O DJ MAIS FAMOSO DO BRASIL E EMPRESÁRIO DE NOVE ENTRE DEZ ASTROS DO FUNK FALA COMO É FICAR SOB A MIRA DE UM FUZIL, DOS TEMPOS EM QUE ANDAVA SEIS HORAS PARA CHEGAR AO BAILE E JURA QUE NÃO PEGA NINGUÉM.
POR: ADRIANA NEGREIROS FOTO: EDUARDO MONTEIRO
1. O funk é uma dança sensual. As pessoas ficam com a libido atiçada nos bailes? Com certeza. Antigamente, eu achava engraçado. Ia na comunidade e via uma menina normal, pretinha, que não chamava a atenção. Depois via a menina no baile. Era impressionante. Uma menina comum quando começa a dançar funk, fica muito mais bonita e gostosa. Com a música, a sensual aflora.
2. Você presencia muita sacanagem nos bailes funks? Não. Ninguém bota o peru do lado de fora. Ninguém sobe a calcinha pra meterem alguma coisa. Teve isso de a menina subir no palco e o cara dar um dinheiro pra ela tirar a roupa, mas foi em um único baile e generalizaram. Também nunca teve dança da cadeira. Uma vez fizeram um DVD pornô, botaram um funk e um monte de gente trepando. Aí disseram que aquilo acontecia no baile funk. Mas não. O que tem é "proibidão", música que fala do tráfico.
3. Os traficantes já te pediram para tocar "proibidão"? Já. E com fuzil na mão. Eu falei: "Me desculpa, mas isso eu não toco". Os caras disseram: "Qualé, cumpade? Aqui é favela". Eu respondi: "É favela, mas não acredito que essa música vá fazer bem aos garotos". Porque se você toca uma música dizendo que o Comando Vermelho é bom pra cacete, aquele moleque que não tem perspectiva de vida vai acreditar no crime. Bandido você tem que conversar com ele de igual pra igual. E eles admiram isso nas pessoas. Eles não gostam de pessoas que ficam fazendo simpatia. O traficante manda tocar música tal, nego vai lá e toca. Aí eles acham que o cara é bucha. Tem que bater de frente. 4. Para tocar na favela, você precisa pedir autorização para os traficantes? Não, eu tenho passagem livre. Entro e saio na boa. Eles vêm falar comigo. Só não vou subir o mono 2 da manhã se não tiver baile. Os caras vão me dar uma dura.
5. Alguns funqueiros do morro dizem que você compra uma música por 200 reais e depois não paga os direitos autorais para os autores. Você acha que se eu me aproveitasse do pessoal da favela, podia andar na rua? Eu podia andar com o segurança que fosse que estava f(***). Eu subo na favela na maior boa, independentemente da facção que manda. Quantos parentes desses meninos que dizem que roubei estão no tráfico? Eu vou roubar esse moleque? 6. Então de onde surgiu essa história? Existem DJ's na comunidade que cobram 50 reais pra um menino ir no computador e fazer a música. Quando a música fica boa, eu pego o menino, pago 200 reais pra fazer a música novamente. Eu tiro o cara da favela, boto dentro do estúdio. E o autor da música vai receber os direitos autorais. A minha editora tem 16 anos e nenhum processo de direitos. 7. Você edita as músicas que recebe. Como era a versão original de "Atoladinhe [hit do, MC Bola de Figo]? Era "Tô ficando enterradinha". Não dá. Você sabe que na favela a sexualidade é precoce. Eu vou ficar incentivando isso? Duplo sentido eu aturo, porque a maldade tá na mente das pessoas. O Bonde do Tigrão se chamava Os Putão da Loura. Eu falei: "Já pensou ir na Xuxa com esse nome?". Sensualidade é uma coisa. Pornografia é outra. 8. Tem muita candidata a funqueira dando mole pra você pra ficar famosa? Eu sou meio feinho, mas sempre tive sorte com as mulheres. Agora, cara, trabalho é trabalho, putaria é putaria. Em casa eu brinco, passo a mão na bunda, mas no trabalho eu me transformo. Se a música for boa, eu toco, independentemente de sair comigo ou não. Se fosse assim, eu não teria tocado Tati Quebra Barraco e Deize Tigrona. Até porque elas são comprometidas [risos]...
9. Quem é a sua namorada? Não tenho. Trabalho muito. Cada vez mais eu fico sem comer ninguém.
10. Como foi sua primeira vez como DJ? Com 16 anos, num baile com um amigo. Eu já fazia experiência de mixagem em casa, com a vitrola da minha avó e um toca-disco de piquenique. Na hora da música lenta, o DJ pediu pra eu colocar umas músicas enquanto ele ia ao banheiro. Fiquei nervoso, tremia e não conseguia acertar a faixa.
11. Quando você começou a tocar profissionalmente? Nessa mesma época. Meu pagamento era em disco. Pra ir ao colégio, eu tinha que pegar dois ônibus. Quando o tempo estava bom, eu pegava só um ônibus e fazia o resto a pé. O dinheiro que economizava usava pra ir ao baile no fim de semana. Quando minha mãe descobriu, cortou o dinheiro do ônibus. Eu tinha que ir a pé pro colégio. Quando chovia, não ia. E assim fui perdendo aulas, até desistir de estudar. 12. Sem o ir dinheiro, como você fazia para ir ao baile? Eu pegava a bicicleta dos meus irmãos. Até que eles descobriram e resolveram desmontar. Aí eu ia a pé. Era um percurso de seis horas. O dono ficou com pena e passou a me dar o dinheiro da passagem. Também consegui um emprego de operador numa FM. Tocava Roberto Carlos de meia-noite até 6 da manhã e dormia em cima dos discos. 13. Você ficou rico? Rico? O que é isso? Claro que não! Tenho um apartamento no Méier, subúrbio. Meu pai mora de aluguel.
14. Por que seu apelido é Marlboro? Um cara da turma disse que eu era da Terra de Marlboro porque morava longe, no subúrbio, e não tinha sotaque carioca. Eu nasci no Rio, mas com um ano fui pra Brasília. Meu pai foi trabalhar na construção da cidade. Quando eu tinha 11 anos, nos mudamos para Foz do Iguaçu. Com 15 voltei pro Rio de Janeiro. 15. Você é o queridinho das celebridades. Por quê? Eu sou DJ há 27 anos e sempre toquei pra essa gente. A Samara Felippo ia pros bailes quando tinha 12 anos. O Bruno Gagliasso também. Essas pessoas cresceram e continuaram gostando de mim. Mas eu tô descolado nesse negócio de celebridade. É mais fácil eu ficar com uma menina que mora na favela do que com uma famosa. As pessoas vivem muito de glamour. 16. Funk era coisa de carioca e agora você faz sucesso em São Paulo e no Carnaval de Salvador. Como você conquistou novas praças? Eu comecei a tocar numa boate de São Paulo de 15 em 15 dias, numa quarta-feira, que é um jeito de botar o funk no quintal. Tinha a turma do contra que falava mal. Mas já estreei tombando e hoje me apresento toda semana. Tem três anos que eu toco em Salvador. Fui levado pelo Beto Jamaica [ex-vocalista do É o Tchan!]. E quando você ouve funk na Bahia, parece axé, porque eles tocam com aquele tamborzão. 17. Qual a diferença das letras de duplo sentido do funk para músicas de axé, como a da boquinha da garrafa? Tudo é música brasileira. Sempre vai enaltecer a sensualidade. Se você pegar o forró, só tem duplo sentido. Até o rock: "Só quero sexo", ou "passei a mão na bunda e não comi ninguém".
18. Por que o funk carioca faz sucesso no exterior? O funk brasileiro é diferente de tudo o que se faz por aí. Tem elemento do samba, da folia-de-reis, da capoeira. Se você observar a melodia de uma música como "eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci", vai ver que é meio samba-enredo.
19. Em que país você mais gostou de se apresentar? Eslovênia. Antes da minha apresentação, tocou um DJ alemão. Todo mundo ficou parado. Quando eu comecei a tocar funk, virou um Carnaval. Tinha eslovena dançando até o chão. Umas mulheres loiras, tudo rebolando. E quando eu levo as dançarinas, nego fica louco. Também gostei de tocar em Nova York e em Barcelona. Porque você vai num lugar, nego começa a divulgar e de repente você vira uma lenda. Os caras falam absurdos de mim. Tá todo mundo comentando o meu trabalho sem nem me conhecer.
20. Quando um funqueiro assina contrato com uma gravadora grande, entra na sua lista negra e você não toca mais. Por quê? Quando a gente começou, sempre quis apoio das grandes gravadoras. Mas fomos rejeitados. Isso nos obrigou a nos organizar. Comemos o pão que o diabo amassou. Não acho justo que agora que está tudo lindo queiram começar a lançar disco de funk. Peraí! Quem se f (***) fomos nós. Eu tenho que tocar o que é da minha editora. Não vou tocar o que é da Sony. O Bonde do Tigrão, por exemplo, fechou com a Som Livre e ficou de fora.
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