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DINA SFAT | FEVEREIRO, 1980

Playboy Entrevista



Uma conversa franca sobre sexo, amor, preconceitos, feminismo e televisão, com a grande atriz — que em nada se parece

com a Paloma de Os Gigantes.


Os grandes olhos castanhos parecem ainda maiores, vistos de perto, e, muito acesos, são uma espécie de marca registrada de sua dona. Através deles, Dina Sfat, 40 anos, mãe e atriz, contempla o mundo e "as coisas que se passam nele". Belíssima (muito mais bonita em pessoa do que na TV), essa paulistana, nascida no Alto da Lapa, um agradável bairro de classe média na zona oeste da cidade, ainda conserva um acentuado sotaque de sua cidade e tem, sobretudo, uma grande capacidade de rir, um riso solto e sonoro, quase cristalino.


No "quintal" de seu apartamento de cobertura (que ela e o marido, o ator e diretor Paulo José, transformaram quase numa verdadeira casa, com muitas plantas, arbustos, flores, cachorros, e até beija-flores) no bairro carioca do Leblon, Dina recebeu Marco Aurélio Borba, de PLAYBOY, para esta entrevista, feita em várias sessões de conversa ao longo de três dias de muito sol e calor intenso.


De biquíni, espreguiçando-se ao sol, a atriz desejada por milhões de telespectadores falou sobre os seus adolescentes complexos de feiúra e de rejeição, da felicidade que teve ao descobrir-se como mulher bonita, de seus quase vinte anos de psicanálise, e de seu relacionamento com o marido e com as filhas, Isabel, de 9 anos, Anna, de 7, e Clara, de 4. E falou, sobretudo, de televisão e teatro — o mundo profissional que ela elegeu como sua maior razão de viver.


Dina Sfat começou a fazer teatro como amadora, participando dos festivais promovidos por Paschoal Carlos Magno. Depois, foi para o Arena, no início da década de 60, e ali conviveu com alguns dos grandes nomes do teatro brasileiro daquele tempo, como Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, Juca de Oliveira e Paulo José. Ela fala com saudades dessa época: "O Arena fazia as pessoas pensarem, e a percepção disso nos dava importância, nos fazia necessários". Além disso, foi no Arena que começou a sua união com Paulo José, que já dura dezesseis anos e que já conheceu "grandes e pequenos momentos, e exatamente por isso sobrevive".


Entre séria e brincalhona, ela diz: "Às vezes, quando acordo, e vejo o Paulo a meu lado, penso: puxa, mas esse cara ainda está por aqui? Como faz tempo!" Mas fala sério quando define o marido como "um companheiro sensacional, um cara maravilhoso". Viveram juntos cinco anos, antes de se casarem, em 1969, às vésperas de embarcarem para a Europa, onde ficaram um ano, "vendo e aprendendo teatro': E, segundo Dina, "o casamento não mudou nada, serviu basicamente para aproximar as famílias".


Do Arena, Dina percorreu um longo caminho, onde teatro, cinema e televisão estiveram sempre presentes. Rei da Vela, Dorotéia Vai à Guerra, e Murro em Ponta de Faca foram algumas das muitas peças que ela estrelou. Na versão cinematográfica de Macunaíma, a atriz foi a sensual e destemida guerrilheira urbana, amando e lutando com a mesma determinação que a mulher Dina Sfat empresta à vida.


E, finalmente, no início da década de 70, Dina passou a trabalhar ("principalmente por precisar de dinheiro') em telenovelas, através das quais tornou-se conhecida das multidões. Hoje, embora ainda tenha uma posição de permanente crítica em relação à TV (durante a entrevista ela estava em plena gravação da novela Os Gigantes e detestando tanto a novela quanto a sua personagem, Paloma; apesar disso, recusou-se a falar sobre o assunto publicamente, pois, segundo ela, "a briga deve ser travada lá dentro") Dina acredita que se pode fazer muita coisa boa em televisão, "e isso vale a pena".


Embora não se ache parecida com a Dina de há vinte anos, ela tem muito orgulho de sua beleza atual. E diz: "Estou provando à mulher que aos 40 anos ela pode até ser mais bonita do que aos 20. E embora eu já não tenha mais os peitinhos tão firmes quanto os de uma garota, não me incomodaria de posar nua, desde que fosse uma nudez natural, sem poses estudadas e sem cenário montado". Enquanto essa chance não chega, entretanto, ela se despe interiormente nesta entrevista, com uma franqueza quase rara entre os grandes mitos da TV brasileira.


PLAYBOY — Bette Davis dizia que, no tempo dela, o sonho das atrizes era se tornarem estrelas, e que, hoje, são as estrelas que sonham ser atrizes. Em qual das duas situações você se situa?


DINA SFAT — Eu não me sinto uma estrela, eu me sinto uma atriz. Na minha cabeça tenho mecanismos de rejeição a ser estrela — mas não são mecanismos intelectuais, de compromisso ideológico, cultural ou da puta que o pariu... Não é nada disso. É algo dentro de mim que me boicota quando me violento, quando não gosto do que estou fazendo. Então, se tento fazer um número de estrela, posso até conseguir, mas vai sair absolutamente sem graça, porque dentro de mim haverá alguém me gozando, "ah ah ah"! Porque sou muito rigorosa comigo mesma e exijo muita coerência de mim. O problema é que a pessoa que exige muita coerência de si acaba cobrando o mesmo dos outros e aí vira uma merda, uma coisa chata... O fato é que ser estrela é algo que nunca consegui, mas poderia ter conseguido. Eu era uma mulher bonita, boa atriz, estava ficando famosa. Bastava ter investido mais em cima disso. E eu não investi, não soube...


PLAYBOY — O que é mais gratificante para você: fazer cinema, teatro ou televisão?


DINA — Já fiz bostas nos três. E já fiz coisas ótimas nos três. Já tive muito prazer e muita aporrinhação. Não discrimino. Não tenho que fazer média com a TV: ela não precisa disso. Nunca fui bem comportada, sempre fui rebelde. Sempre contestei a televisão e isso sempre me atrapalhou a vida. Sei que não adianta nada contestar, mas tenho de fazer...


PLAYBOY Para ficar bem com você mesma?


DINA — Não, não fico, me aporrinho muito. Mas não deixo de falar. Sei que, quando você exige essa integridade, fica com poucos amigos à sua volta, mas esses poucos são ótimos!


PLAYBOY — Como você se sente aos 40 anos?


DINA — Não me sinto ainda em condições de ser tombada pelo Patrimônio. Sinto que ainda estou me construindo, me fazendo. A diferença é que hoje eu sou mais espertinha do que quando tinha 20 anos. Menos bonita, mas mais esperta...


PLAYBOY — Talvez menos bonita...


DINA — Talvez, não. Certamente.


PLAYBOY — Isso a preocupa?


DINA — Não o tempo todo. Mas não posso deixar de constatar uma coisa que é evidente. A mulher aos 20 anos tem o viço, a beleza física que jamais terá aos 40. A gente procura compensar com outras coisas... e consegue. Não sou uma pessoa melancólica porque nunca vivi de minha beleza. Nunca me achei uma pessoa muito bonita. Tinha problemas, era tímida, houve tempo até que me achava feia. Evidentemente, hoje, olhando para trás, eu digo "que besteira, aquilo era coisa de minha cabeça, eu não era feia". Eu era bem bonita até. Mas é claro que, para mim, é mais fácil ter 40 anos do que essas meninas que se acham muito bonitas aos 20. Para elas será muito difícil fazer 40 anos... Por outro lado, a minha vida é boa. Eu fiz o que quis.


PLAYBOY — Sempre?


DINA — Eu já descobri uma coisa: a alegria me deixa muito bonita e eu acho que isso acontece com todo mundo. Tenho a possibilidade — que a maioria das pessoas não têm — de me ver no cinema e na televisão. Assim tenho um registro fotográfico de fases da minha vida... e o que eu constato é que a alegria, a felicidade, o contentamento com o trabalho são coisas que transparecem. Por exemplo: eu tive um período durante essa novela, Os Gigantes, em que não estava só com 40 anos. Eu estava era com 80!


PLAYBOY — Por quê?


DINA — Porque não estava gostando do que fazia. Não vou ficar falando mal de Os Gigantes, nem vou ficar pichando o que é o autor da novela, Lauro César Muniz. Não vou. Apenas eu não estava contente. E isso transparecia na minha cara...


PLAYBOY — Você é supersticiosa, fatalista, religiosa?


DINA — Meus pais são judeus. Meu pai veio da Polônia e a minha mãe de Israel. Então sou judaica, mas não tenho religião, não. Mas gosto de alguns princípios judaicos que são muito bonitos. Por exemplo: o judeu não peca, ele comete faltas. Pede perdão a Deus pelas faltas que comete contra si, não contra Deus. As faltas que você comete contra os outros, só os outros podem perdoar. Isso é um princípio bom e inclusive me ajuda a compreender minha grande paixão pela psicanálise. Desde muito cedo eu faço análise para que possa parar de cometer as faltas que cometo contra mim.


PLAYBOY — Desde quando você faz análise?


DINA — Desde os 16 anos.


PLAYBOY — Paulo José, seu marido, também faz?


DINA — Há um ano, mais ou menos. Mal está começando...


PLAYBOY — Ele é bem diferente de você, não?


DINA — Ele é intelectual, racional, materialista...


PLAYBOY — O psiquiatra Flávio Gikovate, em sua entrevista a PLAYBOY (edição de outubro, n.° 51), diz que em geral os casais se formam porque as pessoas se sentem atraidas por suas diferenças...


DINA — É isso aí.


PLAYBOY — ...e terminam se separando por causa dessas mesmas diferenças.


DINA — Desse final eu discordo. As pessoas são atraídas pela diferença entre o que o outro é e você não é. A ligação fica meio reacionária quando um tenta transformar o outro à sua imagem e semelhança. Aí é que eles se fodem, perdem a identidade e não se reconhecem mais. O amor é progressista, enquanto o casamento é uma relação reacionária — eis a simbiose doentia. Cada um trate de sua individualidade e Deus queira que continue tão diferente como no começo da relação, porque a gente se encontra é na diferença e não na identidade.


PLAYBOY — Você acha que o casamento é uma instituição reacionária?


DINA — E uma arapuca masculina. Uma história criada pelo homem, que organizou a sociedade: vamos juntar, procriar, e ter mais braços para trabalhar.


PLAYBOY — Mas a mulher entrou nessa.


DINA — Entrou inteira. É uma babaca! A grande inimiga da mulher é a própria mulher. Na mitologia bíblica há um personagem muito forte, Lilith, que era a primeira mulher de Adão. Ela sabia das coisas e, para Deus, o saber era muito perigoso. Então Deus castigou Lilith, fazendo-a virar uma serpente e ficar enrolada na Árvore da Sabedoria. Porque ela ousou saber. Já Eva era uma arapuca de Deus, do homem. Ele tirou da costela de Adão a mulher e, daí para a frente, selou a sorte da mulher. Porque, enquanto costela, ela tem mais é que calar a boca e fazer o que o homem quer.


PLAYBOY — Você é casada com Paulo José há dez anos e, antes de casarem, vocês já viviam juntos há seis. Mas houve fases em que vocês se separaram, não é verdade? Já li uma afirmação sua de que essas separações fortaleceram o casamento de vocês, porque vocês pararam para pensar e voltaram numa melhor...


DINA — Foi sempre assim.


PLAYBOY — Nesse caso, você não acha que uma solução para o casamento seria o esquema Sartre-Simone de Beauvoir?


DINA — Morar em casas diferentes? Não, pois o problema não é a separação física. O problema é estar casado. Não é que Paulo tenha saído de minha cama, quando nos separamos. Ele saiu foi da minha vida, saiu mesmo, e o que ficava dentro eu punha para fora. A tendência do homem é sair e ficar pendurado, não cortar. Mas a mulher é radical, corta mesmo. O homem tem dificuldade até para sair da casa da mãe. Já a mulher ganha o mundo no desespero. Chega um dia e ela — puft! — salta fora.


PLAYBOY — Como você explica isso?


DINA — É que o primeiro tombo é muito maior para a mulher do que para o homem. O homem é criado para não ser romântico, para a não-fantasia, para ser resistente. Assim está mais preparado quando tem de enfrentar a bosta desta sociedade. Seu primeiro tombo portanto é menor. Já a mulher voa, vai para a fantasia, pros contos de fada... E o tombo dela é violentíssimo, quando ela cai abre um rombão. Mas se ela continuar cavocando [rindo] descobre petróleo mais fácil lá embaixo. A imagem é infantil, mas explica. Significa que, quando a mulher consegue definir as coisas para si, torna-se mais radical, menos complacente. Ela se fortalece com a dureza do tombo.


PLAYBOY — O que você acha da nova tendência de tentar solucionar as coisas com um casamento aberto, no qual os parceiros têm toda liberdade sexual?


DINA — Eu acho que mudam as formas, mas não muda o conteúdo. O casamento aberto está tão vinculado ao fechado que se torna igual.


PLAYBOY — E o sexo grupal?


DINA — Não tenho nada a favor nem contra, muito pelo contrário [risada]. Realmente nunca parei para pensar muito nisso. Mas, se diverte as pessoas, por que não? A idéia não me fere, mas como nunca foi uma coisa que provocasse minha curiosidade, eu nunca me detive para pensar sobre sexo grupal.


PLAYBOY — Você considera o sexo uma coisa fundamental?


DINA — Faz bem para a circulação [rindo]. Eu não consigo dramatizar o sexo nem falar seriamente sobre ele. Quem sabe faz, quem não sabe ensina... Não dá para ficar falando muito, tem mais é que fazer, experimentar.


PLAYBOY — O que é que você pensa sobre o homossexualismo feminino?


DINA — Acho que em geral ele é conseqüência do relacionamento muito frustrante com homens, né?


PLAYBOY — Você leu o Relatório Hite?


DINA — Não, não li. Mas parece que a Shere Hite prega abertamente o homossexualismo feminino. Já fizeram uma pesquisa assim sobre o relacionamento da mulher com o homem? Eu acho que o relacionamento com o homem é basicamente decepcionante, porque tanto o homem quanto a mulher estão muito mal preparados para fazer o amor. A ansiedade de cada um para resolver o seu próprio problema é tão grande que terminam não só não resolvendo como não ajudando o outro a gozar.


PLAYBOY — Isso é uma regra geral?


DINA — Na minha geração, é. O sexo relaxado, descompromissado, é raridade. O medo de não gozar, de passar por fria é tanto que conheço um mundaréu de mulheres que trepavam todos os dias com homens diferentes. Como se estivessem fazendo uma prestação de contas: "Olha como eu gosto disso, olha como eu gosto disso". Se você gosta, faça bom proveito, mas desconfio dessa coisa compulsiva de ficar alardeando que gosta. Na minha geração, quando a gente tinha vinte e poucos anos, era uma loucura! — as pessoas não paravam de me criticar porque eu ainda era virgem aos 23 anos. Mas realmente eu não estava preparada. Se eu tivesse tido relações sexuais com 18 anos estaria ferrada até hoje! Sabe, eu não tenho saudades de minha vida dos 10 aos 20 anos. Deus me livre, mas não tenho nenhuma saudade. Era aquela angústia de "e se eu não arrumar namorado? E se ninguém me tirar pra dançar na festa? E seu meu pai pensar que sou uma vagabunda?" Puta que pariu, que merda é a juventude!


PLAYBOY — Você acha que para as suas filhas as coisas serão mais fáceis, com menos grilos?


DINA — Tenho certeza de que para elas o sexo será uma questão muito menos aflitiva, porque têm uma mãe que conversa com elas desde pequenininhas e que sempre respondeu a todas as perguntas com muita franqueza. Mas a maturidade sexual não depende só da educação que se recebe em casa, pois o mundo está ai para desequilibrar tudo. Veja a minha filha do meio, a Anna: ela era uma menina totalmente liberada, se masturbava sem sentimentos de culpa, etc. Mas agora já está reprimida...


PLAYBOY — Quem reprimiu?


DINA — O mundo aí fora. Um dia desses eu estava tomando banho de sol sem roupa, aí no meu terraço, quando de repente a Anna apareceu com uma amiguinha. Ficou toda nervosa: "Mãe, você tá pelada?" Começou a rir, mas estava nervosa e sem graça. Provavelmente estava imaginando que a amiga poderia chegar em casa e dizer: "A mãe da Anna toma banho de sol pelada no terraço!"


PLAYBOY — Você falou que ainda era virgem aos 23 anos. Não foi com essa idade que você começou a fazer teatro, no Arena de São Paulo? E não foi quando conheceu Paulo José?


PAULO JOSÉ [que havia entrado na sala pouco antes e assistia a este trecho da entrevista] — Naquele tempo as coisas começavam mais tarde. Hoje, ser virgem aos 23 anos já seria considerado uma doença, né?


DlNA — Pois é. Mas quando conheci você eu já não era virgem, hein, Paulo. Não me comprometa!... [Risadas.] Na verdade eu comecei minha vida sexual muito tarde pro meu gosto. Mas acho que se tivesse começado antes não teria aproveitado...


PLAYBOY — Como é que vocês dois começaram?


PAULO JOSÉ — Foi durante um laboratório teatral, de uma peça chamada O Filho do Cão...


DINA — Vou contar uma história que nunca contei antes: eu não ia com a cara do Paulo. Quando nos conhecemos ele tinha uma namorada, uma noiva. Eu encontrava eles no Redondo, um bar vizinho ao teatro. E via ele tratando tão mal aquela noiva, que eu achava ele um cavalo [risada]. E a moça toda nhem-nhem-nhem pra cima dele... Eu achava ela uma idiota.


PLAYBOY — E aí você resolveu dar um jeito naquilo...


DINA — Não foi bem assim. É que na peça, no O Filho do Cão, ele é quem dirigia... E fazia o papel de um sedutor, que seduzia uma mocinha do interior, eu. Em laboratório teatral a gente tem de exercitar, analisar e desenvolver cada cena, até chegar ao resultado que você quer mostrar no espetáculo.


PLAYBOY — Vocês foram exercitando, exercitando...


DINA — Pois é. A cena de sedução era numa rede. O Teatro de Arena foi a nossa primeira casa...


PAULO JOSÉ — É...


PLAYBOY — E o filho do cão acabou seduzido. Eis aí o típico exemplo da jovem atriz dando para o diretor.


DINA — Vocês podem inverter: "Taí o típico exemplo do jovem diretor sendo comido pela jovem atriz".


PLAYBOY — Por falar nisso, ainda é verdadeira aquela história de que toda atriz em começo de carreira tem de dar para o diretor para poder progredir?


DINA — Nunca foi. Ninguém teve de dar, deu porque quis [ri]. Eu, por exemplo... O único diretor para quem eu dei foi o Paulo. Besteira isso, ninguém tem que dar. Depois, já está tão fora de moda que nem o diretor acredita mais nisso. Se a guria quer dar pra ele, ele já fica desconfiado. Eu acho.


PLAYBOY — A Danusa Leão, nossa entrevistada de janeiro, disse que considera a infidelidade masculina normal, mas a da mulher não, porque envolve muito mais sentimento. Você está de acordo?


DINA — Não. Exatamente porque envolve mais sentimentos, eu diria que prefiro a infidelidade feminina à masculina. É aquela velha história: se você se proibir de ter um grande sentimento, se você censurar uma paixão, você está cometendo uma falta grave contra si mesmo. O que acontece é que um casamento bom, vivo, limpo... Dificilmente você encontra um substituto para ele. É muito difícil que eu me apaixone por outro, é muito difícil que o Paulo se apaixone. Porque ele é um bom homem, é um companheiro legal, e eu sou uma excelente mulher. O que não significa que a gente não se separe: a gente pode embatucar em algum ponto aí adiante, e não ir mais para a frente. Mas a realidade mostra que não é bem assim: não é à toa que estamos juntos há dezesseis anos.


PLAYBOY — Então aquela opinião da Danusa sobre a infidelidade...


DINA — Eu acho que o que ela quis dizer é que a infidelidade feminina é mais perigosa do que a masculina. Não que seja mais imperdoável e sim mais perigosa, porque envolve maior risco. Uma mulher exige sempre na sua relação amorosa a fantasia, o romantismo, de alguma maneira a poesia, né? Do contrário a relação não tem graça alguma para ela. E quando consegue reunir todas essas coisas, e mais um desejo, um tesão e coisa e tal, a mulher se envolve mesmo, não larga fácil. Já o homem não, o homem topa muito mais transar com várias mulheres, seguríssimo de que não vai deixar a mulher dele por nenhuma das outras.


PLAYBOY — Nos períodos em que você e Paulo estiveram separados você chegou a se apaixonar por outro?


DINA — É bem indiscreta essa pergunta. Aí entra um outro componente... O fato é que facilita muito a vida, quando a situação está ruim, a gente fantasiar paixões. A gente precisa disso, é vital. Então eu posso dizer que sim, que eu conheci, digamos, uma pessoa que... Quero dizer que a paixão que essa pessoa sentia por mim era tão absolutamente gratificante, tão romântica, tão violenta, tão cheia de lances melodramáticos... Era uma paixão de capa-e-espada, que me arrebatou. É evidente que me arrebatou porque meu casamento estava muito mal, estava realmente em fase de liquidação. Então essa coisa me arrebatou bastante. Mas pensar verdadeiramente em construir uma vida com outra pessoa eu nunca pensei. Pode ser que aconteça, mas eu ainda não conheci essa outra pessoa.


PLAYBOY — O Paulo teve também uma experiência assim?


DlNA — Pergunte a ele.


PLAYBOY — Você não sabe?


DINA — Eu sempre sei de tudo, não há nada que eu não saiba.


PLAYBOY — E como você reage quando sabe? Você reage?


DINA — Todas as mulheres reagem. Da dor-de-cotovelo ao ódio feroz, passando para a indiferença, o desprezo [ri]. Eu não sou diferente das outras.


PLAYBOY — Você é ciumenta?


DINA — Não. Meu ciúme não dura meio minuto. Em geral eu saco uma situação e falo pro Paulo: "Você tá galinhando sim, tá galinhando com essa moça aí, qual é?!" A gente se conhece tão bem um ao outro, que é difícil ter segredos. É terrível isso, mas eu sempre sei de tudo. E ele também! Ou, pelo menos, sei o que preciso saber, pois é evidente que não conheço a alma do Paulo e nem pretendo conhecer. Acho que seria uma indelicadeza, ele não é um objeto meu, ele é ele, deve ter os seus segredos e os seus mistérios. Quando falo que a gente sabe tudo, é de nossas superfícies que estou falando. Dessas coisas banais da vida, que não pesam como traição.


PLAYBOY — Dê um exemplo.


DINA — Quer um exemplo? Olhe, depois que o Paulo virou diretor na TV Globo, realmente as coisas ficaram infernais. Quer dizer, tem sempre aquele tipo de guria que se encanta violentamente pelo diretor, porque acha que é uma maravilha essa coisa de "quem sabe o diretor se apaixona por mim". Isso existe, é paupérrimo, mas existe muito. E acho muito difícil um homem ver essas coisas com frieza. Porque ninguém é tão seguro a esse ponto, pô! Quer dizer, as pessoas se sentem muito gratificadas, de repente o cara vira um deus, um professor, um mestre. É sempre uma tentação.


PLAYBOY — Você é feminista?


DINA — Não sei... acho que não. Eu não faço apologia de rendas, laços, fitas, mas também não faço apologia do tênis, paletó e gravata, sabe como e? [Pausa] Eu me acho mulher. Diria que sou uma pessoa que reflete um pouco sobre a condição da mulher e sobre a condição do homem, mas sem adotar uma linha muito violenta. Vivemos numa sociedade desgraçada, né? Que condiciona da pior maneira. Aceita-se com tranqüilidade tanta idiotice, tanta ridicularia. Nosso presidente da República deu para sair de porradas nas pessoas... Onde é que estão os nossos chefes, os nossos heróis? Um país tão desmoralizado...


PLAYBOY — Você gosta de política?


DINA — Não é o caso de gostar ou não gostar. Mas que todo dia a gente tira cinco minutos para dar uma vomitadazinha, tira. Você primeiro lê o jornal, em seguida pensa um pouco sobre o que leu e depois dá sua vomitadazinha para poder começar bem o dia.


PLAYBOY — Você acha que as pessoas não intelectualizadas também têm esse tipo de reação?


DINA — Olhe, eu tenho pegado muito táxi ultimamente e sempre converso com o motorista. Um deles me disse que vai se desfazer do carro, que não dá mais, falou o diabo. Outro, que conheci hoje, tinha um decalque sandinista no vidro do carro. Perguntei onde havia conseguido e ele me disse que um amigo trouxe da Nicarágua. Eu então falei: "Te cuida, hein!" E ele: "Que me cuidar, que nada. Se me prenderem é ótimo, vão ter de me dar cama e comida. Que mais eu quero?"


PLAYBOY — Você tem participação política?


DINA — Qualquer pessoa tem, não é? Você está trabalhando, está pensando, dando entrevista, de algum modo você está fazendo política, está falando da realidade. Eu não tenho uma participação política efetiva, não pertenço a nenhum partido.


PLAYBOY — E o sindicato dos artistas, como é que está?


DINA — Depois de ter vivido a euforia daquele gesto demagógico — a regulamentação da nossa profissão — a gente fica esperando o cumprimento da lei. Acontece que o governo não exige o cumprimento da lei e o resultado disso é que não se paga direitos autorais, não se controla o horário de trabalho, não se paga hora extra... Então, como já disse, a euforia passou e todos caímos na realidade. A gente tem consciência de que a televisão está no papel dela, que é o de burlar a lei, porque ela ganha em cima disso.


PLAYBOY — Como vocês encaram a questão do merchandising nas novelas, por exemplo?


DINA — Merchandising? Aí está uma coisa absolutamente indecente! Na novela Os Gigantes eu me recusei a fazer merchandising de uísque e ninguém me obrigou a fazer. Sabe como é, eles botam uma garrafa de uísque em cima da mesa, numa cena da novela. O público vê o herói ou a heroína tomando uísque daquela marca e é induzido inconscientemente a fazer o mesmo. Comigo houve uma cena em que o autor incluiu uma fala em que eu mencionava uma marca. Eu sentava numa mesa do bar "Senadinho", na cidade do interior onde se passa a história, e o garçom me perguntava: "Que uísque a senhora prefere?" Aí eu tinha de falar a tal marca que interessava a eles.


PLAYBOY — Você falou?


DINA — Não. Eu fui primeiro conversar com o encarregado do merchandising e disse a ele que, para mencionar alguma marca na novela, eu queria primeiro X por cento na minha mão, pois estaria fazendo publicidade. O cara desconversou: "Calma, não pode, é muito, não sei o quê". Chegou a hora de gravar a tal cena e, quando o garçom me perguntou: "Tem preferência por alguma marca?", respondi "Qualquer uma, pode trazer qualquer uma". Outra coisa: eu não fumo mais na novela, embora o autor insista para eu fumar. O cigarro na minha vida foi uma praga, quase morri por causa de cigarro, por isso não vou fazer propaganda de cigarro. Ainda fumei um pouco nos primeiros capítulos, mas agora parei de fumar definitivamente e não há quem me obrigue.


PLAYBOY — Não há nenhuma imposição direta que possa te obrigar?


DINA — Não, não há. Quando, por exemplo, a cena me obriga a pegar uma garrafa e beber, eu escondo o rótulo. É claro que não posso impedir que coloquem a tal garrafa bem visível atrás de mim, em cima de um balcão, ou numa prateleira. Mas na minha frente eu não aceito [ri]. Você pode ter certeza de que no dia em que eu aparecer falando o nome de um produto eu estarei ganhando muito bem para fazer isso!


PLAYBOY — Uma vez que voltamos a falar de novelas, você concorda com a opinião corrente entre alguns intelectuais de que elas são um fator de alienação do povo?


DINA — Isso é o mesmo que dizer "sou contra o futebol" ou "sou contra o carnaval", porque o futebol e o carnaval são manifestações populares e a novela de televisão também é. A gente, que é metida um pouquinho a intelectual, pediu licença para entrar nas novelas: "Com licença, tem uma brechinha aí pra mim?" E, portanto, não temos nada a ensinar. Acho que não há nada pior do que querer transformar as novelas num veículo de conscientização do povo. O instrumento para isso não são as novelas. Outra coisa: acho errado pensar que todos os problemas do país podem ser resolvidos se a gente desligar todas as televisões. É verdade que a televisão pode contribuir para adiar um pouco a procura de soluções, na medida em que as pessoas deixam para depois da novela das 8 sua preocupação com as contas do dia seguinte. Porém, mais cedo ou mais tarde, elas vão ter de pensar nessas contas.


PLAYBOY — Mas a televisão não poderia contribuir também para achar soluções?


DINA — É claro. Acho que o que está faltando na televisão são bons programas políticos. Estes sim, fazem muita falta. Programas como os que existiam antes de abril de 1964, quebra-paus fantásticos, apaixonantes. Os discursos do Carlos Lacerda, que no Rio eram importantíssimos, a campanha de Jânio Quadros feita na televisão, tudo isso deixou história. Essa geração nova que está aí não sabe o que significa isso, mas a televisão brasileira já teve a sua serventia politicamente. O chato é querer que a novela substitua esses debates políticos. Acho mais fácil deixar a novela em paz e dar um horário para fazer programa político para valer, sem censura, sem medo, e aí vamos ver o que acontece. Aí você chama essas pessoas que são contra as novelas e elas vão ter oportunidade de discutir. Elas não têm de ficar contra a novela, têm é de brigar por um espaço político.


PLAYBOY — As novelas da Globo teriam o mesmo sucesso se fossem apresentadas em outras emissoras?


DINA — A Globo não inventou o sucesso. A TV Tupi já teve sua fase de sucesso, a Excelsior também. Elas decaíram por culpa das más administrações, por culpa dos chupins que enriqueceram à custa da televisão, uma gente que não planta, só sabe chupar. Uma vez eu fiz uma novela na Excelsior e não me pagaram. Aí a gente, do elenco, recusou-se a gravar. Quem se recusou? A Nicete Bruno e eu. O resto do elenco morreu de medo, pois tinha pavor do desemprego. O Avancini, que era o diretor da novela, falou: "Bom, eu como diretor tenho obrigação de convencer vocês a gravar. Mas vocês, como atores, têm razão de recusar". O fato é que as pessoas precisam trabalhar e por isso morrem de medo do desemprego. Eles então tripudiam...


PLAYBOY — Atualmente, por exemplo, a Tupi está gravando uma novela que se chama Dinheiro Vivo e...


DINA — E... O elenco não recebe. Aquilo lá é uma sem-vergonhice. Há uma lei que diz que se os condôminos da Tupi morrerem não sobrará nada para os herdeiros e por isso eles tratam de tirar tudo em vida. Não semeiam, só colhem. A verdade é que, pelo que dizem, a Tupi está ganhando rios de dinheiro e não paga a seus artistas.


PLAYBOY — A Globo tem mesmo o poder que dizem ter, de arquivar uma atriz no auge do sucesso?


DINA — Se ela é uma atriz que começou no teatro, que sabe fazer teatro, não terá problema algum pra sobreviver. Ninguém arquiva ninguém. Sucede apenas que chega um momento em que deixa de existir interesse em um dos lados e então não se renova o contrato. É um contrato comercial com uma empresa, que não é uma mãe, nem uma escola. Acabou o interesse mútuo, cada um segue o seu caminho e pronto. Nunca ninguém foi arquivado.


PLAYBOY — Nem Sandra Bréa?


DINA —- Arquivada? Sandra Bréa? Besteira! Sandra Bréa é muito doida, é uma pessoa engraçadíssima. Ela não está arquivada, está simplesmente fazendo os filmes dela, os shows dela. Não sei se está preocupada por não estar em alguma novela, é até possível que esteja, mas o que continua saindo de fotos dela em capas de revista não é normal. Olha, eu já fiz televisão, já deixei de fazer; já fiz teatro, já deixei. A gente está sempre fazendo e deixando de fazer muita coisa. Eu não acho televisão o máximo, mas acho muito gostoso, e além disso ela te dá uma certa estabilidade financeira durante um certo período.


PLAYBOY — Você ganha bem na Globo?


DINA — Não digo. Mas, como eu falava, televisão dá uma certa preguiça na gente, é um esquema mais cômodo. Mas é um ótimo esquema e não tenho medo dele.


PLAYBOY — Você acha que há bons atores mal pagos?


DINA — Há bons atores mal pagos, sim. Mas não há maus atores bem pagos. Não é nada fácil ganhar dinheiro na televisão. Em geral, quando um ator chega a ganhar muito dinheiro é porque já prestou serviços valiosos à emissora. Agora, se o critério para avaliar esses serviços é artístico, cultural, ou não, isso não sou eu quem tem de dizer. Agora, há realmente grandes atores que ganham muito mal.


PLAYBOY — Você já falou várias vezes das coisas boas que a televisão tem dado a você. Você nunca fez um trabalho, um papel que não tenha gostado de fazer?


DlNA — Não gostei de fazer Os Ossos do Barão, de Jorge Andrade. Era uma novela magnífica, mas o diretor, Daniel Filho, me obrigou a fazer um personagem de 18 anos, e eu tinha 30. Para mim era muito puxado, ainda mais porque nunca tive cara de 18 anos, sempre tive uma cara mais marcada, mais forte. Nunca tive tipo de adolescente, nem carinha de criança.


PLAYBOY — Há alguma coisa no seu sucesso que a incomoda, irrita?


DINA — Há uma... [rindo]. O que me deixa muito irritada são as mães que me pedem autógrafos para as filhas. Porque a primeira coisa que uma mãe tem de ensinar pra filha é que, se ela quer autógrafo, o mínimo que tem de fazer é pedir ela mesma, pô! Porque ela tem de aprender que não se tem de ser tímida diante de um artista, porque ele gosta muito de saber que é querido, admirado.


PLAYBOY — Voltemos um pouco a um assunto ao qual você se referiu de passagem, ao defender a volta dos debates políticos na TV, sem censura. É notório que tanto a televisão como o teatro sentiram agudamente a ação da censura durante esses últimos anos. Mas não é também verdade que muita peça ruim passou por ser boa, só por ter sido proibida pela censura?


DINA — É verdade, a censura nivelou por baixo. Mas a conseqüência mais grave da censura é que ela inibe as pessoas naquilo que elas têm de mais precioso, que é a sua criatividade. A censura não destrói apenas o fruto: destrói a semente. É impossível calcular o que foi liquidado em termos de seiva, de vida, de criação, neste país, em conseqüência da inibição provocada pela censura. O que já se perdeu por causa disso não há jeito de recuperar. O que se tem de fazer é tratar do futuro. Eu proponho que se deixe este país sem censura durante os próximos 50 anos. Faça isso e você verá se não brota uma manifestação cultural forte, talvez a melhor do mundo. Deixe este país sem censura, deixe as crianças crescerem, essas que hoje dormem pelas calçadas. Dê alimento a elas, dê 50 anos de vida decente para esse povo, que você vai ver o que acontece.


POR MARCO AURÉLIO BORBA

FOTOS SÉRGIO SBRAGIA



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