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J.R. DURAN | DEZEMBRO, 1993

Playboy Entrevista

Uma conversa franca com o fotógrafo de nove entre dez das maiores mulheres já apresentadas por PLAYBOY sobre... Elas mesmas.


Xuxa, Luiza Brunet, Claudia Raia, Lúcia Veríssimo, Lídia Brondi, Tassia Camargo, Maitê Proença, Hortência, Mayara Magri, Yoná Magalhães, Isabela Garcia, Luciana Vendramini... O que estas e outras dezenas de mulheres do mesmo calibre têm em comum, além de estarem entre as mais deslumbrantes do Brasil e de povoarem as fantasias de milhões de homens?


Resposta: todas foram fotografadas — lindas, perdidamente nuas — por J. R. Duran, o jovem mestre catalão-brasileiro de 40 anos, mais da metade deles vividos no Brasil e grande parte atrás de uma câmera a serviço de PLAYBOY. Não apenas de PLAYBOY. Nos últimos treze anos, Duran (mais exatamente, Josep Ruaix Duran, o nome que lhe deram numa pia batismal da Catalunha) tem fotografado moda, serviço e publicidade. Seus clics ocupam páginas e páginas de revistas, encartes publicitárias e outdoors. Você já viu muitos deles.


Não há dúvida de que ele entende, e muito, de tudo isso — moda, serviço, publicidade. Mas a grande especialidade do fotógrafo Duran é a mulher — e com um toque sempre sábio, sutil e exato de erotismo. Seja Bruna Lombardi usando uma calcinha com lycra, Débora Bloch gostosamente espremida num jeans US Top ou qualquer outra mulher exibindo outro produto, é a mulher que domina a cena: Ele não faz por menos.


Foi a primeira coisa que chamou sua atenção quando Duran desembarcou no Brasil aos 18 anos, em 1971, vindo da Espanha: a liberdade dos jovens brasileiros (e, principalmente, das jovens). Brasil e Espanha viviam então sob ditaduras de maus bofes e caras amarradas. Mas, enquanto as garotas espanholas ainda se pareciam com suas mães, as brasileiras pareciam estar reinventando o mundo todos os dias — na maneira de se vestir, nos esportes que praticavam, até no jeito de olhar. Louco por cinema, Duran decidiu que apenas contemplar a vida não era suficiente: precisava capturar essa joie de vivre com a câmera.


Começou pintando cenários para seu conterrâneo Marcel Giró, também radicado em São Paulo. Foi assistente de Giró e de outros fotógrafos, até aportar nas revistas femininas da Abril — primeiro, MANEQUIM; depois, CLAUDIA. E, no finzinho da década, quando já era uma jovem sensação do ramo, criou coragem para dar o passo decisivo: PLAYBOY.


O resto, como se diz, é História. Mas com um fascinante capítulo adicional, que só se sabe que não é o último e nem ainda o melhor. Em 1988 ele estava de férias em Nova York quando resolveu mostrar um pouco de seu trabalho para um agente de fotógrafos. Mal falando uma palavra de inglês que não se referisse a títulos ou diálogos de filmes clássicos, Duran abriu seu portfólio na mesa do homem.


Se o americano tivesse dito "Você é bom. Volte daqui a quinze anos", Duran teria considerado seu dever cumprido. Mas o sujeito disse apenas "Vou ver o que posso fazer. Não me telefone, deixe que eu te ligo" — a clássica resposta. No dia seguinte, Duran tomou burocraticamente o avião de volta para o Brasil. Três dias depois, recebeu um fax de Nova York. Era a revista Glamour — 3 milhões de exemplares por mês —, querendo saber quando ele "estaria disponível". Tomou novo avião para Nova York, e o resto... Bem, ele foi, venceu e ficou.


Em todas as redações a que era levado pelo agente, o diretor de arte lhe perguntava: "Hell, como é que nunca vi suas fotos?" E sabe quais eram essas redações? As de Harper's Bazaar, Vogue, Seventeen, Arnica, Miss Vogue, com suas edições alemã, italiana etc., além de Glamour.


Cinco anos depois, Duran não consegue passar quinze dias seguidos em Nova York. Sempre a serviço, hoje está no Sul da França, amanhã em Milão, cinco dias em Paris, um dia e meio em Londres, outros cinco em Madri. Esse é o seu "circuito Elizabeth Arden". Boa parte de suas viagens profissionais passa-se também em lugares como África do Sul, Marrocos, Burma. Apenas no ano passado, completou 210.000 milhas de vôo! Mas Duran, pai de duas filhas —Joana, de 10 anos, e filia, de 5 —, já admite um certo cansaço em ter de ir a Paris nove, dez vezes por ano para fotografar moda.


Para entrevistar J. R. Duran PLAYBOY destacou seu editar-contribuinte Ruy Castro. Os dois são velhos camaradas e falam uma linguagem comum: filmes antigos e romances policiais americanos dos anos 40 — linguagem que deixaram de lado nas cinco horas que passaram diante do gravador, numa suíte do hotel Caesar Park, em São Paulo, numa recente escapada relâmpago do fotógrafo ao Brasil. Eis o relato de Ruy:


"Duran preferiu conversar no Caesar Park. Em suítes como aquela, no mesmo hotel, ele executou alguns de seus melhores ensaios fotográficos para PLAYBOY e achou que as paredes poderiam refrescar-lhe a memória para certas perguntas. Como se ele precisasse — Duran é um dos sujeitos mais naturalmente acelerados que conheço."


"Ele sabia muito bem o que PLAYBOY queria perguntar-lhe — ou não seria, até hoje, íntimo da revista — e preparou-se para o bombardeio. Queríamos saber, afinal, o que significa estar frequentemente a poucos centímetros daquelas deusas em pêlo (privilégio que, ao contrário do que se pensa, não é reservado aos redatores da revista...). E, além disso, o que acontece antes, durante e, quem sabe, depois das sessões de fotos..."


"Sim, porque Duran não é um fotógrafo comum. Ele é inteligente, engraçado, boa gente e, segundo muitas mulheres, bem apanhado. Já fazia o tipo Mickey Rourke, com a barba perfeitamente malfeita, antes do próprio. O fato de entrar na redação com os rolos de filme e uma cara inocente não o ilibava das suspeitas e invejas dos colegas. Mas ele nunca contava nada. Bem, agora ia ter de contar tudo. E contou."


PLAYBOY: Você se considera bom de câmera?


J.R. DURAN: Olha, venho tentando provar isso nas páginas de revistas publicadas pelo mundo nos últimos anos.


PLAYBOY: E de cama?


DURAN: Você sabe que a cama não faz o monge... depende muito da freira [risos]. Mas mulher é como violino: depende de quem o toca.


PLAYBOY: E você toca bem?


DURAN: Me esforço sempre, qualquer que seja o estado do campo, para jogar os noventa minutos regulamentares e até a prorrogação, se for preciso. Me esforço para não falhar nos pênaltis, ganhar o motorádio e, de preferência, uma ovação da torcida a caminho do chuveiro [risos].


PLAYBOY: A primeira mulher nua a gente nunca esquece. Qual foi a primeira que você viu?


DURAN: Foi uma prima, em Barcelona. Eu tinha uns 11 anos e ela uns 14 ou 15. Estava passando pela porta do quarto dela e a vi tirando a roupa. Era um fim de tarde e havia uma luz muito bonita iluminando o corpo dela.


PLAYBOY: Mais do que um fotógrafo de moda. você é um fotógrafo de mulheres — nuas ou vestidas. Ainda se lembra da primeira que fotografou nua?


DURAN: Foi uma modelo de agência. Eu tinha procurado o Carlos Grassetti [diretor de arte de PLAYBOY] e mostrado a ele o material que já havia feito com as modelos vestidas. Ele achou as fotos "esfuziantes, alegres" e eu lhe disse que era isso que queria tentar agora: fotos "pra cima", só que com os nus. Ele me autorizou a tocar a coisa, fui a uma agência, contratei uma modelo, descobri um apartamento, fotografei e ele gostou. Isso foi no final dos anos 70. Não me lembro do nome da moça.


PLAYBOY: Quem estava mais nervoso: você ou ela?


DURAN: Ambos [risos]. Era a primeira vez dela também.


PLAYBOY: É verdade que toda mulher, por mais deslumbrante ou famosa que seja, sente-se insegura ao fotografar nua?


DURAN: Não. Há algumas que são até bem exibidas. Há tempos estava fotografando uma modelo. Era uma foto de rosto, não mais do que isso. Quando acabou, ela ficou perguntando: "Não quer fotografar também a minha bundinha?"


PLAYBOY: E você fotografou? Quem é a dona dessa bundinha oferecida?


DURAN: A Mara Maravilha foi uma que me pediu isso.


PLAYBOY: Há mulheres que sabem que são gostosas e que se orgulham particularmente de certas partes de seus corpos?


DURAN: Claro, mas, do ponto de vista do fotógrafo, o mais importante não é um peitinho ou uma bundinha bonita. O importante são as proporções. Tudo, para a câmera, é proporção. A distância da cabeça aos seios, destes ao umbigo, o comprimento das pernas em relação ao tronco etc. Não importa que ela seja alta ou baixa, muito ou pouco busto etc. Importam as proporções.


PLAYBOY: Qual é a mulher mais difícil de fotografar?


DURAN: É aquela cujas negociações se arrastam por anos. E, às vezes, mesmo depois de assinado o contrato, ficam com frescura.


PLAYBOY: E a mais fácil?


DURAN: É a que chega para mim e diz: "Olha, quero fazer essas fotos porque estou a fim de montar uma peça de teatro e preciso de dinheiro." Eu digo: "Ótimo. Como é que você quer fazer?" Ela diz: "Quero isso, não quero aquilo, e o que você sugere?"


PLAYBOY: O que elas costumam não querer?


DURAN: Nenhuma delas quer fotos comuns, todas querem fotos especiais. Nenhuma quer se parecer com a outra. E, claro, todas querem fotos de bom gosto.


PLAYBOY: Você já desistiu de alguma sessão de fotos no meio do trabalho porque a mulher era chata, exigente ou implicante demais?


DURAN: Desisti sem elas perceberem [risos]. Entreguei a Deus: "É assim? Então, seja o que for, tá bom. Vira pra cá, vira pra lá e pum, pum, pum." Mas, de um jeito ou de outro, dava certo. As fotos sempre saíam boas para publicação.


PLAYBOY: Dá para citar algum exemplo?


DURAN: Bom, a liturgia do cargo me impede... [risos]. Mas houve uma história que foi um mal-entendido, uma pena. Aconteceu com a Luciana Vendramini. Estava todo o mundo impressionado com essa ninfeta e era a primeira vez que ela fotografava nua. Onde iríamos fazer as fotos? Eu me lembrava de ter visto numa QUATRO RODAS, anos antes, uma ilha em Angra, parecendo uma ilha do Caribe, com um hotel fantástico. Resolvemos que seria lá e fomos. Eu ainda não conhecia a Luciana, fomos apresentados no porto, "Oi, como vai, tudo bem?" e pegamos o carro, a escuna e chegamos à ilha. A escuna foi embora e nos deixou lá. Só que a ilha estava um lixo, cheia de mosquitos, o hotel caindo aos pedaços, a comida era horrorosa e, ainda por cima, chovia! Era uma QUATRO RODAS muito antiga, tudo já havia mudado.


PLAYBOY: Como foi que você se virou?


DURAN: A chuva não parava, foram dias e dias chovendo. Até conversar era complicado. E tome mosquito. A Luciana, cada vez mais nervosa, nervosíssima. Até que, na última tarde, saiu o sol. Vamos lá, pessoal! Tá, tará, tá, tará [imita corneta de cavalaria]. Sai todo o mundo correndo. A menina, na praia, com água até aqui. Eu também estou com água até aqui, com a câmera, tudo pronto, e aí — ela começa a chorar! Não queria tirar a roupa. Eu sei, isso é normal, às vezes acontece, mas naquela situação? E aí, o que é que eu faço? Minha obrigação profissional era convencer a menina a tirar a roupa e voltar com as fotos prontas. Eu pedia socorro à produtora de fotografia e voltava pra garota: "Olha, minha filha, se não quiser, não faz." Mas todos nós sabíamos que ela tinha de fazer — a ilha, o hotel, o barco, aquilo estava custando uma fortuna. E a Luciana, que tinha então 18, 17 anos, sei lá, só chorava. Eu me sentia mal, mal, mal.


PLAYBOY: Como a coisa se resolveu?


DURAN: Ela foi se acalmando aos poucos e encurtei o sofrimento o máximo que pude. "Não se preocupe, vai dar tudo certo, clá, clá, clá, só mais um pouquinho, clá, clá, clá" — quase sempre de longe. Aliás, saiu uma foto, lindíssima, em que eu sei que ela estava chorando e que me choca profundamente até hoje. Eu não tenho esse tipo de frieza. A matéria ficou legal [PLAYBOY, dezembro de 1987], mas ela me odeia.


PLAYBOY: Será?


DURAN: Talvez "odeia" seja uma palavra muito forte. Ela deve me achar um tirano. Depois, ela fotografou com outros e não chorou mais. Mas, naquele caso, eu me senti um canalha.


PLAYBOY: Já houve caso em que você quis desistir por excesso de estrelismo da moça?

DURAN: Não, mas houve o caso de uma produção complicadíssima em estúdio, que exigiu caminhões de areia, muita consulta a livros, filmes etc. O projeto, as ideias eram geniais. Estava tudo pronto, aí chegou a moça — e ela fedia. Fedia, não. Cheirava estranho. Uma mistura de palha queimada (não, não era fumo) com qualquer outra coisa. Tenho um problema com cheiros, assim como tenho problema com barulhos de comida. Se alguém fala com a boca cheia perto de mim, tenho de sair. Quando vejo isso na novela da Globo — e eles vivem fazendo isso nas novelas —, mudo de canal. Então, foi complicado fotografar aquela moça. Não tinha comunicação [risos].


PLAYBOY: Você não dirá o nome, claro, mas era uma mulher famosa?


DURAN: Era.


PLAYBOY: Já houve casos em que você ficou desanimado quando a mulher tirou a roupa — porque ela não correspondia à sua expectativa ou à da produção?


DURAN: Não, porque o segredo é ter o termômetro no zero. Expectativa nenhuma. Parto do princípio de que sempre vai ser difícil, complicado e o que vier é lucro. Meu lugar não é na arquibancada, mas no banquinho do treinador.


PLAYBOY: Que dificuldades certas mulheres costumam apresentar? Algo a ver com os seios ou o bumbum?


DURAN: Proporções. Tudo se resume às proporções.


PLAYBOY: E como se dribla esse problema das proporções, quando acontece?


DURAN: Na pose. Na maneira como se mostra ou se coloca essa pessoa. Algumas ficam melhores sentadas, outras de pé. Ou ficam atrás da árvore e só mostram o traseiro ou ficam atrás da árvore e só mostram o rosto [risos]. Claro que isso é piada. O cenário ou o lugar onde se vai fotografar depende de quem será fotografado. Ninguém é tão perfeito que baste ao fotógrafo pôr a câmera no foco automático e pum, pum, pum.


PLAYBOY: É preciso ver primeiro a mulher nua antes de decidir como será a produção, a locação, o cenário?


DURAN: Nunca fiz isso, nunca pedi. Primeiro, porque eu teria vergonha [risos]. Vergonha, não, mas não me sentiria à vontade. Segundo, porque, se vou fotografar a moça, é porque ela é genial, não porque tenha peitos geniais, mas porque é uma pessoa interessante. Tudo bem, vou fotografar o corpo dela, mas primeiro vamos ser interessantes um para o outro, vamos elevar o espírito da coisa.


PLAYBOY: Existem mulheres que são, nitidamente, melhores em foto do que ao vivo? As pessoas vivem citando Sonia Braga como um exemplo disso.


DURAN: Será? Ela é uma pessoa interessante. Vi a Sonia há pouco tempo numa festa em Nova York e, entre todas as pessoas que havia ali, ela era a que mais chamava a atenção. Acho que tudo depende da personalidade. Vamos voltar à história do corpo que você perguntou antes. O que eu quero fotografar é a personalidade: "Quem você é? Como você é? O que você pode ser na intimidade?" Às vezes me sinto o Orson Welles de A Dama de Shangai, porque é um jogo de espelhos, de espelho com espelho: ela vai me mostrar a personalidade dela, mas aquela será a sua verdadeira personalidade? Ou será uma personalidade que o público está habituado a ver, digamos, na novela, no filme ou onde for? E um jogo no qual eu tenho de navegar para captar o que acho de mais interessante para mim e para ela, ou para ambos.


PLAYBOY: Acho que há um certo cinismo nessa explicação. É como quando uma mulher acusa um homem de só se interessar pelo corpo dela e ele se defende: "Não, estou interessado também na sua alma e no seu Q.I., mas, como estamos na cama..."


DURAN: Mas eu nunca falei que estava interessado na alma ou no Q.I. [risos]. Depois, é preciso ser um pouco cínico, senão não se sobrevive.


PLAYBOY: Voltando à questão: há mulheres que são melhores ao vivo do que na foto?


DURAN: Não dá para falar quantitativamente — botar tudo na calculadora e fazer um teorema pitagórico. Se fosse só pegar aquela lente, pegar aquela mulher e se teria a tal foto... Mas as mulheres têm personalidades diferentes, os públicos também são diferentes, então é preciso improvisar. Às vezes você começa a fazer as fotos de um jeito e as coisas não funcionam. Uma parede branca que não estava no script funciona e a gente usa. Não é tão matemático, tão fácil de calcular. Está mais para a "lei de Murphy", em que acontece o que você não espera que aconteça. E tudo depende da cumplicidade que se estabelece no trabalho para se mostrar essa intimidade. Quanto mais cumplicidade, mais intimidade. Porque não se chega a essa intimidade por decreto. Não é porque eu vou fotografar a mulher nos dias 22, 23 e 24 que ela vai estar absolutamente à vontade comigo.


PLAYBOY: Por que uma mulher como, por exemplo, Regina Duarte — que, aliás, você nunca fotografou — consegue passar para a câmera uma sensualidade que ela não faz questão de exibir na vida real?


DURAN: Ah, é porque ela é uma grande atriz. Ela domina aquele jogo de espelhos, aqueles pequenos códigos que lhe permitem mostrar um personagem que pode ser ela e pode também não ser.


PLAYBOY: Qual a parte do corpo da mulher que você mais gosta de fotografar?


DURAN: Bem, eu sou muito democrático... [risos]. Vamos pôr a questão de outra maneira: acho que um par de peitos... Não, falar de "par de peitos" não é politicamente correto [risos].


PLAYBOY: Mesmo porque não existe uma trinca de peitos, não?


DURAN: [Risos.] Corrigindo: acho que os seios são mais fáceis de fotografar do que, por exemplo, uma bunda, e muito mais que um cotovelo, um joelho e por aí vai. Os melhores são os seios, o rosto e, principalmente, os olhos e a boca. Quem foi mesmo que disse que os olhos são o espelho da alma? Pois tinha razão.


PLAYBOY: Mas, voltando aos seios...


DURAN: É como eu disse, por causa das formas, da linha, da textura, dos volumes, do lugar em que eles estão localizados...


PLAYBOY: Não há outra maneira de disfarçar a, digamos, imperfeição de certos seios que não fazendo a moça levantar os braços ou coisa assim?


DURAN: Veja, meu caro Pitanguy... [risos]. Ora, não sei. A gente improvisa conforme o seio. Estamos falando de técnica para coisas que não têm técnica. Não existem dois peitos iguais. Aliás, dois, existem sim! Não existem quatro peitos iguais!


PLAYBOY: [Risos.]


DURAN: Podem ser grandes ou pequenos, duros ou não tão duros. A lei da gravidade é um fato e o importante é ter bom gosto para resolver o problema, se é que existe o problema. E há 50.000 maneiras de driblar isso além de levantar os braços — se bem que, nesses tempos de violência no Brasil, levantar os braços talvez esteja se tornando o mais normal...


PLAYBOY: Entre as mulheres brasileiras que você fotografou, quem tem os seios mais bonitos?


DURAN: Bom, isso é como perguntar quem é o melhor treinador de futebol do Brasil. Ou seja, varia conforme a estação. Acho os seios da Luciana Vendramini interessantes. Maitê Proença, também. Luiza Brunet. Mas, aí é como falar de filhos: se você falar mais de um, fala menos dos outros e podem achar que os outros têm problemas. Não é o caso! Enfim, nesse departamento, o que eu tinha a dizer está nas fotos que publiquei, meu caro deputado! [Risos.]


PLAYBOY: Por que as mulheres americanas estão sempre sorrindo para o fotógrafo e as nossas fazem sempre um ar profundo, enigmático?


DURAN: Como nossas? Só respondo pelas minhas [risos]. Para mim, a fotografia típica da americana nunca fez efeito, nunca achei interessante. Quando comecei em PLAYBOY, a ideia era fotografar mulheres brasileiras de um jeito brasileiro. Sei que isso pode parecer pretensioso, mas queríamos — eu, a [editora de fotografia] Dulce Pickersgill e o [diretor de arte] Carlos Grassetti — marcar por uma coisa diferente. Havia um fotógrafo francês, François Jonvelle, que conseguia fazer uma coisa que passava a intimidade, e que eu achava mais interessante do que a sensualidade da grande teta americana. Começamos a dar mais força à intimidade, a tornar mais real a fotografia.


PLAYBOY: E quando você acha que conseguiu?


DURAN: Quando tivemos uma reunião aqui em São Paulo com o Arthur Paul, diretor de arte da PLAYBOY americana. Ele viu minhas fotos e disse, em tom de crítica, que elas pareciam que tinham sido feitas pelo namorado da moça. Ficamos contentíssimos, porque era isso que a gente queria — passar esse lado mais íntimo. Qualquer pessoa pode ser sensual, mas a intimidade é que é difícil de arrancar das pessoas, principalmente a intimidade de pessoas famosas. Isso foi em 1982, 1983 e, depois de alguns anos, achamos o caminho definitivo e que, me parece, se tornou o estilo da PLAYBOY brasileira. Passamos a receber telex e cumprimentos dos Estados Unidos.


PLAYBOY: Por falar nisso: é melhor ser ídolo no Brasil ou anônimo nos EUA?


DURAN: Rabo de leão ou cabeça de peixe? Na verdade, não acho que seja nenhum deles. Não pretendo ser ídolo de ninguém porque acho que seria um mau exemplo. O importante é o equilíbrio que a gente consegue tirando partido do meio termo — sem cair na mediocridade. Coisa de chinês esperto; mas como a gente não é chinês, não é sempre que dá certo.


PLAYBOY: Você gosta de ser parecido com o Mickey Rourke?


DURAN: Não, obrigado. E na verdade não creio que sejamos parecidos. Em compensação, conheci um cara em Nova York, Fabrizio Lombardi, que muita gente dizia ser a minha cara. Ele é um playboy italiano — acho que no momento está até saindo com a atriz Uma Thurman. Outro dia, depois que nos conhecemos numa festa, ele me falou de uma cantada que havia passado numa modelo famosa: ela se confundiu e achou que ele era eu. Pois bem, ele disse que não desfez o engano e foi em frente. E agradeceu muito a minha ajuda involuntária.


PLAYBOY: Você já se sentiu tão atraído por uma atriz ou modelo, a ponto de precisar interromper a sessão?


DURAN: Interromper a sessão pra quê? Vamos botar os pingos nos is... [risos].


PLAYBOY: Está bem [risos]. Existe a possibilidade de que se crie um clima de sensualidade tão irresistível entre a mulher e o fotógrafo que os dois não consigam se segurar enquanto estão ali trabalhando, que dê vontade de parar, mandar todo o mundo embora e dar vazão àquele clima?


DURAN: Talvez; se o fotógrafo tiver passado um mês em Serra Pelada e desembarcar direto no estúdio da PLAYBOY [risos]. Não posso botar a mão no fogo por outros fotógrafos, mas nunca parei no meio.


PLAYBOY: Quer dizer que você nunca ficou nem moderadamente excitado durante uma sessão?


DURAN: Moderadamente na escala, vamos dizer, de 3 para 45? Imagino que sim. Moderadamente. O que é moderadamente?


PLAYBOY: Moderadamente significa que você só não teve ganas de parar tudo naquela hora mesmo.


DURAN: Bem, acho que uma coisa é ficar excitado e outra é parar tudo. Posso ter ficado perturbado, disturbed, como dizem os americanos, mas tenho de ficar ao pé do canhão...


PLAYBOY: Sem trocadilho, claro [risos]. O leitor quer saber se você já transou com alguma das suas modelos, antes ou depois da sessão.


DURAN: É complicado porque depois... Anos e anos e anos... [Risos e pausa demorada.] A liturgia do cargo me deixa numa posição... OK, chegamos lá... Parece no tribunal: "Foi antes, durante ou depois?" Não posso responder não, antes não, e deixar em aberto? Vamos dizer que antes, não.


PLAYBOY: Nem durante? Não durante a sessão propriamente dita, é claro, mas durante um longo trabalho em Cabo Frio ou coisa parecida?


DURAN: Sempre tentei evitar.


PLAYBOY: E conseguiu?


DURAN: [Risos.] Porra, eu sabia que essas perguntas iriam pintar. Digamos que sim.


PLAYBOY: Digamos que ninguém acredite nisso. Para o leitor, uma sessão de nu não é uma coisa fria. Há um clima de sensualidade que você tem de passar para ele — e que passa através de você.


DURAN: Quer dizer que o fotógrafo de casamento que fotografa uma noiva bonita também tem de transar com a noiva antes do noivo? Se morar no Nordeste, o cara tem de mudar de cidade! [Risos.]


PLAYBOY: Pode ser também que, às vezes, a coisa não parta de você. Ou vai nos convencer de que não é assediado por algumas modelos?


DURAN: OK, vamos dizer que... Acho que... [Pausa demorada.] Acho que, quando está escrito que tem de acontecer, vai acontecer, com ou sem foto. Mas sempre procurei manter uma distância. Sempre achei que essa distância me daria uma reputação profissional, uma postura profissional. A do cara que não tira proveito. Que é exatamente contra tudo que eu sempre lutei. Não dá para misturar business com pleasure. Não funciona. Claro que, em algum momento... Tem momentos em que não dá para falar que não. Mas nunca tirei vantagem da minha posição de ter ali três dias privilegiados, de ter acesso profissionalmente a uma pessoa — não se pode usar isso pessoalmente. Óbvio que se ficam cinzas debaixo do fogo, debaixo das brasas... bate um vento e [risos] pega fogo, mas não é esse o objetivo da foto.


PLAYBOY: Não houve momentos em que você se viu obrigado a se sujeitar a essa, digamos, coação irresistível, até em nome da própria foto? Que podia contribuir para um clima, que você não estava esperando nem procurando?


DURAN: Não, não, não. E, se aconteceu, fui sempre muito claro. Várias vezes tive de ser claro. É muito óbvio, e o muito óbvio perde a graça. Além disso, a revista sempre me contratou pela minha criatividade, não pela minha performance atlético-cultural.


PLAYBOY: No caso dessa ou daquela mulher que se interessou por você durante o trabalho, o que ela estava vendo em você: o fotógrafo ou o homem?


DURAN: Não sei. Eu estava fotografando [risos]. Talvez vissem o pai... Acho que quando as pessoas vêm trabalhar comigo, já sabem o que vai acontecer, qual é a minha maneira de agir. Claro que deve ter aquelas que falam: "Oba!" Mas não dá. Num trabalho como esse, todo o mundo tem horários, é um vaivém. E, depois, sempre fui casado, e relações extramaritais são uma dor de cabeça que não tem tamanho.


PLAYBOY: Você já esperou alguma coisa de uma modelo e aconteceu outra?


DURAN: Claro. Houve vezes em que eu esperava uma recepção simpática, mas a pessoa foi fria e só depois ficou morna. E houve vezes em que a coisa começou morna e eu falei alguma coisa em que não fui bem entendido e a coisa desceu a temperaturas polares.


PLAYBOY: Houve alguma mulher que você já quis fotografar nua e ainda não conseguiu por algum motivo?


DURAN: Débora Bloch. Não sei se ela já fotografou ou não. [Nota da Redação: Não fotografou, não. Mas não foi por falta de convite]. Mas ela tem uma personalidade, um olhar, uma coisa...


PLAYBOY: Já houve alguma que PLAYBOY tenha sugerido e você não quis fotografar?


DURAN: Sim, talvez porque eu não tivesse interesse na personalidade da pessoa. Ou porque achasse que seria complicado, por falta de agreement teológico, fisiológico. Mas também não se pode ficar dizendo: "Esta sim, esta não, esta sim, esta não." O negócio é topar e tentar fazer o melhor possível. E acontecem surpresas. As vezes, uma pessoa com quem não se teve nenhuma conexão, nenhuma empatia, nenhuma cumplicidade — e a matéria ficou bem bonita.


PLAYBOY: Com quem, por exemplo?


DURAN: Luciana Vendramini. A menina me detestava e as fotos ficaram bonitas. Ou a Yoná Magalhães. Eu estava todo entusiasmado, tinha bolado uns cetins, um sofá, um monte de ideias, e ela cortou o meu barato. Queria uma coisa simples. Enfiei a viola no saco, mas não podia pegar a bola, largar tudo e ir para casa. Fiz e ficou legal, todo o mundo achou.


PLAYBOY: Nesses momentos de, como você diz, "acesso privilegiado" às mulheres mais desejadas do Brasil, você tem a consciência de que está realizando a fantasia de milhões de homens?


DURAN: Claro! A graça da coisa está nisso: "Agora vamos fazer essa, assim ou assado, pra eles ficarem loucos, ficarem malucos!" [Risos.]


PLAYBOY: Quantas mulheres nuas você já fotografou até hoje?


DURAN: Não sei. Isso não é futebol. O Pelé sabe quantos gols fez, mas eu não tenho ideia. Digamos que foram algumas centenas. Quando chegar a mil, vou dedicar essa mulher às criancinhas pobres. [Risos.]


PLAYBOY: Centenas de mulheres depois, isso não te deixou um pouco blasé, entediado, diante da nudez?


DURAN: Oh, não, por favor! Ao contrário, estou cada vez mais curioso e quero ver mais. Você vai ao cinema três vezes por mês e isso não quer dizer que você nunca mais queira ir. O sujeito não fica blasé, fica mais seletivo, sabe melhor das coisas.


PLAYBOY: Por ficar mais seletivo — e viver profissionalmente exposto a mulheres lindíssimas —, você não fica fazendo comparações na vida real, quando está com uma que não é tão famosa?


DURAN: Não, porque... Quando me interesso por uma pessoa, não é apenas para vê-la nua ou porque ela tenha um corpo deslumbrante. Ou então, de tão acostumado a mulheres que têm corpos perfeitos, vou me interessar por quem tem corpos estranhos. Nada disso. Cada pessoa tem uma personalidade diferente e interessante. É como eu disse: se você não está voltando de Serra Pelada, se está numa condição normal, conseguirá enxergar como as pessoas são simpáticas, divertidas, inteligentes — são interessantes, independentemente do corpo. E tem outras que têm um corpo deslumbrante, mas, quando abrem a boca, você foge pela saída de emergência.


PLAYBOY: Você se casou muito jovem, aos 23 anos. Ficou dezesseis anos casado, separou-se e já se casou de novo. Nunca teve curiosidade pela vida de solteiro, de disponibilidade absoluta?


DURAN: Bem, estou disponível. Sempre fui disponível. Não, estou brincando [risos]. Primeiro, sempre acreditei em duas pessoas juntas. Pode ser o casamento de papel passado ou de morar juntos, tanto faz. E sempre acreditei na monogamia — que é difícil de manter, mas isso é outra questão. Tive uma experiência de solteiro que não está nos anais, nos arquivos, mas foi genial, genial, genial. Se sentisse falta da vida de solteiro, teria continuado solteiro. Tanto que, quando encontrei alguém com quem achei que valia a pena casar, casei.


PLAYBOY: Não é espantosa essa sua crença tão firme na monogamia, contrariando uma certa índole masculina e, principalmente, vivendo permanentemente em tentação?


DURAN: Talvez por causa disso. Talvez porque eu não seja a raposa em frente às uvas verdes. Talvez porque eu saiba que as aparências enganam. E talvez porque eu saiba que, se você começa um casamento, ele pode durar dez dias, vinte dias ou vinte anos, mas tem que durar melhor. O doceiro não precisa ficar beliscando os doces da sua loja o dia todo.


PLAYBOY: É possível sustentar um casamento sem puladas de cerca eventuais e rápidas?


DURAM: Cerca rápida é constrangimento geral. Se vai pular a cerca, então aproveita [risos]. Pular uma cerquinha rápida. como uma vez que eu fiz e fiquei com um pé... O que não suporto é o casamento de conveniência: "Olha, não me conta o que você faz e eu também não conto o que eu faço." É uma esculhambação, porque a confiança tem de ser respeitada, não pode ser traída. Agora, como até o Jimmy Carter [ex-presidente dos EUA] já confessou naquela entrevista à PLAYBOY, pode-se pecar em pensamento [risos].


PLAYBOY: By the way, o escritor americano Gore Vidal disse certa vez que "a fotografia é a arte dos que não têm talento". O que você acha disso?


DURAN: Ah, é, ele disse isso? Pois os chineses acham que uma imagem vale por mil palavras. Mas quem sou eu para discutir com Gore Vidal? É dos sem talento para quê? Para escrever? Pois ganhei um laptop [computador portátil] e, como vivo em aeroportos, resolvi escrever. Acabo de terminar um romance, ainda sem editor, chamado Lisboa.


PLAYBOY: O livro é autobiográfico?


DURAN: Não. Se bem que, como saiu da minha cabeça, imagino que tenha um pouco de mim. O interessante é que a maior parte dele foi escrita de uma só vez, durante uns quinze dias de férias. Chegou a um ponto em que eu acordava bem cedo porque queria descobrir o que iria acontecer — e só escrevendo mais eu poderia saber.


PLAYBOY: Dá para dar um resumo da obra?


DURAN: A história começa em Nova York, com um cara tomando um avião para Lisboa e descobrindo um cartão de embarque de alguém que havia feito a viagem no sentido oposto. Em Lisboa, ele descobre o telefone da pessoa e liga para a casa dela, mas quem atende é a irmã. Aí as coisas se complicam, ele decide ir atrás dela, o cenário muda para Nice, na França, as coisas se complicam mais ainda e voltam para Lisboa outra vez. É um livro a respeito da ironia do destino e dos círculos concêntricos dentro dos quais nos movemos.


PLAYBOY: Supondo que a fotografia seja a arte dos que têm talento, quando foi que você se deu conta de que havia se tornado um grande fotógrafo? Houve esse momento?


DURAN: Em que as nuvens se abriram, desceu um raio de luz, pegou fogo no arbusto e eu ouvi aquela voz? [Risos.] Foi em 1984, quando, depois de quatro anos fazendo quantidades industriais de fotos pavorosas, e aos poucos melhorando, me purificando, olhei para uma foto e falei: "Poxa, essa foto não parece de ninguém. Parece uma foto minha. Parece com outras que tenho feito." A partir daí, as coisas começaram a fazer sentido. Porque o problema é achar o teu estilo. Quando isso acontece, você está protegido, ninguém te pega.


PLAYBOY: Apesar disso, há quem o considere um fotógrafo sem estilo. VEJA, por exemplo, escreveu que você faz bem tudo o que faz, mas que não tem uma marca. É uma cobrança que já não se justifica?


DURAN: [Pausa.] Eu não estou nem aí. Acho que, se eu fosse uma unanimidade nacional, seria muito mais complicado — iria perturbar muito mais. E, se eu fosse essa unanimidade, ninguém mais trabalharia no Brasil, só eu trabalharia. O que posso dizer é que ninguém consegue sobreviver no mercado internacional se não tiver uma personalidade forte — e eu tenho sobrevivido. O que as pessoas fazem no Brasil para fotografar é heróico. As condições em que se trabalha aqui, se contar lá fora ninguém acredita. Fotografia de moda, por exemplo: é uma fotografia de luxo. Mas, para mostrar esse luxo, tem que ter dinheiro. Me dê dinheiro e eu fabrico uma Ipanema inteira dentro do estúdio, com uma garota passando de bicicleta ao fundo e até o Tom Jobim numa mesinha de canto. Mas não: temos que fotografar luxo e, num rápido intervalo, comer um sanduíche de pão com queijo. Então, o que as pessoas fazem por aqui é genial — e, se você pensa nas facilidades dos americanos, não tem comparação.


PLAYBOY: Você já teve algum trabalho recusado?


DURAN: Não diria recusado, mas a única vez em que houve uma espécie de nhém-nhém-nhém foi exatamente na PLAYBOY, por causa de umas fotos da Malu Mader [risos]. Certa vez me perguntaram quem eu gostaria de fotografar e respondi que as sobrancelhas da Malu Mader nunca tinham sido devidamente fotografadas. E eu estava mesmo me referindo às sobrancelhas dela, que são uma característica forte de personalidade, de expressão. A revista topou e foi atrás. A Malu disse que não fotografava nua. Insisti que queria fazer assim mesmo e ela aceitou. Mas eu queria fazer o ensaio em preto e branco e isso, na cabeça dos editores, é uma coisa que afugenta os leitores e não sei o quê. Enfim, tudo bem, vamos fazer o negócio. A produção foi para o Rio, achamos um apartamento e começamos a fazer as fotos. A revista esperava que a Malu sucumbisse ao meu charme catalão [risos], à minha picardia fotográfica e eu voltasse com ela nua. Mas acontece que não voltei com esse material. Além disso, ela tinha direito de vetar as fotos que não quisesse que saíssem — e, com isso, todas as que mostravam algum tipo de intimidade, mesmo vestida, foram para o espaço.


PLAYBOY: E o que sobrou?


DURAN: Sobrou, apesar de tudo, um material muito bonito. Seria uma matéria de oito páginas. Acontece que o então diretor da revista, o Mário de Andrade, estava de férias ou coisa assim, e o seu substituto, o Carlos Costa, disse que não publicava oito páginas, só seis. Aí eu tive um ataque de divo e disse que, se não publicasse as oito, não publicava nada [risos]. Eles conversaram entre eles e me telefonaram para dizer que, tudo bem, seriam oito páginas. Então foi a minha vez de ficar sem jeito e dizer, tá bom, publica seis. No final, saíram seis [PLAYBOY, dezembro de 1987].


PLAYBOY: Já houve caso em que a fotografada abominasse o trabalho ao vê-lo publicado?


DURAN: Nunca ninguém me ligou para dizer que não tinha gostado. Imagino que, quando não falam nada, é porque não têm do que reclamar. Mas já recebi muitos elogios e cumprimentos.


PLAYBOY: Você já teve algum acidente de trabalho, como perder uma foto fantástica por não ter rebobinado ou mesmo se esquecido de pôr filme na máquina?


DURAN: Não nesse nível, mas metade das fotos da Hortência — a melhor metade — se perdeu no laboratório. As fotos foram feitas em dois dias e imediatamente eu tive de viajar. Enquanto eu estava fora, o laboratório arruinou todas as fotos do segundo dia, que foi o dia em que ela estava muito mais à vontade. O trabalho teria de ser refeito, mas eu já não estava por aqui. Afinal saiu ótimo [PLAYBOY, fevereiro de 1988], um grande trabalho de edição. Mas considero isso um desastre pessoal meu, porque, se não estivesse viajando, teria feito um acompanhamento do laboratório. É minha responsabilidade.


PLAYBOY: Que conselhos você daria para um fotógrafo amador que queira fazer nus domésticos?


DURAN: Bem, se o nu doméstico é aquele feito em casa com a própria mulher, é melhor esquecer [risos]. Primeiro porque ela será sempre a modelo e o primeiro crítico, uma combinação que não funciona muito bem. Segundo, porque o sujeito tem de ser muito exibido para mostrar as fotos aos amigos e ao respeitável público: "Olha as últimas fotos da minha mulher pelada, que fiz outro dia" [risos].


PLAYBOY: E se não for esse o caso?


DURAN: Então o interessante é achar uma modelo que esteja disposta a fazer o trabalho fotográfico e manter a cabeça fria. Achar um lugar com boa luz, segurar a respiração, apertar o botão e trabalhar.


PLAYBOY: O que é mais difícil: fotografar mulheres ou um jogo de futebol?


DURAN: Jogo de futebol? Para quê?


PLAYBOY: Você não torce para time nenhum?


DURAN: Sou do tempo do São Paulo Futebol Clube em que Forlan e Terto davam porradas a torto e a direito. E o Poy era promovido de treinador dos juvenis para o time de gente grande. Ganhamos não sei quantos campeonatos, para a chinfra dos palmeirenses, que naquela época eram os fodões. Na verdade, não tenho acompanhado muito o futebol. Assisto às Copas do Mundo, mas quase por um sentimento patriótico-sentimental obrigatório.


PLAYBOY: Que esporte você curte, então?


DURAN: Fórmula 1. Sei de cabeça as cores das escuderias, capacetes, pontuações e quem fez o quê em qual circuito nos últimos dez anos. Conheço motores, projetistas e maquinações de patrocinadores.


PLAYBOY: Faz tempo que você acompanha a Fórmula 1? O que acha da briga entre Piquet e Senna?


DURAN: Não sou do tempo do Fangio [risos], mas o conheci no circuito de Jacarepaguá. Grande figura... Quanto ao duelo Piquet-Senna, o que posso te dizer é que os dois são complementares e a briga deles era bem divertida. Para mim, um não vive sem o outro. "São como a cara e a coroa desta moeda nacional que é o automobilismo brasileiro", como diria Fiori Gigliotti [famoso locutor esportivo da Rádio Bandeirantes de São Paulo] se estivesse no lugar de Gaivão Bueno [risos]. Piquet com aquela molecagem de menino de Brasília, Senna com aquele ar de menino bem comportado — quando todos sabemos que não é nada disso, muito ao contrário. Mas os dois são grandes figuras pentelhadas pelo Prost, que este ano disse que iria embora. vamos ver.


PLAYBOY: Mudando de assunto: como você gosta de se vestir?


DURAN: Confortável. Uma das coisas espertas que aprendi nesses anos é a respeito da famosa combinação de cores. Tudo o que tenho é nos tons branco, preto, azul e marrom. O que me possibilita me vestir no escuro, ou com os olhos fechados pelo sono, sem cometer muitos erros de combinação.


PLAYBOY: E onde você compra suas roupas?


DURAN: Tem uma designer francesa que se chama Agnès B, com lojas em Paris e Nova York, cujas roupas coincidem exatamente com meu ponto de vista. Discreto, mas não transparente. Quer dizer: quem sabe, sabe que você pensou um pouco na hora de comprar aquela camisa ou aquela calça. E tem também as lojas Gap, que são baratas, básicas, ótimas e vendem roupas que podem ser misturadas com todo o resto.


PLAYBOY: Qual é o melhor lugar de Nova York?


DURAN: O apartamento onde moro [risos]. Fica no SoHo, em um andar bem alto. De um lado, dá para ver a Williams Bridge, aquela que aparece atrás do David Letterman no show dele, e as torres do World Trade Center, que, apesar das bombas, ainda estão lá. Do outro lado dá para ver Nova Jersey e um pôr do sol impressionante. Os telefones funcionam, o fax também, a televisão não tem fantasma e vem com 45 canais, o cara do vídeo da esquina entrega o filme em casa depois do cara da pizza, que chega depois do mensageiro com as fotos do laboratório, depois do cara do Federal Express... enquanto o banco me envia o extrato de contas pelo computador. Legal também é o aeroporto Kennedy, porque toda vez que piso lá sou mandado para algum lugar interessante do mundo.


PLAYBOY: E qual o pior lugar de Nova York?


DURAN: O pior pode ser o Bronx. Aliás, todos em Nova York se perderam por lá pelo menos uma vez, como o cara de Fogueira das Vaidades, do Tom Wolfe. É como aquele antigo seriado de televisão, O Túnel do Tempo: você está tranquilo, dirigindo o carro distraído, erra uma saída e bang! Cai direitinho no meio do Líbano, no tempo do pau puro. Terra de ninguém. Na verdade, foi bem interessante. Como diria Neruda: "Confesso que vivi".


PLAYBOY: Se você tivesse que escolher três restaurantes pelo mundo afora, quais indicaria?


DURAN: Gosto de um restaurante esnobe e metidíssimo em Paris, mas não porque é esnobe e metidíssimo: apenas porque é bonito, sem ser ostensivo demais. A comida é genial e as pessoas interessantes. Se chama L'Orangerie, fica na Île de Saint-Louis e só tem rico francês, o que é de um esnobismo que prova a insustentável leveza do ser. Da última vez que estive lá, à direita da minha mesa estava o Yves Saint-Laurent (com cachorrinho e tudo) e, à esquerda, a Paloma Picasso (com aquela boca vermelha) e o marido, falando em espanhol e, apesar de ser falta de educação, deu para ouvir um pouquinho da conversa. O proprietário é um ator francês do tempo da Nouvelle Vague, o Jean-Claude Brialy. Outro bom restaurante é o Vong, em Nova York (200, East 54th Street). Comida tailandesa interessante até para quem não gosta. Como eu, por exemplo. Outro dia tinha uma sopa de galinha com coco e menta de cair da cadeira. Além de ser um lugar interessante (a arquitetura não é nada especial, mas o lugar tem um certo mistério), é original e uma opção diferente. E no Brasil, em Natal (a cidade, não o dia), tem um lugar chamado "bar do Pedro", perto daquela lagoa que fica perto das dunas perto da praia. Pitu, feijão verde e manteiga de garrafa como não tem no mundo!


PLAYBOY: A primeira câmera o fotógrafo também nunca esquece? Você tem saudade dela?


DURAN: Não. Nem da primeira cueca. Era uma Pentax comprada em nove prestações. A câmera, quero dizer.


PLAYBOY: Por falar nisso, quando você viaja nas férias, fica fotografando sem parar, como um turista japonês?


DURAN: Depende do lugar. Mas é muito melhor voltar com algumas fotos de qualidade do que com uma pilha de fotos mostrando pôr do sol e céu azul.


PLAYBOY: Fotografar é um hobby para a maioria das pessoas. Qual é o seu hobby?


DURAN: Escrever. Sou formado em jornalismo. Eu seria uma coisa que não tens aqui, que é o jornalista de viagens: o sujeito que vai para a casa do caramba, volta e escreve. Como o [escritor inglês] Evelyn Waugh em seu romance Furo!


PLAYBOY: Então por que você não faz fotojornalismo?


DURAN: Porque sempre fui fascinado por hotéis cinco estrelas, ar-condicionado, business class, mulheres bonitas, essa coisa toda. Em fotojornalismo eu iria ter de correr pra lá e pra cá, ser empurrado, tomar porrada — e, principalmente, não ter controle da situação. E eu gosto de ter um pouco de controle. Mas, por causa da minha fascinação pelo universo feminino, fui fotografar moda. O estúdio é uma praia onde nunca chove e onde estão todas as mulheres. Pode-se querer mais?


POR RUY CASTRO

FOTOS CACALO KFOURI


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1 Comment


Ademar Amâncio
Ademar Amâncio
Jul 03, 2023

Muito boa a entrevista,destacarei três momentos,a moralista Mara Maravilha tendo o rosto fotografado e querendo mostrar a ''bundinha'',Sônia Braga produzida numa festa à noite é diferente daquela que vai à feira sem produção,e as ex-torres gêmeas que faziam vista para o apartamento do fotógrafo em 1992.

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