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HEBE CAMARGO | FEVEREIRO, 1987

Playboy Entrevista


Uma conversa franca com a rainha dos apresentadores de televisão sobre suas gafes, seus amores secretos, política e sexo (com este conselho: nunca deixe a TV no quarto).


Ela entra na casa de 1,5 milhão de pessoas, uma vez por semana, como se estivesse conversando na sala de visitas, com toda a naturalidade. Depois de mais de dez mil apresentações em programas diários ou semanais pela televisão, nos últimos 32 anos, em que prendeu a atenção de milhões de espectadores (seus picos de audiência já atingiram entre 70% e 75%, principalmente nas décadas de 60 e 70) com seu bom humor, suas gafes históricas, sua malícia ou sua aparente inocência de Branca de Neve que chora e ri à toa, Hebe Camargo tem entre seus orgulhos o de ter apresentado Chico Buarque pela primeira vez na TV e o de ter aberto câmeras e microfones, em plena censura, para perseguidos políticos, como Plínio Marcos. Hoje, ela ainda mantém a sua posição de primeira-dama ou rainha dos apresentadores de televisão no país, como a única que faz o seu programa ao vivo na TV. No estilo dos primeiros dias históricos da televisão brasileira, que ela acompanhou de perto, mas fora do vídeo.


Na noite de 18 de setembro de 1950, quando o apresentador Homero Silva levou ao ar, e ao vivo, a TV Tupi Difusora de São Paulo, a jovem cantora Hebe Camargo, com 21 anos de idade, fazia parte apenas do grupo de cerca de mil convidados do legendário Assis Chateaubriand para assistir ao nascimento da televisão brasileira. Hebe Camargo, contratada da Rádio Tupi, havia sido excluída do primeiro elenco artístico da televisão por absoluta falta de fotogenia. Até para um diretor competente como Cassiano Gabus Mendes, que realizou o espetáculo inaugural, aquela figura de rosto marcante, sobrancelhas grossas, busto generoso e um olhar de quem desafia o público, era forte demais para a fragilidade de recursos técnicos da época.


Assim era a Hebe daqueles tempos em que ficara conhecida como a "Moreninha do Samba", antes que a oxigenação dos cabelos a transformasse, mais tarde, nessa figura fotogenicamente loura e envolvente de hoje — um "raio de sol", na definição da atriz Débora Duarte. Naquele primeiro dia, "a televisão teve mais convidados que espectadores", conta Cláudio Mello e Souza em 15 Anos de História. Pelos cálculos mais otimistas, São Paulo tinha, naquela noite, cerca de mil aparelhos receptores — a maioria dos quais nas lojas de eletrodomésticos, à espera de compradores. Nas residências, não mais de duzentos. E Hebe Camargo era apenas uma cantora de músicas brasileiras que tinha como modelos as vozes e o repertório de Carmem Miranda e Linda Batista.


Hoje ela não canta mais. "Esta é uma coisa que me dá tristeza. Mas falo tanto, apresentando meus programas, que a garganta não aguenta", diz, com sua sorridente sinceridade. Mas nesse espaço de 36 anos e 24 milhões de receptores de televisão a mais, Hebe Camargo tornou-se a primeira-dama, ou mesmo prima donna da televisão brasileira — uma posição incontestável, confirmada pelo ex-todo-poderoso diretor-geral da Rede Globo de Televisão, Walter Clark, que ousa ir mais além: "Ela tem a mesma força e a mesma personalidade de Barbara Walters", diz, lembrando a mais famosa entrevistadora da televisão norte-americana, que em 1978 foi contratada pela rede ABC com um salário de 1 milhão de dólares por ano, o mais alto pago a uma mulher nos Estados Unidos.


No SBT, o Sistema Brasileiro de Televisão, de Sílvio Santos, Hebe Camargo ganha bem menos. "Mas eu nunca me preocupei com dinheiro. O importante é que me deixem fazer e dizer o que quero." Contratada em março do ano passado por 100 mil cruzados mensais, que permaneceram congelados pelo Plano Cruzado (o que explica em parte o fato de ser uma ferrenha adversária das mudanças na economia), ela deverá renovar o seu contrato, agora com um aumento sensível. E tem um forte argumento: apesar da concorrência da novela Roda de Fogo, com Tarcísio Meira, no canal 5, sua audiência nunca ficou abaixo de 9,3 pontos, enquanto o topo de audiência do Programa Sílvio Santos, que preenche a maior parte do tempo da emissora, aos domingos, chega ao máximo de 24 pontos. E, ao contrário de seu patrão, Sílvio Santos, que grava o programa durante toda a semana com minuciosa habilidade, Hebe Camargo é a única apresentadora brasileira que insiste em querer fazer seu espetáculo ao vivo: "Quando começa o programa, enfrento o público com a força de quem tem 18 anos".


Todos os números, índices e percentagens de audiência lhe dizem muito pouco ou nada. Para Hebe Camargo, duas coisas são realmente importantes: um auditório interessado, em que os aplausos e gargalhadas não são orquestrados pelos tradicionais cartazes que orientam como a platéia deve se manifestar; e o olho da câmara. Para ela, seu público se reduz a um único telespectador: "Eu olho para a câmara e imagino apenas um rosto do outro lado. E é com ele que eu vou falando". Com altos e baixos, Hebe Camargo trabalhou em todas as emissoras de São Paulo e Rio de Janeiro, menos na TV Globo, onde se recusa a trabalhar com este forte argumento: "Não quero ser plastificada".


Mais do que uma posição radical, essa é a determinação de uma mulher que sabe o que quer e teme que o esquema da Globo possa mudar seu modo de ser, sua liberdade de poder rir e chorar à vontade diante das câmaras, de chamar os entrevistados de queridinho e gracinha e de dizer o que pensa. Essa franqueza é um dos traços da personalidade de Hebe Camargo e está presente em seus mais de 40 anos de carreira artística (como se verá adiante nesta entrevista, em que mais uma vez a sua franqueza se revela) e em seus 58 anos de vida, que se completam em março, Filha de "uma família pobre, muito pobre, mas alegre", segundo sua própria definição, Hebe Camargo nasceu em Taubaté, uma cidade do Vale do Paraíba, a 134 quilômetros de São Paulo, que viveu o auge e a decadência do ciclo do café e, mais recentemente, se tornou um centro industrial com uma população de 155 mil habitantes e pelos menos dois nomes importantes em seu Registro Civil: o da apresentadora e o do escritor Monteiro Lobato.


O pai se chamava Sigesfredo, mas era mais conhecido como Fego — "um boêmio maravilhoso, que gostava de música (tocava violino) e da família", conta Hebe, que ainda hoje se lembra do pai com grande admiração. Aos 6 anos de idade mudou-se com os pais, três irmãs e dois irmãos para São Paulo, frequentando as escolas dos vários bairros onde morou. Com 11 anos, acompanhada pela mãe e ajudada pelo pai músico, Hebe começou a frequentar os programas de calouros. E ganhava todos os prêmios, pagos em dinheiro — o que se tornou uma ajuda substancial para o orçamento da família. Aos 13 anos de idade, com a irmã Stela e duas primas, formou o quarteto Do-Ré-Mi-Fá, que se transformou num trio, As Três Américas, com o casamento de uma das primas. O repertório era o mesmo das Andrews Sisters (Patty, Maxine e Laverne), que naqueles idos da década de 40 triunfavam em Hollywood. Finalmente, mais uma prima renunciou ao show-bizz e Hebe criou, então, a dupla caipira Rosalinda e Florisbela, com sua irmã. Aos 15 anos, já como aí "Moreninha do Samba", e pela primeira vez sozinha, começou a ganhar a vida como crooner em boates da moda em São Paulo, e gravou seu primeiro disco (Os Sucessos da Garota Notável, dedicado à sua estrela preferida, Carmem Miranda).


Em 1946, começou a se destacar no rádio e assinou seu primeiro contrato com a gravadora Odeon. Após uma série de sucessos no rádio, em que inaugurou um estilo e impôs sua personalidade (não se limitava a cantar, mas também conversava com o seu público), finalmente desembarcou na televisão. Em 1954, com O Mundo é das Mulheres (ao lado da Cacilda Lanuza, Wilma Bentivegna, Yara Lins e Lourdes Rocha), explodiu nos índices de popularidade, no canal 5 da Organização Víctor Costa. "Aquele foi o primeiro programa feminista realizado no Brasil, e nem eu tinha consciência disso", diz Hebe. Mas nem sempre a vida foi cor de rosa para Hebe Camargo, que se recorda das dificuldades da família, nas primeiros anos em São Paulo. E a primeira casa em que morou na capital, na Rua Rui Barbosa, no Bexiga (também conhecido hoje como Bela Vista), ficou marcada em sua memória pelos morcegos, ratos e escorpiões que conviviam no mesmo espaço com a família Camargo.


Hoje Hebe mora no Morumbi, numa casa cinematográfica que, três anos atrás (na última avaliação feita), valia em torno de 2 milhões de dólares. Desenhada pelo arquiteto Mário Tomanik e decorada por Ugo di Pace e Pedro Sérgio Morganti, a casa tem um grande jardim, piscina e quadra de tênis. Na garagem, espaço para seis carros: destes, um Monza preto 1986 e um Oldsmobile branco de 1966 são de Hebe. Os outros são do atual marido (o empresário Lélio Ravagnani, que tem 63 anos e treze de casamento com a apresentadora) e do filho Marcelo, estudante de Administração, 21 anos, nascido do primeiro casamento de Hebe, com o empresário Décio Capuano. Um pequeno exército de empregados (até seis pessoas, quando Hebe tem convidados) cuida da mansão e da serenidade da apresentadora, que confessa com candura: "Não sou uma boa dona de casa e nunca tive tempo para aprender a cozinhar: faço apenas um espaguete ao alho e óleo com sardinha. Uma coisa que inventei e é uma delícia. Lélio e os amigos gostam demais".


Para entrevistar a prima doma dos apresentadores da televisão brasileira, PLAYBOY destacou o editor especial Alessandro Porro. Seu relato: "A última lembrança que tinha de Hebe era de doze anos atrás, antes de eu deixar o Brasil para ser correspondente no exterior. Uma noite, em meu apartamento da Rua Maria Figueiredo, em São Paulo, Hebe conquistou a simpatia e o entusiasmo de meus convidados, revelando-se uma incrível contadora de piadas, e uma conversadora cativante. Duas coisas marcaram a saída de Hebe de minha casa: em primeiro lugar, os soluços incontroláveis de uma de minhas hóspedes que, de tanto rir das piadas, perdeu o fôlego e quase desmaiou. E, finalmente, a confusão tão espontânea quanto surpreendente de um dos convivas, austero e sisudo professor da PUC, cheio de preocupações intelectuais. Aguardando o elevador, e só após ter-se certificado de que ninguém estaria escutando, ele me disse baixinho, quase ao ouvido: 'Puxa, mas esta mulher não é nada burra!'


"Se eu tivesse contado este episódio a Hebe Camargo, durante as quase doze horas que passamos juntos no decorrer de duas semanas para realizara entrevista, certamente a apresentadora teria morrido de rir. Assim, como faz, perdida de riso, até soluçar, quando lhe lembram — com uma pitada de perfídia — a mais famosa de suas frases históricas': 'Que pena que a televisão não seja colorida', pronunciada no começo da década de 60, antes que a TV brasileira entrasse no mundo das cores. Hebe, sacudida pela gargalhada que enche seus olhos de lágrimas, defende-se: `Mas, meu Deus, o que é que eu disse de errado? A gente focalizava um lindo vaso de flores, e saía tudo em preto e branco: não era uma pena?'


"Durante a gravação da entrevista, em sua majestosa residência do bairro do Morumbi, em São Paulo, ou nos estúdios do SBT, que às terças-feiras transmite ao vivo o show Hebe, a apresentadora riu, chorou, fez voz dura falando das injustiças humanas, cantarolou antigas músicas de seu primeiro repertório radiofônico, agitou o tempo todo suas mãos com o fervor de quem acredita no que está dizendo, e contou páginas até agora inéditas de sua biografia, com uma espécie de furiosa sinceridade, jurando: 'Nunca tinha dito isso em toda minha vida'. O resultado da confusão de Hebe Camargo aí está. Mas é preciso acrescentar uma orientação aos leitores: tentem lembrar sempre, por favor, o tom de voz de Hebe, o riso, a colorida cadência paulista de suas frases, o tremido de sua emoção. Somente assim será possível saborear completamente a entrevista de Hebe, que fala como se estivesse sempre diante de uma câmara e de um microfone. Contaminado pelo estilo de Hebe Camargo, ouso pensar: 'Pena que a imprensa escrita não seja falada...' ".


PLAYBOY: "Monumento vivo da televisão brasileira", "Monstro da comunicação", "Prima donna da TV": estes são apenas alguns dos rótulos que você ganhou em mais de quarenta anos de carreira, no rádio e na televisão. Afinal, Hebe, quem é você, realmente?


HEBE CAMARGO: Bem, graças a Deus, foram os outros que disseram todas essas coisas de mim. E tem muito mais: já me chamaram de "Rainha das gafes", de "Monumento da alienação", de "Imperatriz da cafonália". Agora, quem sou eu? Meu Deus, sou uma mulher que trabalhou muito. Comecei aos 11 anos, ameaçada pelo Juizado de Menores. Mas eu aparentava muito mais idade, tinha busto forte, um peito assim, e conseguia disfarçar... Quem sou eu? Sou uma mulher que continua trabalhando, sem medo de ninguém, com muita alegria e muita fé. Continuo agradecendo a Deus e a São Judas Tadeu pelo que sou hoje. Não é pouco, para quem nasceu, como eu, no interior de São Paulo, de uma família bem humilde.


PLAYBOY: Humilde, mas até que ponto?


HEBE: A ponto de, muitas vezes, ter apenas arroz para comer. Já dormi em porões, sabe? Então, agora aqui estou, no Morumbi [bairro residencial de elite em São Paulo], numa casa hollywoodiana, com piscina, móveis e quadros bonitos, e todo mundo acha que sou uma dondoca e alienada. Meu Deus, se este pessoal soubesse como foi duro chegar até aqui, não acreditaria. Deus ajudou, certamente, mas eu também colaborei bastante...


PLAYBOY: Você fala muito em Deus...


HEBE: Não somente falo nele, mas falo com ele também. Eu sei que ele está muito ocupado e que tem pouco tempo livre. Mas eu não posso deixar de falar com ele... Especialmente quando faço algo que não fica bem... Então, tenho de falar com ele para contar e explicar. "O senhor deve saber como aconteceram as coisas, foi assim e assim" — e conto tudo. Ele entende e eu fico tranquila. Sabe, eu sou uma católica bem convicta, mas tenho meus probleminhas com a Igreja; ando meio decepcionada. Então, eu falo diretamente com Deus, sem intermediários, sem passar por padres e cardeais. E as coisas ficam mais simples.


PLAYBOY: Mas o que aconteceu entre você e a Igreja?


HEBE: Não sei dizer... Mas tem muita coisa que não chego a entender... Por exemplo, este negócio de menina pobre não poder casar numa igreja bonita, porque o dinheiro que a Igreja quer para a cerimônia é muito. E a coitadinha não tem este dinheiro. Então, como é que fica? A Igreja deveria abrir suas portas a todos, não somente aos ricos, não é verdade?


PLAYBOY: Bem, mas especialmente no Brasil não se pode dizer que a Igreja nada faz para os pobres. Muito pelo contrário, aqui existe um movimento bastante ativo da Igreja em favor das classes mais necessitadas...


HEBE: Este é outro problema. Eles fazem é política, usam os pobres, mas religião que é bom nada tem a ver com isso. Eu nunca me zanguei na vida, nunca xinguei ninguém, mas há três anos tive uma experiência que me deixou arrasada e que ainda hoje não consigo esquecer. Uma comunidade do Parque Santa Madalena adotou um sistema que achei maravilhoso: chamava-se sistema "5 por 2", isto é: cinco famílias que podiam ajudavam duas que estavam sem dinheiro e sem trabalho. Que bonito, que maravilha, pensei. E lá fui eu à igreja, com um caminhão de comida — feijão, leite, açúcar, café, tudo para dar aos pobres. Quando cheguei lá, o padre não me quis receber, nem aceitou os donativos. Fui quase agredida por um rapazinho da igreja, muito petulante, que me acusou de querer fazer demagogia e sensacionalismo, e me proibiu de descarregar o caminhão no salão da paróquia. " — eu disse — mas o padre, na reportagem que eu vi no jornal da Bandeirantes, não tinha dito que era preciso dividir o pão e o vinho?" Eu estava lá com mais de 1 tonelada de feijão, 100 quilos de café, uma montanha de pão de fôrma, e ninguém queria. Vai ver que já resolveram todos os problemas, pensei. Mas o rapazinho estúpido me disse que o pessoal do Parque precisava ser conscientizado, e não de presentes. "Se a senhora quiser, venha aqui duas horas por dia trabalhar com o pessoal, falar com ele sobre o desemprego, sobre a fome, sobre o significado das comunidades eclesiais. Mas esmolas, não queremos", disse o jovem da paróquia. Meu Deus, que coisa triste: havia uma multidão de pessoas famintas, em volta do caminhão, pedindo comida — "Dona Hebe, não vá embora, deixe esta comida para a gente" —, e os padres queriam que eu apenas falasse com os pobres. Para mim, quem tem fome quer comer, não quer conversar... E, assim, distribuí o que tinha trazido, longe da igreja, e fui embora chorando. Na semana seguinte, no meu programa, contei tudo, e chorei como nunca, diante das câmaras... [chora] Por que fizeram isto? Com que direito me trataram assim? Me acusaram de querer me promover: mas você acha que eu, com quarenta anos de sucesso e de popularidade, preciso... [chora] de uma coisa dessas para me promover?


PLAYBOY: Mas só este episódio foi o suficiente para provocar uma crise pessoal com a Igreja?


HEBE: Infelizmente, não. Há outras coisas que me deixam muito triste. Num programa recente, por exemplo, um padre que eu havia convidado, Dr. Júlio Munaro, se recusou a rezar a meu lado pela alma de Cartucho...


PLAYBOY: Quem era Cartucho?


HEBE: Era um de meus amigos mais queridos, um cabeleireiro do Colonial [um dos salões mais famosos de São Paulo], que há catorze anos me penteava antes de meus programas. Uma gracinha de pessoa, chamava-se Luís Carlos Trotti. Era uma das pessoas que mais amava a vida. Morreu de AIDS, coitado, e o padre Júlio Munaro não quis se levantar da poltrona para rezar pela alma de Carlucho. Pode uma coisa dessas? [chora] Pode?


PLAYBOY: Era um homossexual?


HEBE: Sim, e era maravilhoso. Todos os anos desfilava no Rio, na Beija-Flor, como destaque. Bonito como ninguém, uma belezinha...


PLAYBOY: Você tem medo de AIDS?


HEBE: Olhe, eu não tenho medo de nada. Eu já cantei sentada em cama de leproso, para aliviar as dores dos doentes... Eu já fiz tudo isto e muito mais. Agora estamos lidando com AIDS. Por que eu deveria ter medo? Pelo que sabemos, a doença só pode ser transmitida através de transfusão de sangue, de sexo anal, ou de picada de droga. Sabe de uma coisa? Estou tranquila: eu não me drogo, não recebo sangue — só doo sangue, sem nenhum problema. E nunca gostei de sexo anal. Não gostava quando era jovem, imagine agora com 57 anos. [Dá uma gargalhada] Então, por que deveria ter medo de AIDS?


PLAYBOY: Hebe, explique, por favor, esta sua paixão pelos homossexuais. Eles te adoram, e você — programa sim, programa não — trata do assunto diante das câmaras. Por quê?


HEBE: Não, queridinho. Não é que tenha paixão por bichas. Mas eles representam uma realidade cada vez mais presente em nosso mundo, e eu apenas falo deles, assim como defendo os negros, os esmagados, os excepcionais, as mães solteiras... Defendo talvez não seja a expressão certa. Digamos que eu falo e debato um problema que existe, um tema que ninguém na TV enfrenta com seriedade. E verdade, talvez eu seja a única a falar de homossexuais com tamanho carinho. Nunca vi Tarcísio Meira ou outros tocarem no assunto. Aliás, o Tarcísio recentemente fez questão de desmentir que tinha tido um caso com o Mazzaroppi, no início de sua carreira. E até o cardeal de São Paulo, com sua voz fina e macia, falou contra os 54 homossexuais. Por que dom Paulo fez isso? Será que ele fala apenas com voz sacerdotal ou... Mas este é um problema dele... [Com voz seriíssima, escolhendo as palavras] Para mim, são todos criaturas de Deus. Não faço distinções.


PLAYBOY: E o homossexualismo feminino?


HEBE: Claro, eu falo também delas, sempre que posso. Organizei um programa sobre o assunto, e deu um ba-fa-fá... A censura, que ainda existe, me acusou de fazer apologia do homossexualismo. Imagine, imagine... E nem falo das cartas e dos telefonemas que recebi — a maior parte de mulheres, que não gostaram. Existe uma clara posição de meu público: ele aceita que eu fale de bichas e travestis, até acha engraçado; mas não aceita as lésbicas. Por que será? Não sei, realmente não sei explicar.


PLAYBOY: Você já teve alguma experiência homossexual?


HEBE: Nunca, realmente nunca. Claro que recebi cantadas, e durante anos uma fã me escreveu cartas apaixonadas. A coisa me irritava muito, também porque a menina escrevia como alguém que está sendo correspondida... Coisas da cabeça dela, sabe. Uma vez, meu primeiro marido, Décio Capuano, o pai de meu filho Marcelo, foi obrigado a dar uma prensa no carro dela, e a coisa acabou. A menina me perseguia feito namorado. Aonde eu ia ela estava lá, uma loucura. Diante de situações como essas, sinto uma espécie de repugnância, um verdadeiro bloqueio. Mas não é uma atitude moralista: eu adoro Simone, a cantora, e tenho o maior respeito pela isis [a atriz Isis de Oliveira]. E, nos programas que dediquei ao assunto, sempre tratei o tema com grande seriedade, com a participação de gente realmente representativa. Da última vez, em maio do ano passado, quando ainda estava na Rede Bandeirantes, convidei pessoas como o escritor Ignácio de Loyola Brandão, a atriz Maria Lúcia Dahl, a apresentadora Marília Gabriela, a antropóloga Ruth Roth...


PLAYBOY: O programa era a favor ou contra?


HEBE: Não era minha intenção ser contra ou a favor. Eu queria debater o assunto para esclarecer o público, como sempre tento fazer. Nesse programa, a antropóloga Ruth deu uma verdadeira aula de competência e seriedade. Mas, no dia seguinte, a Censura Federal de São Paulo, através de seu chefe, Dráulio Dornelles Coelho, me acusou de transformar o programa em "tribuna de aliciamento, indução e apologia do homossexualismo". Pode uma coisa dessas?


PLAYBOY: Você teve muitos problemas com a Censura?


HEBE: Não muitos, na verdade. Mas de vez em quando sou chamada à atenção por coisas ridículas. Recentemente, por exemplo, alguém no meu programa pronunciou a palavra "bundinha", e houve mais uma advertência da Censura...


PLAYBOY: Esta "bundinha" era de homem ou de mulher?


HEBE: De mulher, de mulher. Eu não compreendo: tem bundas sendo focalizadas em dose na televisão, e ninguém fala nada. Agora, se alguém diz "bundinha" no meu programa, parece o fim do mundo...


PLAYBOY: E a parte política, ainda continua sendo censurada?


HEBE: Não, hoje, graças a Deus, esta parte está completamente liberada. Não tem mais "este pode, este não pode" — como acontecia durante a ditadura. Mas eu sempre me virei muito bem, e acabei apresentando em meu show pessoas proibidíssimas. Ainda hoje, o Plínio Marcos — que depois de ter participado de meu programa foi proibido de entrar no prédio da emissora, e não apenas em meu auditório — faz questão de lembrar que fui a única com coragem de abrir-lhe as portas... Outro que recebi, sabendo que podia ter problemas, foi o Carlos Imperial. Parece nada, mas naqueles tempos não era brincadeira...


PLAYBOY: Hebe, você é identificada como uma pessoa de direita, votou no Maluf, enfrentou o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, Jair Meneguelli, na TV e depois surpreende todo mundo com "aberturas" que ninguém imaginaria em seu show. Como você se coloca, politicamente?


HEBE: Eu não me coloco. Não entendo nada de política. Não faço política. Não sou de direita. Sou direta. Gosto do Maluf. Sempre gostei. É uma graça de pessoa. Esteve em meu programa quando nasceu sua última filha; foi uma beleza. Com o Jair Meneguelli, acho que agi muito bem: mostrei que estava errado quando apoiou os operários que tinham quebrado os carros no pátio da Ford. Não é assim que se faz luta sindical...


PLAYBOY: E como é que se faz?


HEBE: Se faz mantendo o diálogo com os donos, se faz negociando, numa boa, até chegar a um acordo possível. Mas fazer arruaça, destruir, quebrar os carros da Ford, isto não leva a nada. Quando falo estas coisas, me olham como quem quer dizer: "Claro, ela fala assim porque é a Hebe, é rica, tem casa com piscina..." Quem diz isto não me conhece. Eu também trabalho. Posso ganhar bem, mas também dependo de salários, e sei o que é luta sindical. Fui vice-presidente do Sindicato dos Radialistas, e já encabecei passeatas contra atrasos de pagamento e em defesa de melhores salários. Uma vez, em 1959, paramos todas as emissoras, e só a Eldorado resistia. Então, fui falar com o Julinho Mesquita [Júlio de Mesquita Filho, um dos donos da Rádio Eldorado e do jornal O Estado de S. Paulo na época], e ele, gentilmente, me disse que nada tinha a ver com o assunto — a rádio dele sempre esteve em dia com os pagamentos, e não via por que parar. Aí, chorei. Olhei para o Julio Mesquita, e comecei a chorar...


PLAYBOY: Como arma de luta sindical, essa é nova. Você já imaginou o Lula chorando diante da mesa do diretor da Volkswagen?


HEBE: Todas as armas são boas, com exceção da violência. Meus companheiros do sindicato, que estavam esperando na rua, nem acreditavam na possibilidade de eu conseguir o apoio dos Mesquitas, mas consegui. A Eldorado saiu do ar, com o locutor anunciando que se tratava de um gesto de solidariedade para com o movimento dos radialistas. Nossa, foi uma beleza, conseguimos o que queríamos, e meus companheiros do sindicato me levaram em triunfo. Fui acompanhada assim até a porta de meu carro, um Impala branco — carrão de luxo na época. O que quero dizer é o seguinte: quebrar carros no pátio da Ford não é fazer sindicalismo, é apenas um gesto de vandalismo que não leva a nada. E isso o que quis dizer ao Jair Meneguelli, de quem eu gosto muito. E uma beleza de pessoa, e o recebi com o maior carinho em meu programa. Afinal, eu também sou uma assalariada, e estou do lado dos trabalhadores. Mas não aceito vandalismo. Fico com raiva...


PLAYBOY: Como é seu relacionamento com seu patrão, Sílvio Santos?


HEBE: Olhe, a gente mantém pouquíssimos contatos. Quando fui contratada, ele me disse que meu show era bem o que ele gostava, e nunca mais voltamos a falar no assunto. Agora, a coisa mais importante na TV de Sílvio Santos é esta: pela primeira vez em minha vida profissional, estou recebendo em dia meu salário. Pode cair o mundo, mas sei que no dia 25 de cada mês 40% de meu salário estão depositados no banco, e no dia 10 os outros 60%. Esta é uma coisa maravilhosa: finalmente, posso planejar minha vida, saber o que posso e o que não posso fazer, prever minhas compras e meus pagamentos. Em mais de quarenta anos de trabalho, está é realmente uma surpresa...


PLAYBOY: Este é o aspecto administrativo. E, do ponto de vista de televisão, como é trabalhar com Sílvio Santos?


HEBE: Sabe, eu tenho um programa só meu, com uma equipe própria. Praticamente não há interferência no meu trabalho. O que ouço dizer é que o Sílvio brinca muito com a televisão.


PLAYBOY: Conto brinca?


HEBE: É o que dizem. Por exemplo, ele põe um programa no ar; depois não gosta mais, tira e põe outro com a maior tranquilidade. Tem quem não goste, mas eu acho isso muito bom: a televisão não pode ser uma coisa parada, plastificada. Mudar para acertar me parece uma boa política.


PLAYBOY: Você foi estrela das emissoras mais importantes, desde o antigo Canal 5 (Organização Víctor Costa, de São Paulo), passando pela Record, Tupi e Bandeirantes, até chegar ao SBT de Sílvio Santos. Como é que a TV Globo nunca entrou em seus planos?


HEBE: Poderia ter entrado, já mantivemos contatos no passado. Mas a verdade é que tenho medo, um verdadeiro pavor...


PLAYBOY: Medo de quê? Também a Globo paga em dia...


HEBE: Não se trata disso: eu tenho medo de entrar no esqueminha frio da Globo, de acabar sendo plastificada, como já aconteceu com muita gente. Eu sou eu, eu sou Hebe, não posso mudar, não sei ser diferente. Lá, na Globo, poderiam me mudar, e eu não quero. Olhe, tenho o maior respeito pelo pessoal da Globo. Eles fazem coisas incríveis, maravilhosas. Muitas vezes fico com vontade de enviar telegramas de parabéns pelo bom trabalho. Mas eu, eu, não tenho nada a ver com aquilo. Quero estar livre diante das câmaras, poder rir e chorar à vontade, chamar o pessoal de queridinho e de gracinha, poder dizer — como sempre faço — o que sinto que naquele momento é importante. Na Globo isto seria possível? Acho que não; acho que deveria ficar acompanhando regras fixas, ensaiando até os gestos das mãos. Isso não é comigo. Eu não quero passar pelo que passou o Ronald Golias quando foi para a TV Globo. Acabaram com toda a graça dele, e o Golias ficou com trauma. Depois de sete anos, somente agora ele está voltando, na Bandeirantes. Para mim, televisão é vida, é movimento, é ação, é espontaneidade. Por isso, sou a única pessoa que faz um programa completamente ao vivo, criando meu show enquanto estou no ar...


PLAYBOY: Uma caixa de surpresas?


HEBE: Pode ser, se assim quiser. É claro que existe um esquema: o tema do programa, os convidados, o produtor que me indica as perguntas, e assim por diante. Mas se trata, apenas, de um fio condutor que eu acompanho até certo ponto. Quando a luz vermelha começa a piscar, indicando que estamos no ar, eu sei que, a partir desse momento, tudo depende de mim, de minha cabeça e de meu coração. Acredito nisso, sempre fiz assim, e esta é a única receita que explica quarenta anos de carreira com o sucesso que me atribuem.


PLAYBOY: Nunca deu errado?


HEBE: Claro que sim. Uma vez ou outra. E pode ser até engraçado. Como quando perguntei ao primeiro homem que passeou na lua, o americano Neil Armstrong, se lá em cima tinha luar. Todo mundo caiu em cima de mim, como se tivesse cometido a pior das gafes. Poucos entenderam que eu queria brincar. Mas, pelo menos uma vez, meu erro foi realmente grave, e ainda hoje eu fico mortificada com o vexame que dei, provocado em parte pela produção e em parte pela minha falta de informação sobre o assunto. Isto aconteceu no começo dos anos 60, quando se falava de transplante de coração e eu — que mais tarde receberia até o Christian Barnard em meu programa — entrevistei o professor Euríclides de Jesus Zerbini, primeiro a realizar o transplante no Brasil. A produção havia preparado as fichas com as perguntas, e numa delas estava escrito que Zerbini tinha dado "assistência técnica" para um LP de Agnaldo Rayol (que também estava entre os convidados do programa), controlando as batidas do coração do cantor. Estas batidas (gravadas no começo de uma das músicas do disco) representavam um prato cheio para meu show, e eu — que nem suspeitava se tratasse de uma cascata do redator — fiz uma verdadeiro Carnaval, misturando Zerbini com Agnaldo Rayol, transplante com música popular, sem perceber o embaraço do professor, que, sentado ao lado do cantor, escutava cabisbaixo o "tum, tum, tum" do coração, gravado no LP. Quando o programa acabou, Zerbini saiu do estúdio sem dizer nada, mas irritado, e eu não entendia por quê. Afinal, tinha sido uma coisa bonita, não? No dia seguinte a secretária dele ameaçou me processar por ofensas: o professor nunca havia auscultado o coração de Agnaldo Rayol, e tinha aceito participar do programa apenas para falar de transplante, e não para o lançamento de um disco. Realmente foi um vexame; o pior que já dei...


PLAYBOY: Hoje você se informa mais, lê mais?


HEBE: Sim, todos os dias eu leio pelo menos três jornais: a Folha da Tarde, Notícias Populares (me interessam os fatos da vida, aquelas histórias incríveis) e o Caderno 2 do Estadão. Gosto demais das crônicas do Luiz Fernando Emediato, uma beleza.


PLAYBOY: Mas livros, romances, você lê?


HEBE: Sinceramente, não. Nunca tive tempo. Comecei a cantar aos 11 anos, em programas de calouros, tentando ganhar prêmios para levar um dinheirinho para casa. Onde encontraria tempo para ler?


PLAYBOY: Você é uma das figuras mais premiadas da TV brasileira, com doze Roquettes Pintos, três Troféus Imprensa, um Tupiniquim e um Helena Silveira, sem falar de centenas de troféus menores. Tem lido algum texto sobre televisão, sobre técnica da comunicação, sobre comportamento diante de um microfone ou uma câmara?


HEBE: Oh, não. Isso nunca [risos]. Não, realmente nunca estudei: inventei tudo sozinha, e esta postura simplista que assumo diante das câmaras vem daqui [aponta para sua cabeça] e daqui [aponta para seu coração]. Outro dia estava falando com Clodovil, que eu adoro, acho maravilhoso. Ele também faz um tipo de televisão espontâneo, como eu gosto. Ele me disse: "Eu inventei este negócio de me virar e de olhar diretamente na câmara, para o público sentir que estou falando com ele..." Na verdade, quem fez isso pela primeira vez fui eu, e continuo fazendo desde a década de 50, quando comecei no antigo canal 5 de São Paulo. Não é fácil, sabe? Você tem de "sentir" a câmara, olhar como se estivesse olhando para uma pessoa e conversar com ela.


PLAYBOY: Apenas uma pessoa?


HEBE: Sim, eu não consigo pensar em multidões. Eu tenho na minha frente o auditório, e atrás do olho da câmara uma pessoa com a qual eu falo. Pode ser uma mulher, pode ser um homem, pode ser uma criança, dependendo das circunstâncias, mas nunca imagino centenas de milhões de pessoas... Há pouquíssimo tempo atrás — eu nunca tinha me preocupado com este lado da coisa — me explicaram que cada ponto de audiência é como se fosse um Maracanã cheio de torcedores. Meu Deus, fiquei impressionada...


PLAYBOY: Mas você realmente nunca havia pensado nisso antes?


HEBE: Nunca, juro. Nunca me dei conta, e nem posso pensar nesses termos sem ficar assustada. E ainda hoje prefiro pensar numa pessoa para a qual eu falo, entrando diretamente na casa dela.


PLAYBOY: Qual é a idade do público que assiste a seu programa?


HEBE: Tenho a impressão de que a maioria está acima de 40 anos. Só que recentemente tenho constatado uma faixa muito grande de crianças. Eu até fiz um programa para o Dia da Criança, me fantasiei de Xuxa, botei uma minissaia, tênis, meinhas, botei as borrachas da Xuxa, entrei dançando com a musiquinha dela... Foi uma loucura, as crianças vibraram. E embora fosse 9 e meia da noite, houve um índice de audiência infantil incrível.


PLAYBOY: Você acha que o público da Xuxa é mais de crianças ou de homens?


HEBE: Ah, eu acho que é mais de homens, né? [Risos] Mas as crianças também gostam de ver uma figura bonita, e eu sou fã incondicional da Xuxa. Uma graça... Dizem que ela não tem paciência, que ela belisca as crianças... Talvez ela tome esta atitude para pôr um pouco de disciplina... Eu não sei, eu nunca vi... Dizem...


PLAYBOY: Você já beliscou crianças em seus programas?


HEBE: Eu? Nunca. Eu adoro crianças, e isto ficou claro em meu show de outubro passado, quando o palco foi invadido pelas crianças, que pintaram e bordaram, e eu sumi no meio delas. Você só ouvia minha voz: "Meu Deus, olha que coisa linda a invasão das crianças. É a invasão que nós gostaríamos que acontecesse no mundo..." O palco inteirinho ficou forrado de crianças, um negócio lindo, lindo, lindo. Eu me senti com a idade delas...


PLAYBOY: Você tem somente um filho, o Marcelo, que hoje está com 21 anos. Como foi a infância dele? E como é, hoje, o relacionamento entre vocês?


HEBE: Este é um problema sério. Quando me desquitei de meu primeiro marido, Marcelo estava com 6 anos. Era tímido, fechado — exatamente como o pai. Ainda hoje Marcelo é extremamente carinhoso, muitíssimo ligado a mim, mas praticamente não existe diálogo. É como uma barreira entre nós dois, que impede uma comunicação mais profunda. Isso me dói muito, mas não sei como resolver... Por exemplo, eu nunca consegui conversar com ele sobre sexo. Eu que sou tão aberta, tão faladora, com ele nunca consegui. Eu passo para ele a imagem de pessoa dura, forte, e a impressão que eu tenho é que tudo depende de minha personalidade. Que é realmente muito forte — foi por causa disso que acabou meu primeiro casamento.


PLAYBOY: Você está em seu segundo casamento [com o empresário Lélio Ravagnani, de 63 anos] , mas seus biógrafos lhe atribuem uma porção de amores mais ou menos secretos. Vamos pôr as coisas a claro?


HEBE: Meu Deus, eu nunca quis falar destas coisas... É verdade, eu fui muito, muitíssimo amada. E, graças a Deus, ainda hoje, aos 57 anos, tenho um homem a meu lado, o Lélio, uma pessoa que eu adoro e que me adora...


PLAYBOY: Hebe, vamos começar do começo?


HEBE: Bem, foi um começo muito banal, eu menor de idade, cantando numa boate, como crooner, das 10 da noite às 4 da manhã, e minha mãe, sentada num lugar acima do palco, observando os mínimos movimentos. Era a boate Lorde, algo como o Gallery de hoje, frequentada pela gente mais chique de São Paulo. E eu era virgem.


PLAYBOY: Durante quanto tempo durou isso?


HEBE: Isso, o quê?


PLAYBOY: Você virgem, e sua mãe controlando lá de cima.


HEBE: Oh, um tempão... [Gargalhadas] Mas os homens me olhavam de uma maneira incrível. Eu era forte, tinha uns olhos profundos, umas sobrancelhas marcantes. E um busto que não parecia de uma menina... Os frequentadores da boate dançavam com suas mulheres mas olhavam para mim...


PLAYBOY: E você, também olhava?


HEBE: Bom, você queria que eu fizesse o quê? Que ficasse de olhos fechados? Mas nada de flertar, sempre tive o maior respeito pelo meu trabalho. Assim mesmo, as mulheres ficavam cismadas. Sabe, eu não era bonita, mas era um tipo exuberante, e os homens ficavam loucos. Houve até uma mulher que me seguiu na toalete para tirar satisfação. Respondi firme: "Minha senhora, eu estou aqui trabalhando. O namorado é seu, a senhora que cuide dele. Não sei quem é, nem estou interessada..." Mas era uma verdadeira loucura. Naquele tempo, eu tinha comprado um carrinho de segunda mão, um Ford Perfect, e durante anos, todas as noites, havia alguém que deixava no pára-brisa um botão de rosa. Nunca soube quem era...


PLAYBOY: Quando você achou oportuno dispensar o controle de sua mãe?


HEBE: [Dando uma gargalhada]. Entendi, entendi o que você quer saber... Bem, esta é uma coisa que nunca contei... Eu estava com 19 anos, talvez 20, não me lembro bem. Antes, só tinha tido um namoro com um pistonista, uma coisa sem importância, apenas apertos de mãos, e nada mais. Minha mãe, imagine, continuava insistindo que beijar podia dar filho. Eu acreditava, e hoje tenho a impressão de que também ela acreditava no que dizia. Minha mãe, Ester, era uma mulher à antiga. Entre nós havia uma grande diferença de idade — daí uma completa falta de comunicação...


PLAYBOY: A mesma coisa que hoje acontece com seu filho?


HEBE: Pode ser, talvez... É verdade, parece a mesma coisa. Mas com minha mãe não era uma questão de personalidade: ela não sabia mesmo das coisas, vinha do interior, tinha feito seis filhos, e achava meu pai — um violinista boêmio — uma pessoa incrível. Senti muito a morte de meu pai e ainda hoje tenho o máximo de carinho e amor por ele... [Fica calada, durante mais de um minuto, comovida] Com ele, eu me entendia bem. Mas, com minha mãe, era difícil. Foi apenas com ele que consegui falar de meu primeiro homem...


PLAYBOY: Quem foi?


HEBE: Era uma pessoa fantástica. Agora, que vou revelar pela primeira vez o nome, você vai cair de costas: foi o Luís Ramos, um dos três irmãos donos da Folha de S. Paulo e da Rádio Excelsior, antes que o jornal fosse comprado pela família Frias. Ele era um frequentador da boate Lorde, e me conheceu cantando... Mandou um bilhetinho, e eu — pela primeira vez — quis conhecer o admirador... Foi coisa de loucos, amor à primeira vista. Mas... Mas ele era desquitado. Não bastasse isso, vivia com outra mulher, que estava esperando um filho dele. Imagine a confusão. Imagine como eu me sentia... Foi a coisa mais louca que jamais me aconteceu. Durou oito anos, uma eternidade, e até tive de inventar um falso casamento para ficar com ele...


PLAYBOY: Um casamento simulado?


HEBE: Sim, numa igreja do Rio, aquela ao lado do túnel de Copacabana [Igreja de Santa Terezinha]. Foi de manhã cedo, durante uma missa. Eu fui lá pra frente, e fiquei com o Luís diante do altar. Depois fomos para o hotel, o Luxor de Copacabana, e minha mãe se queixou: "Mas eu não vi nada, não vi casamento..." Foi uma coisa terrível, acredite. Mas eu amava o Luís e estava disposta a tudo...


PLAYBOY: Algumas semanas atrás, você fez um programa sobre noivas, e não conseguiu esconder sua emoção. Chorou como nunca. Isto aconteceu porque você se lembrou de seu casamento simulado?


HEBE: Não, acho que não. Chorei porque foi um programa bonito. Mas quando "casei" com o Luís Ramos... eu me senti... [chora, sem conseguir se controlar] eu me senti culpada, com complexo de culpa... Não em relação a meu pai, mas a minha mãe, que nunca teria conseguido entender. Bem, foi um drama. O Luís não sabia como resolver o problema com a mulher, mas queria viver comigo. Era algo esdrúxulo, mas durou oito anos. Foi um amor que parecia um inferno... Imagine: eu continuava morando com meus pais, e o Luís se levantava às 4 da manhã para ir à casa da outra, que eu nunca conheci. Só sabia que se chamava Manuelita... "Como, o Luís já saiu?", perguntava minha mãe. E eu dizia: "Sim, teve de ir para o jornal, um problema com as máquinas, com o papel..." Foi, realmente, um drama, ninguém vai acreditar... Acabou por falta de força: eu não agüentava mais uma situação assim, estava ficando doente...


PLAYBOY: Nessa mesma época, entre os anos 50 e 60, falava-se de outro grande amor seu...


HEBE: Já sei, é o Víctor Costa, o dono do canal 5 da época. Bem, agora vou revelar mais um segredo: eu nunca tive nada com o Víctor Costa. Eu era muito amiga da mulher dele, a Ismênia Santos, e não seria capaz de ter caso com o marido de uma amiga. É algo que ainda hoje não aceito, não justifico... Mas o Víctor (sócio do Luís Ramos na Rádio Excelsior, que depois se chamaria Rádio Nacional) tinha uma amante loura como eu, da minha altura... Em suma, todos diziam que eu era a amante do Víctor Costa, e ainda hoje muita gente acha isso, com a maior naturalidade. Tem de me acreditar: nunca houve nem um aperto de mãos, nada. Apenas uma profunda amizade. E, quando a Ismênia o surpreendeu com a amante, eu tentei defendê-lo, mas não deu, e os dois se separaram. Ismênia continuou minha amiga, e o Víctor também. Mas foi uma loucura...


PLAYBOY: E, depois dessas aventuras. o que aconteceu?


HEBE: Bem, depois eu tive um período em que pensei somente no trabalho. Imagine: eu tinha cinco programas por semana no canal 5 de Víctor Costa: O Mundo é da Mulheres, Maiôs à Beira-Mar, Calouros em Desfile, Hebe Comanda o Espetáculo e Com a Mão na Massa. Praticamente, ficava o tempo todo no, ar, porque naquela época não existia videoteipe, e até os comerciais eram ao vivo, com Idalina de Oliveira e a Neide Alexandre fazendo publicidade dos produtos diante das câmaras... Era um tempo muito bonito, fazia-se televisão de verdade, sem truques...


PLAYBOY: E, hoje, como é a televisão?


HEBE: Tenho a impressão de que a coisa está melhorando, está voltando a ser como era uma vez, sem muita frescura. As televisões estão voltando à época da simplicidade, sem muitas complicações que incomodam o telespectador. E a TV de que eu gosto. Ou você sabe lidar com câmaras e com luzes, ou não existe. Eu sei fazer esta TV, espontânea, falando com o público, improvisando na hora. Não consigo decorar um texto nem lembrar uma marcação: subo no palco e dou tudo de mim. Talvez digam que não sou modesta, mas quem consegue fazer o que eu faço?


PLAYBOY: Houve um tempo em que se dizia que, para ter sucesso na TV, uma mulher precisava ser "simpática" com os diretores, com o dono...


HEBE: Ah, isso ainda acontece, mas não acho que seja somente na TV. Qualquer mulher que trabalha, e que seja gostosa, acaba recebendo as cantadas a que tem direito. Agora, hoje como ontem, só dá quem quer. É inútil você dar e não ter nada para dizer, não saber o que fazer. Quem sabe trabalhar, quem tem algo, vai ter sucesso dando ou não dando. Mas, quem só tem pernas bonitas e não sabe fazer nada, está dando à toa. Comigo, não houve nada disso. E, meu Deus, nem sei dizer quantas cantadas recebi em minha vida profissional...


PLAYBOY: Pode dizer, diga...


HEBE: Não posso. Não acho certo. Lélio sempre diz aos amigos que ele não é ciumento. Mas nós estamos há treze anos juntos (ficamos separados apenas oito meses, mas não aguentamos), e eu sei que ele não gostaria. Tem coisas que nem para ele contei...


PLAYBOY: Mas são coisas do passado, não?


HEBE: Sim, mas de um passado cujos protagonistas ainda estão presentes. Eu já fui cantada por um ministro do Trabalho, um vice-governador...


PLAYBOY: Generais, nunca?


HEBE: Não, militares nunca. Em compensação, houve um presidente da República...


PLAYBOY: Quem foi?


HEBE: Não vou contar, não vou dizer. Respeito muito a mulher dele. Mas foi algo que durou um tempão. telefonemas que não acabavam nunca. [Imita a voz gramaticalmente inconfundível do antigo presidente]: "Prezada Hebe, preciso falar com você"... Eu cheguei até a marcar, não aguentando mais, mas nunca fui. Afinal, não gostava dele, não votei nele, tinha meu trabalho e meu sucesso: para que aceitar o convite do presidente?


PLAYBOY: Você já era famosa?


HEBE: Claro que sim, estava no momento mais importante de minha carreira. Mas, se tivesse ocorrido antes, ou depois, teria sido a mesma coisa. Eu nunca fiz amor por dever, nem apenas por prazer. Eu sempre tive de gostar, e muito, de uma pessoa, antes de me resolver...


PLAYBOY: Eu sei que você ganhou presentes incríveis de seus admiradores...


HEBE: E sabe também que devolvi tudo, até a última pedrinha... Este é um caso que posso contar, porque o protagonista infelizmente morreu: durante muito tempo, antes de casar com o pai de Marcelo, eu tive um caso, digamos assim, telefônico, com um grande e generoso amigo, Peppino Matarazzo. Foi uma pessoa que amei realmente muito, mas de uma maneira casta, completamente platônica. Peppino (que tinha uma certa idade e era o tio de um de nossos grandes amigos de agora, o Chico Matarazzo) era solteiro, mas não podia se casar comigo: motivos de família, sei lá. Eu o conheci no casamento da sobrinha, Maria Pia, que atualmente dirige as empresas da família. A coisa durou um certo tempo, e Peppino não cansava de me enviar presentes: hoje representariam uma verdadeira fortuna. Quando conheci o Décio, o pai de Marcelo, resolvi: preparei uma caixa, com todos os presentes, e mandei tudo de volta. Com que direito ficaria com aquilo tudo, se nada aconteceu entre nós? Ele tinha sido apenas um doce namorado, com o qual mantive bons papos pelo telefone, e nada mais. Encarreguei meu cunhado de entregar os presentes, e tive — graças a Deus — a idéia de pedir um recibo. Quando Peppino morreu de uma maneira estúpida (foi atropelado por um carro, no caminho para seu camiseiro) e os herdeiros abriram o cofre, tudo foi encontrado, exceto a caixa com os presentes que mandei de volta.


PLAYBOY: Um verdadeiro caso de polícia...


HEBE: Falou e disse: tive de testemunhar duas vezes diante da polícia, lá na Rua Brigadeiro Luís Antônio, para contar o que fiz com os presentes. E, ainda bem que tinha o recibo, as testemunhas, e o apoio de toda a família dele, que conhecia todos os pormenores. Coitado do Peppino, só Deus sabe o que aconteceu com todas aquelas jóias... Comigo, aconteceu algo que me parece um prêmio: depois desta aventura, comecei a comprar todas as coisas que devolvi, não as mesmas, mas tudo o que lembrava os presentes do Peppino. Hoje, talvez, eu tenha muito mais. Mas fiz questão de comprar, com o dinheiro de meu trabalho, a maior parte das peças que se pareciam com aquelas que devolvi. Poucos sabem como isso é bom, como é bom poder dormir tranquila...


PLAYBOY: Você gosta de jóias?


HEBE: Adoro. Tudo o que uso no programa é verdadeiro, mas eu não digo, porque é perigoso... Antes de ir para casa, depois do show, eu tiro e guardo. Como era diferente quando eu trabalhava na boate Lorde... Ficava até as 4 horas da manhã, e voltava com minha mãe para casa, sem medo nenhum, sem perigo de assaltos, sem tensão.


PLAYBOY: Sua vida sentimental, ao contrário do que dizem, limita-se, então, a apenas três ou quatro pessoas?


HEBE: Olha, pode ter havido outras. É claro que teve outras. Mas acho que não devo falar nisso. Já disse muito. E não quero me abrir como o Daniel Filho [um dos dirigentes da TV Globo], que já deu entrevistas para contar quem comeu, quando, e onde. Isso não é comigo. Raramente você vê uma mulher contando: "Eu comi fulano, beltrano..." Acho esta atitude vulgar, grosseira... É bonito comer ou ser comida — mas que isto fique apenas para você, como uma coisa linda, maravilhosa. Por que contar para todo mundo?


PLAYBOY: Puxa, você não é Branca de Neve, como dizem... Você, dependendo do assunto, pode ser até uma fera...


HEBE: E quem disse que eu sou Branca de Neve? Quando me irrito, digo o que penso. Já chamei Walter Clark de moleque, e não me arrependo. Agora voltamos a nos falar, a nos frequentar. Gosto dele, sinto ternura por ele, mas que ele foi moleque comigo, foi. Chegou na TV Bandeirantes, e aproveitou o fato de que eu estava viajando para tirar meu programa do ar, sem falar antes comigo. É verdade que ele estava chegando da Globo e queria mostrar serviço, queria mudar tudo. Mas assim não se faz. [Sobre este episódio, PLAYBOY ouviu a versão de Walter Clark, que esclareceu: "Foi um grande equívoco. Ela estava no exterior, e a TV Bandeirantes não tinha verba para que eu fizesse um telefonema internacional e explicasse à Hebe que queria lhe dar um programa diário, nos moldes daqueles que Myrta Legrand, a maior estrela da TV argentina, faz há muitos anos. Hebe estava fazendo um show semanal fraco, sem a seriedade e o estilo provocativo que caracterizam seu programa de agora na TV de Sílvio Santos. Além disso, eu tinha de aproveitar o estúdio onde estava montado o cenário do programa da Hebe. E não imaginava que ela, voltando do exterior, ficasse tão chateada comigo a ponto de recusar meu projeto. Mas tudo isso faz parte do passado: agora voltamos a ser bons amigos, e ela permanece, a meu ver, uma das figuras mais marcantes da TV brasileira, como Barbara Walters é na TV americana"].


PLAYBOY: Você se zanga muito?


HEBE: Não, raramente. E não sou vingativa. Mas comigo acontece algo muito estranho, que às vezes me deixa com medo: se alguém faz algo contra mim, zac! , algo acontece, e a pessoa paga pelo que fez, sem que eu faça nada. Não acredito em bruxaria, em despachos, em adivinhações, e não sou supersticiosa, mas...


PLAYBOY: Então, você não guarda rancor?


HEBE: Não, sinceramente não... [Pensa durante alguns segundos, intensamente] Ou melhor, sim: uma vez (que Deus me perdoe) eu fiquei com raiva. Foi quando uma colega de trabalho — uma tal de Gilmara Sanchez, que hoje só Deus sabe onde está — roubou minha empregada. Fiquei uma fera...


PLAYBOY: E durante o programa, você nunca se irrita?


HEBE: Não, durante o programa eu posso rir até cair, ou comover-me até chorar, mas zangar-me... — isto nunca aconteceu. Sempre dou um jeito para que todos fiquem à vontade. Eu tenho minha técnica: olho para os convidados como uma mãezona olha para os filhos, e eles ficam à vontade.


PLAYBOY: Você consegue sempre?


HEBE: Às vezes não dá mesmo. Já enfrentei em meu programa convidados que se revelaram completamente mudos. Isto é terrível. Nunca vou esquecer minha entrevista com o Rubem Braga: um desastre. Ele ficou o tempo todo carrancudo e sem falar. Outra vez, foi o João Cabral de Melo Neto, o autor de Morte e Vida Severina, que estava voltando do Festival de Teatro de Nancy, carregado de prêmios. Ele chegou, sentou-se, e ficou o tempo todo olhando para o nada, sem dizer uma palavra. Sorte que a seu lado estava um menino lindo, autor das músicas da peça, um tal de Chico Buarque de Hollanda! Fui eu que apresentei o Chico pela primeira vez na TV...


PLAYBOY: Quem é, hoje, sua rival de trabalho?


HEBE: Deixe pensar, deixe pensar... [Pensa, fechando os olhos, como para se concentrar] Meu Deus, não vejo ninguém... Mas não porque eu seja melhor que as outras... É porque eu sou a única que faz televisão ao vivo. Gosto demais da Marília Gabriela, que é uma grande entrevistadora, mas ela grava todo o programa. E, entre os homens, certamente o mais competente é o Sílvio Santos. Mas ele faz outro gênero — é um animador. E também grava todo o programa de domingo durante dias a fio... Ele trabalha como ninguém.


PLAYBOY: Você diz que nunca foi bonita, apenas um tipo. A maioria discorda, e lembra que você foi uma "pantera", e que deixava todos os homens loucos. Ainda hoje, você conta com um pelotão de admiradores fanáticos. E seu marido, Lélio, só pode ficar satisfeito com isso. Diga, Hebe: quem são as panteras de hoje?


HEBE: Há um bom grupinho, todas meninas de primeira. Vejamos: a Xuxa, a Monique Evans, a Luíza Brunet, a Magda Cotrofe. A Luíza, essa tem uma beleza clássica, mais recatada. A Monique é um pouco vulgar, mas é um pedaço de mau caminho, bonita, safadinha, gostosa, como a Magda. Agora, a Xuxa é a mais sabida. Talvez por ter sido orientada por Pelé. Ela conduziu a carreira dela comercialmente. O Pelé deve ter dado uma esplêndida orientação, e a Xuxa aproveitou tudo. Ela aprendeu a se valorizar com o Pelé, comercializou tudo: as borrachas que ela usa, os brinquinhos de caveira, as correntinhas, os disquinhos de cantorinha, tudo. A Xuxa está faturando mais que as outras juntas.


PLAYBOY: Você, que conhece a Xuxa e o Pelé, acha que os dois ainda vão se casar?


HEBE: Não. Houve um revertério na vida dos dois. Num determinado momento, ela queria casar e o Pelé não. Pelé ainda estava muito... efervescente, e achava que ela era muito criança. Realmente ela era. Agora ele quer casar, mas a Xuxa não quer. Ela amadureceu, está mais dona dela, e perdeu o interesse. Está independente, e nem é bom para ela ficar ligada ao Pelé. Você não está sentindo que ela está se desligando do Pele?


PLAYBOY: Entre as panteras de hoje, você incluiria também o nome de Roberta Close?


HEBE: Bem, eu nunca considerei a Roberta Glose um homem... Quando falo com ela, nem me passa pela cabeça que estou diante de um rapaz. Ela é uma verdadeira lady, sempre vestida com bom gosto, sem nunca ser espalhafatosa. A Roberta participou de um programa que dediquei aos travestis que queriam fazer operação... Sabe, para se tornarem mulheres, completamente...


PLAYBOY: A Roberta Glose também queria se operar?


HEBE: Não, em absoluto. Ela foi ao programa e, com muita inteligência e sensibilidade, disse que se sentia bem assim como estava, mas que entendia perfeitamente os travestis que queriam se operar. Aqui no Brasil é proibido, e o presidente Sarney já recebeu muitas cartas de travestis lhe pedindo autorização para fazer a operação...


PLAYBOY: E o que respondeu o presidente?


HEBE: Olha, não sei. Só sei que ele recebeu alguns pedidos neste sentido.


PLAYBOY: E seu marido Lélio, o que acha da Roberta Glose?


HEBE: [Dando uma gargalhada] Ah, ele acha uma coisa muito estranha, muito curiosa.


PLAYBOY: Você acha que ele satisfaria essa curiosidade?


HEBE: [Rindo até as lágrimas] Você deveria perguntar isso a ele. Só ele pode responder. Agora, se é que eu conheço bem o Lélio, sei que uma coisa dessas nunca poderia acontecer com ele. E espero que nunca aconteça!


PLAYBOY: Quem escolhe os convidados de seu programa?


HEBE: Bem, eu tenho uma equipe de produção, que está sempre atenta às novidades. Todas as semanas, durante a reunião de pauta, eles me oferecem uma série de alternativas, de possibilidades, e eu escolho. Tenho minhas normas: meus colaboradores sabem que gosto de convidar gente da sociedade, mas só pessoas que trabalham, que produzem alguma coisa. Dondoca que dorme até o meio-dia e tem marido rico não é comigo. Gosto de receber pessoas que tenham algo a dizer, e que possam oferecer ao público bons depoimentos.


PLAYBOY: E quem são as dondocas que acordam às 7 da manhã?


HEBE: [Rindo] Existem. Oh se existem... A Maricy Trussardi, por exemplo, cuida das indústrias [tecelagens] da família. E a Susana Medeiros, mulher do famoso endocrinologista Gerardo Medeiros, sempre inventa alguma coisa para fazer. Que maravilha! Ora abre um comércio de caixas de chocolate, finíssimas, ora abre uma loja de bolsas. Está aí uma que produz sem parar... Há ainda outra que eu admiro muito, mas até agora não consegui trazer para meu programa: é a Maria Pia Matarazzo, muito minha amiga. Quando o conde Matarazzo morreu, e ela ficou com a presidência das empresas da família, eu a chamei pelo telefone para convidá-la: "Maria Pia, você tem de vir, para que todos saibam que existem mulheres com responsabilidade como a sua". Mas Maria Pia ficou com medo. "Só se for com a cortina fechada. Eu não tenho coragem de enfrentar a platéia", pediu Maria Pia. Mas eu não pude atendê-la: não posso fazer o programa sem o auditório, né? Mas ainda acho que um dia a Maria Pia vai resolver aparecer...


PLAYBOY: E você sempre se seu bem com estas convidadas tão especiais?


HEBE: Sempre, sempre... Só uma vez houve um problema, mas acho que foi um equívoco... Aconteceu com a decoradora Sílvia Kowarick, que era também dona do Plano's Bar, uma das casas mais sofisticadas de São Paulo. Eu a convidei para que falasse de uma peculiaridade de seu bar: lá, mulher sozinha não entra. Convidei também a vereadora do PT, Irede Cardoso [não reeleita em 15 de novembro último em São Paulo], que é feminista e achava aquilo uma barbaridade. Bem, as duas não se entenderam, e Sílvia saiu do programa irritada comigo, dizendo que ela não tinha experiência de palanque como a Irede, e que não estava preparada para fazer um comício político. Eu gosto demais da Sílvia, sempre tão elegante, sempre tão amável, e fiquei superchateada. No dia seguinte lhe enviei flores com um bilhetinho pedindo desculpas, mas ela continuou magoada comigo. São coisas que acontecem, não?


PLAYBOY: E você, acha certo mulher sozinha não poder entrar num bar?


HEBE: Olha, eu sou contra qualquer tipo de proibição. Muita mulher sozinha se comporta muito melhor que mulher acompanhada... E se uma mulher sozinha está com vontade de tomar um drinquezinho, onde tem de ir? No melhor lugar. certamente; e não no boteco da esquina. Mas vai se fazer o quê? O bar é da Sílvia, não é meu...


PLAYBOY: Seus convidados nunca mentem?


HEBE: Como mentem! Veja, eu não sou fofoqueira por natureza, mas nosso mundo é pequeno, e a gente acaba sabendo de tudo... Daí, eu logo sei quando alguém está mentindo. E eu olho para a cara dele (ou dela), para que ela (ou ele) saiba que eu não sou boba...


PLAYBOY: E há quem se aproveite da TV para falar de seus problemas pessoais?


HEBE: Sim, certamente. Já aconteceu comigo algumas vezes. E também em relação a alguns fatos que eu preferia não tocar. Foi o caso de Eduardo Mascarenhas [o psicanalista carioca], que todos diziam ter brigado com a mulher [a atriz Christiane Torloni], na base de socos e outras coisas assim. Antes de receber Mascarenhas no programa, eu havia decidido não falar disso.


PLAYBOY: Mas era um prato cheio para o show que você apresenta...


HEBE: Sim, mas eu não gosto de sensacionalismo barato, de mundo cão. Nunca fiz e nunca farei. Assim, resolvi não falar da briga de Mascarenhas com a mulher. Mas, antes do show começar, ele mesmo me pediu para falar da coisa, porque tinha algo a dizer sobre o assunto. E Eduardo Mascarenhas fez, diante das câmaras, uma verdadeira declaração de amor para a Christiane, que — dizia ele — é uma mulher extraordinária, fantástica... Logicamente, explicou também que nunca havia dado socos na mulher, e que nunca poderia pensar numa coisa dessas...


PLAYBOY: Você acha que ele bateu ou não na mulher?


HEBE: Sei lá, não sei, e estou feliz por não saber. O que acho maravilhoso é que eles estão juntos novamente, depois de muitas separações e reatamentos. Gente que se gosta é assim mesmo. Aconteceu também com o Ivan e a Lucinha Lins, quando se separaram. As colunas de fofoca acabaram fazendo dele um santo e dela, uma víbora. Então, o Ivan Lins me pediu — com uma carta que guardo entre as minhas coisas mais queridas — para participar do programa e falar da ex-mulher. Convidei-o imediatamente, e ele disse coisas realmente maravilhosas sobre a Lucinha, desmentindo todas as maldades publicadas pela imprensa. Ainda hoje os dois, ambos de casamentos novos, continuam se respeitando. E se querendo bem, como gente civilizada.


PLAYBOY: Nunca a proibiram de entrevistar alguém?


HEBE: Agora, com o Sílvio Santos, isto nunca aconteceu. Houve, no passado, em outras emissoras, proibições de natureza, digamos assim, política. Mas eu muitas vezes driblei os vetos. Por exemplo, fui a primeira a entrevistar aqui em São Paulo o Teotônio Vilela, e quando ele acabou de dizer tudo o que queria eu fui para a frente do palco, chorando, e disse: "Assumo tudo o que o Teotônio disse, e estou pronta a pagar se for preciso". A entrevista mais perigosa foi a que a Flávia Schilling deu na TV — a única —, quando voltou para o Brasil, após oito anos de prisão política no Uruguai. Foi fogo. Ninguém sabia o que poderia acontecer, porque em 1980 as coisas aqui ainda estavam bastante confusas, e a palavra "abertura" para alguns ainda era um palavrão. Assim mesmo, eu entrevistei a Flávia, uma graça de menina e, aos que sempre me rotularam de direita, acrescentaram-se aqueles que passaram a me considerar de esquerda... É difícil ser Hebe, e apenas Hebe.


PLAYBOY: Como você administra seu relacionamento com o poder?


HEBE: Eu sempre tentei me dar bem com todos, mas tenho minhas simpatias. Maluf é uma delas, e todos sabem. Mas adorei o Vilela, como já disse, e quando Tancredo morreu fiquei um mês chorando. Agora, dos últimos presidentes, tem um que não suporto: é o Ernesto Geisel. Não sei dizer por que, mas quando ele morrer não vou derramar uma única lágrima.


PLAYBOY: E o presidente José Sarney?


HEBE: Não sei, realmente não sei. A sensação que eu tenho é de que ele quer agradar todo mundo e não vai fazer nada...


PLAYBOY: Como nada? E o Plano Cruzado?


HEBE: Não me fale por favor em Plano Cruzado. Fui uma das primeiras fiscais do Sarney, briguei com todo mundo, e no que deu? Em nada, a meu ver. Os preços aumentaram, e apenas os salários ficaram congelados. Pode uma coisa dessas?


PLAYBOY: Mas a economia cresceu e, nos grandes centros, o desemprego praticamente acabou...


HEBE: Pode ser, pode ser. Mas eu, realmente, ainda não cheguei a uma conclusão. O que sei é que todo mundo ganha muito pouco e que tudo aumenta. Meu irmão aposentado, para continuar morando no apartamento em que vive há anos, foi obrigado a pagar um "x" a mais, fora do contrato. Eu sei, é contra a lei: mas meu irmão não podia ir para a rua.


PLAYBOY: Você também considera que está ganhando pouco, com seu contrato mensal de 100 mil cruzados?


HEBE: Não, eu acho que ganho bem. Pago todos os impostos, até o último centavo, e não devo nada a ninguém. Mas meu salário está congelado. Faço as contas e vejo que as despesas de hoje e as do mês passado são as mesmas, mas estou gastando muito mais. Eu ganho bem e posso aguentar. Mas o que acontece com quem ganha a décima ou a quinta parte do que ganho? Todos insistem que estes planos (Cruzado I e II) são ótimos. Pode ser. Mas às vezes eu me pergunto: será que não estou entendendo? Será que estes planos são realmente fantásticos e só eu não percebo?

PLAYBOY: Hebe, você foi vista, em março de 1964, participando da Marcha da Família com Deus pela liberdade em São Paulo. Esta passeata facilitou o começo da ditadura, que durou mais de vinte anos. Por que você entrou nessa?


HEBE: [Rindo sem parar] Você não vai acreditar, foi uma coisa incrível, mas realmente eu não sabia do que se tratava. Eu estava saindo de minha cabeleireira, perto da Praça da República, quando vi aquela mulherada toda. Achei lindo, maravilhoso, e lá fui eu, pensando: com tantas mulheres, só pode ser coisa boa. Cheguei até a Praça da Sé, acompanhando o cortejo, e lá também não entendi nada, porque os microfones do palanque funcionavam mal. Voltei para casa, satisfeita: tinha sido uma manifestação bonita, um dia lindo...


PLAYBOY: Você é sempre sincera?


HEBE: Super sincera. E minha melhor qualidade. E por isso que tenho muitos amigos, e — talvez — alguns inimigos. Mas eu repito o que já disse uma vez: a única saída é falar a verdade, mesmo se for complicado. É melhor do que mentir.


PLAYBOY: Então, como você, se fosse candidata, faria a sua campanha eleitoral?


HEBE: A mais simples possível. Já pensei muito nisso, vendo o pessoal esbanjar um dinheirão nas últimas eleições. Eu teria feito assim: com todo o dinheiro destinado à minha campanha teria comprado comida para os necessitados, teria ajudado a construir uma escola, umas casas, o que desse. Feito isso, eu subiria num palanque e diria: "Gente, não tenho cartazes nem santinhos, e nem gastei dinheiro à toa com outdoors. Com aquele dinheiro fiz isto e isto. Não estou prometendo nada, já fiz o que podia fazer. Agora, se vocês gostaram, votem em mim".


PLAYBOY: E o resultado?


HEBE: Vitória na certa, garanto.


PLAYBOY: Nas eleições de novembro do ano passado, em São Paulo, seu candidato Paulo Salim Maluf perdeu. Ganhou Orestes Quércia. Você ficou triste?


HEBE: Certamente não fiquei alegre. Mas já estava prevendo a derrota do Maluf: havia muitos canhões apontados contra ele. E o Antonio Ermírio de Moraes abriu o jogo, ao comentar sua derrota, dizendo que havia participado das eleições apenas a pedido do presidente Sarney, para acabar com o Maluf. Que coisa estranha, não?


PLAYBOY: Já no século passado, o chanceler alemão Otto von Bismarck dizia que a política não é uma ciência exata...


HEBE: Sim, mas eu acho que ninguém tem o direito de se apresentar numa eleição, prometendo coisas mirabolantes, garantindo que com seu governo não haverá mais crianças famintas na rua e depois da apuração dos votos revelar que não queria ser eleito, que havia brincado de político só para derrubar outro candidato a pedido do presidente... É normal que se brinque assim com um povo que vota pela primeira vez em liberdade, após mais de vinte anos?


PLAYBOY: E o que você acha de Orestes Quércia, o novo governador de São Paulo?


HEBE: Realmente não acho nada, nunca falei com ele, e não sei se agora vai manter tudo o que prometeu. Se for, São Paulo vai ser uma espécie de paraíso terrestre, e seus habitantes os homens mais felizes da Terra... Vamos ver: eu, pessoalmente, ainda não entendi como é que o Quércia ganhou. Talvez tenha sido sua boa campanha na TV, talvez os conselhos de seu vice, o Almino Affonso, que é uma pessoa muito inteligente e preparada. Não sei.


PLAYBOY: Você faz e vive de televisão. Mas como convive com ela, em casa?


HEBE: Talvez eu não devesse dizer, mas vou ser franca: acho que a TV não deve entrar em quarto de dormir. Ela está atrapalhando a vida dos casais, e poucos falam disso. Na sala, está perfeito: eu assisto tudo a que tenho direito. Mas no quarto, nunca. A TV agora faz parte da família, mas dentro do quarto, quando o casal está finalmente sozinho, não é todo mundo que pode entrar... A TV vira um elemento estranho, que interfere na vida do casal. Ou ele fica olhando um bangue-bangue, ou ela fica ligada na novela, e a intimidade do casal vai pro brejo. Aquela famosa trepada gostosa, bem dada, está sendo ameaçada pela TV no quarto. No meu, ela não entra.


PLAYBOY: Incomodaria muito?


HEBE: Certamente, sim. Os momentos que passo com Lélio naquele quarto são, ainda hoje, únicos.


PLAYBOY: Você me deixa curioso...


HEBE: Imagino... Mas minha maneira de fazer amor, de curtir, como dizem hoje, é realmente maravilhosa. Poucos ainda sabem como é bom uma carícia, um roçar de corpos, mãos que se procuram e se encontram... Muitos só pensam em penetração, como se fosse a coisa mais importante do sexo. Eu acho que o amor é feito de muitas outras coisas, de toques leves, de carícias gostosas, de corpos que se encaixam com doçura, até provocar um êxtase sem fim. Puxa, como é bonito o amor assim! Como é gostoso, como é gratificante! Realmente não me conformo com os que pensam apenas em chum-chum-chum, como se fosse a coisa mais importante. Mas quero também dizer outra coisa: eu não tirei a roupa, mas com esta entrevista a PLAYBOY fiz muito mais: me despi completamente, e disse tudo o que sempre quis dizer. E achei maravilhoso.


PLAYBOY: Uma colega sua, famosa, Yoná Magalhães, posou nua para PLAYBOY. O que você achou? Você repetiria a dose?


HEBE: Achei fantástico. Eu comungo com a Dercy Gonçalves: as coisas boas devem ser mostradas. E se eu, aos 57 anos, tivesse as mesmas possibilidades da Yoná... [O marido de Hebe, que escutou parte da frase, intervém com um grito: "Eu gostei, eu gostei da Yoná Magalhães".] Ele brinca sempre... Bem, estava dizendo que a Yoná é uma figura que interessa aos homens e às mulheres. Todos querem ver como está uma pessoa bonita e famosa, com seus 50 anos. E eu gostei.


POR ALESSANDRO PORRO

FOTOS CACALO KFOURI


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