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LETÍCIA SPILLER | AGOSTO, 1995



A BABALU DE QUATRO POR QUATRO FALA DE AMOR,

DE SEXO E DO QUE ESTIMULA A SUA FANTASIA.


POR: JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS FOTO: NANA MORAES


No início era Pituxa Pastel, depois fez-se Babalu. Os codinomes continuam pobres, mas o cacife de Leticia Spiller melhorou muito ao passar do elenco das Paquitas para o das atrizes de novela. Dona Ruth Cardoso andou fazendo algum sucesso. Mas, neste primeiro semestre de 1995, nenhuma mulher se aproximou de Letícia em matéria de seduzir um país inteiro. Ela fez em Quatro por Quatro, na Globo, uma personagem quase improvável — uma manicure suburbana sempre de shortinho, bustiê, unhas vermelhas, enorme disposição para o espalhafato — e deixou a certeza de que o clichê se faz novamente desculpável: graças a Deus, nasceu outra estrela.


Aos 22 anos, com aquelas perninhas grossas que identificam a garota da Zona Sul do Rio esculpida nas academias de malhação, Letícia saboreia a sorte de ter nascido loura, de olhos azuis, e um dia, aos 15 anos, estar em frente da televisão quando Xuxa anunciou que precisava formar um conjunto de dançarinas justamente com aquele perfil. De “arte”, tudo o que sabia era fazer o papel de madrasta da Branca de Neve nos teatrinhos que montava em casa com os amiguinhos. Marlene Mattos, a todo-poderosa produtora, não se impressiona com o tamanho dos currículos. Escolheu Letícia para Paquita. Xuxa cunhou-lhe o Pituxa Pastel por causa de um certo olhar vago que acomete adolescentes sonhadores. Era a inscrição numa escola de muita disciplina, e que custou algumas lágrimas quando o pastel era esvaziado pelas broncas de Marlene. “Aprendi muito lá”, agradece Letícia, já seria e incomporando a personagem do drama Abelardo e Heloísa, que irá encenar em outubro, no Rio, dirigida pelo vanguardista Moacyr Góes.


É uma mulher muito bonita e qualquer esquina de Ipanema, por onde continua passando rumo a corridas na areia, reconhece isso com vibração. Nada a ver com aquele delicioso charme intelectualizado que vem de Malu Mader, muito menos com o bibelozinho Cláudia Abreu, duas de nossas deusas queridas, mas que não sairiam unânimes num debate de sensualidade de massa. Letícia Spiller, 1,70 metro, 58 quilos, é o chamado vulcão sexual. Mais que isso. Anexo à um copo de curvas espetaculares, vem um rosto que, se já não houvesse o clichê do primeiro parágrafo, só poderia ser adjetivado de angelical. Os fabricantes de sabonete lhe fazem propostas diárias de publicidade. Os rapazes também se movimentam, já informados do desenlace de um romance de três anos que ela mantinha com um empresário carioca. Mas, ao contrário da Babalu, a espevitada namorada de Raí (Marcelo Novaes) em Quatro por Quatro, Letícia é discreta quando o assunto é o que lhe vai no leito da alma: “Não vem ao caso quantas relações eu tive, quando foi a primeira ou a última. O importante é estar satisfeita com o que eu vivi da minha vida até agora.”


Nos últimos meses ela foi submetida à exaustiva rotina das novelas da Globo, tendo às vezes que ralar até catorze horas seguidas no poeirento e ainda inacabado complexo de cidades cenográficas, o Projac, que a emissora está construindo no distante bairro de Jacarepaguá. Sobrou pouco tempo para procurar os quatro irmãos e os pais. Letícia está morando sozinha pela primeira vez, num apartamento decorado com bicicleta ergométrica (“a saída para quem não tem muito tempo para exercícios”) e pôster de Marilyn Monroe, uma de suas paixões (uma outra, a mais proibida que se permite revelar, são os chocolates). Na vida real ela não tem nada a ver com a ambulante zoeira visual e auditiva Babalu. Fala baixo e, neste inverno, trocou o bustiê vermelho, com que uniformizou as adolescentes brasileiras, por um felpudo pulôver listrado, requinte da moda mais sofisticada.


Em agosto de 1991, dois garotos do interior de São Paulo transformaram um automóvel num tanque de guerra — era possível atirar escopetas do porta-malas — e viajaram ao Rio numa missão que parecia ter como finalidade sequestrá-la e mais Xuxa. Acabaram mortos pela polícia. Letícia prefere não se lembrar de nada disso e anda pelas ruas da cidade sem qualquer segurança especial. O Brasil, embevecido, lhe murmura coisas ao ouvido. “Não vou contar os galanteios que recebo porque vão achar que eu fiquei besta”, disse Letícia ao repórter Joaquim Ferreira dos Santos, que a entrevistou para PLAYBOY. “Eu sou muito crítica comigo mesma e é bom ouvir um elogio, que bota a gente pra cima.” A voz do povo — se permitem um último clichê ao gosto do salão da Babalu — é a voz vocês sabem de quem.





1. Qual o tipo de homem que te atrai? Não tenho um tipo certo, mas é preciso que seja carinhoso e possa ter uma troca. Ele precisa ter um charme, um cheiro. A beleza não é importante. A descoberta de tudo começa pelo olhar. Se fosse montar o boneco de um homem bonito, ele teria a boca daquele lourinho que fez Lendas da Paixão, o Brad Pitt, e a barriga do Harvey Keitel, do filme O Piano. Ele já é mais velho, mas panela velha é que faz comida boa. Só que nada disso tem importância. Homem ideal nunca vai existir. Cada homem que pinta é o homem do agora, é o homem que me atrai, não tem essa de beleza. Um homem interessante, charmoso, é um homem que tem fogo. Você vê que tem uma chama dentro dele. Não é aquele que joga charme, é aquele que tem isso por naturalidade.


2. Fortões, machões, assim como o Raí de Quatro por Quatro, fazem seu tipo? Um corpo bonito não faz mal a ninguém. Não precisa ser um marombeiro, musculoso, mas ter o corpo bem definido eu acho legal. Mas não adianta nada ser uma massa e “rau” [otário, bobão]. É

aquilo que eu falo: se tem corpo bonito, maravilhoso; se não tem, não faz diferença.


3. Não sei se você concorda, mas seu último namorado não era um tipo clássico de beleza... Lindo não era, mas tinha o charme dele, né? Eu achava ele bonito. Cada um tem o seu charme, Eu nunca tive namorados que você falasse assim: “Nossa, esse cara é lindo, perfeito, puxa, olha o namorado da Letícia.” Nunca tive. O que me atrai num homem não é a beleza.


4. Vocês acabaram um namoro de três anos. Por que as relações acabam? Esse relacionamento foi uma experiência inédita e maravilhosa na minha vida. Foi ótimo enquanto durou, mas não houve discernimento e é só isso que eu quero falar. Agora, as relações acabam porque têm que acabar, porque não eram pra ser. Eu acredito nisso. Porque é o momento de ficar só, é o momento da sua solidão. A gente quase não tem tempo pra pensar na gente e é por isso que as pessoas fazem terapia, porque é uma do dia que elas tiram pra si, para resolve suas coisas, para ver como anda sua cabeça. Muitas vezes o relacionamento cai nessa loucura. No tempo que você está livre, está sempre com aquela pessoa. Acho importante as pessoas terem seu próprio espaço, seu momento, mesmo casadas.


5. Você acha que as relações amorosas conseguem durar mais de três anos? Eu não acredito em amor eterno, mas acredito em amor pra vida. Tudo que a gente tem certeza na vida não vai pra frente. A minha teoria é essa. Eu acho que a partir do momento em que você tem uma pessoa que você ama muito, isso pode ser mantido pelo resto da vida. Talvez, sim, talvez, não. E é assim que vai caminhando. Acredito em amor assim, inteiro, mas não acredito que nada seja para sempre, entendeu? Só se realmente isso for vivido agora. Aí pode ser que seja para sempre.


6. Na vida real você se parece em alguma coisa com a Babalu? Eu acho que a Babalu é uma mulher honesta, sincera, forte, digna, trabalhadora, batalhadora, e tudo isso eu tenho desde pequena. Nunca esperei que fizessem por mim, sempre fui atrás do que eu queria, e a Babalu tem um pouco disso. Ela sustentava a casa como manicure. Não que a minha vida seja igual à dela, mas eu também sempre quis ser dona das minhas coisas, sem precisar de pai, de mãe, de avô. Tenho também algumas explosões, mas não tão fortes como as dela [risos].


7. E a sensualidade? Bom, eu não uso as roupas da Babalu, não sou tão espalhafatosa quanto ela e, dependendo do lugar, sou muito discreta. Quando estou com os meus entes queridos, sou uma festa. Agora, a sensualidade, acho que tenho um mínimo disso, sim. Gosto. Sou geminiana. Gêmeos é um signo sensual. A Marilyn é Gêmeos.


8. O que estimula a sua fantasia? Um bom lugar, pode ser na montanha ou no mar, dá tesão. Se estiver frio, um bom vinho ou uma sangria, uma lareira. Acho que, para depois, o mar tem uma coisa mais afrodisíaca. Mas eu ligo muito a erótica com fruta, porque determinadas frutas e misturas são afrodisíacas. Morango com chocolate, sabe?, essas coisas assim.


9. Você tem sonhos eróticos? São raros e eu não vou contar. Mas outra noite eu tive um sonho de que ainda me lembro. Era eu e um grande amigo, assim como se fosse um pai pra mim. Nós estávamos no meio da floresta, cada um com um arco e flecha na mão, e ele dizia: "Vambora, Lelé, vamos caçar." Eu acho que esse sonho significa a caça da vida, o caçador. Sabe aquela música do Milton, Eu Caçador de Mim? Eu acho que é isso, a caça da vida mesmo. Eu me sinto um pouco esse caçador em busca.


10. Qual é a próxima busca? Vou fazer uma peça uma peça chamada Abelardo e Heloísa, com direção do Moacyr Góes. É a história verídica de um teólogo celibatário e uma menina-mulher muito inteligente grande transgressora pra época medieval que eles viviam, e que entrou para o noviciado para poder viver esse amor. Heloísa encontra Deus, encontra com Deus no amor que ela sente por Abelardo. Eu serei a Heloísa.


11. Você iria tão longe por um homem? Olha, por incrível que pareça eu tenho umas coisas em comum com a Heloísa, que é o jeito livre de ser. Ela anseia pela liberdade: pela troca. O Abelardo é castrado quando o bispo descobre que ele se casou com Heloísa. Mas mesmo assim ela não quer deixar de viver esse amor. Eles passam a se corresponder. Então, o amor, a paixão, o tesão, é todo encontrado nas palavras, na troca das ideias deles, e eles têm encontros, ela sustenta o amor até o fim. Ela, que rompe a carne, uma mulher linda, na flor da idade, ela abdica do sexo pelo amor.


12. Você já viveu um amor assim? Quando a gente se entrega a uma pessoa, a gente vive esse amor até a última gota. Uma vez eu senti um amor assim, não dessa maneira, porque nos vivemos em outro tempo, eu era muito jovem ainda. Não, ele não era castrado [risos]. Senti uma coisa forte, muito forte, parecida com isso, sim. Mas ainda vem aí uma coisa que vai transgredir muito mais [risos].


13. O amor tem de ser transgressor para valer a pena? O amor transgride qualquer coisa, qualquer situação. Eu acredito no amor sendo uma coisa possível dentro do impossível. Acredito que transgride tudo, corpo, matéria, situações, socieda­de. O amor vem do amor, não vem de estrutura. Eu prefiro sentir o amor assim dentro de mim do que de outra forma, me prendendo em coisas materiais.


14. Quais são os limites numa rela­ção homem-mulher? O que não pode é prender, nin­guém prende ninguém. Posse é um senti­mento que prejudica a relação se não for controlado. Eu acho que, tendo respeito e dignidade, você pode ser muito feliz com outra pessoa. De resto, não vejo limi­tes. Acho que no sexo a única vulgarida­de é se prostituir. Às vezes se prostituir não é nem se vender na rua. Se prostituir é fazer coisas contra a sua vontade. Ciúme, na dose certa, é até bom, alimenta um pouco o ego da pessoa amada. Eu sou do tipo "ciumenta bem controlada".


15. Quem é sensual entre as mu­lheres? Marilyn. Eu tenho um pôster com várias fotos dela que eu agora man­dei enquadrar para botar no corredor da minha casa. E um pôster enorme, com ela da cintura para cima, em várias ex­pressões, lindo. A Marilyn tem essa coisa de ser loura, branquinha. Gosto do sorri­so dela e me identifico com outra coisas também. Ela está sempre com um sorriso na boca. Acho que todo geminiano tem um lance assim, uma sensualidade embu­tida. São pessoas extrovertidas, para cima.


16. E a outra lourinha, Xuxa: qual foi a importância dela em sua vida? A Xuxa é um passarinho, por­que ela voa por todos os lados. Ela voou bem alto na vida dela devido à disciplina com o trabalho, é muito séria no que faz. As Paquitas foi meu primeiro traba­lho profissional e aprendi muito. Infeliz­mente não tenho tido contato com a Xuxa. Ela fez sua opção de vida e nin­guém tem nada com isso. Se ela está so­zinha ou não, se pode sair na rua ou não, quem tem que se preocupar com is­so é ela. Eu, o que eu quero para minha vida é muita simplicidade, viver meu tra­balho, construir minha relação com as pessoas. Vou continuar a andar na praia, corno faço hoje, sempre.


17. E a Marlene Mattos, te fez cho­rar muito? Ahnnn... só no começo. Mas isso também é urna sensibilidade minha, porque sou uma pessoa sensível. Não te­nho do que me queixar. Ela não fez na­da para me provocar choro. É um amor de pessoa, uma mãezona. Nosso lema — o meu, o dela — é trabalho. Sempre fui dona das minhas coisas, sempre fui superdisciplinada, e é normal que aos 15 anos, se eu não pu­desse estar com as minhas três amigas ou os meus cinco amigos, que de repente me sensibilizasse e chorasse. A Marlene sempre me deu força. Gosto desse jeito dela. Para controlar uma equipe com tantas pessoas você tem que ter autoridade. Tudo bem que às vezes ela podia até exagerar, mas é o jeito dela. Quem quiser ficar, fica, quem não quiser ficar, não fica, porque é ela quem coman­da aquilo e pronto.


18. O que você achou das novas Paquitas? Achei uma graça, super-educadas. Estive com elas e dei alguns conselhos sobre discipli­na, sobre como não deixar que a mãe e a família influenciem no trabalho. Quem está trabalhando ali, quem está levando o dinheirinho para casa, é você. Às vezes as pessoas confundem muito. Porque você é novi­nha, está começando cedo, a família acha que tem que controlar. Isso não po­de existir. A Marlene está lá para isso, pa­ra dizer o que é certo e errado dentro do trabalho. A minha mãe me acompanhava mas nunca se meteu.


19. Sobre sexo, o que você falaria às adolescentes que, como as Paquitas, vêem as aventuras da Babalu? Eu acho que o importante é en­contrar alguém que valha a pena, que você possa viver não só uma relação se­xual mas momentos de paixão, de amor, de troca, porque assim é que é gostoso. A pessoa não precisa te amar profundamente, mas que tenha carinho por você. O adolescente hoje tem mais conscientização sexual e está com a mente mais evoluída, sabe da necessida­de do sexo seguro. Isso é que interessa. Não importa se está dando muito ou se está fazendo isso ou aquilo. Está se cui­dando? Então tudo bem, pode fizer o que quiser. Mas para mim o importante é o carinho. Antes do sexo, unia relação pessoal.


20. O que você espera do seu pró­ximo namorado? Que seja infinito enquanto dure.


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