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EDUARDO MASCARENHAS | AGOSTO, 1982



AO INVÉS DA POLÍTICA DO CORPO, DE GABEIRA,

O PSICANALISTA POLÊMICO, CANDIDATO A DEPUTADO,

PROPÕE "BOTAR O CORPO NA POLÍTICA".


Desde que concedeu uma polêmica e instigante entrevista a PLAYBOY (dezembro de 80), o psicanalista Eduardo Mascarenhas saltou para a linha de frente entre as pessoas que refletem de maneira não-convencional sobre os costumes em voga no país. Assumindo sua vida pública, de freqüentador sem pudor das noites cariocas, Mascarenhas levantou a fúria de parte da sizuda comunidade psicanalítica brasileira. Mas mostrou que uma sociedade, para avançar, não precisa apenas de idéias inovadoras — mas de atitudes revolucionárias e corajosas. Agora, ele quer levar essa bandeira a Brasília. Candidato PMDB do Rio de Janeiro a deputado federal, ele promete, se eleito, trazer ao debate assuntos como as minorias sexuais e raciais, a ecologia, o aborto, as drogas, a pena de morte. Mas principalmente, como conta nesta entrevista ao editor Ivo Cardozo, acabar com o enorme fosso que separa política de prazer. Afinal, como ele mesmo afirma, a sexualidade é talvez a parte mais decente da vida. E o prazer dignifica o homem.





1. Qual é a relação entre política e prazer? Uma das coisas em que Freud insistiu foi na prioridade absoluta do prazer na movimentação da mente humana. A nossa vida consiste na busca do prazer; sempre que conseguimos alcançar aquilo que é prazeroso alcançamos o bem supremo da vida, que é a felicidade. Logo, as questões do prazer e da felicidade são as questões supremas da vida humana. Então, toda a política, toda a economia e toda a cultura têm que objetivar o prazer e a felicidade humana. Quando construímos estradas, quando aramos terras para produzir alimentos, quando erguemos pontes e construímos habitações, produzimos remédios e realizamos obras de arte, tudo isso significa, em última instância, o oferecimento de condições para que se garanta o acesso ao prazer. A política, na realidade, é o "lugar" onde se pensa a distribuição social deste bem supremo que é o prazer.


2. Caso eleito, você poderia ser considerado como um representante da política do prazer em Brasília? Acho que todas as pessoas que têm ideais cívicos participam da política do prazer. Apenas o fazem com outra retórica. E preciso haver um rejuvenescimento retórico por parte de nossa população de políticos. Como é preciso haver também um rejuvenescimento retórico do discurso existencial. Acusam os políticos de serem velhos, mas isso não é toda a verdade. Uma parte importante da verdade é que o autoritarismo reprimiu o discurso político em escala nacional nos últimos 18 anos. Houve então um desembaraço enorme por parte do discurso existencial. Então, quando reaparece o discurso político, as pessoas que estão familiarizadas com o discurso existencial — o movimento hippie, a questão da sexualidade, a questão do corpo — acusam-no de velho. Mas não é que ele seja velho, ele é novo. E porque é novo é estranho, é de difícil assimilação.


3. E o que fazer para o discurso político interessar aos jovens? No momento em que o discurso político, que é acusado de velho, estiver nas cercanias do poder, não será mais considerado velho. Se houver eleição direta para presidente da República, a questão da reforma agrária, por exemplo, incendeia este país! Se existe alguma coisa nova é a articulação dos dois discursos, o político e o existencial.

4. Você poderia ser considerado um candidato em defesa das posições hedonistas? Eu quero me colocar bem claramente. Eu me situo como alguma coisa que chamam de moderno dentro do PMDB por minha preocupação em juntar estas duas maneiras de pensar a vida e pensar o mundo. Meu empenho maior será levar a cultura para a política e a política para a cultura. Levar o Brasil para Brasília e levar Brasília para o Brasil. Quero trazer de volta o discurso político para a cultura e levar, pela primeira vez, o discurso cultural para o universo dos políticos.


5. Se eleito, você continuará a levar o mesmo tipo de vida, dançando na noite, freqüentando a praia de Ipanema? Na minha vida concreta anterior, como psicanalista, eu trabalhava dez horas por dia num consultório. Esses momentos não apareciam para o público. Agora, como todo ser humano, eu tinha outros momentos. São os meus momentos de lazer, em que vou amar, dançar, em que vou ao bar, às festas. Enfim, momentos em que realizo todas as minhas dimensões de ser humano. Eu não sou um samba de uma nota só. Então, evidentemente, uma das coisas que pretendo como político é permanecer na frente cultural.


6. E qual a sua plataforma para dar prazer ao povo? É preciso, em primeiro lugar, empenho. Podia até ser mais interessante se eu dissesse: "Estou a favor de transar o corpo numa naice!" Mas como transar o corpo numa naice, se eu estiver, como oito ou dez milhões de brasileiros, com o corpo faminto e a barriga abaulada, cheia de vermes? Como transar o corpo numa naice com a minha parceira, se trabalho 14 horas por dia, fico num ônibus mais de duas horas, depois de um dia de trabalho infame, levando espinafração do patrão do dia à noite?


7. As minorias sexuais, como a dos homossexuais, farão parte de suas preocupações políticas? Cada um de nós apresenta singularidades. E eu me encontro ao lado de todos os tipos de singularidade, com uma única restrição: que elas não impeçam o exercício livre e pleno de outras singularidades. Eu me encontro integralmente solidário com os homossexuais masculinos e femininos, que ao meu ver não se enquadram em nenhuma patologia. Homossexualismo é apenas uma manifestação de singularidade. Agora, o problema é que existem dois sistemas jurídicos brasileiros. O sistema escrito, que quanto ao aspecto do homossexualismo é razoavelmente democrático, e o não-escrito, que é extremamente truculento. Eu não pretendo ser um legislador apenas dos códigos escritos, porque neste país há leis que pegam, e leis que não pegam. Eu quero também participar da legislação dos códigos não-escritos, que são os padrões culturais.

8. O que é esse corpo de leis não-escritas? Por exemplo, existia um corpo de leis não-escritas segundo o qual um psicanalista não poderia ir à praia, não poderia cumprimentar os pacientes no elevador, e não poderia dançar. Existe por aí todo um conjunto de leis não-escritas, que configuram a chamada compostura. Precisamos atualizar os conceitos de compostura. Você quer ver uma coisa? Há uma idéia muito difundida de que o político não tem propriamente uma sexualidade. Ora, é preciso incluir como uma parte decente da vida humana a sexualidade. Ou será que a sexualidade não é decente? A sexualidade é decente. Eu não estou interessado nos níveis udenistas de moralidade, mas sim nos níveis superiores de moralidade, que incluem uma aceitação de que também somos pessoas sexualizadas, que temos uma vida erótica. O primeiro-ministro do Canadá, Pierre Trudeau, representa a presença da sexualidade na política. Outra figura que trouxe a questão da sexualidade para a política, aqui na América Latina, foi o Perón.


9. Como Perón fez isso? Ele foi o precursor da participação da mulher nos grandes destinos da humanidade. Não a mulher dessexualizada, pasteurizada, mas a mulher que possuía um corpo, uma sexualidade, todas as grandezas e defeitos do ser humano. O João Goulart era casado com uma mulher linda, a Maria Teresa, cuja imagem exterior — porque a imagem interior não é viável — exalava beleza e sexualidade. John Kennedy também representou esta junção entre o político e o erótico, o libertário, o existencial. Mao Tsé-tung também, teve quatro casamentos e uma vida amorosa intensa, vivaz. Eu estou mais para Mao Tsé-tung do que para Franco, mais para Perón do que para Erasmo Dias.


10. Você está disposto a lutar efetivamente pelos direitos das minorias sexuais? Por exemplo, o direito ao desempenho de cargo público. Os homossexuais estão amplamente qualificados para exercer qualquer tipo de função. Essa história de dizer que eles ficariam corroídos pela tentação da carne é ridícula. Neste caso também nós, heterossexuais, não poderíamos exercer certas funções, pois corroídos pelas tentações da carne encontram-se todos os seres humanos reprimidos. A dualidade não é moralidade-imoralidade, decência-indecência, honradez-falta de honradez. Esta é uma maneira udenista de ver as coisas. A questão é entre níveis inferiores e superiores de moralidade.


11. O que você pretende fazer por outra minoria, a dos negros? Neste ponto, a questão da legislação não-escrita é fundamental. Quero, como agente cultural, desmascarar os preconceitos vigentes. Por exemplo, nós brasileiros temos o preconceito de que não somos preconceituosos. O brasileiro diz que não tem preconceito racial, o que é uma grande balela, uma grande ilusão. Como deputado, quero denunciar que somos preconceituosos, sim. Como pretendo continuar freqüentando os veículos de comunicação, vou lutar para favorecer a organização de movimentos negros. A Lei Afonso Arinos, só no papel, é impotente. É preciso levá-la para o nível cultural.


12. Se eleito, você gostaria de deter algum cargo na Câmara dos Deputados? Gostaria de ocupar uma posição que me permitisse a agilidade de ser deputado federal e ao mesmo tempo estar presente nos espaços nas grandes comunicações. Além de fazer política parlamentar no sentido estrito do termo, propondo projetos, quero também fazer política cultural, não deixar de influir neste espaço cultural, mudando os códigos não-escritos.

13. Como você se posiciona em relação ao uso de drogas? Para mim a vida não é um caso de polícia. As drogas vieram no bojo de um movimento contracultural. Foi uma espécie de golpe de estado existencial, que ficou configurado pelo "não confie em ninguém com mais de 30 anos". Agora eu acho que estamos um pouco distanciados daquele momento, do movimento hippie. Hoje, as aberturas políticas revitalizam enormemente a participação artística, e a arte é um tremendo barato. A própria política evoca um clima mágico. As drogas estão afastadas dos níveis superiores de prazer humano, que são o contato, a aventura da realidade, o tal de "cair na real". Sei que a questão das drogas é muito difícil. Gostaria de ver uma discussão mais ampla sobre esses fenômenos para me pronunciar sobre eles.


14. Em alguns países, atualmente, a tendência é discriminar o problema das drogas. Brandura para os usuários e mão forte sobre os traficantes. O que você acha disso? Sou completamente a favor. Mas penso o seguinte: na medida em que formos um país mais justo, também seremos um país mais emocionante, porque não haverá diferenças tão marcadas entre poderosos e impotentes. Porque é muito duro você se encontrar na posição de impotente, a vida se torna uma coisa muito ruim de ser vivida. Então há um enorme convite para o refúgio, seja lá por que meios, no universo da fantasia.


15. Em que a sua posição política é diferenciada de outros grupos políticos não-tradicionais, como os ecologistas? Para mim essa diferença é claramente marcada. Não acredito em pensar apenas na preservação da natureza, acho que isso é um estado de alienação política. Acho que temos que ter uma visão mais complexa. A questão social, a questão cultural, tudo isso tem que ser pensado complexamente, não pode ser pensado monotematicamente.


16. Em que a sua política se diferencia, por exemplo, da política do corpo do Fernando Gabeira? Ao invés de fazer a política do corpo, eu preferi botar o meu corpo na política. A sexualidade é um item importantíssimo da nossa existência, mas outros itens são tão importantes quanto a sexualidade. Eu tenho uma posição bem definida em relação a estes golpes de estado éticos.


17. E que posição é esta? Hoje acredito que temos que ingressar cada vez mais no jogo democrático, até alcançarmos, pela via democrática, um socialismo, e que não haja separações entre liberdade e justiça. Tenho a impressão de que determinados segmentos da esquerda, que perderam a esperança no golpe de estado político, prezam agora o "golpe de estado" ético.


18. Seria correto dizer que você está trocando um PC por outro PC, ou seja, o Partido do Corpo pelo Partido da Cabeça? Acho que estou indo para um terceiro PC, O Partido da Complexidade. A complexidade entre corpo e cabeça, cabeça e corpo.


19. Você é a favor da educação sexual nas escolas? Há a escola da vida, digníssima, que escola nenhuma consegue reprimir. Se as escolas oficiais se aproximarem da linguagem da escola da vida, saudarei entusiasticamente essa aproximação.


20. Qual a sua posição em relação ao problema do aborto? As pessoas como nós, que tiveram o privilégio de pertencer a determinadas vanguardas culturais, aos 13 anos de idade já tinham resolvido esta questão. Por isso me sinto docemente constrangido a declarar que sou favorável ao aborto, a uma nova Lei do Ventre Livre.


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