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DIRA PAES | OUTUBRO, 2009



A Norminha de Caminho das Índias conta como é se tornar símbolo sexual aos 40 anos, fala sobre a dificuldade de ser aceita como uma atriz brasileira em vez de uma "exótica paraense" e explica por que se recusou a posar para a PLAYBOY


POR EDGARD REYMANN

FOTO J.R. DURAN





1. Você chegou ao sucesso de público neste ano, há pouco teve um bebê e escreveu um livro. A vida começa aos 40? Não, de jeito nenhum. Talvez seja o momento em que o grande público esteja conhecendo uma faceta minha. Foi um trabalho bem-sucedido. Mas já tive grandes realizações pessoais, com a mesma intensidade, sem a participação desse grande público.


2. Mas você não considera este momento especial? Lógico, Muito especial. Fazer a Norminha me deu um frescor que até está me deixando convencida. Começo a achar que isso tudo é verdadeiro.


3. E não é? Acabamos de convidá-la para ser capa da PLAYBOY... Sabe que é a terceira vez que me convidam? Quando fiz A Floresta das Esmeraldas [filme de 1985 do diretor inglês John Boorman e estreia de Dira no cinema], me convidaram, mas, como eu tinha 15 anos, retiraram o convite. Aí me convidaram quando eu fiz a Solineuza [no seriado A Diarista], e eu recusei. E agora com a Norminha.


4. Deixa a possibilidade em aberto? Por enquanto, está fechado. [Risos.] Eu me sinto envaidecida porque gosto da revista. Não tenho nada contra o nu, acho lindo. Mas as coisas para mim sempre aconteceram de maneira reversa, na contramão, de uma forma inusitada. Nem sei se eu era considerada uma mulher bonita até pouco tempo atrás. Mas achei que fazer Norminha e ser capa da PLAYBOY não ia combinar com a forma como as coisas acontecem na minha vida.


5. Você acha a personagem da novela muito forte? Acho. Até me cantaram o forró [a música Você Não Vale Nada, tema de Norminha na novela] agora, quando entrei no restaurante [a entrevista foi feita durante um almoço, em São Paulo]. Também sou reconhecida por ter feito Dois Filhos de Francisco. Isso não me preocupa.


6. Mas concorda em que hoje você se tornou símbolo sexual? Eu acho demais! Porque quebra aquele preconceito de que mulher para fazer sucesso tem de ser esquálida, ter 17 anos. Norminha era antifashion e mesmo assim atraiu por ter uma brasilidade que transcende a moda. Tinha uma pitada de malícia e picardia que vai muito para [o filme] Dama do Lotação (1978), uma inspiração que busquei, aquela Sonia Braga linda e popular.

7. Você fez prostitutas no cinema, como a Bela, em Baixio das Bestas [2005], e na televisão, no seriado francês Haute Tension [1989]. Conversou com elas para ter uma ideia do que é ser garota de programa? Não falei, não. Quando crio uma personagem, tento sair do óbvio. Então, ficava pensando naquilo que elas tinham como sonho, se faziam por gosto ou vocação. As prostitutas que fiz não eram glamourizadas, então tive a liberdade de mostrar o que havia por trás do ato de ser uma prostituta. E o resultado nesse caso é muito melhor do que quando se mostra tudo às claras.


8. Por que o sucesso na televisão demorou a acontecer, considerando que você já tem uma carreira de 25 anos no cinema? Acontece que eu nunca fui pedir para fazer TV. Sempre fui convidada. E só aceitei fazer papéis porque acreditava nos projetos. Aprendi a usar o meu tipo físico de morena, descendente de portugueses, negros e índios, a meu favor. Sempre me recusei a fazer papéis que considerasse pejorativos. O Brasil não sabe direito onde encaixar pessoas como eu.


9. Já recebeu convites "pejorativos"? Sim. Nunca vou aceitar papéis em que terei de ficar servindo cafezinho. Não acho bacana a estética estabelecida pela globalização. O Brasil exporta uma beleza internacional, não aquela que é brasileira. Mas o que mais dá tesão no Brasil é o próprio Brasil. Sei que faço parte de um tipo privilegiado. Eu me gosto muito. Aprendi a me gostar muito cedo.


10. Isso dá a entender que, para pessoas de seu tipo étnico, digamos assim, o normal é não se gostar. É isso mesmo? É, porque não estou dentro dos padrões de beleza. Essas pessoas não encontram alguém em quem possam se espelhar na televisão. Talvez eu seja um dos primeiros espelhos de gente da minha terra, fora a Fafá de Belém. Quando comecei a trabalhar, não fui à televisão porque não via ninguém iguala mim.


11. Incomoda ainda ser apresentada como uma "atriz do Pará", como se fosse um rótulo? É como se fosse isso. Sou fruto da miscigenação deste país, e às vezes é como se houvesse a necessidade de justificar a minha existência. Ninguém chega para uma artista carioca e fica perguntando como é o Rio. Ou como é Goiás para uma goiana. Eu me sinto como se estivesse fazendo a ponte entre o Pará e o Brasil.


12. Vê ai um tipo de preconceito? É quase um preconceito. Inclusive vejo que, quando falo de mim, as pessoas se surpreendem com a minha formação. Acho que esperam que eu fale que passei fome, que vim para o Rio "tentar a vida". Desculpe, eu costumava tirar 10 em português. [Risos.] O negro hoje está numa posição muito melhor do que os miscigenados.


13. Mas seu envolvimento com a cultura no Pará é grande. Você até dirige um festival de cinema, não? Sim, há seis anos. Também presido uma ONG, o Movimento Humanos Direitos, que é voltada para problemas de trabalho escravo, de abusos contra menores e do meio ambiente.


14. Descarta tornar-se política? Totalmente. Ser cidadão é a melhor maneira de praticara política.


15. Você chegou a dizer que toda mulher tem uma Norminha dentro de si. Como lidou com sua "Norminha interior"? O que eu disse é que acho a Norminha um "estado hormonal". Uma inquietude feminina. Ela traz a sedução no primeiro contato com tudo, é uma inquietação que faz você ir em busca do que te dá prazer.


16. Há pouco, você se aventurou pela literatura com o livro infanto-juvenil Menina Flor e o Boto. É verdade que se inspirou num encontro da sua avó com o boto? [Risos.] Eu escrevi Menina Flor e o Boto baseada nessa história, sim. As primeiras histórias que ouvi na infância foram as lendas da Amazônia. Disney veio bem depois, na pré-adolescência. Sempre escrevi para mim mesma, como um ato de higiene. Nunca achei que tivesse estofo para brincar de escrever.


17. E como foi viver a lenda no cinema, em Ele, o Boto? Ah, tinha a ver comigo. Ele, o Boto [de 1987, dirigido por Walter Lima Jr.] foi o meu primeiro filme brasileiro. Mas o curioso aí é que, quando fui fazer a entrevista com o Walter Lima Jr., ele falou: "E aí, você é do Pará...". Disse só isso, e eu falei durante uns 20 minutos sobre a lenda do boto. No fim, ele se despediu sem muita empolgação e eu saí de lá chorando porque achei que havia perdido a chance por ter sido verborrágica. Mas aí me telefonaram e disseram que eu estava contratada. Me fez muito bem começar a carreira no cinema nacional com esse filme. Foi ali que ganhei meu primeiro prêmio [o de melhor atriz coadjuvante, no I Festival de Cinema de Natal, em1988].


18. Fazer Solineuza, em A Diarista [entre 2003 e 2007], lhe rendeu fama, mas também rumores de que você e Claudia Rodrigues [protagonista da série] não se davam bem. Afinal, vocês brigaram durante as gravações? Nunca houve uma briga. Esses rumores não combinam em nada comigo. Foi um encontro artístico maravilhoso. Foi muito feio dizerem que eu estava "roubando a cena". Não posso mentir dizendo que somos "as melhores amigas", não houve isso. Claudinha tem um cotidiano muito diferente do meu. Mas tudo foi colocado de uma maneira pejorativa. O público é que escolhe pra onde ele olha. Eu faço o meu trabalho do meu jeito. Quem julga se é bom ou ruim é o público. E o diretor. [Risos.]


19. Você criticou o cantor Lobão por declarações que ele fez sobre o filme Dois Filhos de Francisco. Sim, ele deu a entender que o filme não merecia ser visto porque tratava de um estilo musical que ele não apreciava. Mas gosto muito do Lobão como músico, independentemente de suas opiniões. Acho ele inteligente, provocador.


20. Você também criticou a política do presidente Lula em 2005. No entanto, seu filho, que nasceu no ano passado, se chama Inácio. Reviu os seus conceitos? Criticar não impede a gente de admirar. Gosto do nome Inácio, com ou sem criticas ao outro Inácio. É um nome que se fala sorrindo.


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