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HÉCTOR "MACHO" CAMACHO





Com golpes poderosos e muita malícia, Héctor “Macho” Camacho trilhou um caminho de sucesso no boxe nos Estados Unidos, mas não conseguiu deixar para trás o passado de drogas e crimes que o levou a ter um fim sangrento em Porto Rico.


POR BOB DRURY





"É sempre assim?"

"Sei lá", respondo. "Ele só morreu uma vez."


Reduzo a marcha. Um furgão retumbando ao som de salsa quase me acerta enquanto acelera pela faixa de ônibus. Um adolescente debruça pela janela e, agitando no ar o punho fechado, grita: "É hora do Macho!"



"Como isso se chama mesmo?", ela me pergunta.

"Cortejo."

"Isso aí. Cortejo fúnebre?"


Seu nome é Jennifer. Jovem, bonitinha. Fotógrafa de um tabloide. Pediu uma carona da igreja em Spanish Harlem para o cemitério no Bronx, recanto final de descanso de Héctor "Macho" Camacho. A história de sua vida flutua entre a fantasia e a emoção. "É hora de quê?", ele perguntava. "É hora do Macho!", respondia a plateia. Pois agora era mesmo. Na noite anterior, Macho, o homem-espetáculo, foi levado para o seu funeral numa carruagem de vidro puxada por dois gatanhões. O caixão, envolto pela bandeira de Porto Rico, vinha enfeitado pelos três cinturões de boxe que ele ganhou.


Cerca de uma dúzia de Harleys passam ventando pelo meu carro, e as cores de Porto Rico voam com elas. "Isso aqui está parecendo uma corrida'', disse Jennifer. "As 500 Milhas de Indianápolis." Essa foi a descrição que usei quando conheci Héctor Camacho Junior, conhecido como Machito.


"Isso é exatamente o que o meu pops iria querer."


Machito também é boxeador e treinava quando sua esposa telefonou. O pai estava em coma, com morte cerebral. Abuelita Maria, prestes a desligar o respirador. "Saí para dar uma caminhada. Rezei e chorei a noite toda. No dia seguinte é que soube que ele tinha levado um tiro", lembra Machito.


Macho estava no banco do passageiro de um Mustang em Bayomán, Porto Rico. Eram 7 da noite do dia 20 de novembro de 2012. A bala entrou pelo lado esquerdo de seu maxilar, rompendo a carótida e destruindo duas vértebras do pescoço. Tinha 50 anos. O motorista, Adrian Moreno, atingido três vezes, morreu na hora. Em seus bolsos, nove papelotes de cocaína. Macho morreu quatro dias depois.


"Eu falava para ele: 'Você está velho. Tem netas. Mude essa vida, pops", conta Machito. "Mas ele dizia: 'Tá tudo bem, eu sou Macho'."


Machito não se ilude com o mundo do boxe, com seu pai ou com a sua posição ofuscada entre os dois. Seis meses depois da morte do pai, aos 34 anos de idade, com um recorde de 54-5-1 que inclui 29 nocautes, ele reconhece que sua carreira está em decadência. Seu grande trunfo foi ter tido o privilégio de lutar — e vencer — por três vezes junto ao pai. As dicas no ringue serviram para atenuar o fato de que Macho foi ausente, e que perdeu o seu nascimento por estar cumprindo pena por furto de carros.


"Héctor foi um garoto-problema", afirma o detetive aposentado Juan Checo, que trabalhou para a polícia de Nova York na região do Spanish Harlem quando Macho crescia. "Seria só mais um delinquente se não tivesse virado um boxeador tão hábil."


Mesmo campeão mundial, Macho nunca abandonou a vida de crimes. Um dos incidentes mais bizarros aconteceu em 2004, quando invadiu uma loja de computadores, urinou no tapete e saiu com uma pilha de laptops. Também devia para vários estados e para o governo dos EUA.


"Eu posso não concordar com a forma como ele levava a vida", diz Machito. "Mas, no fundo, ele não passava de uma criança grande. Em casa, trocava de roupa quatro, cinco vezes. Primeiro era o Super-Homem, depois virava o Homem-Aranha."


Shelly Salemassi, que por 15 anos foi noiva de Macho, e por quem ele tatuou um unicórnio no pênis, reitera a fala de Machito — a de que Héctor não era um mau sujeito, só um cara que se esqueceu de crescer. "Ele queria que eu me casasse, mas eu não estava pronta. Por isso aceitava seus casos. Ele pegava um monte de mulher, mas não rolava sexo. Sexo oral, sim. E também alguns brinquedinhos." O relato faz Machito sorrir melancólico. "Shelly amava meu pai. E eu acho que ele a amava. Ele só não conseguiu parar de fazer besteira por aí."


Ficamos os dois quietos, perdidos em memórias. Rompo o silêncio contando sobre algumas das primeiras lutas de Macho. Lutas a que eu assisti e que Machito era jovem demais para se lembrar. Aquela canhota rápida e experiente, vitórias sobre Johnny Sato, Melvin Paul, Greg Coverson. A conquista do cinturão dos pesos superpena sobre Rafael "Bazooka" Limón, quando Macho tinha 21 anos, em 1983. Depois, na categoria dos pesos leves, ele venceu todos, até 1986, quando resistiu por pouco a Edwin Rosario e manteve o título no grande palco do Madison Square Garden.


"Ele se machucou muito naquela luta", lembra Machito. "Nunca tinha usado a cabeça no ringue. Depois dela, dizia: 'Ninguém vai me nocautear'."


A luta no Madison Square Garden foi uma guerra. Quatro rounds em que Rosario investiu como uma broca. Ele abriu o quinto com um direto de direita e um cruzado arrebatador de esquerda que dobrou os joelhos de Macho — e repetiu no 11º. Aquilo nunca tinha acontecido. A vitória de Macho veio por decisão dividida. A multidão vaiava, inquieta e desgostosa.


"Ali ele abandonou o sonho de ser o maior para simplesmente ganhar dinheiro", disse, por telefone, o ex-comentarista de boxe Larry Merchant. "Macho nunca havia entrado num ringue em que não conseguisse ofuscar o adversário. Então, quando apanhou daquele jeito de Rosario, para ele a sensação foi de derrota."


Mike Marley, jornalista de boxe que cobriu a luta passo New York Post, fala em dois Machos. "Depois de Rosario, ele decidiu não se arriscar. Hoje as pessoas lembram do folclore, as roupas de gladiador, a estampa de tigre, o pega-rapaz. Mas se esquecem de que ele era também um excelente lutador. Quase inatingível." Até que Edwin Rosario o atingiu.



Do outro lado do Rio Hudson, em Staten Island, Teddy Atlas me contou com uma voz de taquara rachada: "Você sabia que eu paguei pelo enterro do cara?" Eu não sabia. "Recebi um telefonema uma noite", diz ele. "Um cara me ligou para dizer que precisava de 3 mil dólares para o enterro. Isso depois de eu ter visto botarem o Macho numa carruagem de vidro com cavalos brancos para desfilar pelo Spanish Harlem. Imagine só quanto aquilo não deve ter custado... Por que não dispensaram o show e pagaram o cemitério?"


Atlas é talvez o melhor treinador que restou no esporte. E também foi uma criança difícil. Evadiu a escola no colegial. Brigava nas ruas e a cicatriz em forma de meia-lua que ostenta na face vem de uma facada que precisou de 400 pontos para fechar. Ele entendia Macho. Mas Atlas cresceu. Agora, aos 56 anos, é dotado de uma inteligência profunda, mascarada pelas gírias de beira de ringue. É por isso que eu presto atenção quando ele usa os termos "gênio" e "pioneiro" para descrever as proezas de Héctor Camacho.



"A mobilidade dele, sua autoconfiança e, obviamente, a técnica — ele sabia dar uns socos — eram beneficiadas por sua grande velocidade. Além disso, ele era um baila queixo-duro. Foi para o chão quantas vezes? Três em 88 lutas? E nunca nocauteado", comenta.


"A maioria dos lutadores aplica o jab assim, na virada, com o pulso em rotação no sentido anti-horário", explica ele, pulando da cadeira ao executar o golpe. Seus dedos chegam a pincelar o meu rosto. "Mas Camacho usava o golpe assim..." Mais uma vez, meu rosto é o alvo. "O encontro acontece um milésimo de segundo antes. E com isso ele desconcentra o rival. Era o que o distinguia, sua pequena genialidade." Mas então apareceu Rosario. Atlas reclina a cabeça com tristeza. "Aquele gancho machucou de verdade. Macho nunca mais lutou com aquela confiança. Ainda tinha a velocidade, mas não era mais agressivo."


Macho pisou no ringue outras 59 vezes depois de Rosario. Lutou até o fim dos 40 anos, levando mais um título. Ninguém o nocauteou. E ainda assim, ele jamais foi o mesmo. "Ainda tinha talento. Mas, pelo resto da carreira, ele simplesmente sobreviveu."


Quando levanto para me despedir, Atlas hesita. Vai até a sala, volta com um álbum de recordações. "Não sei se deveria mencionar isso aqui." Ele me mostra um recorte de jornal. Uma notinha conta que o treinador Teddy Atlas, de 30 anos, e o boxeador peso leve campeão do mundo Héctor Camacho ha­viam trocado sopapos no Gleason's Gym. É de uma semana antes da luta do Madison Square Garden. E então ele me conta: esta­va treinando um lutador quando Macho en­trou no ginásio seguido por alguns amigos e exigiu o ringue, no que foi polidamente ignorado. "É hora do Macho", gritou, e en­tão, não tão educadamente, o mandaram tomar no cu. E aí começou a pancadaria. "Ele me acertou alguns jabs. Não estava machucando, mas eu sabia que não ia aguen­tar. Ele ficava fazendo cena, provocando. Até que consegui prendê-lo numa chave de pes­coço. Meus lutadores gritavam: 'Quebra o braço dele, quebra a cara dele, e então ele fa­lou bem baixinho: 'Ok, já deu'", conta. "No dia seguinte, ele apareceu sozinho. Queria se desculpar como homem. Foi o que ele fez."


Já estamos na porta da frente quando Atlas me fala: "Héctor Camacho era um grande cara". Na visão de mundo desse ho­mem, é o maior elogio que pode existir. En­tendo o porquê de ele ter pago o enterro.



Não faz muito tempo, um cara falou para Héctor Camacho Junior: "Você é o filho do Macho? Seu pai me roubou umas calotas quando era moleque". Eu repito a história para Árigel Jiménez, delegado de Bayamón, que abre um sorriso. "Em Porto Rico ele nunca se meteu em encrenca." Policial com 22 anos de serviço, Ángel foi da inteligência da Narcóticos e passou um ano em operações especiais. "Héctor saiu do bar e entrou no carro do amigo bem aqui", ele aponta, em frente ao bar onde Macho foi baleado. "Achamos que tudo aconteceu assim que ele entrou."


Macho era incrivelmente famoso na ilha: mostrava sua ginga em Mira Qién Baila, a versão local do programa da TV americana Dancing With the Stars, estrelou um reality show de namoro chamado És Macho Time e posou duas vezes nu para a revista Playgirl.


"Um dos meus sargentos foi o primeiro a chegar à cena", continua Jiménez. "Ele me ligou e disse 'Macho Camacho parece ser um dos atingidos'. Eu não acreditei." Jimenez põe o carro em marcha a ré. "Vamos ver o capitão." Em Porto Rico, explica, os policiais locais, que trabalham para ele, lidam com todo tipo de crime, exceto assassinatos, que são da jurisdição do estado. O capitão Rafael Rosa Córdova tem os olhos escuros, pesados e fulminantes, e uma voz rouca e profunda.


"Diferente dos relatórios anteriores, minha investigação mostra que Camacho não era o alvo do ataque. O outro é que era a vítima planejada." Adrián Moreno, o outro, tinha uma ficha longa de drogas e armas. Macho não tinha — não em Porto Rico.


Pergunto se os criminosos estavam atrás de dinheiro ou drogas. "Quando começou o tiroteio, os bandidos nem sabiam que Macho estava naquele carro", reitera. "Macho levou o primeiro tiro porque estava no lugar errado, na hora errada."


Córdova admite que a polícia sabia qual era o carro dos assassinos, e que sua investigação chegou a dois suspeitos. "Sou profissional", diz o capitão. "Dedico a mesma energia para qualquer investigação, mas não estou contente. Héctor Camacho era adorado. Vamos pegá-los."


De fato. Dois meses depois do crime, um adolescente foi levado preso em Porto Rico. As mortes teriam sido por causa de um território de drogas de Adrián Moreno. Lugar errado na hora errada. "Mas que merda de desperdício", disse Jimenez, quando me mostrava a cena do crime.


Bronx. Dia frio, cinzento, sombrio. Triste. Milhares de pessoas de luto. Pugilistas antigos, de narizes tortos. Moleques vendendo camisetas de Macho. Toneladas de flores. Dois policiais ficam ali de lado. Um deles, muito jovens, diz: "Então esse cara era um boxeador famoso, é?" Confirmo. "Não é do meu tempo. Ele ficou famoso por fazer o quê?"


"É hora do Macho!", respondo.


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