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JOÃO GORDO | OUTUBRO, 2001

Playboy Entrevista



O punk mais famoso do país fala sobre castigos do pai, amigos delinqüentes, turnês enlouquecidas, brochadas e a nova fase light


A constituição generosa de João Gordo, que já beirou os 210 quilos, o empurrou sete vezes a um elegante e caro spa em Itatiba, próximo a São Paulo, nos últimos dois anos. Graças à camaradagem da proprietária, a estadia sempre ficou por conta da casa. Gordo adora o lugar: "É hotel cinco estrelas, nem dá fome. Ranguinho diet o tempo todo, caminhada, aquela coisa saudável". Em uma das últimas passagens por ali, durante um jantar, João Gordo viveu uma espécie de revelação. À luz de velas e ao som de um piano tocado ao vivo, olhou para as pessoas que o rodeavam – os atores Francisco Cuoco e Luís Gustavo, a ex-jogadora de basquete Hortência, o casal-apresentador do Jornal Nacional, William Bonner e Fátima Bernardes – e gostou delas.


"Foi surreal", diverte-se. "Tem muito nego legal entre esses artistas da Globo. O Cuoco é gente boníssima. O William Bonner, também. Ele ficava jogando fliperama e falando palavrões, tipo puta que pariu, com aquela voz de Jornal Nacional!"


Quem acompanha a carreira do paulistano João Francisco Benedan, 37 anos – hoje no comando do impagável Gordo a Go-Go na MTV –, já o ouviu destilar um "ódio-talibã" a todos os artistas. Hoje ele não vê nada demais em ter amigo famoso, da Globo. E mais: "Trabalharia lá no SBT ou na Globo, mas tô muito bem na MTV, viu, mano?"


Ouvir este vocalista do Ratos de Porão – que no primeiro show da banda cumprimentou o público gritando "Pau no cu da Globo e pau no cu de Deus" – declarar que se empregaria no SBT ou na emissora carioca é tão surpreendente como se Chico Buarque deixasse os cabelos crescer, montasse uma banda heavy metal e detonasse no Rock in Rio.


É verdade que João Gordo continua falando e fazendo o que quer no seu programa de entrevistas. De boné, óculos escuros, piercings e seus 180 quilos empacotados em 1,87 metro, ele faz piada, com ou sem graça, dá gargalhada, solta o freio no palavrão, esculhamba e desorienta os convidados.


A fiel audiência – 2 pontos, uma das maiores da MTV – presenciou cenas antológicas." Já enfiei o nariz na bunda da Rita Cadillac... duas vezes, aliás." Ele quase saiu no tapa com Sérgio Mallandro. A briga foi apartada pelo palhaço Bozo. "O povão em casa não acredita!", empolga-se.


Até chegar à emissora e ao salário de 6 mil reais, João Gordo teve uma biografia acidentada. "Nunca quis trabalhar, quem arrumava trampo era minha mãe", conta ele, que já foi ajudante de mecânico, recepcionista de flat, pedreiro, formou-se em desenho técnico, produtor de discos, articulista de música. Filho de uma família classe média da Vila Gustavo, Zona Norte de São Paulo, João Gordo preocupava os pais: Nílton, militar reformado, e Laura, cabeleireira. Para tirá-lo do mau caminho, a família chegou a se mudar para o interior.


O "mau caminho" se abriu para João Gordo aos 13 anos, na forma de uma reportagem sobre punks da revista Veja. "Depois que vi esse lance de culto ao lixo e foda-se o mundo, nunca mais fui o mesmo." Por duas décadas, Gordo seguiu sua estrela punk: música, brigas, turnês na Europa, drogas, falta de grana, sucesso, duas internações na UTI. Sexo? Bem... "De cada dez mulheres que eu saía, oito eram uma bosta, uma era mais ou menos e uma era legal."


Em 1996, na MTV, o caminho fez outra curva. Para escândalo da tribo, decidiu que queria viver bem, carteira assinada, conta no banco e namorar. O editor especial de PLAYBOY Marco Antônio Lopes conferiu essa metamorfose de perto. Foram três encontros. Seis horas de conversa.


"Duas etapas foram no apartamento apertado, mas bem arrumado, no bairro de Moema, Zona Sul de São Paulo. Uma das conversas demorou para começar porque João Gordo jogava videogame, aboletado no sofá de bermudão. Ele abriu a porta e me avisou: ‘Tô quase batendo o recorde, péra só um pouco, mano’. A sala é cheia de pôsteres punk e CDs. Em volta da TV, estantes com centenas de bonecos de plástico de seriados japoneses trash.


Ele é rápido, engraçado, ácido e bom de história. Estourado às vezes. Mas é gente boa, cordial. Até me deu de presente uma coletânea de bandas punk, entre as quais o Ratos de Porão. A última conversa foi na padaria ao lado dos estúdios da MTV. Entre goles de café com adoçante e água com gás (dieta braba), atendeu só um fã (homem). As garotas passavam por ali, com cadernos, à procura dos VJs Marcos Mion e Edgard. Durante a conversa queixou-se dos que o acusam de trair o movimento. ‘Não precisei mudar um milímetro do meu jeito pra ir pra TV. Outro dia queriam que eu fizesse uma capa de revista com a Sandy. Ah, mas Sandy já é demais, né, cacete? Tô fora!’"


PLAYBOY – Ser gordo, feio e louco ajuda ou atrapalha?


GORDO – Não ajuda nem atrapalha. Mas também ninguém gosta de gordo. Tem sempre piadinha. Agora. Posso ser gordo e louco. Mas não sou feio, não. Tem quem goste, falou?


PLAYBOY – Você tem mulheres fãs?


GORDO – Que nada! Não vai ninguém lá na MTV me procurar, não. Ninguém gosta de gordo, cara.


PLAYBOY – Elas nunca deram em cima mesmo?


GORDO – Muito pouco. [Imita voz fina de garota bem novinha.] "Dá autógrafo pro meu irmão?" [Risos.] Na verdade, tem sempre umas maluquinhas que gostam de mim. Mas a maioria é fã do Marcos Mion ou do Edgard. E para essas eu não dou autógrafo. Falo: "Pega com o Marcos Mion que você ganha mais. Vai limpar a bunda com meu autógrafo, pô?" [Risos.] Sempre desprezei fãnzinha tonta.


PLAYBOY – Você é sempre assim, agressivo?


GORDO – Só quando enchem o saco.


PLAYBOY – Por quê?


GORDO – Sei lá, cara. Minha família é simples, de periferia, da Zona Norte [de São Paulo], Vila Gustavo. Classe média pra baixo – pobre, vai. Sem perspectivas, né?


PLAYBOY – Por isso você ficou revoltado?


GORDO – Não, não só por isso... Pô, meu... O gordinho aqui é complicado, viu? [Risos.] Eu vejo as coisas na TV e choro: buaááaaaa! Tipo o quadro do Faustão em que o cara vai lá, contam a vida dele. Eu choro vendo isso. Que merda do caralho! Puta raiva! Mas a minha vida é muito louca...


PLAYBOY – Você se dá bem com a família?


GORDO – Hoje em dia, mil maravilhas. Passo até Natal com eles. Quer dizer, o último não deu porque eu passei na UTI [risos]. Antes estava de mal, só brigas... Agora tô resgatando esse lado familiar. Encontro com eles duas, três vezes por mês. Ligo quando dá... Até uns 30 e poucos eu não tinha relação. Eles nunca aceitavam essa coisa de punk, piercing e tatuagem, roupa rasgada. Aceitaram agora porque viram que não tem jeito. [Risos.] Meu pai queria que eu fosse engenheiro... Depois ele achava que eu iria ser bandido mesmo. Até me colocou em colégio de padre. Ah, tentou também me fazer ir para a polícia. É que meu pai sempre quis dar educação rígida pra mim, né, meu?


PLAYBOY – Isso também porque você não trabalhava?


GORDO – Eu tinha altos paus em casa. Aí minha mãe arrumava uns trampos pra mim, só que eu sempre saía do trabalho. Já fui expulso de casa várias vezes. Eu não tinha regalia nenhuma. Teve uma época em que eu morava num quartinho fora da minha casa. Praticamente junto com o cachorro.


PLAYBOY – Que tipo de castigo o seu pai lhe dava?


GORDO – Quando repeti a 7ª série, o que aconteceu com meus discos? Meu pai pegou toda a coleção e vendeu tudo. E ele me dava porrada também. Ele não gostava nem que eu respondesse. Hoje em dia ele é arrependido dessas tretas todas. Era tipo sistema patriarcal, século 19 e tal. O pai tem a voz e você não pode responder. Tinha castigo de ficar trancado, de joelho, com a cara na parede. Era foda. Os piores eram de ficar sem ver TV. Sou da geração-televisão. Assisti muita TV e sou viciado. Fui um moleque normal.


PLAYBOY – Normal?


GORDO – É, normal, pelo menos na época em que ouvia só rock. Até conhecer o punk. É porque punk foi o que me mudou mesmo, tipo "foda-se o mundo", "odeio todo o mundo". Conheci o punk pelo sistema. Lendo matéria na Veja. Mexeu comigo. "A nova moda, o culto ao lixo", "no future", essa parada. Achei meio horrível, mas delirei.


PLAYBOY – Como é virar punk de uma hora pra outra?


GORDO – Pensei: "É isso que eu quero ser". O cara é gordo, o pai bate. Molequinho zoado assim vira punk, rebelde, né? Rasguei todas as minhas calças. Ia pra escola todo rasgado. E aí comecei a andar com os punks de verdade, da minha área, Zona Norte [de São Paulo]. E nessa época começaram a aparecer as bandas punk. Saía de casa pra ir assistir shows do Condutores de Cadáver, Restos de Nada, N.A.I [Nós Acorrentados no Inferno.]... Eu era muito criança ainda, tinha 13, 14 anos. Mentia pros meus pais que ia pra casa de amigo estudar. Levava as roupas na minha bolsa, chegava na esquina e colocava. [Ri.] Era jaqueta cheia de alfinete com corrente, que eu fazia em casa. Comecei a fumar cigarro e a tomar bombeirinho [pinga com groselha].


PLAYBOY – Mas quando seu pai viu você de roupa rasgada, o que fez?


GORDO – Falou: "Vamos mudar pro interior e levar esse moleque junto porque ele tá indo pro mau caminho". Fomos para Angatuba, a uns 210 quilômetros de São Paulo, onde meu pai comprou um sítio. Mas eu fui pro mau caminho assim mesmo [risos]. Aprendi a ficar louco lá no interior. Bebia, fumava maconha. Tinha uns 14 anos. Cidade do interior o que rola? Não tem o que fazer, o pessoal enche a lata. Eu ficava com os cabeludos bêbados da cidade, e aí virei forgado. Aprontamos um monte. Até galinha eu e os cabeludos roubamos. Na verdade a única galinha que eu roubei, acabei matando. Caí em cima. Escorreguei, caí em cima e matei a galinha! [Risos.] Também meti fogo na caixa do correio. Quando fiz isso, fui depor com a camisa das Brigadas Vermelhas [grupo terrorista da Itália], cara. Na frente do juiz! Ele dizia: "Você sabe o que essa camisa significa?" Falei: [cínico] "Eu? Sei não, senhor... Ganhei de presente..." [Risos.]


PLAYBOY – E em São Paulo voltou a andar com os punks?


GORDO – Voltei bem na época em que o punk estava detonando, no início dos anos 80. Eu tinha uns 17, 18. Fui morar na casa da minha avó. Eu gostava de ir lá para a [saída da estação de metrô, no centro paulistano] São Bento, um lugar que parecia um ímã: atraía punk pra cacete. A polícia chegava nas barcas [viaturas] vermelho e pretas, parava e "mão na cabeça todo mundo".


PLAYBOY – Ia preso direto?


GORDO – Nunca, só levei muita geral. Naquela época o movimento punk era chegado à malandragem, cara. Na São Bento, os punks faziam altas funções [pequenos roubos]. Tinha uns punks especializados em conto-do-vigário e outros em arrancar correntinha e o caramba, falou? O conto-do-vigário que mais aplicavam era o do cara que perdia a grana. Tá ligado, esse?


PLAYBOY – Eu não! [Risos.]


GORDO – Era assim o esquema. Vou dar um nome fictício. Um punk chamado Chulé. O Chulé vinha na rua e deixava cair uma grana. Um sujeito qualquer passando por ali via e catava. Aí um outro punk: "Eu vi também. Vamos dividir". E o cara: "Mas eu vi primeiro e..." Nessa discussão, chegava o Chulé: "Vocês viram minha grana?" E os caras enrolavam tanto o sujeito que no final ele tinha de dar a grana do próprio bolso para os punks. [Risos.] Meus amigos faziam isso direto. Também puxavam corrente de ouro...


PLAYBOY – E você fazia isso?


GORDO – Não! Sempre fui gordo, porra! Pra correr é foda. [Risos.]


PLAYBOY – E tinha briga de gangue?


GORDO – Tinha muita briga de punk de São Paulo com os do ABC [na região metropolitana da capital]. Tiroteio, facada, altas tretas... Puta ignorância. Só que eu não entrava. Era quase um bunda-mole na parada, saca?


PLAYBOY – Foi nessa época da São Bento que conheceu o Ratos de Porão?


GORDO – Já tinha uns 18, 19 anos. A banda já existia e eu era fã dos moleques. A gente se conheceu na Galeria [do Rock. Famoso lugar com dezenas de lojas de CDs, ponto de encontro de roqueiros no centro de São Paulo], acho. O Ratos sempre foi uma banda boa, cara. Comecei a freqüentar os ensaios dos caras. Era na casa do Jão, o único que está na banda até hoje. Ele era o vocal [hoje é guitarrista]. Num desses ensaios, me deixaram dar uns berros no microfone. E o Jão já gostava de mim porque tinha me visto fazendo backing vocal para uma banda chamada Extermínio, no Carbono 14 [casa noturna paulistana do início da década de 80]. Os caras falaram que eu roubei o show. Tive tipo um ataque epilético no palco, nego rachou o bico! Como o Jão não gostava muito de cantar, me chamou pra ser o vocal. Topei na hora.


PLAYBOY – Lembra do seu primeiro show com o Ratos de Porão?


GORDO – Foi na PUC [Pontifícia Universidade Católica, em São Paulo], em junho de 1983. Tinha o Ratos, o Cólera, Inocentes e Dose Brutal. Junho de 1983, eu já tinha 19 anos. No palco, a primeira coisa que eu falei foi: "Pau no cu da Globo e pau no cu de Deus". [Risos.] Tinha tomado nem lembro o quê, fiquei doidão e foi um puta show. Fizemos muito show e chegamos a nos separar. Também detonei nas drogas, mas foi uma fase meio deprê que nem gosto de lembrar... Muita detonação. No future total...


PLAYBOY – Você já tinha decidido que cantar seria seu trabalho para o resto da vida?


GORDO – Já estava empenhado. Eu sou assim: tudo o que uma pessoa normal sabe fazer eu não sei, cara. Não sei andar de bicicleta, não sei nadar, não sei dirigir. Não sei fazer porra nenhuma, falou? Bom. A banda continuava punk e largada, sem grana. Aí, começamos a fazer o lance de crossover, que é misturar punk com [heavy] metal. Tinha umas bandas daquela época que a gente gostava e faziam isso. Isso melhorou um pouco a situação. Metal sempre teve mais público que punk. Mas por causa desse lance de crossover, a gente [do Ratos de Porão] começou a ser acusado de traidor do movimento. Queriam matar a gente.


PLAYBOY – Ameaçavam com faca, revólver?


GORDO – É, cara. Num show em Belém (PA), tinha nego afiando faca atrás de nós e uns deram até tiro pro alto. Tinha careca [os skinheads]. Já escapei de vários rolos de morrer. E é sempre de turma, uns quinze querendo me bater, coisa perigosa mesmo. Uma vez, briguei com uns oito skinheads lá na Galeria [do Rock]. Me pegaram pelas costas. Aí entrei num bar, catei um banquinho e fiquei dando banquinhada nos caras. Eles também jogavam garrafa em mim. E eu atirava de volta. Não sei como só cortei a mão. Os caras viram sangue e saíram correndo. Se eu trombar com cinco, seis skinheads, sei que vão me pegar.


PLAYBOY – Que negócio é esse de traição, afinal? Punk tem estatuto?


GORDO – Então. Trair o que, né? Primeiro, me enchiam por causa do metal. Depois, quando a gente voltou a fazer punk sem mistura, passaram a me encher porque eu entrei na TV. Tem punk caído, que tá na merda. Se alguém se destaca, é motivo de ódio. E por causa disso não vou mais a show de punk nem à Galeria [do Rock]. Não freqüento mais a parada, tá ligado? Só vou a show de rap, porque aí os manos são bem mais conscientes politicamente. A maioria dos punks é tudo idiota. Eu sou motivo para os caras protestarem? Por que não vão protestar contra a polícia? Não. Eles me vêem e [faz voz de pessoa com problemas mentais]: "Ah, seu traidor, dãn..." Lógico que esse lance de traição é mais inveja do que outra coisa.


PLAYBOY – Você nunca agiu como esses caras que falam de traição, de brigar por brigar?


GORDO – Não. Bater em ninguém, arranjar briga de graça, nunca. Só quebrei banheiro... Acho que o da PUC.


PLAYBOY – Era vândalo total?


GORDO – Não. Se bem que quebrar banheiro foi ridículo. Mas só isso. Quebrei de coturno. É que nem manteiga: você chuta a privada e quebra facinho. Mas nunca participei de treta de gangue. Não apanhei nem tomei preju.


PLAYBOY – Jura que nunca arrumou briga?


GORDO – Só uma vez. Eu estava chapado no balcão e um cara pulou no meu pescoço. Passou as pernas em volta da minha cintura, saca? Empurrei, dei um chega pra lá. Era o Cazuza. Isso era lá pelo meio dos anos 80. Ele estava no Barão Vermelho ainda. O cara era baixinho e bicha escandalosa. Ah, vai fazer festinha com o macho dele, ô! [Risos.] Lembro que dei o chega pra lá nele e pintou o [produtor e jornalista] Ezequiel Neves: "Sabe quem é esse aqui? É o Cazuza", ele falou. Aí eu disse: "Foda-se o Cazuza!" Aí, toda vez que o Cazuza aparecia no Satã, ele vinha me provocar. Várias vezes. Uma delas eu peguei um tênis podrérrimo e esfreguei na cara dele. Nunca fui chegado em Cazuza. Tinha o talento dele, mas nunca gostei do som, das letras. Já o Renato Russo era legal...


PLAYBOY – Vocês se conheciam?


GORDO – Não. Conversamos poucas vezes... Tem cada história nessa época, meu. Principalmente no Madame Satã. Lembro de um cara, um transformista. Chamava Cláudia Wonder. Um traveco, vai. Ele ficava pelado dentro de uma banheira de groselha. E era bem na época que apareceu a Aids. Eu estava assistindo esse show bem perto da banheira. E aí caiu uma gota de groselha no meu braço. Meio escuro, eu doidão... Mesma coisa que cair uma gota de ácido sulfúrico, né? [Risos.] Gritei tanto! Groselha de traveco pelado, mano? Nojento. Tinha um outro que fazia perfomance queimando bíblia. O Satã foi a casa mais louca de São Paulo.


PLAYBOY – Era nessa época que você ficava sem tomar banho?


GORDO – Isso é coisa de hippie, cara.


PLAYBOY – Mas e aquela história da...


GORDO – [cortando]... aposta com o Max [Cavalera, ex-vocalista e líder do Sepultura, hoje no Soulfly]? Isso foi depois daquela época do Satã, por volta de 1990. A gente quis ver quem conseguia ficar mais tempo sem banho...


PLAYBOY – Qual a graça?


GORDO – Nenhuma. Isso aí foi zoeira do Max e eu fui junto. Coisa de bêbado. Eu tomava banho, sempre tomei. Mas ficamos um mês nessa aposta. Não podia tomar banho, nem escovar o dente, nem trocar de roupa. Ele desistiu primeiro que eu. Foi podre.


PLAYBOY – Como vocês dois se agüentavam?


GORDO – [Irritado.] Sei lá, porra! Não lembro... Bêbado é foda... Dessa época o que eu gosto de lembrar são as turnês do Ratos fora do país. Em 1989, por exemplo, a gente viajou pra Alemanha, para gravar disco. Ninguém falava um "e" em inglês. O estúdio ficava numa estação de metrô. Piramos lá com as paradas. Tinha o movimento punk de Berlim. Pensei: por que lá na Europa é tão legal, organizado e sem violência? Isso me deprimiu. Aliás, olha só: lá fora o Ratos faz hoje show direto e tem muito fã. Todo o mundo sabe que eu tenho programa na MTV e ninguém fala nada, não. Aqui, como te disse, acham o crime da mala...


PLAYBOY – Quanto tempo duram as viagens do Ratos?


GORDO – Todo ano tem turnê. Uns 50 dias, 2 meses no máximo. A gente ganha pouco, toca em lugares pequenos, mas também nuns grandes. Todo o mundo na platéia canta ou sabe cantar as músicas do Ratos. Em português mesmo. A gente tenta faturar alguma grana, claro. Naquela viagem da gravação do disco na Alemanha, em 1989, a gente fez umas camisetas e foi vender lá. Na Itália, rendeu uns 2 milhões de liras. "Uau!", a gente pensou. Estamos ricos. A gente não sabia dos valores. E começamos a comer bem nas tratorias. O dinheiro acabou rapidinho e a gente ficou duro de novo. Não dava nem pra comprar Coca-Cola. Aí fizemos uns shows e voltamos de trem. Passamos pela Suíça e por uma cidade da França. Ali, os guardinhas colocaram a gente pra fora, por causa de visto e tal. E de repente o trem foi embora. Com as nossas coisas dentro! [Risos.] Aí a gente foi expulso da França, cara. Mas, sem um puto, sem mala...


PLAYBOY – E aí?


GORDO – O dinheiro que tinha sobrado deu pra comprar frios, queijo e salame, pão de forma. Um sanduíche pra cada um. E uma Coca-Cola quente pra todo o mundo. Uma só! E o que a gente fez? Decidimos ir atrás do consulado brasileiro. Mas a gente não falava inglês ou francês. Como pedir informação? E sem grana. Aí a gente descobriu que o baixista da banda tinha uma grana guardada. Tomamos o dinheiro dele na marra e deu pra pagar certinho a grana da passagem. Dava para sair dali e voltar pra Alemanha.


PLAYBOY – É farra todo dia nessas turnês, por isso acaba a grana logo?


GORDO – Também por isso. Nessas turnês na Europa, você tem que ser muito forte pra recusar as porcarias de droga que oferecem. E acontece de tudo. Teve uma banda que abriu pra gente num squat [conjunto residencial desocupado que é invadido por jovens, o que é comum em alguns países na Europa. Eles moram ali e montam centros culturais, improvisam rádios e promovem festas e shows]. Foi em Madri. Tinha 2000 pessoas. Depois dos shows, na hora de ir embora, nego catou as mochilas e jogou no nosso furgão. Beleza. Aí no dia seguinte tocou um celular o dia inteiro no carro. A gente pensou: que porra é essa? Ninguém tinha celular. Em Pamplona, a gente descobriu que pegou uma bolsa errada. Era de um baterista de outra banda. A bolsa tinha o celular, uma jaqueta, chaves e um vidro com 300 ecstasys. [Risos.] De Madri a Pamplona, são 400 quilômetros. E tinha 300 ecstasys em cima. Que merda. Na Europa ainda!


PLAYBOY – E o que você fez com isso?


GORDO – Devolvemos tudo, claro. Passar de um país pro outro com 300 ecstasys? Uma vez, a gente foi tocar em Milão. Na Itália o Ratos é bem grande mesmo. Os shows são movidos a doideira total, pra uns 2.000 punks. Aí saí pra andar no meio do público. Como se eu fosse Bono Vox, sei lá [Risos.] Não vamos exagerar, mas alguém importantíssimo. Acabei ficando com uma mina. E ela era um satanás, cheia dos piercings, desses bem grandes: dois no queixo, dois no lábio superior, dois no nariz, dois na sobrancelha, dois não sei onde. A mina parecia um paliteiro. A gente deu uns beijos.


PLAYBOY – Voltou todo furado.


GORDO – Voltei com a barriga cheia de sarna, cara. Podre...


PLAYBOY – No Brasil, havia mulher na sua turma de punks?


GORDO – A época do punk não tinha muita farra com mulher, não, viu, mano? O que acontecia era que as punks tinham namorado. Não namorei ninguém. Só ficava. Aliás, já fiquei com muita mina gostosa sem ser punk...


PLAYBOY – Lembra da primeira vez que levou uma pra cama?


GORDO – [Pensa.] Ah, lembro sim.


PLAYBOY – Onde foi? Com quem?


GORDO – Não lembro quando, nem onde. Foi na casa da mina, cara... Ela quem me fez essa tatuagem aqui, ó [aponta o símbolo com as iniciais de uma banda punk finlandesa chamada Terveet Kadet, no braço esquerdo]. Era mais velha, não lembro quantos anos. Ela me levou na casa e fez até tatuagem... [Risos.] Ou seja, fez todo o serviço...


PLAYBOY – Não foi bom, não?


GORDO – Nada, cara, a gente era tudo doido, bêbado... Esse lado de mulher é foda. De cada dez mulheres que eu saía, oito eram uma bosta, uma era mais ou menos e uma era legal. Nem rolava puta. Só mina das baladas. Namorei muitas, mas nunca dava certo. Vou falar pra você... As minhas transas sempre foram meia-boca. Ou era porque eu tava muito doido ou por pressões psicológicas externas. Tipo 90% foi uma bosta, tá ligado?


PLAYBOY – Uma bosta como?


GORDO – Ah, não transa, brocha... Não completa. Muita doideira.


PLAYBOY – Como assim?


GORDO – Se você tá doidão, de cocaína ou de álcool, lógico que fica difícil ir até o fim na cama. Tive a fase drogas e rock’n’roll, sem muito sexo. Não sou galã, mas tive as mulheres que quis. Mulheres lindas, aliás. Nesse lado, não tenho problema.


PLAYBOY – Qual era o segredo?


GORDO – [Rindo.] A minha lábia funcionava bem, por causa do álcool. Só que na hora H era tanta loucura que não tinha sexo direito. Hoje, não. Tô namorando.


PLAYBOY – E sério?


GORDO – Sério. Nunca fiz tanto sexo como faço agora. Até porque não bebo mais nem rola droga. Tô bem desse lado aí de sexo com a minha namorada, mano. E a prova que eu amo essa mulher é que outro dia fui até ver um show de metal por causa dela [risos]. Ridículo, o do Savatage [banda de heavy-farofa]...


PLAYBOY – O que ela faz?


GORDO – Não vou dar o nome. Tem 28 anos, trabalha numa gravadora com metal.


PLAYBOY – Vai casar?


GORDO – Penso em juntar os trapos. Tô muito bem com ela. A gente fica em casa, sai às vezes. Normal...


PLAYBOY – Ela é exatamente o seu tipo de mulher?


GORDO – É. Inteligente, bonita e muito gostosa.


PLAYBOY – Acabou então a época das farras?


GORDO – Acabou, cara. Agora é só casa e namorada.


PLAYBOY – Tem saudade da época em que você detonava nas noitadas?


GORDO – Tenho da época do Satã, que foi bem louca e tal. Mas tô bem assim, mais calmo.


PLAYBOY – Falar em farra, não tinha uma história que você, o Kurt Cobain, que veio ao Brasil tocar com o Nirvana no Hollywood Rock [em 1993], e a mulher dele, a Courtney Love, fizeram uma histórica em São Paulo?


GORDO – Foi assim: antes de entrar no Nirvana, o Dave Grohl [baterista] era de uma banda chamada Scream, que tocou junto com o Ratos uma vez na Europa. Fiquei amigo dele. Aí, quando o Dave veio com Nirvana ao Brasil, para tocar no Hollywood Rock, fui encontrar com ele. E o cara me apresentou ao Kurt e à Courtney. Conversei com o Kurt. Ele já era meio quietão, com cara de suicida mesmo [o vocalista se mataria em abril de 1994, com um tiro na cabeça]. Bom, mas aí ele me perguntou o que era esse festival. Expliquei que era coisa de multinacional. Ele: "Ah é?" Sei lá, o cara achava que fosse coisa de cinema, Hollywood e tal. [Risos.] Por isso que eu acho que foi por minha causa que o Nirvana zoou os shows em São Paulo e no Rio. Falei tanto... O Kurt cuspiu na câmera [da TV Globo, que transmitiu o evento do Rio], interrompeu no meio da música, fez piada, tocou desafinado... Vi o show do palco. Foi demais.


PLAYBOY – Como terminou a noite?


GORDO – Então. Quando acabou o show de São Paulo, fomos – eu, o Kurt, a Courtney e o pessoal da banda – para uma casa no Centro que não existe mais. Chamava-se Der Temple. Tinha montanhas de drogas e bebida. A gente pirou, foi uma farra da porra. Eles dançaram sem parar. Tanto que uma hora o Kurt pulou nas minhas costas e ficou lá, de cavalinho. Bem louco, rodei com o cara até cair, na maior felicidade! A festa durou até meio-dia. O Kurt estava meio deprê no começo, depois ficou feliz pra caralho. Falou que tinha muito tempo que não fazia uma farra dessas. Mas teve mais. A Courtney queria ver travesti, cara. Fomos então dar uma volta de carro pra procurar. Ela nunca tinha visto traveco na vida, acho. E, quando viu, disse: "Pára o carro, pára". Parou e ela foi lá no traveco: "Uau, uau!" E era um senhor traveco, com um peitão, um bundão, bocão, tudo "ão". A Courtney ficou maravilhada e deu 300 dólares pro traveco. E nós: "Nãoooooooooo!! É muito dinheiro aqui!" E ela: "Nós ganhamos 150 mil dólares aqui... Isso não é nada!" Foi a última vez que eu vi os dois. Dali pegamos o metrô e fomos embora.


PLAYBOY – Você e uma namorada?


GORDO – Eu namorava na época. Era sério, mas nos separamos. E aí, mano, fiquei mal com isso. Caí no buracão negro. Não era dor de cotovelo. Não, mesmo.


PLAYBOY – Buracão negro como?


GORDO – Não só por isso, caí nas drogas, bebi, freqüentei os puteiros. Fiquei mal, maluco, fodido. Culminou, anos depois, naquele lance de eu ter parado na UTI.


PLAYBOY – Como você foi parar na UTI?


GORDO – Tive uma crise no dia 31 de janeiro de 2000. Eu fumava três maços de cigarro por dia, estava louco e com 210 quilos. Foi assim. Um dia, o carro da MTV foi me buscar lá em casa. O motorista passou numa lombada. Fiquei de repente sem respirar. Doía, doía, doía... Só respirava um pouquinho. Falei: vou morrer, cara, vou morrer! Primeira coisa que fiz? Peguei o cigarro, pra passar o nervoso! [Rindo.] Dei dois pegas, joguei fora e desse dia em diante nunca mais fumei. Aí chamaram o médico, que depois me levou ao hospital Nove de Julho [Zona Sul de São Paulo]. Tive derrame pleural, com água no pulmão. Entrei direto na UTI.


PLAYBOY – E se lembra do quê?


GORDO – De uma visão que eu tive. Vi tudo colorido. A calma era tão grande que parecia que tinha morrido mesmo. Eu lá, deitado na cama, uma paz de espírito... Um relaxamento... Acho que era a morfina que me deram, pelo menos os médicos me disseram isso. Nesse sonho, entrou meu médico, que tem a maior cara de cafajeste, queixo quadrado de italiano, vestido de romano, cara! [Risos.] Com umas asas brancas e tudo. Ele então disse pra mim nesse sonho: "Escapou por pouco, hein, Johnny?" E eu: [sussurra, fazendo voz de gente bem doente] "Ai, aiiiiiiii....." Era uma sensação muito boa. O relaxamento que eu pedi a Deus.


PLAYBOY – Viu também parente morto, essas coisas?


GORDO – Não. Sei que eu estava muito relaxado, feliz e tranqüilo. E sedado. Lembro também de pedir morfina para os enfermeiros. Isso tudo no sonho, nessa visão aí. "Tenho 50 conto aqui. Vocês me arrumam morfina?" [Risos.] Eu tava viajando. Saí da UTI depois de 22 dias. Perdi 35 quilos no hospital. Por causa disso parei com tudo, baladas, excessos e tal.


PLAYBOY – Mas em dezembro de 2000 você se internou e ficou de novo na UTI.


GORDO – Pode crer, mano. Foi no dia 23 de dezembro. Passei o Natal lá, como já falei. Tinha saído em turnê pela Europa com o Ratos. Altos excessos de novo, tomei umas vodcas, tequila, uns goró que eu não tinha tomado fazia muito tempo. Na volta, fiquei mal. Já estava com 190 quilos, desandado, com as pernas inchadas. Esse segundo piripaque foi uma disritmia no coração. Caí, desmaiei. Sofro de apnéia [parada de respiração]. Passei cinco dias de castigo na UTI.


PLAYBOY – Hoje, como você se cuida?


GORDO – Acordo cedo, às 10 h, vou jogar videogame. Durmo meia-noite. Era pra fazer ginástica, mas falta coragem pra me mexer. Fico enfurnado, jogando videogame. Aos poucos tô mudando de vida. Faz um ano e meio que não fumo cigarro.


PLAYBOY – Segue todas as recomendações médicas?


GORDO – Sempre me cuido, mas do meu jeito. Passei uns tempos em spa. Aí falam: "Ah, esse gordo fresco, rico!" Mas assim: não tenho tanta grana pra spa. Esse que eu vou é cortesia da dona Miriam, a proprietária [do spa Sete Voltas, em Itatiba, a 100 quilômetros de São Paulo]. Ela gosta de me ver lá. E spa é aquela coisa: acorda 7 da manhã, anda uns tantos quilômetros, depois piscina, ranguinho diet. Tudo uma coisa assim bem burga, hotel cinco estrelas, saca? É tipo pra artista da Globo ir lá descansar. O mais gordo sempre sou eu. [Risos.] E já trombei cada figura lá, meu! O Francisco Cuoco, a Hortência, o casal lá do Jornal Nacional, o William Bonner e a Fátima Bernardes, o Seu Vavá [personagem do programa Sai de Baixo, interpretado pelo ator Luís Gustavo]. E eu no meio. O William Bonner ficava jogando fliperama, aqueles de carrinho. E falava uns palavrões, com aquela voz de Jornal Nacional [imita voz grave]: "Puta que pariu, caralho!" [risos]. E eu vendo tudo!


PLAYBOY – Você trabalharia mesmo na Globo?


GORDO – Depende. Tinha que ser uma coisa muito legal. Jornalismo com música. Mas a Globo é foda. Lembra da cobertura do Rock in Rio 3? Ridícula, de chorar. Não souberam nem enrolar, passar informação nos intervalos dos shows. Não sei, cara. Eu gosto muito da MTV. Eu tenho liberdade ali. E eu não sou um cara ambicioso.


PLAYBOY – Hoje você mora sozinho, num apartamento bacana, em bairro classe média alta. Passou a fase no future mesmo?


GORDO – Tranqüilo. Já morei em casa de um monte de amigo, e hoje tô bem, sozinho. Pago minhas contas, faço supermercado. Vou ao Pão de Açúcar, aproveito para pesar. Peso no açougue, que tem balança ideal pra quem tem mais de 150 quilos [em setembro de 2001, estava com cerca de 180 quilos]. Compro só coisa diet. Como não dirijo, ando de táxi. Aquele lance de punk no future aos poucos fui deixando mesmo. Nunca pensei que pudesse ter grana pra comprar um carro. Até guardo uma grana. Pra comprar meu bunker, né, cara?


PLAYBOY – E com os vizinhos, você se dá bem?


GORDO – Tem pessoas simpáticas, sim... Mas junto grana para comprar uma casa onde eu possa ouvir som alto e fazer o que quiser. Se quiser cagar e jogar na parede, eu posso. Apartamento não tem liberdade porra nenhuma.


PLAYBOY – A fase de grana veio com a TV. Como começou?


GORDO – Foi em 1996. Fazia umas matérias pra MTV, e não me pagavam nada. Eram boas, daí me chamavam sempre. Um dia, eu, sem grana, duro, fui lá [na diretoria da MTV] e falei: "Por que vocês não me contratam?" Eu que fui lá [ri]. Comecei no Suor, com a Sabrina. Depois, fiz o MTV Sports. Não durou muito. Aí veio um programa infantil, bem bizarro, o Garganta e Torcicolo. Inventei o boneco Fudêncio. Daí teve uma febre: a molecava catava uns bonecos e chamava de Fudêncio. As mães reclamavam. Os moleques zoavam as bonecas das irmãzinhas. Colocavam cabelo com prego e mandavam pra TV, cara! Chegaram mais de mil bonecos! Nesse programa, eu quebrei mesa, mostrei bunda, falei mal dos Titãs, o caramba. Falava "cu" em programa infantil. A garotada amava.


PLAYBOY – E a diretoria da MTV deixava?


GORDO – Mais ou menos. Às vezes, quando eu pegava pesado, tipo falar mal de algum artista xodó deles, era foda. Eu aceitava, tudo certo. Hoje palavrão na MTV é beleza. Até porque tem o Hermes & Renato. Eu sou o pioneiro do palavrão.


PLAYBOY – No Gordo a Go-Go, você fala o que quer. Tem medo de dar mancada?


GORDO – Não. Aprendi a maneirar. Ter programa é como ter uma arma na mão. E ali não tem edição. Gravou, saiu. É quase tempo real, como se fosse ao vivo. Antes de começar o programa eu converso muito pouco com os convidados. Conheço as pessoas na porta [dos estúdios da MTV]. No programa, é tudo de primeira.


PLAYBOY – Por que você gosta de irritar os convidados do programa?


GORDO – Ah, gosto. É por sadismo.


PLAYBOY – Como assim, por sadismo?


GORDO – Por zoeira, na verdade, mas também tenho curiosidade de saber umas coisas. Teve uma vez que eu perguntei pro Bozo [o palhaço que tinha um programa infantil no SBT na década de 80] se ele cheirava cocaína pra fazer o programa. Sei que rolavam essas histórias. Ele ficou meio assim, sem saber o que dizer, mas falou não.


PLAYBOY – E a Narcisa Tamborindeguy, que você pegou no peito dela?


GORDO – Sem problemas. Essa foi legal, mó figura...


PLAYBOY – Rolou um clima entre vocês dois, hein?


GORDO – Nada. Você é louco, meu?


PLAYBOY – Parecia...


GORDO – Ah, brincadeira, meu. Ela ficou sem graça [ri]. Não esperava que eu pegasse na teta dela. Que mais? Uma vez foi uma mina com uma bunda gigante. Falei: "Vem cá, onde você arrumou essa bunda?" [Risos.] E ela: "Ah, vai..." E eu: "Deixa eu ver" E aí, pen, pen [imita som de buzina e faz como se beliscasse a bunda de uma mulher]... Aí nego fala: "Pega na teta daquela mina quando for lá no programa". Pô, mas se eu tocar na teta de todo o mundo, vai pegar mal...


PLAYBOY – Tem algo que você tenha falado de que se arrepende?


GORDO – Teve uma vez que falei um lance do Fred Mercury [o cantor da extinta banda inglesa Queen, que morreu de Aids] e uma mina aidética disse que ia me esperar lá fora [dos estúdios da MTV], com uma seringa cheia de sangue. Foi porque eu disse no ar que o Fred Mercury era uma bicha promíscua. E que, na época dos shows no Brasil [em 1985], o cara buscou não sei quantos escort boys e que ele tomou drinque de esperma, saca? Aí eu falei: "Depois não quer morrer de Aids..." Essa mina ouviu e ficou meio xarope. Avisou que ia me pegar com a seringa. Mandei um recado: "Venha me espetar! Tô te esperando!" Mas foi nada.


PLAYBOY – Você se vê na TV?


GORDO – Vejo. A minha dicção é horrível. Às vezes eu dou umas gaguejadas, faço umas piadas sem graça. Mas dou risada de mim mesmo, de algumas tiradas lá. Eu gosto de mim na TV.


PLAYBOY – Você ainda faz terapia?


GORDO – Faço duas vezes por semana, e há três anos, aliás. A terapia tem me ajudado muito. Me sinto mais "gente", mais "ser humano". Coisas que antigamente eu tava cagando, como namorada, casa, trabalho, hoje dou valor. Não fico mais tão à margem da sociedade. E não sou mais do estilo "viva rápido e morra logo", uma coisa suicida. Minha auto-estima foi lá pra cima.


PLAYBOY – O que você faz hoje que não fazia antes?


GORDO – Antes era vida de cachorro, cara. Eu não tinha nem um dente na boca. Quer dizer, tinha dente, mas tudo podre. Agora me cuido. Tem outro lance. Eu não tinha conta no banco, e nenhum documento. Só passaporte. Nem carteira de trabalho. Uma vez me roubaram e perdi todos os documentos. Depois não fui atrás. Tive de tirar tudo de novo. Nunca tive conta de banco nem cartão de crédito. Na MTV, com salário, minha vida mudou.


PLAYBOY – E antes de ter a conta, como você fazia pra guardar a grana? Debaixo do colchão?


GORDO – Não, cara. Em casa, comigo. Comprava dólar. Eu vivia muito de vender disco. Fazia rolo. Teve uma época que era assim: o que eu vou comer hoje? Aí ia na Galeria e vendia uns discos. Comia depois um presuntado com suco de mão suja. Ou então churrasco grego, aquele com carnes expostas na vitrine. É muito bom, mas bar de defunto, saca?


PLAYBOY – Hoje você se ama?


GORDO – Não. Me acho engraçado e meio bobão. Falo demais. E as pessoas não gostam de ouvir umas verdades. E continuo punk. Como eu sou vagabundo e odeio trabalhar em fábrica, fui pra TV. Posso ter ficado famoso e tal, mas continuo igual. Eu não me vendi. Foram os caras que me compraram. E preciso correr de algum jeito pela minha sobrevivência. Sabe o Mano Brown [do grupo paulistano de rap Racionais MC’s]? Ele diz assim: "Em troca de dinheiro e carro bom, tem mano que rebola e usa até batom." Não é meu caso. [Risos.] Tô impávido e colosso, meu.


POR MARCO ANTÔNIO LOPES

FOTOS ANA PAULA PAIVA


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