É uma coisa individual. Mas, se você me perguntar se eu acho que as pessoas à minha volta estão bem, eu diria que não.


PLAYBOY — Já estiveram melhores?


DANUSA — Talvez, talvez. Por incrível que pareça, no tempo em que havia uma repressão maior, era mais fácil as pessoas lidarem com a vida delas. Acontece o seguinte: quando você adquire uma liberdade muito grande de comportamento, como está acontecendo agora, o que você faz dessa liberdade? É mais fácil a mulher viver submissa a um homem. Por isso é que, hoje, elas estão fazendo besteira em cima de besteira.


PLAYBOY — Que espécie de besteira?


DANUSA — Ficar dando adoidado, por exemplo. E, de repente, pirarem, entrarem na droga ou virarem sapatão. Então, para essas mulheres que ainda não entenderam nada, seria muito melhor que tivessem o marido em cima, pagando as contas delas, não deixando irem ao dentista sozinhas. Seriam muito mais felizes.


PLAYBOY — Qual é a principal diferença de comportamento entre o homem e a mulher nesses anos em que você está circulando?


DANUSA — A permissividade é hoje muito maior, né? E o tudo bem tomou conta da cidade. Não que isso tenha modificado profundamente as pessoas por dentro — porque, quando essas pessoas da permissividade e do tudo bem entram numa boa, elas desaparecem. Eu acho que o ser humano, no fundo, não muda. Pode até estar transando mais, mas está transando mal e superficialmente.


PLAYBOY — E do ponto de vista do homem? Antigamente ele tinha de batalhar a mulher. Hoje não. Esse homem não estará sofrendo uma modificação?


DANUSA — Mas eu vejo que há mulheres que não estão se jogando em cima dos homens e, por essas, eles batalham bastante...


PLAYBOY — Nada mudou então? Na cabeça dos homens continua a haver aquela divisão de mulheres pra transar e mulheres pra casar?


DANUSA — Não, os homens estão tentando pensar. Outro dia, um homem me disse que tinha acabado de transar com uma mulher e que aquela transação vã não levava a nada. Eles mesmos estão se cansando de ir para a cama com uma mulher e não olhar no olho. Quando a mulher era mais difícil, era uma proeza comer uma mulher. Hoje, como não tem mais problema, o cara pára e pensa que comer alguém e levantar um halteres ou fazer uma barra dá na mesma, entendeu? Então, a transação passa a não interessar mais, a não ser quando há algo mais. E os homens estão sacando isso. Já as mulheres estão forçando a barra e vão, ó... [faz o gesto tradicional]. É em cima delas que isso vai arrebentar.


PLAYBOY — O que é curioso, porque geralmente as mulheres sacam as coisas primeiro, não?


DANUSA — É, mas essas novidades os homens estão vendo na frente. A discoteca em que eu trabalho, o Hippopotamus, aqui no Rio, meu Deus, é um confessionário, um divã de analista! O que você ouve de homem dizendo, "Ah, mas essas mulheres não têm interesse nenhum, eu não agüento mais", é impressionante. Mas não ouço mulher dizendo isto. E por quê? Porque elas não estão entendendo nada. Só sabem dizer que não tem homem na cidade — papo, aliás, que eu me recuso a continuar.


PLAYBOY — E onde estão os homens?


DANUSA — Estão todos aí! É só sair para comprar um retrós na esquina para se ver como homem não falta.


PLAYBOY — E por que elas não os enxergam?


DANUSA — Porque, primeiro, elas teriam de enxergar dentro delas mesmas, né? Para perceber que o homem é a coisa mais maravilhosa do mundo, mas que não é fundamental. Só é fundamental quando pinta uma transação maravilhosa. Se não pintar, a gente fica sem e há outras coisas para se fazer na vida do que ficar pensando em homem. Às vezes, ficar sozinha é uma ótima.


PLAYBOY — É? E como as mulheres se arranjam?


DANUSA — A gente vê as amigas, vai à praia, faz cooper, vai ao cinema. Porque, pelo que me consta, ainda não existe bordel pra mulher, existe? E entre ir para a cama com quem você não está a fim e não ir, o melhor é não ir. Agora, tem mulheres que fingem o dia todo.


PLAYBOY — Fingem o quê o dia todo?


DANUSA — Bem, o dia todo foi maneira de dizer. O que eu queria dizer é que, na hora de ir para a cama, elas fingem. Os homens também fingem que estão achando ótimo, quando, na realidade, não está acontecendo nada.


PLAYBOY — O quê a mulher finge? Orgasmo?


DANUSA — Claro. Ou você não ouviu falar disso? [Risos.] Eu não acredito nessa coisa de um homem — pá! — encontra uma mulher, uma mulher encontra um homem e — pá! — os dois vão para a cama imediatamente. Não digo que não possa haver um desejo imediato, catastrófico, enfim, incrível, mas, de maneira geral, o desejo vem aos poucos. Querer que o desejo aconteça num fim de noite é muito difícil, alguém tem de fracassar — no mínimo um, entendeu? Por isso elas fingem.


PLAYBOY — Você já fingiu?


DANUSA — Eu já fingi. Talvez porque não soubesse de tudo que estou dizendo agora, não sabia nem o que era. Fingia pela mesma razão que as mulheres fingem hoje.


PLAYBOY — A mulher que finge orgasmo tem alguma razão para ficar desapontada quando o homem brocha ou tem ejaculação precoce?


DANUSA — Não, nenhuma. Aliás, nenhuma mulher tem razão de ficar puta da vida quando isso acontece. Porque, se isso acontece eventualmente com os homens, acontece freqüentemente com as mulheres, tá? E acontece porque a coisa não chegou ao nível mínimo de interesse para os dois estarem juntos numa cama e evitar que haja um fracasso. A coisa é feita tão banalmente que o normal para mim seria o homem fracassar, ou a mulher fracassar.


PLAYBOY — E a quê, você atribui isto? À permissividade?


DANUSA — Não, não acho que seja pela permissividade. Acho que as pessoas deviam parar e pensar, para descobrir isso que eu sei agora. Por que a menina da esquina não sabe o que eu sei? Porque ninguém pára pra pensar genuinamente na outra pessoa. E você só se interessa genuinamente pela outra pessoa quando você se interessa genuinamente por você. Mas, como ninguém faz isso hoje, as pessoas estão perdidas. Meu Deus do céu, até dançar você dança mal, se não estiver realmente interessado! Então, imagine aquilo...


PLAYBOY — E por que está acontecendo isso?


DANUSA — Porque as pessoas estão com um enorme medo de gostar umas das outras — de dizer que gostam, levar um pontapé e se darem mal, sabe disso? Estão com medo de mostrar o seu lado mais frágil. E as mulheres, quando entram nessa de agressividade, também é medo.


PLAYBOY — Você já passou por esse medo?


DANUSA — Eu já passei e, sempre que isso aconteceu, eu me dei mal. Agora, quando eu encontro alguém na minha frente que me dá margem a ser eu mesma, eu não tenho medo. Existe coisa mais fascinante na vida que uma pessoa mergulhada na outra para se descobrir?


PLAYBOY — Os homens têm medo de você?


DANUSA — Eu acho que assusto os homens que não me conhecem. Os que me conhecem sabem que não há nada para assustar. Eu tenho uma alma de Amélia. [Risos.] Mas não é todo mundo que tem coragem de aprofundar o seu conhecimento de mim.


PLAYBOY — Você já apanhou de alguém? Do Antônio Maria (1921-1964) [pernambucano, foi jornalista, radialista; cronista e boêmio radicado no Rio nos anos 50 e 60, e autor de várias canções de sucesso, como Ninguém Me Ama, Valsa de uma Cidade e Manhã de Carnaval. Sua vida e obra inspiraram, em 1974, o espetáculo Brasileiro, Profissão Esperança], por exemplo?


DANUSA — Do Antônio Maria, não. Mas já apanhei sim. E não gostei, porque dói, sabe? [Risos.] Tem um amigo meu que diz: "Bater, só a pedido".


PLAYBOY — O que você acha que se passa na cabeça de um homem que bate numa mulher?


DANUSA — Ele deve ter tantos problemas, deve estar com tanto ódio de se sentir subjugado pela mulher, que não consegue deixar de dar uma surra nela.


PLAYBOY — O sujeito que te bateu estava subjugado a você?


DANUSA — Estava. Mas eu não esperava uma violência dele. Só que ele era um sujeito frágil — não fisicamente — inseguro, entendeu? O homem realmente forte não bate em mulher.


PLAYBOY — No fundo, você não se sentiu gloriosa por ter subjugado de tal maneira um homem, a ponto de fazê-lo descontrolar-se?


DANUSA — Eu não tive nada com isso. Ele se descontrolou porque era um descontrolado. Mas, talvez, quem sabe... Só que, como eu não estava gamada assim por ele, registrei, fotografei e tirei o meu time de campo.


PLAYBOY — O ciúme já atrapalhou algum casamento seu?


DANUSA — Já, com Antônio Maria. A gente se gostava tanto, tanto, tanto, que não dava mais pra viver juntos, entendeu? Era impossível a vida, devido ao paroxismo a que a gente chegou de gostar. Aí chegou uma hora em que eu tive de escolher entre o amor e a vida. Não sei se fiz bem ou fiz mal, mas decidi escolher a vida.


PLAYBOY — E o que você queria fazer?


DANUSA — Sei lá, queria ir à praia, ao cinema, conversar com os amigos, e ele me impedia, de puro ciúme.


PLAYBOY — Não sabíamos que isso ainda acontecia na vida real...


DANUSA — Pois eu vivi essa experiência. Talvez se, no início da relação, eu tivesse a cabeça que tenho hoje... Eu tenho hoje total condição de viver com um homem, trabalhar sozinha até as 4 da manhã e ele ficar tranqüilamente em casa dormindo, sabendo que eu vou chegar em casa mais pura do que se estivesse numa igreja. Se eu tivesse essa cabeça naquela época, eu teria explicado ao Antônio Maria e ele teria entendido. Mas não, eu entrei na dele, ele fez a minha cabeça e eu também morria de ciúmes dele.


PLAYBOY — E você tinha motivos para isso?


DANUSA — Não. Nem ele tinha.


PLAYBOY — Por que as pessoas acham que o personagem de Wandinha-Vinde-a-Mim-as-Criancinhas, do romance Cabeça de Papel, de Paulo Francis, foi baseado em você?


DANUSA — Acham? [Risos.] Eu não sei, eu nunca li esse livro e ninguém me disse isso. Como é a personagem?


PLAYBOY — É uma mulher devoradora de homens...


DANUSA — Ih, pelo amor de Deus, pelo amor de Deus!


PLAYBOY — ... e que destrói o homem com quem ela vive... Talvez o Antônio Maria.


DANUSA — Eu vou comprar esse livro hoje! [Risos.] Isso é realmente um absurdo, porque as coisas entre mim e o Antônio Maria não deram pé porque não deram. Mas, enquanto deram, foi uma coisa deslumbrante. Ele teve um enfarte e eu emagreci 15 quilos tratando dele no hospital, de tanto levantar a cama dele e descer a cama dele e dar comida na boca dele e dar banho nele e trocar o disco que ele queria e ligar e desligar o ar refrigerado. Quinze quilos eu perdi por causa desse enfarte do Antônio Maria, entendeu? Dois anos depois me separei dele, no dia seguinte, ele teve outro enfarte porque era uma pessoa cardíaca. Eu acho que ele ficou muito triste com a separação, mas outros homens ficaram tristes quando se separaram de mim e não morreram.


PLAYBOY — Como era Antônio Maria?


DANUSA — Ele era uma pessoa, tão uma pessoa... Com tantas qualidades e tantos defeitos que a soma de tudo isso fazia dele um ser humano incrível, inesquecível. Ele tinha uma capacidade ilimitada para tudo. Ninguém amava mais que Antônio Maria, ninguém comia mais que Antônio Maria, ninguém bebia mais que Antônio Maria, ninguém era capaz de varar cinco noites seguidas como Antônio Maria, ninguém era capaz de odiar, de ter ciúmes e de brigar na mão como Antônio Maria. E tudo com um lirismo enorme, uma doçura enorme. Ele morreu há quinze anos e, nesse tempo todo, foi a única pessoa que eu lamentei que não estivesse viva. Embora, se ele estivesse vivo, eu não acredito que, depois do que aconteceu, a gente pudesse viver na mesma cidade ou no mesmo país.


PLAYBOY — Como é que você, a bonita oficial, transava com um homem considerado unanimemente tão feio como o Antônio Maria?


DANUSA — Os outros podiam achá-lo feio, gordo e suarento, mas, quando eu estava com ele, achava-o bonitíssimo, lindo. Além disso, quem é que está escolhendo homem para mim, sou eu ou os outros? [Risos.]


PLAYBOY — Dizem que você deve seu sucesso exclusivamente ao fato de ser bonita. Você se irrita com isso?


DANUSA — Não. Mas acho que há um engano enorme nas pessoas. Em primeiro lugar, eu não me considero uma mulher bonita. Tem dias em que estou até bem legal, me olho no espelho e estou agradando. Até a mim. Mas, de maneira geral, não. Isso é uma maneira que as pessoas têm de simplificar as coisas e não querer ir mais fundo.


PLAYBOY — Mas, em entrevista recente, você disse que se achava mais bonita hoje do que há vinte anos...


DANUSA — E me acho mesmo, porque aconteceu alguma coisa dentro de mim, e que eu não sei bem o que é, mas que é muito mais importante do que essas rugas em volta dos olhos ou as marquinhas em volta da boca.


PLAYBOY — Você não se acha bonita. Mas se acha tesuda?


DANUSA — O que quer dizer exatamente isto? Uma mulher pela qual os homens têm tesão? Isso eu tenho certeza. É só botar a cara na rua e ver como as pessoas estão te olhando. Mas, no dia em que eu estou ruim por dentro, estou na fossa, eu saio na rua e não tem um, mas não tem um servente de obra que me olhe, sabe disso? Agora, o dia em que você está na maior, você é a maior gata do Rio de Janeiro e parece que tem 17 anos, é impressionante.


PLAYBOY — O fato de a pessoas saberem que você é Danusa Leão costuma influir na maneira como te olham?


DANUSA — É, eu acho que pode influir em alguma coisa. Mas, se as pessoas têm uma imagem de mim, é uma imagem errada porque, no meu caso, há duas Danusas — e bota mais de dez anos de análise nisso para descobrir qual delas eu sou. Eu não estou querendo descobrir uma para ficar com ela e dispensar a outra. Eu estou tentando que as duas convivam numa boa.


PLAYBOY — E quais seriam essas duas Danusas?


DANUSA — Tem uma Danusa Leão que quer brilhar na vida, sair vestida de dourado, com o maior decote da festa, ser a mais bonita, a mais fotografada. E tem a outra Danusa Leão, que abriria mão de tudo isso e de mais alguma coisa, para estar sossegada com um homem dentro de casa, nesse sofá, ouvindo um disco, fazendo assim com o pé no peito dele, entendeu? Então há esse conflito, e a pessoa que estiver comigo tem que sacar as duas Danusas.


PLAYBOY — E as pessoas conseguem?


DANUSA — Eu já tive pessoas na minha vida que se empolgaram com uma Danusa e outras que se empolgaram com a outra. Uma me queria brilhando, outra me queria de avental. Quem não entendeu nada foi o Renato Machado, meu terceiro marido. Se eu não brilhava, já não era a mulher, que satisfazia a vaidade dele; mas, quando eu brilhava, ele ficava puto porque eu brilhava mais do que ele. [Risos.]


PLAYBOY — E você é consciente desse brilho?


DANUSA — Sim, porque, quando estou a fim de brilhar, é difícil me segurar. [Risos.] É uma coisa que vem de dentro e que, quando você entra na festa, todo mundo fica sabendo. Mas, hoje em dia, eu estou com menos necessidade de brilhar...


PLAYBOY — Esse negócio de idade te grila muito?


DANUSA — Grila porque fica todo mundo encarnando, querendo saber — idade, data de nascimento, né?


PLAYBOY — Então, por que você não diz logo? 46?


DANUSA — 46. Numa boa. Mas eu preferia ter 30 anos a vida inteira.


PLAYBOY — E o fato de ter 46 anos te grila com os homens?


DANUSA — Pra mim, não. Se tem grilo pra eles, não sei. Mas eu sou paquerada por gente que começa com 18.


PLAYBOY — E você já transou com alguém de 18?


DANUSA — Não. Desde os meus 14 anos que eu não curto garotão, sabia? Nessa idade eu morava em Copacabana e já era amiga do Di Cavalcanti, do Vinicius, do Rubem Braga. Aliás, o Rubem tomou-se perdidamente de amores, se apaixonou por mim, teve uma paixão platônica durante muito tempo. Não estou entregando nenhum ouro, porque isso nunca foi segredo...


PLAYBOY — E como era o namoro no Rio daquele tempo?


DANUSA — Para começar, entrar num automóvel com um rapaz era uma coisa totalmente proibida.


PLAYBOY — E você entrava?


DANUSA — Claro, né? [Risos.] Eu me abaixava enquanto o rapaz dirigia.


PLAYBOY — E o que significava a virgindade?


DANUSA — Era uma coisa importantíssima, importantíssima. As meninas que não eram virgens eram apontadas na rua. No Posto 4, onde eu morava, havia duas que eram apontadas, não me lembro de mais nenhuma. Elas ficavam marcadas, como se estivessem perdidas. As famílias não deixavam a gente se dar com essas meninas.


PLAYBOY — Copacabana era uma província.


DANUSA — Para você ter uma idéia, Copacabana tinha só uma bicha. Uma! Quando a gente via o sujeito na rua, até comentava, "Olha, hoje eu vi o fulano". Era como uma cidade do interior, que tem o seu veado oficial e só.


PLAYBOY — Você teve uma educação muito repressiva?


DANUSA — Super-repressiva! O que a gente, que estudava no Sacré Coeur, fazia de sacrifício por Deus! Não comer chocolate na hora do recreio por sacrifício pra Deus, não ir ao cinema por sacrifício pra Deus, ajoelhar em cima do milho por sacrifício pra Deus. E tome fazer furinho em cartão pras missões e tome 100, 150 dias de indulgência... [Risos.]


PLAYBOY — Isso te marcou muito?


DANUSA — Bem, as culpas sempre ficam, né, porque isso é uma perfeição para estragar a vida da gente. Agora, estragou pouco, sabe? Porque eu não saco essa história de Deus, de Adão e Eva, se foi costela, se não foi costela, sempre me foi impossível entender essa história. Durante algum tempo a família me obrigou mais ou menos a ir à missa, porque assim eles achavam que seguravam as pontas. Mas meu pai, que era muito inteligente, viu logo que isso não estava com nada e tudo bem. Ele me deu uma liberdade muito grande desde cedo, achando que só dando murro é que a gente aprende. E eu acho que ele tinha toda razão.


PLAYBOY — Como foi que as coisas começaram a acontecer para você?


DANUSA — Bem, eu morava em Copacabana, não conhecia ninguém e o único sonho da minha vida era ser sócia do Fluminense, só para pertencer a alguma coisa. Mas, como eu mesma fazia os meus vestidinhos e andava muito engraçadinha, um dia toca o telefone e era uma bicha — as bichas sempre me adoraram, paixão por mim a vida inteira — que estava encarregada de descobrir umas meninas bonitinhas para serem debutantes da Sombra. Era uma revista, a bíblia da sociedade da época, muito mais importante que a Vogue hoje em dia. As pessoas curtiam loucamente sair na Sombra, mas poucos eleitos saíam. Aí fui ser debutante da Sombra e, depois que botei o pé em algum lugar, ninguém me segurou.


PLAYBOY — E como era você?


DANUSA — Eu me lembro muito bem de que eu não sabia de nada. Sabe o que é uma pessoa não saber de nada? Naquele tempo as mulheres usavam luvas e eu não tinha a menor idéia se, na hora de dançar, botava a luva ou tirava a luva, se levava o cigarro ou não levava o cigarro. Como é que eu podia saber? Nunca tinha visto nada. Mas, sozinha, fazendo muita bobagem, como faço até hoje, fui aprendendo.


PLAYBOY — Quer dizer, foi da Sombra para o mundo...


DANUSA — Bem, aí eu fui começando a conhecer as pessoas, a fazer sucesso e tal e coisa, até que pintou um baile do Jacques Fath em Paris, em que eles iriam lançar os tecidos brasileiros. Aí organizaram uma caravana enorme, com os tecidos da Bangu, da Nova América, da América Fabril, e mandaram as beldades da época com os vestidinhos brasileiros, inclusive eu. Quando cheguei lá, evidentemente não foi preci-so muito esforço para convencer o Jacques Fath de que seria maravilhoso para ele ter uma modelo brasileira. Então ele me convidou para ficar. [Risos.] E foi nessa que eu reencontrei a paixão da minha adolescência.


PLAYBOY — Quem foi?


DANUSA — O Daniel Gelin, que era um ator muito famoso na época e que tinha feito o La Ronde, do Max Ophuls. Eu já havia conhecido o Daniel num festival em Punta del Este e, quando o reencontrei em Paris, foi uma barra. Eu, com 17 anos, brasileira, sem sabor de nada, e ele, muito inteligente, pegando de Antonella Lualdi e Eleanora Rossi Drago para cima. Isso em 1952, quando elas estavam no auge, imagina o que eu tinha de encarar.


PLAYBOY — E como foi essa transa?


DANUSA — Ele gostou muito de mim e eu dele, mas ele era louco, pirado, com um problema muito grave de drogas. Só não casei com ele porque eu tenho um instinto de conservação incrível e sabia que, se me casasse com ele, não iria segurar a barra.


PLAYBOY — Ele tentou te botar também na droga?


DANUSA — Não, eu dei umas experimentadas, mas não... O meu instinto de sobrevivência é maior do que tudo. Agora, o negócio da droga é engraçado porque toda pessoa viciada quer viciar a outra. É um negócio terrível, isso.


PLAYBOY — E você teve algum outro relacionamento que envolvesse drogas?


DANUSA — Tive, tive, muito mais tarde, mas também caí fora. Além disso, tem tantas coisas na vida melhores do que droga, mas tantas...


PLAYBOY — Bem, depois dessa iniciação à loucura, você voltou ao Brasil.


DANUSA — Foi, em 1952. Eu não conseguia me situar. Um dia, um amigo meu, o Sérgio Figueiredo, me disse: "Vamos visitar o Samuel Wainer na prisão". E fomos. Samuel era diretor da Última Hora, amigo do Getúlio Vargas, vivia sendo preso e era atacadíssimo pelo Lacerda e pelos outros jornais. Aí fui à cadeia e, evidentemente, não ia resistir àquele homem brilhante, inteligentíssimo e preso, não é? Era possível resistir a isso? Então eu caí de boca no Samuel e ele em mim. [Risos.]


PLAYBOY — Quando ele saiu, vocês se casaram?


DANUSA — Demorou um pouco porque havia um problema: Samuel era casado, ia ter de destransar aquele casamento, e, além disso, a Última Hora era muito mais importante na vida dele do que eu, do que a mulher dele, do que qualquer outra coisa. Era de raspão que a gente se encontrava. Durante uns seis meses, portanto, eu fui a outra, e eu não gosto desse negócio de ser a outra. Prefiro ser a legítima.


PLAYBOY — Aí ele se separou e casou com você?


DANUSA — Não queria casar, não, sabia? Quer dizer, não queria casar no legal. Além disso, ele estava com 14 processos políticos em cima. Mas aí o meu pai foi lá e disse: "Não, senhor, se não for no legal, não tem casamento". Então nos casamos em Petrópolis, com juiz e tudo. Aí o Lacerda começou com os ataques pessoais e a dizer que o Samuel só estava se casando comigo para ter um filho brasileiro e não ser expulso do país, pois ele é estrangeiro naturalizado brasileiro. O Lacerda não ia perder essa, né? Isso foi em 1954, a dois meses do suicídio do Getúlio. Em nossa lua-de-mel só se falava em política! Imagine o clima!


PLAYBOY — Você se sentia muito poderosa pelo fato de ser uma espécie de primeira-dama da imprensa?


DANUSA — Não, porque, naquela época, o poder de Samuel estava acabando. Poder mesmo foi durante o Juscelino, mas exceto o fato de a gente estar muito em palácio, almoçando com Juscelino e D. Sara, e indo muito a Brasília para ver as obras, eu não me dava conta desse poder. Inclusive você tocou num ponto em que eu nunca tinha pensado nesses anos todos: que eu fosse uma pessoa poderosa.


PLAYBOY — Você se sentia mais Danusa Wainer do que Danusa Leão?


DANUSA — Acho que não. Se você fizer um levantamento da minha vida inteira, vai ver que eu sempre fui mais Danusa Leão do que qualquer outra coisa. Sempre me senti bastante poderosa como Danusa Leão, sem precisar de ninguém para isso. É verdade que Samuel abriu a minha cabeça para muitas coisas, me deu consciência política, me despertou para a realidade brasileira. E, embora naqueles sete anos eu fosse uma mulher dependente, dona-de-casa, que tinha filhos, etc., ele me fez crescer como pessoa e nunca me impediu realmente de nada. O problema é que Samuel era muito mais casado com o jornal do que comigo — e se ele negar isso, é mentira dele. [Risos.]


PLAYBOY — E, quando vocês se separaram, em 1961, entrou o Antônio Maria na jogada?


DANUSA — Não. Encontrei o Antônio Maria antes e levei três anos sendo só amiga dele. No que ele entrou como homem da minha vida, me separei de Samuel. Para ver como eu não ligava para essa história de poder, porque nessa época o Jango assumia a presidência e aí o Samuel teve poder absoluto.


PLAYBOY — Como você conseguiu transar a diferença entre os dois? Samuel, pragmático e objetivo; Antônio Maria, romântico e boêmio...


DANUSA — Olha, não sei se isso é uma qualidade minha ou se é uma terrível mistura que existe na minha cabeça, mas eu tenho uma capacidade incrível de me transformar. Quer dizer, eu tanto posso entrar no jantar mais formal do mundo, de braço dado com um general — não, general não digo [risos], mas de braço dado com um grande industrial, como também posso passar três meses numa praia, debaixo de uma tenda, comendo peixe que eu mesmo fritasse ali na hora, tomando uma cervejinha. Não sei se sou muitas pessoas ou se não sou pessoa nenhuma. Mas, mesmo que eu não tivesse me separado de Samuel para ficar com Antônio Maria, a minha vida ia dar uma guinada, seguramente.


PLAYBOY — Você sempre circulou num mundo que se costuma chamar de fútil, vazio, de badalação... Isso é muito importante para você?


DANUSA — Não, mas eu tenho esse lado também. Tenho, não nego e adoro. Agora, quando eu tenho uma relação mais profunda com alguém, eu me afasto completamente de tudo, porque acho muito difícil viver essa relação com um homem e viver as outras coisas também. Olha, eu não consigo nem ir a festas com o meu namorado!


PLAYBOY — Por quê?


DANUSA — Porque, se eu estou namorando uma pessoa muito legal, estou mais é a fim de ficar com ela, e festa não é para isso. Festa é para quem está solto na vida, cada um para seu lado.


PLAYBOY — Você é muito cantada em festas?


DANUSA — Em termos, né? Tem uns caras-de-pau que me cantam, sim. Mas eu me coloco numa posição tão clara que só me canta quem sabe que vai dar pé. Tenho um amigo que me paquerava de um jeito muito engraçado. Ele dizia: "Vou te esperar para te levar em casa". Eu perguntava: "Por quê?" E ele: "Porque se eu te levar em casa, pode acontecer alguma coisa". [Risos.] Imagine! Podia acontecer, se pintasse. Se não, ia passar dez anos me levando em casa e nunca ia acontecer nada...


PLAYBOY — E por mulheres, você costuma ser cantada?


DANUSA — Não. Quer dizer, houve uma única vez, aliás recentemente, em que uma machona andou me perseguindo um pouco. Me senti muito mal.


PLAYBOY — E como foi que você saiu dessa?


DANUSA — Eu nunca fui abordada com palavras, entende? Então eu saía de perto, ia para outro lado, para outra mesa. É a maneira de sempre: fazer a pessoa ver que não é a sua.


PLAYBOY — Considerando-se o aumento brutal do homossexualismo feminino, você não acha curioso ter sido tão pouco abordada nesse terreno?


DANUSA — As pessoas sabem onde estão pisando e, se houvesse uma brecha, elas vinham. Não havendo brecha elas não atacam, porque ninguém é burro. Imagine se eu quisesse namorar todos aqueles homens que pintam no Hippopotamus, onde trabalho, ou os eventuais sapatões que aparecem por lá...


PLAYBOY — Mas você admite que esteja havendo um aumento de homossexualismo feminino tão grande?


DANUSA — Eu ouço falar muito disso, mas não vejo tanto, sabe? Não sei onde elas andam, mas nos lugares aonde eu vou não vejo tanto. Eu transo muito bem com as bichas, mas com sapatão, não. Agora, eu aceito muito bem as pessoas como elas são e não me causa nenhum susto saber que alguém que eu conheço há anos virou o fio.


PLAYBOY — De qualquer maneira, a que você atribuiria essa onda de homossexualismo feminino?


DANUSA — Talvez tenha a ver com aquela história de fingimento de que nós já falamos. Talvez elas finjam menos entre elas, consigam conversar melhor. Pode ser também que, conhecendo o próprio corpo, elas achem melhor transar com uma pessoa que tenha o mesmo corpo. Além disso, entre elas não há aquela rivalidade macho-fêmea.


PLAYBOY — Deixando o sexo de fora, com quem você se dá melhor: com homem ou mulher?


DANUSA — Ah, mas, sem dúvida, me dou melhor com homem. Eu tenho algumas poucas amigas, mas, sei lá, mulher quer falar de roupa, de botão, e eu não quero falar disso. Eu prefiro saber o que aconteceu na Bolsa hoje, entendeu? Acho que eu tenho a cabeça um pouco masculina.


PLAYBOY — Você se sente atraída pelo homem que tem a cabeça um pouco feminina, como muitos hoje?


DANUSA — Claro, é bom que o homem tenha a cabeça um pouco feminina, porque compreende melhor a gente. Veja bem: um homem que tenha um pouco de cabeça feminina; que seja um pouco de esquerda, mas não demais, para não encher o saco; que seja um pouco de direita, para me levar a uma discoteca; que tenha viajado o suficiente, para eu não ter de explicar o que se come em Paris; que seja suficientemente esportivo para correr na praia comigo ou me levar ao Maracanã; que seja suficientemente elegante para me levar a uma festa de black-tie; que seja suficientemente porra-louca para ficar até 9 da manhã bebendo comigo; que seja suficientemente careta para poder encarar um tempo enorme deitado nesse sofá, comigo transando uma palavra cruzada enquanto ele lê um livro. Etc., etc. Esse homem não existe, entendeu? Não existe.


PLAYBOY — E então?


DANUSA — Bem, sabendo que esse homem não existe, você começa a ser mais tolerante e a pesar numa balança o que é mais importante. O que é mais importante: o cara que faz isso ou o cara que faz aquilo? E aí que você começa a dar um real valor às pessoas, de acordo com as suas necessidades do momento. Você se torna menos exigente e passa a transar melhor a sua vida.


PLAYBOY — Você definiu várias características que gostaria de encontrar num homem, mas não incluiu o sexo. Não é essa a imagem que as pessoas têm de você.


DANUSA — Realmente não. Mas essa é uma imagem errada que as pessoas têm de mim. Eu só começo a me interessar por uma pessoa a partir do momento em que a conheço bem. Nunca me aconteceu, por exemplo, estar na praia, passar um sujeito, eu pensar "Que bonito e gostoso", e partir para ele.


PLAYBOY — Nunca aconteceu nem você pensar?


DANUSA — Quer dizer, eu posso até ter pensado, mas isso ter despertado alguma coisa dentro de mim, nunca na vida. Pensar assim, "Eu queria dar para o Alain Delon", nunca, entendeu? Eu teria que, primeiro, conversar muito com ele, dar um clique na minha cabeça... Primeiro de tudo, a cabeça. Eu não sou muito ligada em sexo.


PLAYBOY — E por que há essa idéia de que você é tão ligada em sexo?


DANUSA — Não sei, por que será, hein? Quando penso no assunto, eu vejo que não sou. Pode ser — não sei, isto é uma hipótese — que, como eu passo muito tempo sem me interessar por homem nenhum, mas, quando me interesso, eu realmente me interesso... Talvez, fazendo uma média entre mim e as mulheres que se interessam o tempo todo, eu goste mais de sexo do que elas.


POR RUY CASTRO

FOTOS ADIR MERA


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