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DIÁRIO DE UM FOTÓGRAFO NO CARNAVAL


Reportagem


Ou como são feitas as fotos chocantes dos bailes cariocas e outras histórias de bastidores, contadas e vividas pelo fotógrafo das estrelas


Por J.R. DURAN


Devo confessar: faz quatorze anos que moro neste país e nunca tinha participado desta festa sem pé nem cabeça que é o carnaval. Carnaval no Rio de Janeiro: você sabe, aquele carnaval da revista Manchete, em que as mulheres sobem em cima das mesas e aparecem aquelas mãos (ninguém nunca se importou em saber de quem), que as agarram em qualquer lugar. Meu contato com o carnaval eram duas ou três fotos para publicidade tipo "mulata-confete-serpentina" e, agora, uma capa para a revista Veja, com a Beth Carvalho. Mas agora tudo mudou. 1984, além de ser o ano das "diretas-já" e de Orwell, é também o ano da minha estréia nesse fantástico mundo do carnaval. Durante uma semana circulei pelos bailes, festas, coquetéis, piscinas e passarelas do samba e da vida. Também, depois de quatorze anos eu tinha direito a tudo. E descobri um mundo nada orwelliano. Um mundo em que tudo é permitido. O mundo da democracia, como bem resume Neville D'Almeida: "O carnaval é a única expressão da democracia total. Democracia de sexo, cor, classes".


Venha comigo. Você vai se divertir.


• • •


O grito de carnaval de 84 não foi um grito, mas uma gritaria. Provocada por um tapa, dado por uma ex-namorada de um ex-playboy na sua mulher atual. Local da cena: Studio C, em Copacabana. Ironia do destino: o acerto de conta, que estava prometido há tempos, aconteceu quando o casal, vindo de um desanimado baile, chegava à discoteca de Ricardo Amaral, justamente para tentar salvar a noite.


Perdidos na noite, que se saiba, foram poucos, nesse carnaval. A começar pelo ainda imbatível dono da noite carioca, o "rei" Ricardo Amaral. Ele me disse que "esse carnaval foi divertido pra cacete''. Imagino que foi. Para ele — que investiu mais de 230 milhões de cruzeiros na organização de vários bailes e teve um faturamento superior a isso — o carnaval foi um belo divertimento. E para os outros?


Quem fala é a amiga de uma amiga. O lugar, Hippopotamus às 5 horas da manhã de segunda ou terça-feira. Pergunto para ela o que está achando da coisa toda.


— Tá ótimo. Este carnaval está ótimo.


Bem. Digo para ela que isto não me diz nada. Que me conte alguma coisa que aconteceu com ela. Ela conta:



— Ontem de manhã, eu estava andando pela calçada, em Ipanema, às 11 horas da manhã. De repente vejo um cara lindo me olhando. Ele está na janela de um hotel. Fica me olhando. Faço de conta que não vejo nada e sigo andando. Um pouco mais à frente encontro uma amiga. Paro para conversar. Enquanto isto, o cara da janela desce correndo para a rua e vem para o meu lado. Ele era lindérrimo. Olhos azuis, moreno. Me segura pelo braço e me solta a cantada. Genial: "Eu tinha acabado de acordar e vi você pela minha janela. Achei você demais. Que tal subirmos até o meu quarto e fazer amor?"


— E aí? — pergunto eu. — Você subiu?


Ela dá um meio sorriso. Encosta a cabeça em um canto do sofá e dorme. A felicidade sempre bate à porta. Ou à janela.


Outra cena de felicidade: uma colunável, com a cabeça mais cheia de penas que qualquer bicho, conversa com um fotógrafo da Manchete:


— Oi, tudo bem? Adorei aquela foto minha que você publicou no ano passado.


— Eu queria outra agora. Um pouco mais...


Ele nem precisa explicar. A futura página da revista abre um pouco mais o decote. Levanta um braço e uma perna e sorri. O flash dispara. O fotógrafo agradece. Ela também, feliz. (Existe uma proporção direta entre as plumas na cabeça e a idade. Quanto mais plumas, mais idade. É a máscara do carnaval. Que mostra escondendo e esconde mostrando.)


Desconfio que uma grande parte da animação carnavalesca deixaria de existir sem a presença destes simpáticos rapazes e suas câmeras incitadoras. Um exemplo clássico: Baile do Champanhe (aquele do Humberto Saade, o homem da Luíza Brunet, no Monte Líbano, sexta-feira. O salão está normal. As mulheres, mais ou menos peladas, pulando em cima das mesas. Os caras também estão lá, agarrando as mulheres. Todo mundo mais ou menos suado, bebido, cheirado. Você sabe, como em qualquer baile de carnaval. Os camarotes repletos de estrelas e candidatas a estrela e candidatas a candidatas (comentava-se maldosamente, na piscina do hotel, que Humberto Saade pagava cachê em roupas da Dijon. No valor de 500 mil cruzeiros, para cada estrela da Globo que comparecesse ao baile). Lá no camarote presidencial, Luíza Brunet (eu também quero votar para presidente).


O fotógrafo aponta a câmera e convoca: "Alegria, pessoal". Aí, liberou geral: aparecem os peitos, coxas, gente se agarrando e muita mão boba...

Estavam todos numa boa quando, de repente, aparecem os rapazes da Manchete. Com suas camisetas amarelas. Todo mundo de olho neles. Os caras, suando (mas não de pular, de trabalhar; um deles me diz que é o terceiro baile aquela noite. Haja coração), param na frente de uma mesa que comporta um rapaz com duas moças, molhados de suor (de pular). O fotógrafo aponta a câmera para eles e... liberou geral! Na mesa aparecem mais duas dúzias de exibicionistas amadores se contorcendo e se agarrando (o negócio é agarrar. Aquela mão boba tem que estar em todas). O fotógrafo ainda bota um pouco mais de lenha na fogueira:


— Alegria, pessoal! Isto é carnaval!


Parece que eles tinham esquecido. Porque aí, sim, a coisa esquenta de verdade. Começam a aparecer os peitos delas. As mãos dos rapazes se tornam mais ousadas. Lá embaixo se forma um semicírculo. Todos de boca aberta. Aquele meio sorriso sacana nos lábios. Porque agora é sacanagem mesmo. Um cara finge que vai beijar o traseiro de uma mulher. Os fotógrafos fotografam. O cara beija mesmo. A platéia urra deliciada. Uma das mulheres em cima da mesa não se conforma que os outros apareçam mais. Começa a tirar a roupa. Deus salve o exibicionismo. Começa a rebolar freneticamente. Com movimentos pélvicos ritmados. Sensuais. Eu diria que quase lúbricos (é antigo mas corresponde).


Em outros cantos do salão o exemplo começa a ser imitado. Uma corrente estranha começa a unir os corpos suados. De repente, um segurança tenta pegar a garota de movimentos pélvicos-convulsivos. Vaias. Ela se escorrega por entre as mesas. Os outros foliões a escondem. Desaparece. O segurança desiste. Mas todo mundo continua. São quase 3 horas da manhã. É a hora que as coisas começam a acontecer.


E acontecem porque o carnaval é também um grande exercício de exibicionismo. Ele tem de ser registrado de qualquer jeito. Bem aventurados os fotógrafos, porque eles são os escolhidos. E não precisa ser profissional, não. Qualquer um com uma xereta obtém os sorrisos da mulher mais deliciosa do salão. Os sorrisos e o que quiser. Um velhinho ao meu lado ia de mesa em mesa. Pedia a cada uma delas para mostrar mais o seio. Elas abaixavam o biquíni. Ele fazia a foto. Elas levantavam o biquíni, todos ficam contentes.


• • •


Pergunto para Ricardo Amaral o que ele acha do carnaval.


— O carnaval é a grande festa da confraternização. Todo o mundo se diverte. Aliás, como disse Sérgio Cabral, o carnaval do Rio é a festa das bichas e dos bicheiros.


Fui ver a festa dos primeiros de perto. O "The Gay After", no Hotel Nacional. Na entrada, uma passarela. Em volta, um monte de curiosos. Vaiando ou aplaudindo. Vejo até o Jorge Vieira, técnico do Corinthians, com a esposa. Quieto em um canto. Observando (será que ele vai flagrar algum jogador seu?). Lá dentro há de tudo. Travestis siliconizados. Entendidos fazendo a linha nova-iorquina (couro, correntes e bigode bem aparado). A linha sonhadora (de noiva, por exemplo). Ver para crer. Mais de 4 mil pessoas no salão. Não dá para saber quem é quem. Comento com minha amiga:


— O que será que aquela mulher está fazendo ali?


Aponto para uma morena imensa dançando sobre um cilindro no meio do salão. Dois seios maravilhosos. Resposta da minha amiga:


Aquilo é homem!


Três dias antes, no mesmo lugar no meio da tarde, o clã Amaral está preparando outro baile. É o Baile da Cidade. Pergunto para Ricardo de onde saem as mulheres bonitas (porque, além de bichas, um baile tem de ter mulheres bonitas, claro).


— Bem, elas são escolhidas a dedo.


— Você quem escolhe?


— Não — sorriso —, tem uma equipe que me ajuda.


Deduzo então que elas são escolhidas a "dedos". Vamos conhecer algumas destas mulheres fabulosas. Não saia do meu lado. Várias horas depois sou introduzido no camarote das Panteras, pelo orgulhoso Walter Guimarães, gerente do Studio C. Quem são elas? Bem. Todo ano o Ricardo Amaral promove no Copacabana Palace um baile pré-carnavalesco, "A Noite das Panteras". E naquela noite é a escolha de quem será a mulher mais gostosa daquele carnaval. Por antecipação. A primeira delas, três anos atrás, foi a Xuxa. Você lembra, não? (Daí para a glória foi só um beijo.) E aí todo ano o sonho se repete.


Estamos então no Baile da Cidade, no camarote das Panteras. Imaginei que aquilo ia ser uma zona total. Engano. Elas estão todas comportadíssimas. Sentadas na varanda do camarote. Distribuindo sorrisos aparentemente promissórios, mas atentas a uma máquina fotográfica. Eu já tinha visto o grupo em São Paulo. Todas fazem uma linha perigosamente tímida. Também, com aquele corpo, não precisam fazer nada. Nada mesmo.


Que gozado! Meia hora antes duas delas rebolavam sobre uma mesa, lá embaixo no salão. Enlouqueciam os fotógrafos, turistas, qualquer um. Imagine o que os caras faziam: dois amigos turistas. Um deles ficou segurando uma câmera fotográfica. O outro foi lá falar com elas, meio sem jeito.


— Puedo sacar una foto con ustedes?


É claro que elas disseram que sim. Aí o turista abraçou as duas. As bundas delas na cara dele. O gringo fez uma cara de que-loucura-que-foi-aquele-carnaval. Elas também. O amigo fez a foto. Depois trocaram de posições. Quando terminaram foram embora. Sem agradecer, sem pedir o telefone. Nada. As duas panteras, com seus minúsculos biquínis de zebra, ficam sobre a cadeira. Chega mais um grupo de turistas:


— Me Puedo sacar una foto?


Pergunto para elas, no camarote, se os caras não agarram. Não mexem. Não convidam para nada?


— Geralmente não — não consigo distinguir se feliz ou infelizmente. Elas disfarçam bem. — Mas em São Paulo foi fogo.



Todas concordam. Em São Paulo os rapazes não agüentavam. E ficavam fazendo propostas para elas. Pedindo favores em troca de bens materiais. Direto e careta.


— Um deles chegou a me oferecer um Porsche [relógio ou carro?, esqueço de perguntar] para ir fazer uma viagem com ele.


— E você topou?


— Imagina, ele não tinha Porsche. Que eu sei.


— E se tivesse, você ia?


— Aí, talvez. Viajar muito tempo, não. Mas uns três dias, talvez.


Aliás, será que existe alguma maneira certa de se arranjar companhia no carnaval?


— O negócio é olho no olho, cara. Elas têm que ficar doidinhas no primeiro olhar — quem me fala é um rapaz forte, alto, bonitão, que está em todas. Converso com ele no Sambódromo. (Alô, sambista corre?). O currículo das que ele já comeu não é nada mau. Para ilustrar a teoria, ele me conta uma história de um carnaval passado. Quando o Rio se enchia de atrizes estrangeiras. "Aquilo, sim, que era bom." E me conta como acabou comendo uma atriz que todo o mundo cobiçava.


— Mas não me escancara, xará. Não bota meu nome. Por que senão todo o mundo vai saber que fui eu.


Certo. O negócio, então, é come-quieto.


— Que nada, o negócio é ficar e deixar que elas venham para cima da gente — agora a dica é de um modelo que conheço há tempo. Ele deve estar certo. Outro dia (perdão, outra noite) eu o vi, numa festa. "Noite Borbulhante." Ele em pé em um canto da boate. Meio sorriso nos lábios. Aí chega a mulher perto dele. Fica na frente. Vai recuando e voltando até que gruda nele. Aí se agacha um pouco para frente e começa a rebolar. Evoé, momo!


Mas, de qualquer forma, este carnaval está um pouco desfalcado de gente famosa. O que é que você me diz, Amaral?


— Não é nada disso. O que acontece é que há um revezamento de pessoas. Algumas delas se cansam.


Você quer ver alguém que cansou antes da hora?


Ligo para Antenor Mayrink Veiga. Um dos partidos mais cobiçados do Rio. Ele é rico e bonito. Dá para entender.


— E aí, Antenor. Como é que vai ser este carnaval?


— Ótimo.


— Vai ser onde?


— Vou para Petrópolis.


— Mas você não disse que ia ser ótimo?


— Mas é isso mesmo. Fui outro dia na feijoada do Ricardo (ele de novo. Nesta cidade tudo acontece em volta dele. Sem Darcy Ribeiro não há apoteose. Sem Ricardo Amaral não há ti-ti-ti), e estava demais, cara. Só ao meu redor, para mim, tinha oito gatinhas. Oito!


Entendo. Se uma semana antes do carnaval você já está com oito gatinhas, é lógico que na sexta-feira você tem de ir para Petrópolis.


Aliás, as melhores coisas acontecem antes ou depois dos bailes. Nos coquetéis, nas pequenas reuniões, no café da manhã do dia seguinte. É claro que não tem aquele clima de grande sacanagem dos salões. Mas ser figurante de televisão não é uma boa. E, além do mais, aquilo tudo você pode ver na televisão (se você se contenta em ver). Evita confusões. Um exemplo: o famoso "Baile do Vermelho e Negro", o baile do Flamengo. Eu tinha acabado de sair de uma festa black-tie. Não dava para cruzar com Zico e toda a galera rubro-negra daquele jeito. Então parei o carro em um lugar mais ou menos. Tirei o paletó e a camisa e botei uma camiseta preta. Amarrei uma faixa vermelha na cintura e pronto (você sabe, claro, que no Flamengo só se entra fantasiado com as cores do clube). Mas nem assim ia ser possível.


Lá dentro do salão a galera pulava e rugia. Aqui fora a galera pulava e rugia também. Mas de ódio. Eles não conseguiam entrar porque o salão estava lotado. As portas fechadas. Ninguém entrava, ninguém saía. Palavrões e quase-brigas por todos os lados.


Levanto a minha credencial de imprensa e vou entrando. O pessoal vai abrindo caminho respeitosamente (eles só respeitam fotógrafo e jornalista. E gringo também. Mas gringo se conhece pela cara, não pela credencial). Chego no portão. Inútil. O segurança lá dentro não quer nem saber. De repente voa uma lata de cerveja que aterrissa nos dentes do turista que está ao meu lado. Começa a sangrar. Os seguranças ficam mais irritados e abrem a porta. Mas é para eles saírem e começar a dar porrada em todo o mundo. As latas de cerveja começam a voar. Correria geral.


No carnaval, toda hora é hora. Cada um faz o que pode. Este diálogo, por exemplo, ouvi durante o café da manhã, no Hotel Nacional. Na mesa ao lado, uma família classe média: pai, mãe, filho, filha.


Quem fala é a mãe para o marido. Fala bem alto:


— Então quer dizer que você não quer vir fazer compras comigo?


— Não preciso ir junto. Pega o cartão de crédito e vai você com ela — aponta a filha. Fala com calma. Afinal de contas, o jornal é mais importante. A esposa fica indignadíssima.


— E você vai fazer o quê, aqui?


— Nada. Vou tomar o sol com F. — F. é o filho, que o tempo todo permanece quieto.


— Mas eu não quero cartão de crédito — ela está bravíssima —, me dá então o dinheiro — e pede uma fortuna. Dá para comprar o Pão de Açúcar. Antes de ir embora com a filha, olha para o menino e diz:


— Então fica você com ele. E juízo, hein?


Vira as costas e vai embora. Comprar o Pão de Açúcar. Aí o menino, que até aquela altura só estava comendo um mamão papaia, vira para o pai e diz:


— Aí, pai. Até que enfim! Sobe lá e vai transar com aquela dona. Mas como é que você conseguiu, pai, se você não fala inglês e a mãe não larga você um momento?


O pai não explica. Sorri, assina a conta e vai para o elevador. Satisfeito. Carnaval, carnaval. É só pôr ou tirar a máscara.


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Mais uma vez, fim de noite no Hippopotamus (fim de noite ou começo de dia, você que sabe). Atenção porque vocês vão ouvir um cara inteligente. Ele prefere não ser identificado. De acordo.


— Faz mais de cinco anos que não vou a baile nenhum. Fico em casa a noite inteira. Detesto aglomeração de baile. As pessoas suando. Fico em casa até às 4 horas da manhã. Aí tomo um banho, como qualquer coisa e venho até aqui. Quem vale a pena está aqui. As melhores mulheres também.


Tem razão. Na madrugada de Quarta-feira de Cinzas a casa estava lotada. Parecia uma noite de um sábado qualquer. No meio do frenesi que tomava conta das pessoas, minha amiga volta rindo do toalete:


— Que loucura!


— Que que houve?


— A menina lá — e aí vejo a menina. Ela está a toda. Olhos vermelhos. Cabelinhos molhados de suor. Vestida com uma minitúnica romana. Muito apropriada. — Ela cruzou comigo no banheiro e me disse que esta noite era a última. Que estava a fim de qualquer coisa. Que até trocava de par, porque o cara dela não estava com nada. Perguntou se eu não emprestava você um pouco!


A garota chega para a minha amiga dizendo que está a fim de qualquer coisa: quer trocar de par, se ela me emprestar um pouquinho!

Me sinto honrado. Mas parece que o cara dela decidiu acordar. Porque mais um pouco e vai consumar o ato em cima de uma mesa, no restaurante.


Vou até a discoteca. Lá embaixo, sobre uma mesa, uma morena ameaça que vai tirar a roupa. Ela me é familiar, mas não sei de onde a conheço. Aponto a minha câmera fotográfica para ela. No ato, tira a roupa. Faço uma foto. Ela se precipita sobre mim. O cheiro de éter (Rodo Metálico, Universitário?) quase me derruba. Com a língua enrolada me pergunta:


— Quantas fotos você tirar de mim?


Ela me fala daquele jeito que as pessoas que não sabem inglês falam com os turistas. Respondo em português.


— Uma.


— No. No. Quantas fotos tu tirar de mim o otro dia. No Monte Líbano?


Epa! Agora me lembro. Esta é a garota dos movimentos pélvicos-convulsos que na outra noite o segurança perseguira pelas mesas do Monte Líbano. Tento dar uma resposta satisfatória.


— Muitas.


Ela tenta sorrir. Vira os olhos para cima e desaba sobre o meu vizinho, que não acha nada ruim.


Mas nem todas são assim. Vi uma história diferente no Golden Room, no Baile Dourado do Copacabana Palace. Lá a freqüência é diferente. Turista rico, sentado, olhando. Turista paulista, em pé, dançando. Tinha um grupo de turistas, bem alegres, com a cara vermelha (de sol ou bebida?). Com eles algumas mulatas, é claro. De repente o pessoal da TV liga as luzes e começa a gravar o baile. Loucura geral em todo o mundo. As mulatas que estavam com os turistas começam a barbarizar. Uma delas pega o balde de gelo e começa a derramar a água pelo seu corpo. Lentamente. Êxtase total. No melhor estilo de filme-de-sacanagem-de-motel. Chego perto para fazer uma foto. E o que é que acontece? Simplesmente a mulata olha bem para mim. Olha para minha maquininha e me imagina um turista. Fecha a cara e me diz, por gestos, que fotos uma ova. Se quiser fotografar tem que pagar. Ou seja: para sair nas revistas, tudo; para os fregueses, a lei.


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Apareço na Passarela do Samba. A tempo de ouvir um comentário.


— O monumento na praça da Apoteose é uma homenagem à Mulata Desconhecida. Aquilo lá que o Niemayer fez é o traseiro de uma mulata agachada.


Vou até a praça da Apoteose também a tempo de ver uma mulata tirando a roupa totalmente. É mais divertido. Tanto que esqueço de fotografar. Mas ganho uma história engraçada: um conhecido meu, um dos melhores cabeleireiros de São Paulo, enfrenta a intransigência do samba. O local é a concentração dos paulistas momentos antes do desfile. Ele, fantasiado, espera impaciente o momento de entrar na avenida. Aí ouve a voz do crioulão:


— Olha, moçada. Na pista, nada de viadagem, hein?


O meu amigo leva a coisa a sério:


— Mas como, nada de viadagem?


— É isso aí — responde o crioulão nervoso, irritado. — Se alguém quiser fazer viadagem pode sair já, já!


A interpretação é ao pé da letra. A resposta do outro:


— Olha aí. Eu sou gay, sim. E isto aqui não é desfile de 7 de Setembro. Se não pode viadagem, não quero nem saber!


E foi embora. Sem desfilar.


• • •


De novo pela Passarela do Samba, uma hora depois, no intervalo entre uma escola e outra. O espetáculo é diferente. É o desfile dos coletes de imprensa. Teoricamente só a imprensa pode estar na passarela. Teoricamente. Porque o barato entre as mulheres bonitas é ver quem consegue desfilar em um numerito sozinho, pela avenida.


No dia anterior, pela manhã, na piscina do Copacabana Palace, eu tinha encontrado uma antiga modelo. Hoje em dia já não é. Mas no Rio mulher bonita, abaixo dos 30, que não faz nada, é modelo. Quando ela soube que eu estava trabalhando e que no dia seguinte iria ao Sambódromo, me perguntou onde eu consegui o famoso colete.


No desfile, porém, a vejo na pista. De longe me cumprimenta orgulhosa, me mostrando o colete. Conseguiu!


Mas não era difícil. Existia uma cotação. Para o colete vermelho, 50 mil. Para o verde, que é livre trânsito, 70 mil.


Havia situações engraçadas. Ao meu lado, uma jornalista estrangeira trocava um colete verde por uma Melissa de plástico de Jean-Paul Gaultier. Vale tudo. Por falar nisso, uma dica geral: o melhor do carnaval, aliás em qualquer festa, é você participar de alguma lista de B.L. O que é B.L.? É o "Boca Livre", pessoas folclóricas que são necessárias para decorar algum lugar, uma festa, um baile, um camarote. Elas são sempre convidadas, e em geral são as que mais se divertem.



Aliás, é nos camarotes que acontecem as coisas mais divertidas. Voltemos, por exemplo, a poucas horas antes do Baile da Cidade. No salão do Hotel Nacional, chega alguém mandado por Roberto Carlos (exatamente, ele mesmo).


— Olha, o Roberto vem. Mas ele quer um camarote na mesma altura do governador. E na porta, em lugar do número, tem que ter escrito as iniciais dele, RC. E ele não quer entrar pela porta da frente, tem que ter algum acesso que seja direto para o seu camarote.


Tudo o que ele quis foi feito.


O telefone dos Amaral não parava nos dias pré-carnavalescos. Muita chateação com pedidos, mas havia também momentos de muito bom humor, como este: toca o telefone, quem atende é a secretária de Ricardo Amaral. Do outro lado, outra secretária, a do governador Leonel Brizola:


— Olha, o governador quer ir ao Baile da Cidade, mas avisa que não vai nem fantasiado, nem de black-tie.


Impasse criado, o convite do Baile Oficial da Cidade pedia fantasia ou black-tie. A secretária consulta o Ricardo. Ele mesmo pega o telefone:


— Olha, pode dizer para o governador que ele não precisa se preocupar, pode vir como quiser. Ele já é uma fantasia!...



O telefone de Ricardo Amaral não pára. Roberto Carlos quer suas iniciais no camarote, o Brizola cria o impasse: vai, mas sem fantasia ou black-tie.

Mas há também as pessoas indesejáveis. Toca o telefone no escritório dos Amaral. Alguém avisa:


— Alô. Olha, aqui quem fala é fulana. De São Paulo. Eu não faço qualquer questão de ir no baile hoje à noite. Mas é que eu gosto do Ricardo...


— Olha, fulana. Não precisa vir, não, porque não tem mais convite, ciao.


A noite, a fulana está no camarote. Como se nada houvera, disputando uma posição para poder sentar na varanda e ganhar alguma foto. Página de revista é sempre o sonho de todas. Elas fazem qualquer coisa. Quanto mais chique, pior. Eu vi uma delas (sei o nome mas não conto, não faço a linha colunista-veneno) enfiar o salto do sapato na perna de outra, fantasiada de pierrô. Valia tudo, na guerra da coluna social.


E não era só nos bailes, não. Na avenida também. O costureiro Ney Galvão, que desfilou na Beija-Flor, teve que ficar o tempo todo se esquivando das penas que um colega seu de escola, dono de uma galeria de arte, tentava lhe enfiar na cara toda vez que aparecia um fotógrafo. Vale tudo para aparecer nas fotos de carnaval.


Voltemos rapidamente para o Baile da Cidade. Lá consigo chegar perto de minha querida Luíza Brunet (no baile dela, no "Champagne", não deu. Os seguranças não deixaram). Pergunto o que ela acha do carnaval. E ela, com aquela carinha da página 45, do número 94 de PLAYBOY (você lembra?), sentencia:


— Todos os bailes são iguais depois da uma.


Eu também acho. No salão, fotógrafos e colunáveis confirmavam esse ritual, magia do carnaval carioca. Assim como a árvore que cai no bosque deserto não faz barulho, a mulher que se expõe sem ninguém para ver não sobrevive ao momento fugaz de um olhar. É por isto que tem de ser registrado. Porque não basta se mostrar. Ver e olhar. Tem que ser saboreado, registrado para sempre. A alça do biquíni que escorrega, a mão que aperta a coxa, é o momento em que qualquer desconhecido se torna conhecido por um segundo. E para sempre. Diz Andy Wahrol que algum dia cada homem será famoso por 15 minutos. Dependendo da quantidade de roupa que uma mulher usar durante o carnaval, ela pode ser famosa o ano inteiro. Até o próximo.


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