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ELBA RAMALHO | ABRIL, 1998

Playboy Entrevista


Uma conversa franca com a cantora elétrica da MPB sobre homens jovens, discos voadores, transa com mulheres e sua luta para chegar lá


Maracatu Atômico, Madonna do Agreste, Rita Lee do Sertão – são inúmeros os títulos já usados para definir a cantora Elba Ramalho. Depois de conhecer sua história, iniciada em Conceição do Piancó, no sertão da Paraíba, podemos acrescentar à lista, por nossa conta, o título de Incansável Guerreira. "Minha vida sempre foi uma luta, nasci na seca, sou um Severino Retirante", define-se Elba, lembrando o poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. Desde pequena sentia que o sertão não era o seu destino. Enquanto ouvia as serestas que seu pai – João Nunes de Souza, hoje com 80 anos, na época violonista, agricultor e dono de cinema – fazia na cidade, ela sonhava com o Rio de Janeiro e o Cristo Redentor de braços abertos. Com a veia musical aguçada, viu a vida dar uma guinada quando, aos 11 anos, sua família se mudou para uma cidade maior, Campina Grande. "Meu pai estava preocupado com a educação dos filhos", diz Elba. Foi no Colégio Estadual da Prata, em corais e encenações nas aulas de Português, que ela deu os primeiros passos de sua carreira. Inquieta, em seguida virou baterista e formou um conjunto feminino, As Brasas, que tocava rock e fazia relativo sucesso viajando pelas cidades do interior. Para os padrões da sociedade paraibana, Elba era a ovelha negra da família. "Minha irmã Edinovalda", ela compara, "a 'Vavá', era uma moça bonita, que ia ao salão de beleza, enquanto eu vivia no botequim com os intelectuais da cidade, debatendo cinema novo, Gláuber Rocha e Godard." O pai, apesar de artista, e principalmente os irmãos não viam com bons olhos as atividades culturais de Elba. Campina Grande estava ficando pequena para seu talento.


A salvação veio sob a forma de um convite para participar de uma temporada com o Quinteto Violado, grupo musical do Recife. Trancou matrícula em duas faculdades, de Economia e de Sociologia, desligou-se da família e, aos 21 anos, finalmente, conheceu o Rio de Janeiro – primeiro, por seu ângulo mais duro. "Não tinha onde morar e, muitas vezes, o que comer", lembra-se ela. "Mas não podia era voltar derrotada para a Paraíba." Perambulou pelo teatro no grupo Chegança, do diretor pernambucano Luís Mendonça, e fez a personagem Lúcia com Chico Buarque na peça Ópera do Malandro, na qual cantava e interpretava. Foi o começo do sucesso. O passo seguinte, em 1979, foi gravar seu primeiro disco, Ave de Prata, que vendeu cerca de 90.000 cópias, boa marca para uma estreante.


Hoje, Elba Maria Nunes Ramalho, terceira entre os cinco filhos do músico João de Souza e da dona de casa Maria Geni Ramalho de Souza, tem 46 anos e já não precisa provar nada a ninguém. Bem diferente do início, quando foi recebida com desconfiança e mau humor pela crítica. Aos poucos conquistou seu público, reverteu opiniões negativas e agora pode dizer, parodiando o ditado árabe: "Os cães ladram e a caravana canta". Alguns de seus sucessos, como Bate Coração e Banho de Cheiro, estão entre os hits mais executados nas rádios e nos bailes carnavalescos.


Com dezenove anos de carreira e dezenove discos – está preparando o vigésimo, só com forrós de autores paraibanos, entre eles com o hino da Paraíba, gravado com a participação das orquestras Sinfônica e Sanfônica do Estado – Elba Ramalho vive seu melhor momento. Está definitivamente instalada na galeria das melhores intérpretes brasileiras. Seu show Leão do Norte foi considerado o melhor de 1996 pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) e o disco de mesmo nome já vendeu mais de 160.000 cópias. O disco e o show seguintes, Baioque, confirmaram a boa fase e tiveram a mesma aclamação. Dirigido pelo global Jorge Fernando, Baioque lembrava um grande picadeiro onde se misturavam a musicalidade do baião do Nordeste e o melhor rock – com o estilo luxuoso dos espetáculos da Broadway. Coincidência ou não, esse disco e o anterior foram os primeiros de Elba na BMG, sua gravadora atual. Entre um e outro, ela gravou, em parceria com Zé Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo, O Grande Encontro, registro do aplaudido show com que os quatro artistas nordestinos viajaram pelo país. Já vendeu mais de 400.000 cópias e o recém-lançado Grande Encontro 2 vai pelo mesmo caminho. Em meio a essa trabalheira, a incansável Elba arranjou tempo, também, para soltar a voz num comercial de chinelo tendo como tema a Copa do Mundo.


Mística e leonina, dessas que só tomam decisões importantes depois de conferir o mapa astral ("Transferi a estréia do show Baioque para esperar a lua cheia", conta), a cantora, que foi capa de PLAYBOY em fevereiro de 1989, admite que chegou seu momento de plenitude, não só na carreira mas também no amor. Seu coração está dividido entre o modelo gaúcho Luiz Gaetano Prado Lops (assim mesmo), 23 anos, com quem vive desde 1996, e o filho Luã, 10, de seu casamento com o ator Maurício Mattar. "Nunca estive tão feliz", revela.


Para conferir esse momento privilegiado de Elba Ramalho, PLAYBOY escalou o editor especial Ricardo Castilho, que a entrevistou no Rio. Foram 7 horas de conversa gravada na sua ampla e aconchegante casa, em São Conrado, ao lado da Pedra da Gávea, em duas sessões com um intervalo de três semanas, durante as quais Elba viajou pela Itália, além de cinco telefonemas entre São Paulo e Rio para checar informações. A cantora, conta Castilho, foi uma entrevistada modelo:


"Em nosso primeiro encontro, Elba se atrasou por eternos 15 minutos que me deixaram aflito. Explico. É que, depois de ter sido recebido pela simpática Ana de Fátima Costa, a 'Fatinha', sua secretária particular e braço direito, fui rodeado por Bandit e Índia, dois cães bóxer, e Xamã e Lua, dois labradores. Enfim, ela apareceu, usando um vestido florido e com um largo e cativante sorriso. 'Estou salvo, pensei.'


"Desde o primeiro contato, ainda por telefone, Elba se mostrou solícita e respondeu a todas as perguntas, exceto quando lhe pedi que listasse os piores políticos brasileiros. Mesmo assim, não poupou o presidente Fernando Henrique Cardoso, que teve o seu voto e a decepcionou. Elba vive bem, numa ampla casa de dois andares, concebida por ela, em um condomínio fechado, com direito a uma pequena e bem montada academia de ginástica e piscina com vista para a Pedra da Gávea. O escritório, logo na entrada, guarda sua coleção de CDs, que estão sendo catalogados por Luís Gaetano, e vários livros, de Roberto Freire, João Guimarães Rosa ou Simone de Beauvoir a obras sobre astrologia e espiritismo. A crença a leva, todas as quartas-feiras, ao Centro Espírita Frei Luiz, onde desenvolve o que considera a sua mediunidade. Mas Elba não é só mistério. É muito moleca também, capaz de passar horas vendo filmes dos Estúdios Disney, jogando videogame e ensinando Luã a subir no telhado da casa. 'Num dia de chuva', ela conta, 'Luã estava em cima do telhado e gritei para ele descer. Respondeu:'Mas foi você quem me ensinou!' Talvez seja essa alegria, que passa no palco e que ela carrega em seu dia-a-dia, a razão de seu sucesso entre as crianças. Elba foi, por exemplo, pelo segundo ano consecutivo, a artista mais solicitada pelas crianças do Hospital do Câncer, no Rio. 'Fui cantar cinco músicas, levar um pouco de alegria, mas meu coração estava se desmanchando em lágrimas', conta emocionada, no único momento da entrevista em que a tristeza conseguiu apagar seu largo sorriso."


PLAYBOY – Seus últimos relacionamentos foram com pessoas mais jovens que você. Mera coincidência?


ELBA RAMALHO – Isso acontece. Sinceramente, nem pensava nisso, porque sempre me relacionava com pessoas que tinham mais ou menos o meu tempo de vida ou, digamos, a minha carga horária. Pode parecer que é uma preferência estética minha, definitiva, me relacionar com pessoas mais jovens, mas não é verdade!


PLAYBOY – Qual é, então, a sua preferência?


ELBA – Quero me relacionar com a pessoa que me seduza, com quem me afine espiritualmente, que eu admire, e que se revele um bom caráter, íntegro, honesto, vamos dizer assim, gostoso. Estou conseguindo me acertar com uma pessoa bem mais nova que eu, que é o Gaetano. E é a relação mais perfeita que já tive, a melhor de todas. Digo com a maior tranqüilidade. Ele é um homem maravilhoso. Estou amando e sendo muito bem amada. Não é conflituoso. Ele é uma pessoa de 23 anos que se apresenta hipervivida, hipermadura, hiperconsciente. É muito objetivo e muito determinado com o que quer. Pela primeira vez posso dizer que sou uma mulher feliz espiritualmente, sexualmente.


PLAYBOY – Onde se conheceram?


ELBA – Ele era metalúrgico, trabalhava numa fábrica em Porto Alegre. Veio para o Rio porque é muito bonito e foi convidado pela [agência] Elite pra ser modelo. Foi quando o conheci. A gente nem sabia quantos anos o outro tinha. Ele achava que eu tinha 30, nunca os meus 44. "Nossa, você não parece..." Falei: "Pois é..." E eu pensava que ele tinha uns 27 [risos].


PLAYBOY – Comentários sobre essa diferença de idades irritam você?


ELBA – [Decisiva.] Não. Por que me irritariam? Estou acostumada, sou uma pessoa pública. Comentar com quem eu durmo é pura perda de tempo. Estão gastando energia com um problema que não é deles. Deveriam preocupar-se é com quem eles vão dormir, não é? Pouco me importo com o que pensem. Muita gente acha que sou uma louca, que cheiro pó, que sou drogada. Na verdade, sou totalmente naturalista, vegetariana, bebo pouquíssimo, socialmente, um vinho tinto e olhe lá. Uma taça de champanhe e já está bom. Mas deixe que falem.


PLAYBOY – Você pareceu ter ficado irritada com o apresentador Fausto Silva, no Domingão do Faustão, quando ele comentou sobre seu relacionamento com Gaetano.


ELBA – [Irritada.] Fiquei um pouco, porque não fui avisada de que iria ao programa para falar sobre meu relacionamento com o Gaetano. Se soubesse, não teria ido. Fui avisada de que iria cantar duas músicas e que o Faustão ia conversar comigo. Quando começou o assunto do relacionamento, fui ficando surpresa. Foi mais surpresa do que irritação. Falei: "É comigo essa questão?" Aí comecei a entender qual era o sentido do programa. Meu Deus! Por que é que ficam batendo nessa tecla? O que isso importa para as pessoas? Se caso ou transo, se vivo ou namoro, se sou amiga de fulano ou de sicrano, o que é que isso interessa? Aí veio aquela pergunta: "Se, quando seu filho crescer, ele se relacionar com uma pessoa mais velha, você vai entender?" [Muito irritada.] Ah, me poupe, né? [Pausa.] Acho desnecessário. Não quero discutir a minha vida pessoal publicamente. Sou uma pessoa muito gentil. Tenho boa-fé. Em princípio, acho que vem tudo bacana. Mas estou começando a querer ficar mais na minha.


PLAYBOY – Você gosta de ir aos programas de televisão ou é obrigada a ir?


ELBA – Às vezes, sou forçada a ir. Forçada no bom sentido. Preciso ir para divulgar meus discos. Às vezes, fica-se horas esperando a gravação, pode-se ficar até 6 horas esperando no camarim da Xuxa. Mas gosto da Xuxa, ela me recebe com amor, com carinho. É um prazer fazer um Jô Soares, ir na Hebe [Camargo], me divirto à beça. Mas tem outros programas que eu fico empurrando com a barriga.


PLAYBOY – Quais?


ELBA – Deixa pra lá. Se falar algum, acabo me queimando.


PLAYBOY – E o que você gosta de ver na televisão?


ELBA – De telejornalismo, do programa do Jô Soares, que é impagável, no sentido de juntar diversão e informação. Ele é uma pessoa muito inteligente. Às vezes gosto de dar uma checada nos meus super-heróis na televisão [emposta a voz]: "Vamos ver como está o José Mayer na novela, como está a Eva Wilma". E vejo muito filme.


PLAYBOY – De que tipo de filme você gosta mais?


ELBA – Quando era casada com o Maurício [Mattar], ele adorava o Charles Bronson, via todos os filmes. E eu não gostava de jeito nenhum! [Ri.] Mas tinha que ver... Quer dizer, não tinha que ver mas acabava vendo. Na adolescência, como meu pai era dono de cinema, então eu tinha aqueles ídolos: [os atores americanos] Tony Curtis, Yul Brynner, John Wayne, assistia aos bangue-bangues todos. Gosto do [diretor americano Steven] Spielberg, de ficção científica, de cinema de arte, né? Já vi, por exemplo, Morte em Veneza oito vezes – não pelo [ator] Dirk Bogarde, mas pelo filme em si, pela música do [compositor erudito alemão Gustav] Mahler. Adoro esse filme.


PLAYBOY – Já que se lembrou dele, diga uma coisa: você ouve o CD do Maurício Mattar? Gosta dele como cantor?


ELBA – Quando conheci o Maurício, ele tinha 22 anos, tocava violão e cantava. Não foi influenciado por mim. Acho que foi mais influenciado por Caetano, que era um grande amigo, tanto que é padrinho do nosso filho. Mas o Maurício pode fazer um trabalho musical melhor do que faz hoje. Ele canta umas músicas [pausa]... Já vi o Maurício compondo muito bem, umas músicas superespeciais, e, quando foi gravar, viraram outras coisas. Ele tem uma voz pequena, bonita, muito afinada. Não desgosto da musicalidade do Maurício, mas [pausa]... Também não sei se foi uma coisa da gravadora... Entrou numa linha de trabalho que as pessoas discutem, mas está fazendo o que gosta. Respeito isso. E escuto o disco dele, sim. Escuto disco de todo o mundo. Até de Seu Zezinho, lá de Caruaru, que nem sei quem é e que me manda o disco aqui. Nesse aspecto, sou igual à [falecida cantora] Elizeth Cardoso: gosto de tudo, tudo é bonito.


PLAYBOY – Você conversa com o Maurício sobre a educação do Luã?


ELBA – Não. Não tenho abertura para isso. Maurício era casado com outra pessoa e tem a vida dele. Minha relação é boa, pacífica, harmoniosa. Adoro as pessoas, mas não temos nem muito tempo para conversar a respeito. O Luã vive comigo. Mas comunico ao Maurício muitas coisas sobre o Luã que se revelam para mim. Filho de pais separados é complicado. Mas, como nos damos muito bem, para o Luã é muito positivo. O Maurício se hospeda na minha casa, aqui no Rio ou na Bahia. E nesses momentos o Luã pode usufruir também dos ensinamentos paternos. Porque essa figura é uma referência muito grande para um menino.


PLAYBOY – E seus próprios discos, você ouve?


ELBA – Uma canção ou outra, acho bonito. Tem algumas que não têm nada a ver, como os dois últimos que fiz pela Polygram – Devora-me e Passagem –, mas tenho o maior respeito por tudo. Faz parte da minha história.


PLAYBOY – E que outros artistas tocam no seu CD?


ELBA – Muita Billie Holiday [enfática]. E gosto das negras americanas. Gosto de blues, gosto de jazz para caramba. Gosto de reggae à beça e principalmente de MPB. Não vivia sem o disco novo do Tom Jobim, não vivo sem o disco novo do Chico, o disco novo do Gil, da Gal, da Bethânia, do Caetano, do Paulinho da Viola. Adoro samba, adoro o pagode do Zeca Pagodinho, da Jovelina Pérola Negra, de quem sou completamente fã, amiga, apaixonada. Zizi Possi é maravilhosa de ouvir, assim como um disco novo da Cássia Eller. Gosto de ouvir os discos velhos dos [Rolling] Stones. Tem um disco deles, o Black and Blue, que eu ouço forever. É como o Crazy Diamond, do Pink Floyd – vou ouvir sempre.


PLAYBOY – E os sertanejos?


ELBA – Não sou apaixonada, não. Sou amiga do Zezé di Camargo e do Luciano, eles são bons, mas não é uma música que eu ouça em casa.


PLAYBOY – Roberto Carlos?


ELBA – Gosto. Mas já gostei mais. Tenho o maior respeito por ele. É o nosso rei. E Detalhes é inesquecível. Foi tudo o que ouvi na minha adolescência. É meu ídolo, será eternizado. Tem uma voz linda, é um cantor lindo.


PLAYBOY – Você também vai fazer um disco acústico, seguindo a moda atual?


ELBA – Depois desse disco de forrós, em que faço uma homenagem à minha Paraíba, devo fazer um ao vivo. Quero reler algumas canções que sei que ficaram perdidas. Sempre me preocupei em gravar músicas de boa qualidade, mas teve uns momentos assim em que a minha carreira ficou [pausa]... Acho que me perdi um pouco. A própria situação da música popular brasileira era meio confusa. Não sabia nem o que queria cantar. Depois peguei de novo o fio da meada. Vou mesmo fazer uma nova leitura dos trabalhos de forma acústica.


PLAYBOY – Já que o seu momento é de homenagear a Paraíba: quando foi que você decidiu vir para o Rio?


ELBA – Ah, o Rio sempre foi o meu sonho. Eu ficava no sertão, aquele sol, aquele calor... Aquele silêncio que o Nordeste, que o sertão tem... Um negócio especial, só quem é de lá é que entende. Isso está na minha memória com muita poesia. Mas era tão solitário também... Sentia que eu não era daquele mundo, que tinha que sair dali... Sempre via imagens do Cristo de braços abertos. Sabia que tinha que alçar um vôo maior. E o sertão parecia pequeno para mim. Então o Rio foi a cidade que escolhi. Gosto muito daqui.


PLAYBOY – O Cristo estava de braços abertos ou o começo foi difícil?


ELBA – Foi difícil. Primeiro tive um susto. Decidi vir com o Quinteto Violado. Na época, fazia teatro na Paraíba. Tinha 14 anos e fazia o colegial em uma escola estadual, o teatro aconteceu quase que por acaso. Detestava as aulas de Português. Minhas faltas eram tantas que sempre recebia advertências da escola. Um dia entrei na sala de aula e [entusiasmada] tinha uma poesia no quadro, a Evocação do Recife, de Manuel Bandeira. As cadeiras todas afastadas, dois grupos... Perguntei: "Ué, o que está acontecendo?" Estava se criando um coral ali e falei: "Ah, essa aula está ficando mais interessante!" Comecei automaticamente a me interessar por Literatura, e aqueles grupos foram crescendo... Minha história começou nessa sala de aula.


PLAYBOY – Mas onde entram o Rio, o Quinteto Violado?


ELBA – Paralelamente a isso, comecei a tocar bateria num conjunto de meninas. Estavam precisando de uma baterista. Eu disse: "Eu aprendo!" "Mas como?" "Eu aprendo! Vou começar a treinar!" Em quinze dias estava tocando bateria. O Quinteto Violado me viu e me chamou para fazer um show com eles. Foi quando vi que o Rio estava mais perto do que eu imaginava. Viajei para fazer três meses de show, mas sabia que não voltaria mais. Minha mãe também pressentia, e consentiu. Meu pai me entregou a responsabilidade, porque eu já estava com 21 anos, e meus irmãos torceram o nariz. Parei com os cursos de Sociologia e Economia no último ano, larguei tudo...


PLAYBOY – E depois dos três meses?


ELBA – Acabou o show, que na verdade não fez sucesso. Mas conheci as primeiras pessoas no Rio, a [divulgadora] Yvone Kassu e um casal que morava em Santa Teresa [bairro perto do Centro do Rio]. Eram a Sônia e o Paulo – que eles me perdoem se os nomes estiverem errados. O grupo foi embora e acabei sendo acolhida por esse casal. Depois conheci outros artistas do Nordeste. Zé Ramalho, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Carlos Fernando. Até que fui assistir a um show de Marinês e sua Gente, um grupo com uma cantora que para mim é a rainha do forró, e aconteceu uma coisa incrível!


PLAYBOY – O quê?


ELBA – Os três grandes do forró eram Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Marinês. Quando estava saindo do teatro, encontrei o [ator] Carlos Vereza e fiquei abobalhada quando ele falou comigo: "Ei, menina! Você não cantava com o Quinteto? Você é muito boa! Você continua no Rio?" Eu disse: "Fiquei no Rio, vou ver se consigo alguma coisa como atriz". E ele disse: "Ah, então você tem que trabalhar com uma pessoa chamada Luís Mendonça. Vou escrever um bilhete e você leva. Você é a cara do teatro que ele faz".


PLAYBOY – E deu certo?


ELBA – Fui ver a peça do Mendonça, Viva o Cordão Encarnado, com Elke Maravilha, Tânia Alves, Imara Reis, Tonico Pereira, Sílvio Fróes e a Sônia de Paula. E fiquei abestada, como se diz no Nordeste. Mas também fiquei muito tímida, superenvergonhada... Pensava: "Não vou levar bilhete nenhum para esse homem, imagina! Ele vai me esnobar... Quem sou eu para chegar perto da Elke Maravilha, aquela coisa enorme, loura, toda enfeitada?" [Risos.] Lembro que, no final do espetáculo, as pessoas passavam por mim, e eu com o bilhete na mão: "Vou dar não, vou dar não..." Morrendo de vergonha.


PLAYBOY – Entregou?


ELBA – Não. Fui embora. Naquela época, o Rio tinha uma vida boêmia muito mais relaxada e intensa, viravam-se noites no botequim. A gente fechava contrato na praia, no Posto 9 [em Ipanema], nas mesas do Real Astória, do Guanabara, do Diagonal, do Luna Bar. Conheci o Carlos Fernando, o compositor de Banho de Cheiro, parceiro de Alceu [Valença] e de Geraldo Azevedo. E falei: "Pô, estou com um bilhete para um tal Luís Mendonça. Fui ver a peça e não tive coragem de entregar". E o Carlos Fernando: "Mas o Mendonça é meu conterrâneo. Somos pernambucanos". E pernambucano é assim, né? Formam um clã. Ele ligou para o Mendonça e voltei lá.


PLAYBOY – Aí deu certo...


ELBA – Dei a maior sorte. A Sônia de Paula estava largando o espetáculo e ele precisava estrear a peça em Vitória no final de semana seguinte. Fiz a minha estréia em Vitória, e foi um arraso... Na volta para o Rio, ainda no ônibus, eles me convidaram para ficar definitivamente com o grupo. Aí começou outro ciclo da minha vida. Já integrava um grupo de teatro, mas não tinha dinheiro, não tinha família no Rio. Mas não queria nem notícia da família. Queria vencer sozinha mesmo.


PLAYBOY – Nem notícia?


ELBA – Muito pouco. Quando a Fatinha [Ana de Fátima Costa, sua secretária particular, na época sua melhor amiga] vinha para o Rio, ela me dava notícias: "Sua mamãe chora muito..." Vez ou outra mandava um bilhete para minha mãe [pausa]... Mas tive que fazer um corte muito grande, porque senão podia fraquejar. Muitas vezes não tinha o que comer, onde dormir, não tinha dinheiro para o ônibus. Cheguei muitas vezes a pedir dinheiro na rua. Andava olhando para o chão. Foi a época em que eu mais achei dinheiro no chão! [Ri.] Mas tudo pela arte. E tudo pela liberdade também. Nada de pensar em voltar para a Paraíba. A família de novo, os irmãos cobrando coisas... Não!


PLAYBOY – Mas o que os irmãos cobravam de você?


ELBA – O ideal de meu pai e dos irmãos era que me formasse, fosse economista, socióloga, casasse, tivesse filhos. Imagine, eu! Não combinava comigo! Artista era visto como um drogado, porra-louca, inconseqüente. E eu tinha que enfrentar muito preconceito. Sou de cidade pequena, atriz, cantora, chego em casa tarde... Era virgem... Só perdi a virgindade aos 21 anos, no Rio. Na Paraíba, vivia sob regime fechado e a vigilância dos irmãos, numa sociedade patriarcal, paternalista, machista até a última instância.


PLAYBOY – Mas como? Você disse que era muito namoradeira, mas chegou virgem ao Rio?


ELBA – Foi. Namorava pela superfície, pelas beiras, como se diz no Nordeste [risos]. Nunca ia às vias de fato. Transar mesmo, só no Rio. Conheci um vizinho, que ficava me paquerando o dia inteiro. Um dia, disse para ele: "Vem cá, vamos ali num motel resolver um problema, estou louca para deixar logo de ser virgem" [risos.] Ele ficou passado: "Mas eu?" "É!" Estava rolando um clima, um namorinho... "Nunca transei, vamos transar logo que eu quero me livrar desse negócio."


PLAYBOY – E foi marcante?


ELBA – Foi [pensa]... Mas sabe que nem me lembro do nome dele? Vejo muita mulher dizendo: "Ai, o meu primeiro beijo, o meu primeiro namorado, a primeira transa..." Não tenho nada disso. Fiquei com esse namoradinho até onde deu, arranjei outro e pronto. Já tinha resolvido o problema, que era saber como é que se transava.


PLAYBOY – Você se lembra da primeira vez que se interessou por homem?


ELBA – Lembro. Foi pelos meninos lá da minha rua, muito novinha ainda. Coisa de adolescente. Fui muito namoradeira, quando tinha 14, 15 anos namorava três ou quatro meninos. Nunca tinha um namorado só. E não gostava de me apegar. Nessa fase, nossa!, namorado rodava na minha mão.


PLAYBOY – E a virgindade fonográfica, quando foi que você perdeu?


ELBA – Eu tinha terminado a peça A Incrível História de Pedro Bacamarte e decidi voltar para o Nordeste, dar um tempo de dois meses para reciclar, ver a família, passar o Carnaval, o verão. Montei um showzinho lá com Geraldinho Azevedo, chamado Baião de Dois, e estava fazendo esse negócio quando o [produtor] Carlos Alberto Sion me propôs fazer backing vocal na banda do Zé Ramalho. Voltei para o Rio e, aí, sim, foi um grande estouro. Os caras da gravadora ficaram encantadíssimos comigo. Fui gravar o primeiro disco.


PLAYBOY – Qual era a gravadora?


ELBA – Era a CBS, num subselo chamado Epic. Estavam lançando vários artistas nordestinos: Amelinha, Fágner, Geraldo [Azevedo], Zé [Ramalho]. Como diria depois um jornalista da revista IstoÉ, numa crítica detonadora, eram os nordestinos que assolavam o país [ri]. Enfim, era essa galera chegando. E já estava preparando o disco quando recebi o convite para participar da peça Ópera do Malandro, do Chico Buarque de Hollanda. Aquilo para mim era a Disney, o mundo da fantasia. Estava vivendo o sonho dourado. Ia conhecer Chico Buarque, contracenar com Marieta Severo. Então decidi: "O disco que espere! Vou fazer a Ópera do Malandro". Foi um momento marcante. Chico [pausa]... grande pessoa, né? Grande ser humano. Me chamou um dia para cantar O Meu Amor no disco dele – e eu quase desmaiei, lógico. Arrrhhhh!! [Dá um gritinho, simulando histeria.] Eu disse: "Não vou! Não sou cantora!" E ele: "Você é cantora, você canta lindo!" Tive a responsabilidade de estrear em disco com Chico Buarque – e foi ótimo para mim. Ele foi o meu grande padrinho.


PLAYBOY – Não pintou televisão?


ELBA – [Interrompendo.] Uma vez fui convidada para fazer um teste na Globo — eu e Tânia Alves. Foi muito engraçado, não sei se a Tânia se lembra. Sei que botaram a gente no meio das câmeras e nós duas não entendíamos nada. Bem, com nossos cabelos arrepiados [pausa]... a gente não tinha o padrão de beleza exigido pela televisão. Lembro que alguém disse: "Nossa! Como elas são horrorosas!" Fizemos o teste e, claro, não deu certo. Éramos ótimas no teatro, mas... Acho que nunca tive vontade de ser atriz de novela.


PLAYBOY – Você acha que está vivendo o seu melhor momento?


ELBA – Analisando bem... [Pensa.] É. Porque o grande momento sempre é o atual, eu acho. Como diz uma música [Aqui e Agora] do [Gilberto] Gil, "o melhor lugar do mundo é aqui e agora".


PLAYBOY – Qual é o seu melhor disco? O que deu mais prazer...


ELBA – [Interrompendo, rápida.] O primeiro [Ave de Prata, de 1979]. Por incrível que pareça, é o disco de que mais gosto. Canto muito melhor hoje, é lógico. Ninguém nem me reconhece mais no primeiro disco. Mas tem muita emoção, muito especial para mim. O disco Leão do Norte é um grande momento na minha carreira.


PLAYBOY – Há um disco de que você se arrependeu?


ELBA – Fiz umas besteiras, vacilei, fiz coisas que não foram tão boas. Mas faz parte. Aliás, não gosto muito dos meus discos. Gosto mais dos shows, porque cresço muito no palco. Sou outra artista no palco. Canto melhor. Ao vivo me saio muito bem, porque sei improvisar. O estúdio é mais frio. Agora é que estou lidando bem com o estúdio. Os últimos três discos refletem essa maturidade, mas às vezes ouço meus discos e digo: "Ai, que merda!"


PLAYBOY – Existe muita briga para pegar uma música de um compositor?


ELBA – Não. Não existe briga. Às vezes existem coincidências. Talvez a razão dessa pergunta seja uma música do [compositor paraibano] Chico César que eu queria e a Daniela [Mercury] também. Saiu uma história controvertida, mas fácil de explicar. Nunca houve briga nenhuma. A Daniela pediu exclusividade e, coincidentemente, foi uma das músicas que eu tinha escolhido para gravar. O Chico me disse logo: "Olha, a Daniela pegou essas duas". Aí fui perguntar à Daniela se ela se incomodaria que eu gravasse também. Ela se incomodou positivamente, vamos dizer assim, e manteve a exclusividade. Já a Zizi segurou [a música] Beiradeiro e eu falei: "Zizi, você se incomoda que eu grave?" E ela: "Não, absolutamente". A Daniela é minha amiga, ao contrário do que algumas pessoas pensam. Acham que existe uma competição, mas já vou de antemão desmanchando qualquer suspeita nesse sentido. [O costureiro e apresentador de televisão] Clodovil dizia [emposta a voz]: "Olhe nesta câmera e diga no que Daniela Mercury a incomoda". Eu digo: "Em nada. Há tantas estrelas no céu e nenhuma atropela a outra".


PLAYBOY – Num show, você segue algum ritual antes de entrar no palco?


ELBA – Tenho disciplina. Gosto de meditar antes de entrar no palco. Pelo menos 2 horas antes do show, fico no camarim, e 20 minutos são meus. Ninguém me interrompe. Fico meditando. Me acalma, recicla a energia.


PLAYBOY – E no estúdio, tem algum ritual?


ELBA – Tem não. Havia um folclore sobre as cantoras [pausa]... Simone vai gravar descalça ou tirou a roupa, será que as pessoas lembram disso? Mas eu não faço tanto. Gosto de ficar descalça e, quando a música é muito romântica, peço para tirar a luz. Sou absolutamente normal. Se sentir vontade de ir tomar uma cerveja e não tiver companhia, vou sozinha, entro, peço o meu chope e fico. Ajo como cidadã comum.


PLAYBOY – Mas é possível fazer isso, com a sua fama?


ELBA – No Rio, dá. Dá, sim. O povo vem me cumprimentar: "Elba!", falam com a maior intimidade [ri]. "Elbinha Ramalho, beleza?" E eu: "Beleza!" Parece até que é amigo meu de anos. As pessoas se sentem velhas amigas. Sinto que depois elas se constrangem. Devem refletir: "Meu Deus! Falei com ela, mas na verdade nem conheço!" Mas conhece, sei que todos me conhecem.


PLAYBOY – O assédio dos fãs, os pedidos de autógrafos, isso incomoda?


ELBA – Não. [Quase indignada.] Imagina! Não posso reclamar, cara! Procuro ser muito carinhosa. As pessoas podem conferir isso. Se já falhei com alguém nesse aspecto, não foi por vontade própria. Em Fortaleza, tem um fã-clube no hall do hotel, cada um com um presente. É foto, autógrafo em discos, camiseta... Tenho a maior paciência. Em Petrolina [PE], não dá nem para sair na rua! Tenho de ficar no hotel. Aliás, a vida da gente é solitária. Todo mundo sai para tomar chope, os músicos vão para a farra, festas – e a gente não vai a lugar nenhum, porque não dá. A cidade é carente de você e fica um tumulto na rua.


PLAYBOY – Alguém já avançou o sinal?


ELBA – Teve um que subiu no palco num vacilo da segurança, na Paraíba, há anos, e travou comigo. Não havia quem tirasse o sujeito dali, e eram várias pessoas tentando. Uma pulseira minha até acabou cortando o braço do cara, porque eu tentava sair, estava sufocada. Outro invadiu o meu quarto numa cidade-satélite do Distrito Federal. Estava bêbado, o segurança tinha saído, acordei com aquele negão de 2 metros de altura dentro do quarto. Fiquei muito assustada, até que os seguranças apareceram.


PLAYBOY – Qual a melhor platéia do Brasil?


ELBA – Não dá para dizer que existe uma platéia melhor, mas tenho o maior respeito pelo público de Pernambuco. São fascinados pelo meu trabalho. Meus shows lá são movidos a uma energia que beira a histeria no sentido de paixão, idolatria. Conhecem tudo do meu repertório, são fidelíssimos. Meu maior fã-clube é em Pernambuco. Tenho de falar isso com muito cuidado, para não melindrar o público de outros lugares. Qualquer platéia é boa. Por exemplo, faço muita convenção em São Paulo. Estou sempre naqueles clubes. E aí a platéia é totalmente VIP mesmo: aquela que se comporta com um ar de nobreza e se impõe pelas jóias e pelo poder aquisitivo. Já sei que eles não vão reagir igual ao povo de Recife, onde eu digo: "Boa noite, Recife!" E [imita os gritos da multidão], "ahhhhhh!!!" – o teatro vem abaixo.


PLAYBOY – Há algum lugar onde você não gostou de cantar?


ELBA – [Longo silêncio.] Detestei o Chile, a platéia chilena. Fui lá participar do Festival de Música de Viña del Mar, em 1987 ou 1988, não me lembro. Não compreendi as pessoas e acho que não me compreenderam também. Uma platéia totalmente imbecil e agressiva, fruto do regime do [general Augusto] Pinochet [o ditador que governou o Chile entre 1973 e 1989]. Fui pelo cachê, que na época era altíssimo, e eles me receberam com indiferença, com frieza. Eu tinha aquela coisa tempestuosa dentro de mim e já fui agredindo também, pedindo para tirar os cachorros do Pinochet de cima dos meus músicos. E o festival era do Pinochet. No meio do show, comecei a cantar uma música do cubano Pablo Milanés [canta]: "Yo pisaré las calles nuevamente, de lo que fué Santiago ensangrentada, y en una hermosa plaza liberada me detendré a llorar por los ausentes..." Aí fodeu, né? Fui praticamente retirada do festival. Fiz apenas esse show, larguei os 15.000 dólares do cachê e vim embora. Um dia vou ter que voltar ao Chile, em outras circunstâncias, e mostrar o meu trabalho lá.


PLAYBOY – E com a crítica, você já teve algum problema sério?


ELBA – No começo a crítica não entendia o que eu fazia. E eu rezava para que um dia eles pudessem entender. Uma vez li uma crítica do [jornalista] Sílvio Lancelotti acabando comigo. Rezei muito. Peguei uma foto do Lancelotti, que eu conhecia, botei na minha frente e comecei a rezar, rezar, rezar: "Um dia ele vai me pedir perdão". Anos depois ele me viu num show, amou, foi corajoso e escreveu uma matéria dizendo que eu o perdoasse, que eu era maravilhosa, que ele tinha se enganado comigo, qualquer coisa assim. Teve uma matéria na IstoÉ chamada "Os nordestinos que assolam o país", e o senhor Osmar Freitas Júnior dizia assim: "Vamos eliminar esses nordestinos do planeta, começando pela família Ramalho, cumprindo a saga dos Kennedy". Os Kennedy foram assassinados, ele estava sugerindo que a gente fosse eliminada. Mas como a gente sabe que os cães ladram e a caravana canta, aprendi a desligar da tomada.


PLAYBOY – Dá para ler uma crítica ruim e fazer um show à noite?


ELBA – Olha... [Pensa.] Dá. Sei que para muitos outros artistas não deu. Mas todo mundo já passou por esse julgamento severo. Pessoas que são idolatradas pela crítica passaram por julgamentos severos no começo da carreira, isso faz parte. Hoje, quando ouço um elogio, fico tão feliz, digo: "Nossa! Que bom, estão reconhecendo!" O reconhecimento uma hora vem.


PLAYBOY – Você acha que há regionalismo nas críticas?


ELBA – Não sei, não sei... [Pensa.] Acho que... [Pensa, longo silêncio.] Acho que existe, sim. A Folha de S.Paulo é um jornal omisso com relação à minha arte. Acho que sou uma artista importante na história da cultura brasileira e merecia mais. Não fui incluída entre as trinta vozes femininas mais importantes na seleção da Folha. Achei uma coisa preconceituosa, um descaso. Merecia estar ali.


PLAYBOY – Tem coisa que você detesta fazer mas a carreira obriga?


ELBA – [Longa pausa.] Às vezes adoraria ter um jatinho. Talvez seja o meu sonho de consumo. Ter um jatinho para terminar um show e voltar para casa. A coisa que mais me incomoda são as horas perdidas em avião. Odeio acordar de manhã para pegar avião.


PLAYBOY – Quem ouve primeiro uma música que você vai estrear?


ELBA – Discuto muito com o produtor, o Robertinho do Recife. Mas como divido muito a minha vida com o Gaetano, mostro logo de cara para ele. Discuto muito, também, com o produtor. A gravadora é a última a saber o que estou fazendo. Por isso saí da PolyGram e vim para a BMG, há dois anos. Na PolyGram, tinha perdido essa individualidade. Queria comandar meu trabalho, escolher meu repertório, a sonoridade, o meu produtor, de que jeito queria o estúdio.


PLAYBOY – Mas a gravadora não ouve antes?


ELBA – Só quando o disco está pronto. Lógico que com o diretor artístico da gravadora eu troco informações, até porque ele também recebe muitas fitas. Tenho um acervo enorme, umas 700, 800 fitas. A cada semana, recebo quinze, vinte. E haja também tempo e disposição para ouvir. Na medida do possível, tento escutar tudo...


PLAYBOY – Se durante um show você vir na platéia um amigo cantor, isso pode deixá-la tensa?


ELBA – Fico com vontade de fazer melhor. Começa o show e o Chico está no meio do público... Claro que fico com uma emoção maior e procuro fazer o mais perfeito possível. No domingo, Caetano. Ai, meu Deus! Caetano! É outro mestre, né? Acho que Gil nunca tinha visto um show meu. Quando disseram que Gil estava lá na platéia em Leão do Norte, na temporada do Rio, já entrei diferente. Claro que o show é para o público, mas peço licença no final e sempre dedico o show a Gilberto Gil, se for ele o artista na platéia. É lógico que vou fazer isso sempre. É meu mestre, ele me ensina muitas coisas. E aí... a gente fica mais rubra.


PLAYBOY – Você falou de mestres masculinos. E as mestras?


ELBA – A Gal. Gal é minha amiga. É uma cantora por quem tenho profunda amizade. Tenho intimidade para pegar o telefone e ligar para ela. Maria Bethânia, que eu me lembre, assistiu a um único show meu, na Bahia, há anos, e fiquei muito emocionada. Mais ainda porque depois ela me mandou um bilhete lindo falando maravilhas de mim e do show. Guardei com muito carinho. E Nana Caymmi, que sempre seguiu a minha carreira.


PLAYBOY – Você já esqueceu a letra na hora de cantar?


ELBA – Muitas vezes. Dá um branco quase sempre. Se estiver muito cansada, a primeira coisa que some é a letra.


PLAYBOY – E aí?


ELBA – Invento [risos]. Faço uma parceria ligeira com o autor, ele que me perdoe. No show Baioque, deu um branco no Fado, do Caetano. Aí fiz um verso todinho, ainda bem que o Caetano não estava na platéia [risos].


PLAYBOY – No palco, você tem noção de que muitos dos homens na platéia estão desejando o seu corpo?


ELBA – [Ri.] Será? Não, absolutamente. No palco nós somos anjos. Duvido que algum artista suba no palco pensando em ser mais ou menos sensual. É palco, é magia. Ali as luzes se acendem, tudo se transforma. A alma fica flutuando. E nem acho que as pessoas ficam me desejando... [Pausa.] Não acho isso [fica encabulada e ri]. Não fico pensando nisso, não!


PLAYBOY – Você se apaixona facilmente?


ELBA – Sim. Me envolvo com as pessoas. Sou uma pessoa dedicada ao amor. Me dou integralmente. Sou capaz de mover montanhas para agradar, para dar felicidade, equilíbrio e tranqüilidade. Mas, com a mesma intensidade com que entro numa relação, eu saio. Com a mesma franqueza, e friamente, porque aí é uma atitude leonina minha.


PLAYBOY – E cantada, você recebe muita?


ELBA – A grande cantada, para mim, não é feita de palavras. É uma cantada do olhar, uma sedução, energia pura... [Pausa.] O amor é energia pura, né? Então, atração pelo mesmo sexo ou pelo sexo oposto acontece por um negócio que a gente não consegue explicar. Gosto da sutileza. O olhar, quando você se entende com alguém, é uma cantada feita com muita discrição.


PLAYBOY – Então tem cantada de mulher também?


ELBA – Tem muita, nos shows. Nossa, recebo cada carta de mulher! As mulheres são mais desinibidas, de modo geral. Se entregam mais numa relação.


PLAYBOY – Mas houve alguma que balançou você?


ELBA – Lógico! Tem umas que são lindas, sedutoras, fascinantes, de certa forma você balança um pouco, sim.


PLAYBOY – E você chegou a ter algum caso com mulher?


ELBA – Tive. É uma história até engraçada, porque tenho amigas entendidas [pessoas que praticam ou aceitam o homossexualismo] que ficam dizendo: "Você é preconceituosa. Gosta mas não assume". Respondo: "Ai, meu Deus. Tenho a minha preferência sexual, mas como vocês dizem que sou preconceituosa, que eu me fecho, vou tentar abrir, vou ver se acontece alguma coisa". E aconteceu.


PLAYBOY – Ela é famosa?


ELBA – Isso não preciso contar, né? Tive algumas experiências, mas cheguei à conclusão, mais do que rapidamente, de que gosto mesmo é do sexo oposto. Gosto de namorar homens. Sou fascinada por eles. Pode até rolar de transar, mas não quero, não tenho envolvimento com mulher. Não vou ter nunca. Nunca iria chorar por uma mulher, sentir falta, saudade. Mas nunca me furtei a ter relação com mulheres. Já tive, foi muito legal, uma história na qual eu cresci. Foi bacana. Hoje admiro mais ainda as mulheres...


PLAYBOY – Você é de dar cantada?


ELBA – Não sou de falar, não. Sei que tenho uma imagem de rhaa! [dá um gritinho e sinaliza com as mãos], devoradora de homens. Mas não é nada disso. Sou uma adolescente, me comporto como uma menina quando estou conquistando alguém. Sou muito tímida. Começa por aí. Mas sou de me fazer entender. Gosto de conquistar as pessoas. Sou leonina. Gosto de sexo, acho maravilhoso. Sempre gostei, desde muito nova, sempre fui foguenta, tive muitos namorados, namorei muito.


PLAYBOY – Você gosta da conquista ou de casamento?


ELBA – Descobri que gosto de me relacionar com alguém. Não casamento naqueles padrões que a gente conhece bem. São regras diferentes. Gosto de estar com alguém, de dividir a vida. Ter um companheiro é muito bom.


PLAYBOY – Você se acha sexy?


ELBA – Acho que sou sexy, sim. A mulher brasileira tem essa coisa assim sensual, né? Um jeitinho assim. Acho que tenho um jeitinho sedutor. Umas de forma mais acesa, outras de forma mais sombria... [Pausa.] Não sei se a minha forma é acesa ou sombria [risos].


PLAYBOY – E qual é a parte do seu corpo de que você mais gosta?


ELBA – [Gargalhada.] Adoro o meu corpo. Sinceramente, acho que tenho um corpo legal. [Pensa.] Gosto do meu peito. Nunca fiz plástica, e todo mundo pensa que fiz. Meu peito parece peito de índia. Amamentei, mas ele continua um peito legal. E gosto muito das minhas pernas. Mas a parte da qual mais gosto é a minha mão. Mão grande, mão de pianista. Acho que ela tem expressão, porque falo com as mãos.


PLAYBOY – O que você faz para manter a forma?


ELBA – Uma hora e meia de ginástica por dia e alimentação correta. O mais importante é a alimentação. Faço uma alimentação balanceada, sem carne há mais de quinze anos. Agora parei de comer frango, só coisas do mar. E é uma comida toda feita com azeite.


PLAYBOY – Algum cuidado especial com as pernas?


ELBA – [Risos.] Outro dia acordei, olhei no espelho e falei para o Gaetano: "Minhas pernas estão ficando massa!"[Risos.] Ele falou: "Já são". E eu: "Não, estão ficando". Porque estou malhando mais, fazendo capoeira, e isso exige muita perna. Tô ficando com a perna supermusculosa. Acho que é a ginástica que dá uma forma mais definida, delineia melhor a perna. Herança da minha mãe, que tinha pernas lindas. Minha irmã também tem pernas bem desenhadas [risos].


PLAYBOY – E os cuidados com a voz?


ELBA – Não bebo nada gelado, não fumo e procuro evitar lugares onde as pessoas fumem. Cigarro me faz um mal terrível, não suporto. Numa temporada de Canecão [no Rio], de Palace ou Tom Brasil [em São Paulo], não tomo nem sol. É praticamente uma vida reclusa. Falo pouco ao telefone. E tem homeopatiazinha que eu uso, mas nada também tão complicado.


PLAYBOY – Já experimentou drogas?


ELBA – Muitas. E já passei por elas. Não gosto mais de droga nenhuma. Me serviu para descobertas. Usar droga naquela época – falo de drogas leves, porque nunca peguei muito pesado –, beber, fumar baseado, cheirar pó, fazia parte, era uma exigência social. Todas as festas eram movidas a isso. Eu tinha 20 e poucos anos e queria saber como era, queria tomar ácido, viajar. Hoje assumi uma postura careta mesmo. Sou radicalmente contra qualquer tipo de droga. Descobri que a grande droga é a harmonia, a saúde.


PLAYBOY – Então você é contra a idéia de descriminar as drogas?


ELBA – Sou contra as drogas, incluindo o álcool. O álcool é tão prejudicial quanto o cigarro. Está comprovado que o cigarro mata, como uma overdose de ecstasy ou de cocaína. O álcool também mata. Todas são drogas mortais, são drogas letais, como se diz. Só que umas são liberadas, são drogas sociais, você pode fumar e beber que não está infringindo nenhuma lei.


PLAYBOY – Tanto cuidado com o corpo significa que você é vaidosa?


ELBA – [Fala baixo.] Sou. O Gaetano acha que eu sou muuuiiitttooo vaidosa. Mas acho que sou vaidosa no limite. A minha vaidade é mais esse zelo que tenho com meu corpo. Não sou uma pessoa de ficar passando creme para dormir, cremes no cabelo, não fico no secador horas, não faço escova. Estou sempre de batom e perfume. Perfume é um vício. Uso um de rosas há anos, o Tea Rose, que é um perfume americano antigo. Sou uma pessoa cheirosa. Cheiro a rosa o tempo todo.


PLAYBOY – Você falava sério quando disse que não fez plástica?


ELBA – Não fiz. Fiz um tratamento maravilhoso de pele, com ácidos. Tenho um dermatologista que cuida de mim há mais de dez anos. Tive muita acne, irritou muito a pele e tratei bastante. Mas parei de tomar sol sem proteção, mudei a alimentação, isso ajuda.


PLAYBOY – E na hora do banho, você tem algum ritual?


ELBA – [Pensa.] Não muito. Depois do banho, passo um hidratante. Vez por outra vou para a banheira, num banho de espuma. Mas não tem um ritual.


PLAYBOY – Você gosta de dormir?


ELBA – Sinceramente, nem sei se gosto ou se a insônia, que tenho quase constantemente, é porque não gosto de dormir. Sou fascinada pela noite. Acordo muito, fico olhando o morro pela janela. Aí já acordo de vez, fico ligada [animada]. Já quero ficar acordada e vou pegar o violão, ouvir música.


PLAYBOY – E você gosta de se produzir para dormir?


ELBA – Não e sim. Sou muito desleixada para dormir. Durmo de camiseta e uma meinha no pé. Se rola assim uma noite de botar uma roupinha mais sensual, uma lingerie mais bonita, eu faço. Uso muito cueca para dormir. Adoro cueca, acho maravilhoso [risos]. Praticamente todas as minhas calcinhas são, na verdade, cuecas. Para dormir só uso roupa branca. Não consigo dormir com roupa de outra cor.


PLAYBOY – Onde você investe o seu dinheiro?


ELBA – Como assim!? Eu gasto meu dinheiro [risos]. Gosto de casa. O Jô Soares é quem me chateia muito: "Você ainda tem aquela casa ou já mudou de novo". Porque já troquei muito de casa. Quer dizer, até chegar nesta aqui. Tenho outra em Araras, aqui perto. E uma no sul da Bahia, em Trancoso, sou vizinha de Gal [Costa]. Quando chega dezembro, fecho aqui e vou para lá. Fico descalça, o tempo todo fazendo topless para lá e para cá, ou nua. É o lugar que encontrei para descarregar energia. Não tem telefone, não dou entrevista. Me achar é dificílimo. Tenho Trancoso como um dos pedaços mais sagrados do planeta.


PLAYBOY – Quantas pessoas moram aqui com você?


ELBA – Esta casa é cheia de gente! [Risos.] Eu, meu filho e meu marido. Mais duas sobrinhas, uma cozinheira, o caseiro, o filho do caseiro, a mulher do caseiro com mais dois filhos na barriga e um negão que eu trouxe da Bahia e que é o meu curinga, o Gérson. Cada vez que vou passar um tempo na Bahia, trago alguém comigo [risos].


PLAYBOY – Você é mandona?


ELBA – Não. Absolutamente. Não gosto de mandar, de tomar decisão. Apenas no meu trabalho eu tenho o comando. Quem manda na minha cozinha é o cozinheiro. Todo mundo manda aqui em casa. Fico só olhando. Dou uma opinião aqui, acolá. Mas no meu trabalho quem manda sou eu.


PLAYBOY – Você disse que gasta tudo o que ganha. Gasta com o quê?


ELBA – Viajo muito, adoro passear. Quando vou para a Bahia, levo um monte de gente. E compro muito, sou consumista. Gosto de comprar roupa, sapato, maquiagem, perfume.


PLAYBOY – Carros?


ELBA – Disso não faço muita questão. Tenho um Audi A4. Os amigos queriam que eu comprasse um conversível, mas não gosto de ostentar. Moro numa casa bacana, num lugar mais confortável do que propriamente luxuoso. Fico com vergonha de andar em carro chique, juro que fico com vergonha de parar no sinal e ver aquele bando de criança de rua me pedindo. Como posso distribuir sopa para gente pobre, que é uma coisa que faço em conjunto com o pessoal do Centro Espírita Frei Luiz, num carro conversível? Já tive muitos conflitos por ser uma pessoa fartada [bem de vida]. Mas sei que sou por merecimento. Então procuro fazer caridade, pego um monte de roupa no armário e levo para os asilos, vou dar sopa para os pobres.


PLAYBOY – Você não tem medo de seqüestro?


ELBA – Não. Ninguém vai me seqüestrar. Não tenho dinheiro para pagar resgate. Tudo o que ganho eu distribuo. Ajudo a família à beça, ajudo todo mundo. O dinheiro fez esta casa bonita. Vivo confortavelmente porque trabalho e ganho bem, mas eles [os seqüestradores] sabem direitinho quem tem dinheiro. Não vão fazer essa atrocidade comigo. E estou protegida pelas energias cósmicas positivas [risos]. Tracei um círculo de luz ao redor da casa, da minha vida. A proteção é Deus.


PLAYBOY – Você dá a seu filho algum tipo de formação religiosa?


ELBA – Eu falo muito. Luã é uma criança muito madura com relação a religião, a espiritualidade. Ofereço. Ponho as cartas na mesa e deixo que ele olhe, jogue, brinque. Ele medita junto comigo, vai ao centro espírita comigo. Tenho que criar meu filho com amor e sem apego, né? Tenho que deixar ele seguir o caminho dele, mas tenho que dizer para ele o sim e o não.


PLAYBOY – O que você gosta de ler?


ELBA – [Pensa.] Na adolescência, li de James Joyce a Hemingway, a Ezra Pound, a Fernando Pessoa, que eu amo até hoje. Adoro poesia. Como fui uma intérprete de poesia durante anos no teatro amador da Paraíba, estudei muito a obra de Maiakovski, Brecht, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Ascenso Ferreira, Cecília Meirelles, Carlos Pena Filho. Hoje tenho vários preferidos, como Pablo Neruda e João Cabral. Mas tenho lido muitos livros espíritas ultimamente, confesso. Termino um, começo outro. Li todos os livros do Paulo Coelho. As pessoas falam, a imprensa fala tão mal, fala que é um péssimo escritor. Mas acho que ele é um escritor correto, que comunica bem a sua espiritualidade.


PLAYBOY – Quando você descobriu o espiritismo?


ELBA – Ah, quando tive um sonho que foi uma mensagem sobre uma tragédia, um acidente que ia acontecer e aconteceu. Vi que existem mais mistérios do que a gente imagina...


PLAYBOY – Mas o que aconteceu?


ELBA – Num acidente com um carro em que eu estava com dois irmãos meus. Foi em 1971, nós estávamos indo de Conceição do Piancó para Ibiara quando um carro se chocou com a gente e morreram quatro pessoas. No nosso carro ninguém morreu, mas meus irmãos ficaram muito machucados. Não tive quase nada. Sabia que esse acidente iria acontecer. A partir daí, comecei a refletir e vi que precisava de uma religião esclarecedora.


PLAYBOY – Você disse que já fez uma viagem cósmica. Como foi isso?


ELBA – Como é que você sabe disso? [Risos.] Olha, quando falo de espiritualidade, falo com muito cuidado porque sou uma aprendiz. Não sei nada. Muita gente não entende, não alcança o que a gente diz e acaba ficando exposta uma coisa que é tão importante para você. As pessoas vão falar: "Imagina! Isso é piração dela!" Mas é verdade que já tive um desligamento, vamos chamar assim. O meu espírito se desligou do meu corpo.


PLAYBOY – Como? Você saiu do seu corpo?


ELBA – Uma vez saí do meu corpo. E não queria e não fiz nada para sair. Sou médium há uns quinze anos ou mais, mas não estava nem meditando. Nesse dia, faz uns oito anos, estava ouvindo uma fita de relaxamento quando senti um... [pausa] como se diz no Nordeste: um sopapo. E fui subindo. E me via na cama, de onde também me via subindo... [Pausa.] Acho que é uma experiência parecida como a que a [atriz americana] Shirley MacLaine teve e sobre a qual foi até feito um filme [Minhas Vidas, adaptação da autobiografia da atriz]. Vi um cordão me ligando ao meu corpo, tinha consciência de que estava fazendo uma viagem. Estava vendo o meu corpo, que loucura! Fui por um universo de muitas luzes, e de repente me vi num buraco negro, uma coisa grande que não tinha luz nenhuma. Fiquei com medo de seguir aquilo, a minha preocupação era voltar rápido para onde estava. E voltei para a cama.


PLAYBOY – Esse sinal na sua testa, que parece um adesivo, tem alguma coisa a ver com espiritualidade?


ELBA – São bindis indianos, têm um significado religioso. Ganhei da [cantora] Débora Blando. E comecei a usar o bindi aqui [aponta a testa]. Ficou. Aderiu ao meu corpo como esses anéis com forma de estrela [mostra] que não tiro de jeito nenhum. Gosto de estrela. Assino meu nome e desenho uma estrela embaixo.


PLAYBOY – A estrela tem um significado especial para você?


ELBA – Não. Tem gente que gosta de usar coração, né? Eu gosto de usar estrela de cinco pontas. Não gosto da estrela de seis pontas, não sei por quê.


PLAYBOY – E é verdade que você já viu disco voador?


ELBA – Já [ri]. Eu fico tão assim... [Pausa.] Não faço restrições a esses meus depoimentos, porque estava com mais duas pessoas que viram também. Outro dia encontrei o maquiador que estava comigo quando vimos essa nave e eu disse: "Você se lembra daquela nave que a gente viu?" "Ah, foi, né?" [imita, em tom de desânimo]. Quer dizer: ele não deu importância nenhuma! A reação dele foi tão fria! Fiquei muito revoltada, porque ele viu junto comigo, e eu estava tão empolgada. Foi muito significativo ver aquilo. De cara, vi uma luz. Estava saindo do [aeroporto do] Galeão e olhava pela janela do carro. "Ah, isso é balão" -- foi a primeira interpretação. Mas sei o que é um balão, sou do sertão, soltei muito balão na vida. Disse: "Não, não é um balão". Era um objeto voador não-identificado. Se era uma nave, era muito linda e tinha um desenho muito especial. Ficou enorme, toda azul, linda. Estávamos passando pela Avenida Brasil [a principal entrada rodoviária do Rio de Janeiro].


PLAYBOY – Em plena Avenida Brasil?


ELBA – Sim. O meu empresário, que era o Nelsinho Fonseca, estava dirigindo e esse maquiador, o Ronald. Era uma coisa enorme, do nosso lado. E de dentro dessa nave grande saíam várias luzes pequenas. Foi assim durante todo o percurso pela Avenida Brasil. E eu gritando feito uma louca. As pessoas passavam e me olhavam sem entender nada. Fiquei completamente alucinada. Quando terminou a Avenida Brasil, aquela coisa enorme desapareceu. Tenho plena certeza da existência de outros seres no universo. Tenho o maior respeito e espero que eles possam se anunciar.


PLAYBOY – Você espera manter contato com esses seres?


ELBA – Ah, meu sonho é visitar um outro planeta. Não vou morrer antes de fazer isso, pode ter certeza.


PLAYBOY – Pousando na superfície: o que você está achando do governo Fernando Henrique Cardoso?


ELBA – Sinceramente, eu implico com o nosso presidente. Ele tem tantos poderes, é o presidente de uma nação e fica tão reticente, fazendo uns pronunciamentos tão sem sentido... Parece que ele quer colocar uma venda nos nossos olhos. Há o Plano Real, que eu admiro e que foi uma boa coisa para estabilizar a moeda e a economia, mas não vi mais nada que me levasse a bater palmas para ele. Não o vejo efetivar uma reforma agrária, dar uma solução definitiva para os sem-terra ou se pronunciar a respeito da seca do Nordeste. Só o vejo viajando e fazendo um pouco de relation. É aquele cara que vai sempre representar o Brasil lá fora, fala muitas línguas e é uma pessoa inteligente. Votei nele, mas...


PLAYBOY – Não votaria de novo?


ELBA – Não sei. Não estou negando o talento dele, a capacidade dele. Estou cobrando porque tenho preocupações sociais, como cidadã brasileira, e exijo dele e dos outros políticos posições mais definidas, principalmente sobre essa história dos sem-terra. É como o poema de João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina, no qual o Severino retirante sai em busca de vida. Fico vendo nos sem-terra o Severino retirante. Não têm comida, não têm casa. É muita terra e pouco dono. O presidente está fazendo o quê? Devagarzinho demais para o meu gosto.


PLAYBOY – Na eleição de 1989 você chegou a...


ELBA – [Interrompendo] ...fazer show para o [então candidato a presidente] Fernando Collor [de Mello].


PLAYBOY – Você se arrepende?


ELBA – Não. Na verdade, não fiz show para Fernando Collor. Fechamos o pacote para participar dos comícios do Collor, eram 35 shows. Ia ganhar muito. Foi inocência, ingenuidade minha. Achei que podia separar a minha posição política do trabalho. Quando a imprensa detonou em cima de mim, cancelei tudo. Nossa! Tive que enfrentar tantos problemas...


PLAYBOY – Inclusive com compositores amigos, não foi?


ELBA – Perdoei todo mundo. Na época me magoou muito, porque os ataques vinham de pessoas amigas. Teve uma atriz da Globo que fez pior.


PLAYBOY – Quem é ela?


ELBA – Prefiro não dizer o nome. Falou horrores de mim, mas em compensação, quando o Collor estava eleito, foi para Brasília pedir verba e montou o espetáculo dela com a verba do Collor, coisa que nunca fiz. Tomei a atitude mais certa. Cancelei os shows. Até tive problemas jurídicos. Já tinha usado o dinheiro em construção de palco, em equipamentos de luz. Mas cancelei. Fui macho pra caramba.


PLAYBOY – Tem colega que fala mal de você?


ELBA – [Pensa.] Bem oportuna essa pergunta! Teve um prêmio infeliz no ano passado, criado num espetáculo chamado Subversões, com a [atriz] Márcia Cabrita e os atores Luiz Salém e Aloísio [de Abreu] não sei o quê, pessoas não tão projetadas. É um espetáculo de deboche, eles debocham de tudo, de todos. Durante a peça eles distribuíam prêmios fictícios, com menções desrespeitosas aos colegas. Fui agraciada com uma dessas bobagens. Achei desrespeitoso, de baixo nível e extremamente desagradável.


PLAYBOY – Você já foi chamada de Leoa do Nordeste, de Madonna do Nordeste. Esse tipo de coisa a irrita?


ELBA – O [colunista de TV do jornal O Globo] Telmo Martino falou mal de mim durante anos, em São Paulo [quando escrevia no Jornal da Tarde]. Ele achava que me irritava e eu me divertia à beça. Madonna da Caatinga, Rita Lee do Sertão, Edith Piaf do Agreste, tudo isso é honroso. É elogio. Passei a me divertir com as piadas que faziam comigo. Usava no meu show e as pessoas morriam de rir.


PLAYBOY – Você é ciumenta?


ELBA – Sou [gargalhada].


PLAYBOY – E muito, pela reação...


ELBA – Não. O bastante. Nada que possa ser doentio. Também tenho muita autoconfiança. Em outras relações, já foi pior. Com o Gaetano é a relação da paz e do amor total. Vivo um momento de maré mansa, de harmonia. Em outras épocas, sim, eu era menos madura... [Pausa.] Na verdade, fiz três anos de psicanálise por causa de ciúme. Discuti durante três anos e achei que estava ótima, que já estava madura.


PLAYBOY – Já foi traída?


ELBA – Devo ter sido.


PLAYBOY – E já traiu?


ELBA – [Murmura.] Já. Traí circunstancialmente, quase que obrigada. Normalmente, não traio as pessoas. Sou categórica, sou fiel. Eu dou o céu, a terra e o mar para um relacionamento, e mais alguma coisa. Encomendo tudo para os anjos. Até segunda ordem. Às vezes, circunstancialmente, você é obrigada. [Com ar maroto.] "Traí porque fui obrigada" é ótimo...


PLAYBOY – Tem fantasias eróticas?


ELBA – Não alimento nada assim fantasioso. O meu sonho de consumo, nesse campo, é o meu marido. Tudo que rola com ele é bom. O sexo acontece de todas as formas. Pode ser num quarto de motel, no estacionamento, dentro de um carro, na cama, que ainda acho que é o melhor lugar para se fazer amor. Mas vale tudo, vale qualquer improvisação para que se possa manter sempre acesa a chama do sexo.


PLAYBOY – Você tem periodicidade para transar?


ELBA – [Risos.] A hora que pinta. Sempre, né? Fazer amor é a melhor coisa do mundo. A freqüência depende muito da relação que você está vivendo. Às vezes você tem uma relação que é mais intensa, mas espiritualmente e sexualmente menos ativa. Não é o meu caso. Agora tenho uma ligação profunda de coração com o Gaetano, e de sexo também. A gente se adora e fica junto o tempo todo, atualmente, a freqüência é sempre.


PLAYBOY – Como foi a experiência de posar nua para PLAYBOY?


ELBA – Foi tão normal! Achei que ia ser mais constrangedor. Mas sou uma pessoa que não tem esse tipo de pudor com o meu corpo. Quem vai a Trancoso pode conferir isso. Ando nua para lá e para cá. Tiro a roupa com certa tranqüilidade. Estou em casa, fazendo topless, e às vezes chega uma pessoa que nem conheço, mas não corro para me vestir. Também escolhi um fotógrafo superamigo, queridíssimo, da minha intimidade [Lívio Campos]. E a produção foi extremamente carinhosa. Achei superbonito o resultado.


PLAYBOY – Você contou à revista VEJA que fez aborto. Faria de novo?


ELBA – Não me arrependo de nada que fiz. Era muito nova, não tinha estrutura, não tinha cabeça, não estava preparada para ter uma criança. Não tinha onde morar nem o que comer. Fiz conscientemente. Hoje, tenho tantos "filhos", ajudo tantas pessoas, e isso é o que me conforta espiritualmente.


PLAYBOY – Você tem medo de alguma coisa?


ELBA – [Longo silêncio.] Não posso ter medo. Quando analiso a minha vida, vou vendo que se fosse uma pessoa medrosa não teria feito nada do que fiz, porque se contar ela direitinho as pessoas vão ver na verdade que eu sou uma grande guerreira. Tudo o que fiz valeu a pena.


POR RICARDO CASTILHO

FOTOS FERNANDO SEIXAS


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