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DEBORA BLOCH | DEZEMBRO, 1996

Playboy Entrevista



Uma conversa franca com a Teodora de Salsa e Merengue sobre televisão, teatro, cinema, judaísmo, homens bonitos, tarados e outras peças raras


As doces bochechas sardentas que encheram a tela da TV em 1981, na novela Jogo da Vida, não existem mais. Elas pertenciam a uma garota judia de 18 anos, descendente de russos, poloneses e egípcios, cabelos encaracolados, sorriso largo e forte sotaque carioca. Naquela época, a mocinha era apenas a primeira das duas filhas do ator Jonas Bloch e trazia no currículo uma breve (mas elogiada) passagem pelo teatro, substituindo Lucélia Santos na peça Rasga Coração, de Oduvaldo Vianna Filho. Claro, ela continua sendo o orgulho do papai — "É a maior atriz do Brasil", diz Jonas — mas está diferente. As bochechas ganharam o contorno bem definido de um rosto anguloso. As sardas, agora protegidas do sol, quase desapareceram. Aos 33 anos, a menina virou mulher e brilha sob um nome estelar: Debora Bloch.


São várias as razões que a tornaram tão especial no showbiz nacional, mas a principal talvez seja o seu talento incomum. Debora é daquele tipo raro de atriz que consegue arrancar gargalhadas e espalhar sensualidade ao mesmo tempo — e isso sem ter de fazer o papel de uma idiota completa. Estava engraçada e exuberante nos três anos do programa humorístico TV Pirata. Arrancou aplausos e suspiros no primeiro episódio de A Comédia da Vida Privada, que ajudou a marcar como, de longe, o melhor de todos. O público a viu chorando em A Vida Como Ela É..., mas não sabia se se emocionava com a cena ou se observava as linhas de seus lábios grossos e (que jeito?), no final das contas, fez as duas coisas. Agora, quando a intrépida Teodora de Salsa e Merengue adentra o cenário da novela das 7 da Rede Globo, toda santa noite, milhões de telespectadores puxam um sorrisinho particular e sacodem a cabeça, como quem diz: "Essa garota é demais!"


Em se tratando de Debora Bloch, as dimensões são sempre espantosas mesmo. Está entre as atrizes mais disputadas do país (a ponto de causar ciúmes na Globo quando aceitou estrelara novela As Pupilas do Senhor Reitor, remake levado ao ar pelo SBT no ano passado), mas esta é apenas a sua quinta novela em quinze anos de carreira. Cinema ela fez mais, foram seis filmes — mas a gente sabe que a produção nacional não dá muito para o gasto no que diz respeito a popularidade. No teatro, seu habitat preferencial, Debora pinta e borda desde os tempos de adolescente no grupo Manhas e Manias, que veio acolchoado no boom do besteirol do início dos anos 80. E, contrariando a crença de que o Brasil só vai ao teatro quando não tem nada melhor para fazer, é justamente aí, no palco, que Debora exerce todo o seu fascínio de artista. "Sei que sou uma privilegiada que consegue viver de teatro, e viver bem", reconhece. A bilheteria de Fica Comigo Esta Noite, de Flávio de Souza, que atravessou quatro anos em cartaz e encantou 200.000 espectadores em todo o país, não a deixa mentir.


Outro prodígio de Debora é parecer aquele mulherão todo enquanto, na vida real, se equilibra num corpinho de 1,63 metro de altura e um peso que, segundo a dona, "está entre 50 e 52 quilos". Se é verdade que a felicidade no casamento e a maternidade só fazem a mulher ficar mais bonita, então está explicado. Não que ela um dia sonhasse entrar de branco na sinagoga — e jamais fez isso — mas, a seu modo, construiu uma família. Depois de sete anos de união com o diretor de fotografia Edgar Moura (o atual sr. Maitê Proença), casou-se com o modelo francês Olivier Anquier, hoje um feliz sócio-proprietário da boulangerie paulistana Pain de France e pai de sua filha, Júlia, de 3 anos. A família tem dois endereços: o apartamento do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, onde Debora fica três ou quatro dias por semana, quando está gravando a novela; e o de Higienópolis, São Paulo, com vista para as copas das árvores da Praça Buenos Aires. Foi lá que Debora recebeu a editora contribuinte de PLAYBOY Rosangela Petta, em uma das sessões marcadas para esta entrevista. Aqui, os comentários de Rosangela:


"Quando me sentei no sofá de veludo amarelo do velho e charmoso apartamento de Debora Bloch em São Paulo, a minha taxa de adrenalina já estava normal. Marcar esta entrevista foi uma das mais difíceis negociações que já enfrentei, incluindo aí a pensão alimentícia e a mensalidade escolar da minha filha. Quase um mês de suspense, atrás de uma resposta. Sim, a empresária achava que ela me receberia. Não, ela não tinha tempo, dizia a secretária. No fim de semana não dá, Debora fica em família ou viaja com o espetáculo Kean, com Marco Nanini. Durante a semana também fica difícil: ela grava de dia, de noite decora o texto.


"Insisti e me propus encontrá-la em qualquer ponto do território nacional, à hora que fosse. Tudo bem. Mas Debora queria saber o nome do fotógrafo, para quando estava prevista a publicação, quanto tempo ia demorar. Mala pronta e passagem de Ponte Aérea de São Paulo para o Rio na minha mão, a entrevista quase foi cancelada. Ela estava insegura, não confiava na imprensa. Naqueles dias, cada vez que o telefone tocava, era um calafrio.


"Nosso primeiro encontro ficou marcado na portaria principal do Projac, o imenso complexo de estúdios e cidades cenográficas da Globo, em Jacarepaguá, no Rio. Nos 11 minutos de atraso de Debora, respirei fundo e me esforcei para procurar a harmonia interior — será que ela vem? Veio. Chegou dentro de uma calo jeans e uma blusinha de malha preta, casaco de couro dobrado no braço, botas pretas, a mochila pendurada em um ombro. Preparada para topar com uma 'estrela difícil, suspirei de alívio quando bati os olhos nos cabelos dela: estavam desajeitadamente presos com grampos comuns, meio desalinhados, como os de uma mulher que não está esperando ninguém em casa hoje à noite.


"Tomamos um dos ónibus circulares do Projac e, no estúdio A, seguimos para a sala do cabeleireiro, onde os repuxos cruéis de uma boa escova transformariam Debora em Teodora. Fomos conversando assim, durante a maquiagem, no camarim, no intervalo do ensaio, na sala de descanso do elenco, na carona que ela me deu de volta à zona sul em seu Jeep importado, na casa dela em São Paulo, em longos telefonemas para tirar dúvidas. Só de fitas gravadas, foram 5 horas.


"Em São Paulo, na nossa última conversa ao vivo, ela confessaria: 'Eu controlo tudo, e a essa altura eu já sabia muito bem o que ela queria dizer. Debora detesta falar sobre a vida pessoal, é uma guardiã feroz de segredos de família, mede as palavras antes de responder e não sossega enquanto não repetir duas ou três vezes a mesma fala. Mas deixou escapar algumas emoções, cenas engraçadas e, sobretudo, uma dose incomum de sensibilidade."


[Entramos na sala onde o elenco de Salsa e Merengue literalmente faz a cabeça. Rosamaria Murtinho, com os pés sobre a penteadeira, rabisca o script. Victor Fasano parece um Ronald McDonald de terno com o topete desfiado para cima. Debora ocupa uma cadeira e se olha no espelho.]


PLAYBOY — Cadê aqueles seus cachinhos?


DEBORA BLOCH — Pois é, fui cortando meu cabelo aos poucos. Na minha profissão, não dá pra mudar de imagem de uma hora para outra. Então, em cada trabalho fui tirando um pouco. Ai!! [O cabeleireiro se desculpa, pede para Debora ter paciência e estica o cabelo dela com força para alisá-lo.] Nos anos 70, na minha adolescência, o legal era ter cabelo encaracolado. Eu andava na rua e as pessoas diziam: "Aí, Gal Costa!" Eu achava o máximo.


PLAYBOY — Você chegou a viver a época do desbunde?


DEBORA — Totalmente, tinha bolsa da Bahia... Aos 14 anos, viajei com minhas amigas pro Nordeste de ônibus e pegando carona. Foi muito bacana: fui pra Canoa Quebrada, Praia dos Franceses, Salvador... Muito legal. [Rindo.] Gente, como meu pai deixou?


PLAYBOY — Ele não achou perigoso?


DEBORA — Ficava meio preocupado, sim. Mas sempre fui muito livre e, ao mesmo tempo, muito responsável.


PLAYBOY — O que você quer dizer com "responsável"?


DEBORA — Ah, é que eu não aprontava. Era muito centrada, consciente. Não era maluca, porra-louca. E tenho impressão de que era diferente. Me lembro que saía pra ver shows aqui no Rio, com meus amigos, e voltava às 2 da manhã sozinha, de ônibus! Hoje em dia não faço isso.


PLAYBOY — Seu pai não dava bronca?


DEBORA — Meu pai nunca disse "não pode". Eu não era proibida de nada. Tudo era conversado lá em casa, entendeu? O fato de ter liberdade me deu muita responsabilidade: eu tinha que cuidar de mim.


PLAYBOY — Sua infância foi confortável, com dificuldade zero?


DEBORA — Foi normal. A família da minha mãe [a comerciante de jóias Rebeca Levy, depois Bloch] tinha grana, era muito rica, mas nunca fui rica. Meu pai sempre foi meio duro, por ser artista, ator de teatro, e ele dizia pra mim: "O que você quiser estudar, a gente dá um jeito". Mas não fui pra Disneylândia, essas coisas. Na primeira vez em que viajei pra fora do Brasil, eu tinha 21 anos, fui para um festival de cinema em Locarno [na Suíça] com o meu dinheiro. As coisas eram controladas. Mas sempre freqüentei ótimas escolas, estudei violão, balé, inglês. Ia muito a teatro, cinema, shows de música...


PLAYBOY — Com tantas atividades, dava tempo de namorar?


DEBORA — [Sorrindo.] Ah, dava! Mas não fui muito namoradeira, não. Eu queria ficar namorando, sempre me apaixonava pelos caras — mas eles não se apaixonavam por mim.


PLAYBOY — Por quê?


DEBORA — Ah. vai ver, eu me interessava por caras mais inacessíveis, né? Não sei, não me lembro... Não tive aquele namoradinho, sabe? Só fui namorar firme com 17 anos.


PLAYBOY — Mas timidez não era o seu problema, era?


DEBORA — [Risinho maroto.] Não, eu não era tímida.


PLAYBOY — Você era romântica?


DEBORA — Ah, eu sou romântica...


PLAYBOY — ... e eles só estavam a fim de transar.


DEBORA — [Pensando melhor.] Não, não é verdade isso: eu namorei, sim. [Uma pausa e uma risada.] Tô tentando me lembrar, isso faz tempo...


PLAYBOY — Você diz isso com 33 anos? Puxa, que vida movimentada!


DEBORA — Não! Ah, sei lá... Namorei, mas não era aquele namoro de anos. Era mais rápido, durava menos. Talvez por minha causa, não lembro direito.


PLAYBOY — Como por sua causa?


DEBORA — Ué, porque... [Pausa.] Sei lá, eu não queria continuar namorando. Me lembro de dois caras por quem me apaixonei e não quiseram me namorar. E me lembro de um que, depois, enjoei.


PLAYBOY — Com que idade você descobriu o sexo?


DEBORA — Acho que... [Longa pausa.] Precisamente não sei. Uns 15, 16...


PLAYBOY — Você estava apaixonada?


DEBORA — É, e ele não quis me namorar. Só um pouco, eu queria mais.


PLAYBOY — Na sua cabeça, sexo vinha embalado pelo amor?


DEBORA — Acho que mulher é meio assim, né?


PLAYBOY — Nem todas. Muitas da sua geração transaram pela curiosidade, porque não queriam mais ser virgens...


DEBORA — [Pensando.] Acho que, no meu caso, estava ligado com o afeto, sim. Mas não foi uma coisa racional, de jeito nenhum. Transei porque, enfim, pintou uma coisa, um tesão, mas não que eu achasse que ele era o homem da minha vida. E aí, fui ficando apaixonada e tal...


PLAYBOY — Como foi a experiência da primeira vez?


DEBORA — [Indiferente.] Foi ótimo. Todas as minhas amigas já não eram mais virgens, acho que fui uma das últimas. Você pode me dar um cigarro? Fiquei quatro anos sem fumar, mas acabei voltando no começo do ano, quando fiz A Vida Como Ela É... [Acende o cigarro, traga, solta a fumaça e volta ao assunto.] Mas eu tinha namorado antes disso, né?


PLAYBOY — Sei. Beijos, amassos.


DEBORA — É. Só não tinha transado. Agora tô me lembrando: era uma coisa ligada ao afeto, sim. Eu achava que ia namorar ele, por isso transei. Namoramos um tempo, só que um dia procurei ele, e ele disse: "Ah, não, vou fazer outra coisa". Fiquei tão triste! Curti uma fossa.


PLAYBOY — Você talvez tenha pertencido à última raspa pré-Aids.


DEBORA — Também tem isso. Na minha época a gente usava diafragma, mas não camisinha. Era uma coisa totalmente livre.


PLAYBOY — E nem assim você foi namoradeira?


DEBORA — Não era muito, não sou até hoje... Fui casada sete anos com o Edgar [Moura] , depois me separei e casei com Olivier [Anquier] , antes de casar com Edgar namorei o Cacá [o ator Eduardo Lago] três anos. Eu procuro mais qualidade do que quantidade de relação. Sei lá, acho que sou até meio careta.


PLAYBOY — Edgar Moura, Olivier Anquier: você só gosta de homem bonito?


DEBORA — Acho que foi por acaso.


PLAYBOY — O que é importante em um homem pra você — não vá falar que é o caráter e a inteligência, tá?


DEBORA — Mas não acho que existe isso. Você se apaixona ou não. É uma química de você com a pessoa.


PLAYBOY — Você quis ter filhos no primeiro casamento?


DEBORA — Eu queria, mas estava mais preocupada com o meu trabalho. Tinha 21 anos e o Edgar, 35. Eu achava que ia ser mãe, mas não tinha uma vontade real. Acho que ainda não tinha maturidade.


PLAYBOY — Vocês tiveram a clássica crise dos sete anos?


DEBORA — [Levemente irritada.] Eu não gosto muito de falar das minhas relações porque acho que expõe a outra pessoa. Não gosto de abrir a minha vida assim. Porque a pessoa pública sou eu, né?


PLAYBOY — Mas pode falar em termos gerais. Fidelidade é importante pra você?


DEBORA — Não é uma bandeira. Agora, não sou dispersiva, sou uma pessoa fiel, que cultiva a relação. Também não sou moralista, é uma maneira de me relacionar. Acho bacana conservar essa cumplicidade com a pessoa.


PLAYBOY — E espera isso do outro também?


DEBORA — É. [Pausa.] Eu não debato isso na minha casa, entendeu? Tenho uma relação tranqüila com isso.


PLAYBOY — Você não é ciumenta?


DEBORA — [Enfática.] Eu sou, quem não é? Acho que faz parte. Mas não é um sentimento para o qual eu dê muita força. Não cultivo o ciúme. Esse ciúme fantasiado é uma energia desperdiçada. Eu não me preocupo. Temos uma vida, eu e o Olivier, que se a gente for ter ciúme... Eu tô no Rio trabalhando, ele tá em São Paulo trabalhando... Não é que eu não tenha ciúme do Olivier. Tenho. Mas tenho ciúme dos meus amigos também. Isso tá ligado ao amor. Só que a minha relação com ele não passa muito por aí. Ele me ama, eu amo ele, a gente tem uma vida muito voltada pra gente, pros nossos amigos, pra nossa filha.


PLAYBOY — E ele? Tem ciúme de você?


DEBORA — Também, igual ao que eu tenho dele.


PLAYBOY — Mas ele não tem que beijar ninguém no trabalho.


DEBORA — [Rindo.] É, um problema, tem esse pequeno detalhe... [Suspirando.] Trabalho, né?


PLAYBOY — Ele já reclamou disso?


DEBORA — Ah, depois você pergunta pra ele [risos] . Não deve ser muito bom. Acho que eu detestaria que o Olivier fosse ator. De-tes-ta-ri-a!!!


PLAYBOY — Você já fez cena de ciúme na vida real?


DEBORA — Já.


PLAYBOY — Pode-se saber como foi?


DEBORA — [Impaciente.] Ah, não me lembro exatamente. Sei lá, impliquei com alguma coisa. Mas tenho um olhar crítico sobre tudo e, depois, sempre acho que ficou meio ridículo.


PLAYBOY — Nossa, que mulher equilibrada você é!


DEBORA — Equilibrada, não: é a maneira como se constrói a relação, entendeu? Imagina se eu ficar alimentando o meu ciúme e o Olivier, o dele. Vai virar um inferno, não acha? Vou ficar botando minha energia nisso, sempre tensa? É chato viver assim.


PLAYBOY — Você é muito assediada?


DEBORA — Às vezes. E eu acho que as pessoas sabem que sou casada.


PLAYBOY — Até parece que isso impede alguém de jogar charme...


DEBORA — Mas eu não sou tão paquerada assim!


PLAYBOY — Tudo bem, então: naquelas duas vezes em que aconteceu, o que você fez?


DEBORA — Fingi que não percebi. Não dou muito espaço também. [Sorrindo.] Saio com charme.


PLAYBOY — Algum fã já aproveitou os cumprimentos no camarim para tirar uma casquinha?


DEBORA — Comigo, nunca aconteceu. Teve um cara que apareceu querendo casar comigo, pode? Casar mesmo! Foi há uns dez anos, quando eu estava no grupo Manhas e Manias.


PLAYBOY — E a história de que você começou a andar com guarda-costas?


DEBORA — Não foi bem assim. No começo do ano, eu estava com o espetáculo Cinco Vezes Comédia em cartaz no Canecão [casa de espetáculos do Rio de Janeiro] e tinha um cara que ficava me esperando na saída toda noite. Um cara esquisitíssimo. Carregava uma maleta, ficava com a mão no bolso, olhando, muito estranho. Um dia, ele acabou me entregando um bilhete bem obsceno, muito tarado. Fiquei com medo, né? Aí, os seguranças do Canecão passaram a me acompanhar na saída do espetáculo.


PLAYBOY — O cara esquisito sumiu?


DEBORA — Nada! Tempos depois, eu estava me preparando para gravar um episódio de A Vida Como Ela E... e, de repente, ele estava lá, fazendo figuração. Fiquei assustada, contei a história pras pessoas, aí a Malu [Mader] disse que ela também tinha sido seguida por ele, um horror. Dispensaram o cara.


PLAYBOY — E cantada de mulher, você já levou?


DEBORA — Já levei, sim, na época de Bete Balanço [o segundo filme estrelado por Debora, dirigido par Lael Rodrigues, 1984]. Acho que foi por causa de uma cena minha com a Maria Zilda, tinha um clima meio assim, sabe?


PLAYBOY — E como você reagiu?


DEBORA — Ah, normal. [Pausa.] Não fiquei a fim, né? [Risos.] Fiz que não estava entendendo.


PLAYBOY — Algum ator já tomou liberdades com você durante uma cena mais caliente?


DEBORA — Não, sempre trabalhei com atores muito profissionais. As pessoas acham que uma cena de romance é uma coisa envolvente, mas é uma cena, você está em tensão. Não está relaxada, está representando. Eu não sei... Acho que essas coisas fazem parte da tua disponibilidade: se eu estiver solteira, sozinha, convivendo todo dia com uma pessoa que me atrai, pode acontecer. Como pode acontecer com uma funcionária pública


PLAYBOY — Só que, numa repartição, ninguém se atraca com o colega...


DEBORA — [Rindo.] Exatamente. [Vamos para a sala de maquiagem, é a própria Debora quem se prepara. Alguém entrega a ela uma versão em espanhol da peça A Partilha, de Miguel Falabella]. Tô mandando este texto pra Marisa Paredes [atriz espanhola, estrela de A Flor do Meu Desejo]. Quando o Pedro Almodóvar [cineasta espanhol que lançou Antonio Banderas] esteve no Brasil, fui convidada pra sair com ele, a Marisa e mais um pessoal. Era um grupo de brasileiros e espanhóis. Fomos jantar.


PLAYBOY — E que tal o Almodóvar?


DEBORA — Na dele. Normal.


PLAYBOY — O Almodóvar, normal???


DEBORA — [Maquiando-se.] É, muito legal. Acho que espanhol é parecido com a gente. Eles são ótimos, são muito a nossa praia, com um humor muito parecido com o nosso. Aí, conversando com a Marisa Paredes, ela falou que estava querendo voltar a fazer teatro, que estava procurando textos, e me perguntou sobre autores interessantes. E nós temos tantos! Vou mandar pra ela


PLAYBOY — Nesse jantar ventilou-se a possibilidade de você fazer cinema sob a direção do Almodóvar?


DEBORA — Eu não falo espanhol...


PLAYBOY — Isso se aprende.


DEBORA — Eu sou totalmente fã do Almodóvar, mas não vou me sentar numa mesa com ele e ficar falando de trabalho. Provavelmente era a última coisa que ele estaria a fim de conversar. Não falamos nada disso.


PLAYBOY — Vocês falaram de quê?


DEBORA — Ficamos conversando lá... Falei mais com a Marisa, sobre o Brasil, sobre cinema e tal. Mas não falei exatamente que gostaria de fazer um filme com ele.


PLAYBOY — Ninguém precisa ser tão explícito.


DEBORA — Ah, mas que eu gostaria, gostaria! [Risos.] Sou apaixonada por cinema, como atriz e espectadora. Fui uma adolescente que ia à cinemateca ver [o diretor espanhol Luis] Buriuel, [os diretores franceses Jean-Luc] Godard, [François] Truffaut...


PLAYBOY — Quando você via esses filmes, falava: "Eu quero fazer cinema"?


DEBORA — Falava. Quer dizer, ser atriz ainda não era uma coisa que estava decidida Quando fiz o primeiro filme, Noites do Sertão [de Carlos Alberto Prates Corrêa, 1984], foi muito importante pra mim. Eu não tinha lido João Guimarães Rosa [romancista mineiro e autor de Buriti, que inspirou o filme] e, aí, me apaixonei e me identifiquei totalmente com a personagem, Maria da Glória. Eu nasci em Minas, mas saí de lá com 6 anos de idade, tinha pouquíssimas lembranças de lá. Mudei pra São Paulo, fiquei sete anos, depois fui pro Rio. Fui uma garota muito mais paulista e carioca do que mineira.


PLAYBOY — Seu pai é carioca, mas sua mãe é mineira. Ela não passou pra você uma certa mineiridade?


DEBORA — Eu tava muito distante de tudo isso. E aí fui pro sertão de Minas, passei quatro meses em fazendas perto de Belo Horizonte, Montes Claros, Corinto... E também tinha o Milton [Nascimento] no filme, fiquei conhecendo o [compositor] Tavinho Moura, fiquei muito com as pessoas de lá. Eu "viajei" naquele universo do Guimarães! Fiquei estudando, li um monte de livros dele, estudando o jeito das pessoas falarem. [Imitando.] No filme faço um sotaque assim bem mineirim, sabe? E, ainda por cima, tava fascinada por fazer cinema pela primeira vez.


PLAYBOY — O que você descobriu nessa "viagem" no Guimarães Rosa?


DEBORA — O Guimarães tem uma coisa meio arquetípica, como o [autor teatral e cronista] Nelson Rodrigues tem: o universo interior dos personagens. Eles podem estar em toda parte. Eu tinha uma experiência muito recente que tinha a ver com a minha personagem, Maria da Glória: a descoberta da sexualidade, a curiosidade, a atração pelo primeiro cara que ela conhece, tudo isso tava ainda muito fresco em mim. Além disso, apesar de ter sido uma adolescente de cinemateca, eu gostava de ir pro mato, de tomar banho de cachoeira, andar descalça. Com 17 anos aluguei uma casa em Visconde de Mauá [região serrana no sul do Estado do Rio de Janeiro] com uma amiga num lugar que não dava nem pra chegar de carro. Então curti essa relação que a personagem tinha com a natureza. O Guimarães usa os símbolos que a natureza tem, né? Então o buriti era aquela palmeira, aquela força, aquele símbolo fálico... Tinha a relação da Maria da Glória com o cavalo, uma coisa bonita. Eu tive essa compreensão profunda da personagem. As vezes acontece essa química da atriz com determinado universo. São momentos raros e especiais.


PLAYBOY — Você achou mais difícil fazer cinema?


DEBORA — Achei mais fácil. A televisão dá muita cancha pra fazer cinema, apesar de ser diferente, e eu vinha de duas novelas [Jogo da Vida, 1981, e Sol de Verão, 1982] . Por causa do treino. Na televisão, durante meses você faz uma quantidade louca de cenas. O ator é como um atleta, vai treinando e fica em forma. Só lamento não fazer mais cinema. Adoro.


PLAYBOY — Por que os atores adoram fazer cinema no Brasil se não tem tanto filme assim e nem a grana é lá grande coisa?


DEBORA — Pra mim, o cinema é bom de fazer porque se trabalha mais meticulosamente. Tem tempo pra ensaiar. Você não faz trinta cenas em um dia, faz uma só. É tudo mais elaborado. Então, acho que você consegue ter mais controle sobre o trabalho. Isso te ajuda porque o teu trabalho também fica melhor. É uma coisa do conjunto. Mas nem todo o mundo acha gostoso. Tem atores que não gostam de esperar fazer a luz. [Pigarreia.] Olha, também pode ser ruim fazer cinema. Acho que não é exatamente o veículo que te dá prazer, é o texto, a personagem. Gosto de representar e fazer bons textos, entendeu? Seja na TV, seja no teatro, seja no cinema. Acho que tudo começa no bom texto.


PLAYBOY — Você é fiel ao que está escrito ou enfia uns cacos?


DEBORA — Quando o texto é bom, não é preciso interferir. O difícil [para um ator] é fazer um texto ruim.


PLAYBOY — E o que é um texto ruim?


DEBORA — Ah, é um texto mal escrito, em que os diálogos não são bons, não são bem trabalhados. Quando o texto é bom, você não precisa inventar. Você tem que entender e realizar. Por exemplo, com o texto da Teodora, não improviso nada.


PLAYBOY — Você gosta de improvisar?


DEBORA — Não, prefiro um texto bem amarrado. No espetáculo Cinco Vezes Comédia, não botei um caco — não gosto muito de botar caco, na verdade. Acho que afrouxa o espetáculo. O caco às vezes é uma certa sedução com a platéia. Mas quando o ator se deixa seduzir pelo riso, ele se estrepa. Você perde o tempo, o fio da história. Claro que nem sempre você improvisa porque o texto está ruim. Depende de que texto você está falando. No filme do Walter Lima Jr. [A Ostra e o Vento, ainda inédito], a gente foi criando a cena junto. Ele tinha um roteiro ótimo e minha personagem era pequena. Mas ele falou: "Eu tava com medo de te chamar porque o papel é tão pequeno, mas já que você aceitou fazer, vamos aumentar". Então, às vezes improvisam-se coisas boas, que acrescentam. [Pausa.] Agora, sou uma pessoa que tem muita opinião.


PLAYBOY — A-há!


DEBORA — Porque o trabalho do ator não é solitário, é de conjunto. Ele é mais um ser pensante e criador. Quando tenho uma opinião a dar, eu dou.


PLAYBOY — Pra quem. Para o diretor?


DEBORA — É. Quando fui chamada pra fazer Bete Balanço, não gostei do roteiro e não quis fazer. Aí a Tizuka [Yamazaki, diretora de cinema], que era diretora de produção do filme, insistiu e falou: "Vamos mudar, dê o seu palpite". Ao mesmo tempo, a equipe era legal, tinha o Cazuza, o pessoal do Barão Vermelho, Lobão, o Diogo [Vilela], o Edgar [Moura] fotografando, então tinha algo atraente naquilo tudo. Mas eu achava o roteiro fraco, como acho até hoje. Podia ser muito melhor.


PLAYBOY — Pelo jeito, você não gosta desse trabalho.


DEBORA — Não, acho que é um filme bacana. Teve a sua função, tinha a ver com a época dos grupos de rock que começavam a surgir, enfim... Teve muito público num tempo em que o cinema estava em baixa e era um filme nacional feito sem dinheiro da Embrafilme. Supervaleu! Mas podia ser melhor. A gente tem muito bom autores.


PLAYBOY — Quantos: poucos, muitos, o suficiente?


DEBORA — [Pausa] O suficiente. Não sei se temos muitos, não. Temos autores muito bons. Mas também acho que é difícil ter muitos, no Brasil ou em qualquer lugar, porque é diferente do ator que, com 20 anos, já tá trabalhando. O trabalho do autor requer amadurecimento, tempo. É mais lento um autor ficar bom e aparecer. [Alguém da produção pergunta se ela já terminou a maquiagem, Debora responde que só falta o batom, precisa trocar de roupa logo.] Olha, também não tô falando mal de Bete Balanço. Talvez eu reveja o filme e ache outra coisa.


PLAYBOY — Já aconteceu de você aceitar um papel, começar a ensaiar e depois desistir?


DEBORA — Só um segundo, deixa eu me vestir. [Vamos ao camarim, onde há uma camareira de prontidão ao lado de dúzias de cabides com o figurino que Debora usa na novela. Ela se livra da roupa, fica de calcinha e sutiã preto e revela um corpinho de boneca: branquinho, sem marcas de maiô ou biquíni, nenhuma barriga, bumbum e coxas firmes, tido delicadamente longilíneo. Em menos de 5 minutos, está pronta e volta ao assunto]. Desistir de um trabalho? Ou eu não aceito desde o começo ou, se aceito, vou até o fim. Sou caxias, procuro fazer o melhor possível. Não sei entrar friamente no trabalho. Talvez isso venha da minha formação em grupo de teatro, acho que faz parte participar, discutir o figurino com o figurinista, discutir sobretudo com o diretor. Isso não é uma teoria que eu boto em prática. Eu sou assim.


PLAYBOY — O que você achou de Sônia Braga abandonar as gravações da novela Antônio Alves, Taxista, do SBT, porque detestou o texto?


DEBORA — Acho que ela fez o que achou que devia fazer. Não acompanhei, não conversei com ela, não sei dos problemas... Vai ver, ela não agüentou. Não tô aqui pra julgá-la, nem a ela nem ao SBT. Mas eu não consigo fazer isso. Não sei, acho estranho também dizer que dessa água não beberei. [Saímos do camarim e pegamos um café na ante-sala do estúdio de gravação, onde estão Walmor Chagas, Nélson Xavier, Victor &sano e Rosamaria Murtinho. Debora dá um alô aos amigos e segue para a sala de leitura do elenco, onde ficamos a sós] . Não consigo largar um trabalho, assim. A Fernandinha [Fernanda Torres, atriz] fala que sou pé-de-boi. Eu encaro mesmo. Mas sempre procurei escolher os meus papéis. Por isso me tornei produtora dos meus espetáculos, para ter mais controle sobre o trabalho.


PLAYBOY — Você já bateu boca com algum diretor?


DEBORA — Eu não sou brigona! É engraçado porque pareço, né? Outro dia um menino que trabalha comigo falou "Nossa, como você é brava", mas não gosto de brigar. Tenho horror a relações hostis.


PLAYBOY — Você nunca brigou?


DEBORA — [Longa pausa.] De trabalho, assim? Não. Sou uma pessoa firme, discuto, mas se chegar perto da briga eu paro. Tiro meu time de campo, não seguro essa onda. Essa coisa de ficar sem falar com uma pessoa, pra mim, é a morte. Diz o [ator e autor teatral] Pedro Cardoso que eu sou muito educada. Sei lá, não consigo mandar a pessoa tomar no cu, impossível.


PLAYBOY — E se fazem isso com você?


DEBORA — Ah, eu fico arrasada! Viro um carneirinho. Não sei lidar com essa situação.


PLAYBOY — Mas o meio artístico é muito competitivo.


DEBORA — Não sei se tenho um julgamento errado a meu respeito, mas não me acho competitiva. Prefiro me aliar a competir.


PLAYBOY — É uma estratégia, então.


DEBORA — Não, é uma natureza. Porque a estratégia faz parte da competição, né? É lógico que, às vezes, você sente um clima competitivo, mas é outra coisa com a qual eu também não sei lidar muito bem. Não gosto.


PLAYBOY — Você já levou rasteira?


DEBORA — [Pausa.] Como assim?


PLAYBOY — Uma rasteira profissional, uma cafajestada de algum colega.


DEBORA — [Pausa.] Não... eu... é...


PLAYBOY — Você fica triste.


DEBORA — Fico. Triste e magoada. [Alguém da produção entra e a chama para gravar uma cena, Debora vai ao banheiro e sai falando] Eu estava pensando agora que, quando você compete, é porque não tá satisfeita com você mesma.


PLAYBOY — É sinal de insegurança?


DEBORA — Totalmente. Eu acho isso, sei lá... [Interrompemos a entrevista para a gravação da novela. O diretor geral, Wolf Maia, indica os movimentos da cena, Debora faz caretas, a equipe fica às gargalhadas. Meia hora depois ela retoma o assunto]. Olha, também não sou

nenhuma santa. Só que, quando detecto em mim um sentimento competitivo, falo: "Epa, tenho que entrar em outra". Esse sentimento é normal no trabalho que faço, mas não dou força. Não acho um sentimento bom.


PLAYBOY — No sentido judaico-cristão ou pra você mesma?


DEBORA — Pra mim. Não leva a nada. Tenho que me concentrar em mim, no meu trabalho. Quando sinto que estou ambicionando o que não é meu ou competindo internamente com alguém, eu tô errada.


PLAYBOY — Você sente inveja? [Debora faz cara de quem nunca ouviu essa palavra.] Inveja de uma atriz mais experiente. Ou da Demi Moore.


DEBORA — [Longa pausa.] Não sei dizer. Acho que esses sentimentos vêm quando você fica se comparando com os outros, entendeu? Esta é uma profissão que dá insegurança, você tem entressafras: momentos em que está fazendo o que gosta e outros em que queria estar fazendo isso ou aquilo, mas não conseguiu. Acho tudo isso meio bobagem, sabe? É uma energia que você gasta mas que não é produtiva, não se transforma em nenhum benefício.


PLAYBOY — Mudando a pergunta, então. Para que atriz você olha e diz: "Eu queria ser assim"?


DEBORA — Às vezes eu penso como gostaria de ter essa genialidade que a Marília [Pêra], que a Fernanda [Montenegro], que a Regina [Case] têm. São totalmente diferentes, mas cada uma é uma gênia na arte de representar. Aí é que tá: não tenho inveja, quero é poder chegar lá. Tenho admiração.


PLAYBOY — Muita gente anda reclamando da presença de modelos nas novelas. Glória Pires chegou a dizer que, às vezes, custa para a cena deslanchar quando está trabalhando com uma pessoa que não sabe representar. Você concorda?


DEBORA — Independente de ser modelo ou não, né?


PLAYBOY — Sim, mas são pessoas cujo trunfo principal é o rosto bonito.


DEBORA — Acho que fazer uma cena é como um jogo em que a bola tem que rolar. Quando você joga a bola e ela não vem, fica difícil. Porque é tempo, é silêncio, é precisão, é música. Há uma partitura numa cena. Então, numa orquestra, se alguém não tá tocando bem, o espetáculo não acontece. No teatro isso é mais evidente. Na televisão tem o corte, o Glose, a edição, tudo isso pra ajudar. Mas, com um bom ator, é mais fácil fazer um gol.


PLAYBOY — E o que você faz quando a bola não rola?


DEBORA — Eu não tive essa experiência. [Pensando melhor.] Não, mentira, á tive essa experiência, sim, com uma pessoa que... Ah, é difícil falar... Eu tento fazer o melhor. E tenho tido a sorte de trabalhar com pessoas que admiro e que considero bons atores.


PLAYBOY — Você não se ressente de ver entrar no mercado...


DEBORA — [Cortando.] Não, eu não acho bom. São duas coisas diferentes. Acho que todo o mundo tem direito de querer ser ator, desde que tenha talento. Seja modelo, seja... seja...


PLAYBOY — Miss Brasil, como a Vera Fischer foi, em 1969.


DEBORA — É um bom exemplo. Ela foi crescendo e virou uma puta atriz. O que eu acho é que há uma trajetória a se cumprir, entendeu? O erro é uma pessoa virar atriz da noite pro dia só porque é bonita. Tem que ter talento, dedicação, tem que estudar, trabalhar. O que tá acontecendo é uma ditadura da beleza, e sou contra. A beleza, hã... Todo o mundo busca o belo, mas representar é outro departamento. Aí, não acho justo quando um bom ator, que tem um passado, um caminho percorrido, deixa de ser chamado para fazer um personagem porque se opta por uma outra pessoa só porque ela é bonita. Não é esse o nosso trabalho. Isso não tá correto. Não pode, de repente, ser o protagonista das [novelas das] 8 só porque é bonito. É uma inversão de valores. Algumas pessoas argumentam que isso vende, que dá ibope, mas não é verdade.


PLAYBOY — Não é verdade mesmo?


DEBORA — Não, quer dizer, vende, dá ibope, mas cada coisa no seu lugar. A televisão é uma indústria, mas e daí? Isso é bom pro pessoal da contabilidade. E até quando? A televisão também precisa dos bons atores pra segurar a onda. Havia uma época em que só grandes atores faziam os protagonistas da novela. Mesmo que o texto fosse aquele folhetim, era um jogo de bola, era um prazer ver aqueles atores. Hoje em dia, quando você tem um monte de pessoas que não tem essa cancha, a coisa fica frágil, fica ruim.


PLAYBOY — O que aconteceu? Os grandes atores envelheceram, não vieram novos talentos?


DEBORA — [Mexe-se no sofá.] É um assunto delicado. Não quero julgar essas pessoas, elas estão no papel delas, batalhando um trabalho. Faço uma crítica é a essa inversão de valores, que é muito perigosa. Precisa ter beleza interior também [risos].


PLAYBOY — Você é vista como uma atriz que tem as duas coisas: talento e beleza exterior.


DEBORA — Não acho que sou bonita, não tenho a beleza padrão. Eu só sou bonita porque sou atriz. Não tenho uma beleza de modelo. [Pausa.] Infelizmente, porque adoraria ter [risos].


PLAYBOY — Mas você já fez alguns desfiles, não?


DEBORA — É, mas não gosto de desfilar. O que eu quero dizer é que isso tudo vulgariza o trabalho do ator e [indignada] as pessoas começam a achar que aquilo é bom! O nível de exigência cai! Parece que basta ter o texto de cor — [mas] representar não é isso. [Pausa.] Também parece que eu tô me auto-elogiando, não é isso. Gosto de ver ator representando. É uma arte. Então, começa fazendo um papel pequeno e um dia, se tiver talento... A mim me incomodaria se tivesse de fazer papel de coadjuvante de uma pessoa que é só bonita. Não, não faço.


PLAYBOY — Você recebe alguma cobrança, tipo precisa engordar, precisa emagrecer, precisa cortar o cabelo?


DEBORA — Tenho uma exigência de mim comigo mesma. Sou vaidosa, gosto de estar legal. Gosto de fazer exercícios, não só pelo resultado estético, como pelo prazer. Desde os 9 anos eu fiz balé. Agora, acho que essa ditadura da beleza é um inferno na vida das pessoas, principalmente na da mulher. Sou magra porque controlo a minha alimentação, procuro o que é mais saudável, e adoro nadar, fazer ginástica. Isso já se tornou parte do meu cotidiano, é até um momento de relaxamento, de concentração [em mim mesma]. Pro teatro é muito importante estar bem preparado fisicamente, por causa do fôlego. É igual a entrar em campo. O ator precisa de energia, estar ágil.


PLAYBOY — Você já foi gorda?


DEBORA — Não. Mas cuido da minha alimentação. Vou ao nutricionista pra ver o que é legal comer, pego um personal trainer... E, depois, é o seguinte: quero ter a cara da minha idade. Quero ser uma mulher bacana de 33 anos, com um corpo legal de mulher que já tem filho. Quando era mais jovem, era rechonchudinha, comia erradamente, mas não ligava.


PLAYBOY — Quando? No tempo em que você e sua irmã foram morar com o Jonas? [Debora e a irmã, Deni, foram morar com fonas Bloch quando tinham, respectivamente, 11 e 8 anos; hoje Deni faz comerciais e é dona de um bufê infantil em São Paulo.]


DEBORA — Não tinha horários rígidos, sobretudo porque a casa do meu pai não era preparada para crianças. A. gente ia muito pro teatro com ele porque não tinha com quem ficar.


PLAYBOY — Ele não se casou de novo?


DEBORA — É, mas a mulher dele [Dolores Fernandes] era bailarina e também fazia espetáculo à noite. Isso tudo teve um lado maravilhoso: minhas amigas adoravam ir lá em casa. Meu pai era meio hippie. Lá em casa não tinha sofá, eram almofadas no chão. A gente pregava os quadros junto, todo o mundo escolhia onde que ia ficar o quadro, e tinha um porão onde meu pai fazia o ateliê de pintura dele, um lugar mágico onde a gente fazia papel machê. Quando ele tava ensaiando uma peça, o grupo de teatro ia todo pra lá e ficava fazendo os figurinos. Era completamente diferente de uma família convencional.


PLAYBOY — Sua casa vivia cheia?


DEBORA — Minhas amigas ficavam encantadas. Ao mesmo tempo, eu adorava a casa delas porque tinha a mãe esperando quando a gente chegava da escola, tinha aquela mesa onde toda a família comia junto numa mesma hora. Eu adorava aquele aconchego, sabe? Eu gostava desse clima também. Tenho necessidade do núcleo familiar.


PLAYBOY — Isso tem a ver com a separação dos seus pais?


DEBORA — Tem a ver com a minha história pessoal, de infância, né? Adoro família, tenho vontade de ter uma família grande, acho bacana. É uma coisa que eu quero construir.


PLAYBOY — Seus pais se separaram quando você tinha 6 anos...


DEBORA — [Pensativa] Sete. Eu tinha 7 anos. Logo que a gente se mudou de Belo Horizonte para São Paulo, meus pais se separaram. E... eu... sentia muita falta dele, assim... [pausa]


PLAYBOY — Você ficou magoada?


DEBORA — Não, fiquei com saudade. Nesse período, morei um tempo com a minha mãe no Rio. Depois, fui morar com meu pai em São Paulo.


PLAYBOY — Por que você foi morar com seu pai?


DEBORA — Minha mãe teve um problema de saúde e eu não vou falar mais sobre isso, tá?


PLAYBOY — Foi alguma coisa grave?


DEBORA — [Incomodada.] Ela ficou internada e a gente ficou com meu pai esse tempo, foi isso.


PLAYBOY — Mas ela se recuperou e você não voltou a morar com ela.


DEBORA — [Disfarçando a irritação.] É, a gente ficou morando com o meu pai.


PLAYBOY — Sua mãe não ficou com ciúme, não?


DEBORA — Ah, acredito que deve ter sido difícil pra ela, sim.


PLAYBOY — Você sempre fala mais do seu pai, o Jonas Bloch.


DEBORA — É porque ele é mais conhecido, né?


PLAYBOY — Então vamos falar da sua mãe agora. Como é a Rebeca?


DEBORA — [Pausa.] É superlegal a minha mãe. Depois que a minha filha nasceu, foi muito bacana, assim... Ela costuma me dar a maior força com a Júlia, é uma superavó, super-presente. E é uma pessoa muito positiva.


PLAYBOY — O que você acha que herdou dela?


DEBORA — Ah, muita coisa. Minha mãe, ela... é... Eu acho que tenho essa coisa da vida doméstica, de organizar a casa. Sou superorganizada e... Sei lá, não sei muito bem... Acho que é isso.


PLAYBOY— Ela é a típica "mãe judia"?


DEBORA — [Pausa.] É, um pouco.


PLAYBOY — Você não viveu a tradição do judaísmo?


DEBORA — Muito pouco, quando era criança, nas festas. Quando eu morava com a minha mãe, ia às festas em casa de tio, aos jantares da minha avó. Depois que a minha avó [materna] Básia morreu, infelizmente pararam as festas. Minha família nunca foi ortodoxa, mas estudei em escola judaica [o extinto colégio Scholert] de esquerda, lá no Bom Retiro [tradicional bairro da colônia judaica de São Paulo].


PLAYBOY — Você não tomava banho de sol na Hebraica [clube da elite judaica paulistana]?


DEBORA — [Rindo.] Não, não.


PLAYBOY — Você militou nos seus tempos de estudante?


DEBORA — Eu participava do grêmio da escola, ia a passeatas. Minha militância era assim.


PLAYBOY — Você ainda acredita em esquerda?


DEBORA — Acredito em justiça social, em liberdade democrática. Acredito no socialismo moderno, não naquele socialismo dos anos 70. O mundo mudou, acho que aprendemos um pouco com isso, né? Essa coisa pragmática e radical, acho uma babaquice. Os modelos ficaram meio velhos e acho bom que tenham ficado. Como disse o Caetano [Veloso], seria bom a gente [no Brasil] encontrar o nosso modelo de justiça social e econômica, que a gente encontrasse soluções dentro da nossa maneira de ser, sem perder a nossa alegria e o que a gente tem de mais bacana, que é a criatividade. Acho que a gente tem que encontrar um socialismo brasileiro. Acredito que possa existir uma distribuição de renda mais justa. Mas falta tempo, História, não sei o que é que falta... Falta eleger bem os nossos representantes, né?


PLAYBOY — Que tal o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso?


DEBORA — Acho que ele fez coisas bacanas, mas há muito o que ser feito ainda. A coisa que mais me preocupa são as crianças. Urge um projeto de educação, um projeto pra tirar essas crianças da rua. Assim como se empenhou em não voltar à inflação, em estabilizar a economia, investiu-se muito dinheiro nos bancos. Agora, esse mesmo dinheiro tem que ser investido em educação. Educação e saúde. Porque é inadmissível a situação do Brasil. E revoltante. Se houver reeleição, acho que é um compromisso básico do presidente. Eu confio no Fernando Henrique, mas acho que tá pegando. Enquanto essa questão não for tocada, não vou achar que ele fez um bom governo. Tá faltando isso.


PLAYBOY — Nos seus tempos de estudante, você discutia a questão judaica?


DEBORA — Não era uma coisa muito presente, até porque essa escola tinha um outro enfoque, mais voltada pros temas humanos. Estudei hebraico e iídiche [idioma das comunidades judaicas da Europa Central do século XIV que misturava alemão arcaico, hebraico e influências eslavas], mas não sei falar direito nenhum dos dois. O primeiro adjetivo que vinha, pra mim, era "brasileira". Com o tempo, fui descobrindo que o judaísmo é uma herança que tá com você, independente do que você queira. É como ser negro. Tem um lado exterior também, quando sou colocada como judia.


PLAYBOY — Quando isso acontece?


DEBORA — Numa entrevista, por exemplo. Socialmente, as pessoas te classificam como judia. Veja bem, não nego a minha origem. Acho os rituais hebraicos bonitos, tem alguns valores, como a importância dada à cultura, que eu até gostaria de passar para a minha filha.


PLAYBOY — Você é religiosa?


DEBORA — Nada religiosa. Isso é que me pega nas religiões: em vez de te dar uma liberdade espiritual, viram uma prisão que te leva à guerra.


PLAYBOY — Quando ouve uma piada sobre judeus você se incomoda?


DEBORA — Depende de como é dito.


PLAYBOY — E o mesmo que ouvir uma piada machista sobre mulher ou pega mais?


DEBORA — Pega porque... Engraçado isso, até me surpreendo quando pega... Mas é que tá implícito um preconceito meio velado, né?


PLAYBOY — Você sente esse preconceito na pele?


DEBORA — Não me sinto pessoalmente discriminada, não, mas acho que o preconceito existe na sociedade. Sobretudo hoje em dia, por causa dessa questão do pacto de paz [de Israel] com os palestinos que não consegue ser realizado, uma coisa meio complicada que levanta novamente o preconceito. É uma coisa real, está existindo uma onda neonazista. No Brasil menos, mas tá acontecendo.


PLAYBOY — O que você sente quando vê o conflito árabe-israelense na TV, com violência de parte a parte?


DEBORA — Olha, durante um tempo eu rejeitei muito o envolvimento. Não gosto de nenhum tipo de segregação. Assim como me incomoda o preconceito contra o judeu, me incomoda o do judeu contra os não-judeus. Qualquer preconceito me incomoda.


PLAYBOY — Você não quer tomar partido, é isso?


DEBORA — Não é isso, serei sempre uma judia. Mas, quando eu estudava naquela escola, o problema não era colocado de forma maniqueísta, nem segregacionista. Nem eu gostava da idéia de ficar fechada num círculo judaico. Não gosto até hoje. Não fazia parte do meu universo freqüentar lugares judeus e sair só com judeus, ao contrário. Sempre freqüentei uma parte mais liberal [da comunidade judaica], com uma cabeça mais aberta. Acho que o ser humano tem que se relacionar com todo o mundo. Por outro lado, essa questão hoje se confunde com a questão política, com o insucesso do projeto de paz [no Oriente Médio]. Apesar de rejeitar, compreendo essa necessidade de segregação como uma necessidade de defesa dos judeus. Puxa, há uma história tão recente! Eu jantava na casa da minha avó e algumas amigas dela tinham o braço marcado com o número do campo de concentração!


PLAYBOY — E você, afinal, é uma mãe judia típica?


DEBORA — Ah, um pouco, sim, mas bem tranqüila. Não sou muito super-protetora, mas é uma coisa que passa de mãe pra filho sem perceber, como servir a comida, oferecer o alimento, alimentar a sua prole.


PLAYBOY — Você tem a clássica culpa materna por ficar longe da sua filha?


DEBORA — Tenho, tenho. Mas já me convenci de que a Júlia é filha de uma atriz e vai ter a vida de uma filha de atriz. E sou uma mãe muito bacana, atenta, dedicada, superligada nela. Procuro armar tudo para que ela fique bem, não sou nada ausente. Ela reclama um pouco, mas já entendeu também. Toda semana, acabou a gravação, pego um avião na hora que for e vou pra São Paulo ficar com ela. Quando tenho espetáculo em lugares bacanas como Salvador e Recife, levo a Júlia. Agora, no verão, ela vai para o Rio e fica comigo direto... E é assim que as atrizes criam seus filhos. Uma vez eu perguntei pra Fernandona [a atriz Fernanda Montenegro, mãe da atriz Fernanda Torres] como é que ela fazia. Ela falou: "Depois as filhas crescem, viram atrizes e nos compreendem" [risos] .


PLAYBOY — Você quer ter mais filhos?


DEBORA — Ah, quero! Acho maravilhoso ter irmão e é uma delícia ter filho. Pelo menos mais um. Não sei se vou conseguir, não é fácil de administrar. É uma questão para toda mulher que trabalha: quando você chega em casa, começa um outro trabalho. Quero ser uma boa atriz, mas quero que a minha casa esteja legal, e tem a filha, a escola da filha, a reunião de pais, o pediatra [rindo], e aí tem a unha, a depilação, o marido... É muita coisa! Mas é bacana, né? A coisa mais bacana que o filho te traz é o sentido da vida, que não está em nada exterior. Quando você se dedica ao trabalho, só, a sensação que tem é que sempre pode ficar melhor. É uma eterna insatisfação. E, quando você tem filho, é o contrário: nada pode ser melhor do que aquilo. É uma satisfação plena. As coisas vão pro seu devido lugar, ganham sua real importância. Tenho a sensação de que quem não tem filho acaba superestimando o trabalho e isso dá um certo desequilíbrio — sem julgar ninguém, claro, tem pessoas que são superfelizes e que escolheram não ter filhos. A Sônia [Braga] é um exemplo. Mas a impressão que eu tenho é essa.


PLAYBOY — Por que uma mocinha tão consciente teve que fazer dez anos de análise, como foi o seu caso?


DEBORA — Ah, mas é por isso que eu sou assim [risos]. Virei uma pessoa equilibrada. Quer dizer, sempre fui uma criança e uma adolescente super-responsável. Mas fiz dez anos de análise e isso me fez encontrar meu centro.


PLAYBOY — Mas por que você foi procurar a análise?


DEBORA — Porque... [Pausa.] Eu tinha muita coisa pra trabalhar, de insegurança, de... Acho que tinha muitas questões que, hã... que não conseguia resolver sozinha. Fiquei com vontade de fazer análise na adolescência, tinha amigas que faziam, mas só comecei aos 21 anos. Eu já morava sozinha, mas não tava conseguindo resolver as minhas angústias.


PLAYBOY — Que tipo de angústia?


DEBORA — Ah, não dá pra explicar, não é uma coisa muito objetiva. Tive uma infância feliz, mas não tive uma infância tranqüila, entende? Teve momentos da minha vida [antes que a repórter possa abrir a boca] que não interessam, não fico a fim de contar, momentos muito íntimos que foram difíceis. Eu tinha necessidade de dividir isso. [Pausa.] E também tenho a sorte de ser atriz. A gente usa a loucura no trabalho.


PLAYBOY — Como é que é?


DEBORA — Você comentou: "Nossa, que pessoa tão normal, tão certinha e não sei quê", mas eu não tenho uma vida nada certinha. O trabalho de atriz é totalmente desequilibrado. Não é muito normal você passar metade do seu tempo fingindo que é outra pessoa.


PLAYBOY — Dá pra pirar?


DEBORA — Acho que isso só acontece se você já estiver pronta pra pirar, se a pessoa não se trabalha para a vida. Uma coisa bacana da análise é você não ser ignorante sobre você mesma.


PLAYBOY — Você aproveita a profissão para pôr uns demônios fora?


DEBORA — Precisa ser um pouco louca para ser atriz, mas não precisa ser atriz pra ser louca.


PLAYBOY — Ainda bem!


DEBORA — A diferença é que as atrizes usam sua loucura e isso é um pouco libertador. Mas essa loucura tem que ser trabalhada também.


PLAYBOY — Você disse que, quando começou a fazer A Vida Como Ela É..., voltou a fumar. Teve um episódio em que você chorava, chorava — eram suas emoções saindo?


DEBORA — Totalmente! Eu não tenho técnica pra chorar, preciso me emocionar. Tem atriz que trabalha um certo músculo lacrimal que não sei quê, mas eu não consigo. Tenho que me concentrar, pensar, buscar o que me deixa triste, mobilizar algo em mim. Às vezes uso a memória emotiva — quer dizer, isso já não é normal. Passar o dia inteiro buscando uma emoção, ah, cansa muito! Mas essa coisa de se confundir com a personagem, só se você for muito louca mesmo. É lógico que, ao longo de um mês, é mais pesado do que fazer uma comédia, em que você pode passar a maior parte do tempo se divertindo.

PLAYBOY — É por isso que você prefere o humor? Sua imagem está mais ligada à de comediante.


DEBORA — Não prefiro, só acho que, fazendo humor, a vida fica muito divertida. Mas tenho um olhar critico sobre as coisas. Uma crítica bem-humorada. Vejo o mundo sob esse ponto de vista. E o título de comediante é muito nobre. Fico envaidecida porque acho difícil fazer comédia.


PLAYBOY — O teatrólogo alemão Bertold Brecht escreveu que um comediante é capaz de fazer qualquer papel.


DEBORA — Concordo. Mas acho que não existe essa separação. Existe o bom e o mau ator. Um bom ator é capaz de fazer qualquer papel. O que acontece muito na televisão é que você é chamada para fazer o mesmo papel. Essa é a única coisa que me incomoda, porque aprisiona. Agora, o riso é uma reação verdadeira. Ninguém vai para o teatro fingir que tá achando graça. Nem eu fico preocupada se estou fazendo comédia ou drama, até porque prefiro trabalhar as duas coisas juntas.


PLAYBOY — Por exemplo?


DEBORA — A Teodora, ou mesmo a viúva de Fica Comigo Esta Noite, são personagens que misturam as duas coisas. A Teodora, numa primeira leitura, era uma perua louca e engraçada. E eu falei: "Não, quero fazer essa personagem diferente, não quero uma perua caricata, acho que ela tem um outro lado. Ela é carente, muito solitária, mulher rejeitada, órfã, muito rica mas muito só, está sempre atrás de um cara que não quer saber dela..."


PLAYBOY — Falou pra quem?


DEBORA — Pro Wolf [Maia] e pro Miguel [Falabella, um dos autores de Salsa e Merengue]. Quer dizer, acho que tudo isso já estava lá [na sinopse da novela] mas, numa primeira leitura, até me incomodou. Pra mim, talvez fosse mais fácil fazer uma mulher frívola, mas eu achava que seria mais profundo se conseguisse humanizá-la. E acho que não foi à toa que, no final, fui chamada pra fazer a Teodora. Na verdade, o Miguel escreveu pra mim a Adriana [personagem vivida por Cristiana Oliveira]. Engraçado, né? Um tempo atrás, encontrei com o Miguel e ele me disse: "Olha, estou escrevendo pra você uma personagem que é uma vagabunda, uma garota de programa e tal". Falei: "Ah, que interessante". Tempos depois, o Wolf me liga dizendo que me queria pra fazer a Teodora. Aí, li [o texto] e falei que não tava achando muita graça de fazer uma personagem caricata. Liguei pro Miguel e disse o que pensava. Claro que as duas personagens eram boas. [Pede mais um cigarro: "Você já viu que eu só fumo, mas não compro, né?"] E o Miguel falou: "Mas foi por isso que eu te chamei pra fazer a Teodora". O Wolf falou a mesma coisa: "Não acho que ela seja só engraçada". É um trabalho que a gente tá fazendo junto. Queria que a Teodora ficasse uma mulher de verdade, é esse o meu trabalho como atriz. E tô adorando esse papel!


PLAYBOY — Como é que você faz drama e humor com a Teodora?


DEBORA — Por exemplo, nas cenas em que não era evidente que ela ficava sentida, eu trabalhei ela [como] carente. Nem sei se as pessoas percebem isso. Outro dia, teve uma cena que adorei fazer: ela está se sentindo sozinha, os amigos sumiram, e ela fala: "Esta noite vamos ser como as russas de Tolstói: vodca, vodca, vodca!" [Risos.] A empregada fica olhando e Teodora fala: "Que é que-você tá olhando? Quer ver o meu sofrimento? Pode olhar, sua insensível, sua monstra, Quasímoda!" [Risos.] É hilário, mas ao mesmo tempo ela tem lágrimas nos olhos.


PLAYBOY — Mas você sabe que o público te liga mais à comédia, não sabe?


DEBORA — Depois de TV Pirata, sim. Antes, eu era a mocinha da novela. É sempre assim, as pessoas têm necessidade de te colocar numa determinada prateleira. Acho isso uma bobagem. A Regina Casé, por exemplo, faria brilhantemente uma personagem dramática, acho que ela é atriz pra isso.


PLAYBOY — O diretor Ulisses Cruz impediu a crítica Bárbara Heliodora, do jornal O Globo, de ver a estréia da peça A Dama do Mar. O que você achou?


DEBORA — Eu soube que não tinha mais lugar, mesmo...


PLAYBOY — Não seria difícil arrumar uma cadeirinha para a Bárbara Heliodora, você não acha? E, depois, o Ulisses assumiu o que fez.


DEBORA — Não sei, é difícil julgar. Não sei qual é a história dele com a Bárbara, não sei até que ponto ele se sentiu agredido. Mas eu não impediria um crítico de ver o meu espetáculo.


PLAYBOY — Você já recebeu uma critica desfavorável? Ficou com raiva?


DEBORA — já. Teve uma sobre Fica Comigo... que eu achei deselegante, foi um pouco chato. É interessante a discussão da crítica, não é ruim, não. E acho que a crítica deveria servir justamente pra você melhorar. Naquele meu caso, a pessoa escreveu: "Debora Bloch acha que emoção é gritar". E obviamente eu não acho isso. Foi bom pra mim, porque vi que tinha de trabalhar a minha projeção de voz, isso fugiu ao meu controle na estréia. No fim, foi bom pra mim ler isso. Agora, o mais importante não é a crítica, é o público. Se eu tiver uma boa critica e o teatro vazio, não vou ficar muito feliz. Mas se não tiver uma boa crítica e o teatro estiver cheio, aí tudo bem.


PLAYBOY — Você já viu alguém se levantar e ir embora no meio de um espetáculo seu?


DEBORA — Raramente. Tenho tido sorte. Mas já vi gente sair, sim. Sei lá, a pessoa pode estar com algum problema, né? [Risos.] Normal. A unanimidade também é impossível.


PLAYBOY — Você fica nervosa em noite de estréia?


DEBORA — Sempre dá um nervoso.


PLAYBOY — Você toma calmante?


DEBORA — Tomei quando estava ensaiando Fica Comigo... Era a minha primeira produção, um espetáculo difícil que lidava com a perda, o Luiz [Fernando Guimarães] fazia o morto, eu era a viúva e foi difícil encontrar o tom. Então, tomava remédio pra dormir. Uma droga, ficava péssima. Não foi legal porque é ruim pra voz. Mas é que eu ficava muito ligada, chegava em casa, deitava na cama e tinha três sessões de espetáculo na minha cabeça, passava a peça inteira.


PLAYBOY — E outros aditivos? Você experimentou drogas?


DEBORA — Não experimentei muitas não...


PLAYBOY — Cocaína?


DEBORA — Acho uma merda, um horror. Não acrescenta nada. Não conheço ninguém a quem ela trouxe algo bom. Cocaína não está com nada, é um desperdício de energia. E heroína nunca experimentei, nem quero.


PLAYBOY — Maconha?


DEBORA — Achei muito bom.


PLAYBOY — O que você acha do projeto de descriminação da maconha?


DEBORA — Tenho milhões de dúvidas. Por um lado, não acho que o usuário deva ser preso como criminoso. Também tenho lido que, em tese, a legalização acabaria com a violência ligada ao tráfico, e isso eu acho legal. Em tese, então, sou a favor. Mas me pergunto se não é preciso ver, antes, como é que vai se colocar ordem nisso, como vai se fiscalizar. Será que, antes disso, não é preciso acabar com a corrupção policial, aumentar o salário do policial, equipá-lo? É uma questão delicada.


PLAYBOY — Você fuma maconha?


DEBORA — Olha, eu sou tão careta! Nunca experimentei drogas pesadas, nem pretendo.


PLAYBOY — Entendi.


DEBORA — Depois, acho que não existe coisa mais triste do que uma pessoa viciada. Já conheci, é horrível. A única droga que acho inofensiva é a maconha. Acho que fumar um baseado é como tomar um copo de uísque, mas fica impossível trabalhar, não posso tomar nada pra trabalhar. Eu não gosto muito de droga, não.


PLAYBOY — Você gosta de quê?


DEBORA — Um vinhosinho, uma cervejota quando chego exausta da gravação, pra relaxar... Mas tenho horror de ficar bêbada. Não gosto de sair da minha consciência. Não gosto de perder o controle.


PLAYBOY — Você ganha muito dinheiro?


DEBORA — Menos do que eu gostaria. Não, acho que ganho bem. Eu trabalho muito. Tenho uma vida de operária bem remunerada. Tenho amigos que trabalham em outras áreas e vejo a diferença: às vezes, ganho num comercial o que eles não ganham em um ano. Raras profissões proporcionam isso. Então, eu me considero uma pessoa privilegiadíssima. A gente mora num país onde as pessoas ganham muito mal, vivem muito mal. E não me considero uma pessoa rica, que possa parar de trabalhar, nada disso. Eu produzo as minhas peças e agradeço a Deus por conseguir viver de teatro. É um privilégio viver da minha profissão.


PLAYBOY — Muita mulher já sacou que o homem fica ressentido quando ela ganha mais. Coisa do macho provedor. Como é isso com seu marido?


DEBORA — É normal, não é um grilo. O Olivier gosta do que faz e vive do trabalho dele. Quando ele era modelo, às vezes fazia uma campanha em que ganhava como eu, né? Mas optou por outro trabalho em que está superbem-sucedido. Acho que, se ele não estiver realizado no que tá fazendo, aí a coisa pega. Já não é um problema material, mas de realização pessoal.


PLAYBOY — E é você quem controla a sua grana, claro...


DEBORA — [Sorrindo.] Eu tenho controle sobre tudo.


PLAYBOY — Uau, mas que poderosa!


DEBORA — Da minha vida prática, quero dizer. Com empregada, coisas da casa, ih, sou hipercontroladora, um inferno. Me dá um trabalho louco, mas eu sou assim, não tem jeito.


POR ROSANGELA PETTA

FOTOS CACALO KFOURI


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