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LEA T CEREZO | ABRIL, 2016



A TOP MODEL FALA SOBRE A CORAGEM DE ASSUMIR A TRANSEXUALIDADE, IMAGINA COMO SERIA TER UM PÊNIS POR UMA SEMANA E CONTA COMO FOI BEIJAR KATE MOSS

(SPOILER: NEM FOI TÃO BOM ASSIM)


POR ROBERTO SARAIVA FOTOS MARIANA MALTONI





1. Quão importante é a beleza física para você? De um a dez, eu diria... seis. Para o trabalho, talvez seja oito. Já saí daquela fase de ser escrava da beleza. Não me vejo bonita, não quero parecer bonita e não gosto de falar que sou.


2. No passado, você disse não se considerar atraente para os homens. Pensa nisso ainda? Ah... Hoje entendi que existe homem e homem, né? Não tenho muita curva, sou compridona, desengonçada. Mas tenho o meu tipo, meu jeito de pensar e falar, e isso interessa a alguns. Mas não sou aquela beleza clássica de que o homem gosta, sexualmente.


3. Qual o tipo de homem que te interessa? Nunca liguei para homem bonito, nunca levantou minha autoestima. Homem inteligente, sim. Acho que tem que ser alguém que possa me mostrar coisas novas. É difícil encontrar.


4. Você também já disse nunca ter vivido uma paixão tórrida. Já rolou? Não. Acho que comigo ainda não aconteceu porque eu não me abri para isso. Já tive outras paixões, mas não aquela de que você fala, sexual. Deve ser bom... Tenho curiosidade, mas ainda tenho que resolver muita coisa na vida para focar nisso.


5. E como é a relação com o seu corpo? É de altos e baixos. Tem dia em que você se olha e está ótima. No outro, um lixo. Mas hoje sou mais tranquila, porque já lutei contra várias coisas nele.


6. Isso dos altos e baixos, você acha que é parte do seu lado feminino? Pode ser porque faço tratamento hormonal. Tem dia, como hoje, que não é o meu dia. Em outros momentos, estou super de bem. Mas acho que homem também tem isso. Tem dias em que você deve acordar, olhar no espelho e falar: “Estou péssimo”.


7. Então dei azar? Deu! [Admite aos risos.] É que eu dormi pouco.


8. As pessoas trans sofrem muito preconceito e são hostilizadas. É mais fácil ser aceita quando se é famosa e bem-sucedida? Claro, totalmente. Se eu não fosse a modelo, filha do Toninho Cerezo [ex-jogador da seleção brasileira], não estaria na sua frente.


9. Em 2010, antes da operação, você posou para a Vogue Paris completamente nua, cobrindo parcialmente o pênis. De onde veio a coragem? Acho que foi uma das minhas fotos mais importantes, porque tirei numa época em que eu odiava o meu corpo, e mostrei a parte que mais odiava. A gente vive escondendo os nossos medos. Por que precisa ser assim? Na época em que a revista saiu, eu não quis ver a foto. Demorou, mas hoje olho com o maior carinho. É o meu corpo, sem maquiagem, sem estar bonita, com uma luz feia, que não ajuda. Foi até para mostrar como é o corpo de uma transexual sem ser sexualizada.



10. No mesmo ano, você beijou a Kate Moss para a capa da revista inglesa Love. Foi um beijo lésbico? Foi um beijo de mulher com mulher. Mas, se for olhar pelo contexto, era trabalho. Porque aquilo era foto de editorial, e estávamos com 80 pessoas ao nosso redor. Nunca aconteceu de beijar uma mulher e sentir tesão.


11. Antes da sua cirurgia, em 2012, você chegou a comer alguém? Não, não aceitava, não via como algo natural. Mas se hoje minhas amigas me perguntassem “você gostaria de ter um pinto por uma semana?”, eu teria essa curiosidade, para provar como é penetrar uma mulher, a sensação. Não é que eu gostaria de voltar a ter um pênis. Nem lembro assim do meu, é como se nunca tivesse tido.


12. Você acha que a operação foi boa ou ruim para a carreira? No início, as pessoas achavam que seria ruim, que eu perderia o poder que tinha. Posso ser sincera? Fiz mais dinheiro depois, mas não por isso. Foi porque os clientes foram me conhecendo. Antes eu fazia mais desfiles, hoje faço mais campanhas.


13. E a primeira vez depois da cirurgia, como foi? [Longo silêncio.] Foi fofo. Podia ter feito com outro, mas tive sorte e ele foi supercuidadoso. Ah, era a primeira vez. A segunda foi melhor. E o prazer é igualzinho, é muito doido, não existe esse negócio de que não tem orgasmo. O pênis é como um clitóris que se desenvolveu. Na operação, eles encolhem e embolam os nervos para transformar em um clitóris, então você tem o mesmo tipo de sensação de antes.


14. Você foi a primeira mulher trans a posar para uma grande grife, a Givenchy, a entrar para a lista de top models do respeitado site models.com e a ser o rosto de uma empresa de cosméticos, a Redken (que renovou para 2016). Tudo isso de seis anos para cá. Acha que demorou demais? Nunca quis inaugurar nada, e, na minha categoria, sou umas das pessoas mais sortudas. Mas acho que a situação piorou. Na Grécia Antiga nós éramos sagradas, os artistas e filósofos escreviam para nós. Aí houve um retrocesso. As coisas estão mudando agora porque, além de mim, existem mais cinco famosas, mas temos que lembrar que todo dia morre transexual no Brasil. Sofro discriminação diariamente. Recebo e-mails de meninas

que não têm dinheiro para comer, que os pais estão expulsando de casa.


15. Quer dizer que você não é otimista com o futuro? Eu sou e tento pensar que as coisas estão melhorando, mas há uma chance maior de eu sofrer violência. Gosto de viajar de mochila pelo Brasil, mas não sei quem vou encontrar. O cara escuta a minha voz, e aí? Quebra a minha cara? Me estupra? Tenho 34 anos e morei quase a vida toda na Itália, um dos poucos países europeus onde a união civil gay não é legalizada. Imagina falar sobre transexualidade. Foi muito difícil começar a transição em um lugar onde ser brasileira, negra e transexual era ser confundida com prostituta.


16. Quando você decidiu fazer a cirurgia, chegou a passar pela sua cabeça se prostituir caso sua família não a apoiasse? Sim. Eu escutava os casos das meninas e pensava: “Vou ter que ir pra rua”. Elas falavam que eu não ia conseguir emprego, como elas não conseguiram. Liguei para os amigos falando: “Quero que vocês saibam que vou seguir minha transição e vou ter que me prostituir, porque vou precisar de dinheiro caso os meus pais não me aceitem”. Essa decisão foi horrível, mas buscar a felicidade não tem preço. Era como se eu tivesse uma doença e a única cura fosse aquilo. Aí eu tive a bênção. O Riccardo Tisci (diretor criativo da grife italiana Givenchy) me colocou em uma campanha para eu não precisar ir pra rua.


17. Você é religiosa? Muito. Acho que a religião é como um manual para falar com Deus, e cada um usa o que fala mais a própria língua. E tem as pessoas que são poliglotas, entendem todas e as aceitam. Sigo o cristianismo, a religião hindu, o budismo, o xamanismo, sou bem eclética. Aprendi que meu corpo tem valor e que meu espírito tem ainda mais, tenho que cuidar bem dele. Também aprendi a dar valor ao que está em volta – a mata, a natureza, os animais. Estou há quatro, cinco meses morando em Alto Paraíso, em Goiás. Ainda fico pouco por causa do trabalho, mas quero me organizar para ficar lá. A medicina alternativa indígena me curou da sociedade, do que as pessoas nos impõem. Minha vida mudou, e eu amo. É uma filosofia, talvez a mais antiga de todas: o amar você, porque a natureza somos nós.


18 Há uns anos rolou um convite para posar para a PLAYBOY. É verdade que seu pai foi contra? É. O meu pai não era muito otimista, ele é ciumento. Mas não foi por isso que não fiz. Pago minhas contas, sou independente.


19. Hoje você faria? Não tenho problema de ficar pelada, mas acho que não seria muito vendida. Não sou uma Bond Girl. Imagina esse bruxão de cabelo preto comprido, magrela desse jeito. Não sei...


20. O “T”, de Lea T, é uma homenagem ao Riccardo Tisci, que deu o pontapé na sua carreira. Só que hoje, nas redes sociais, você é Lea Cerezo, como o seu pai. Esta entrevista é da Lea T ou Lea Cerezo? Acho que hoje sou mais Lea Cerezo. Eu mudei. Na época era mais ligada à Givenchy, ao Riccardo. Hoje moro em Alto Paraíso, não fico tirando 20 mil selfies para ganhar followers no Instagram. O “T” na verdade foi por causa da mãe dele. Na época em que eu estava com medo do meu pai não me aceitar, fui chorar na casa dela, que me disse: “Não se preocupe, se a sua família não te aceitar, você é uma Tisci”. Sou eternamente grata, me ajoelho na frente dela. Amo meu pai, amo a mãe do Riccardo, amo ele, amo todo mundo, então pode colocar o nome que quiser.


EDIÇÃO DE MODA GREGÓRIO SOUZA BELEZA MARQUITO COSTA ASSISTENTE DE FOTOGRAFIA EDUARDO MALTA ASSISTENTE DE BELEZA CARLOS ROSA


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