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Reportagem


Nudes em profusão, voyeurismo digital, ensaios para redes

sociais: decifrando a exposição do corpo em tempos de internet.


POR NATALIA HORITA

ILUSTRAÇÕES LUDZEG


Em setembro de 2015, o editor da PLAYBOY americana Cory Jones foi visitar Hugh Hefner, lendário fundador do título, em sua igualmente lendária mansão, em Los Angeles. Da conversa ocorrida entre quatro paredes sairia uma decisão que mudaria os rumos de uma revista que foi pioneira em levantar a discussão da libertação sexual e responsável por impulsionar mudanças de comportamento em várias sociedades. Lá dentro, a sugestão era radical: após 62 anos publicando fotos de mulheres (anônimas e famosas) nuas, Jones estava naquela sala para tentar convencer Hefner de que a PLAYBOY deveria voltar atrás. Para ele, era hora de deixar de publicar essas imagens e começar a estampar ensaios sem nudez explícita, mas ainda provocativos e sensuais. O argumento de Jones era simples, porém taxativo: “Hoje em dia, todo mundo está a um clique de distância de todos os atos sexuais imagináveis”, afirmou ao jornal The New York Times à época.


Acatada por Hefner, a transformação se completou em março deste ano, quando a primeira edição da nova PLAYBOY americana chegou às bancas sem sequer uma foto de nudez. A concorrência da PLAYBOY, resumidamente, vem dessa tal história de trocar nudes – prática mais comum do que se imagina.


EU MANDO, TU MANDAS, ELE MANDA


A distância de um clique que Cory Jones comentou, afinal, é reflexo de uma sociedade hiperconectada: celulares com câmeras cujo desempenho não fica muito aquém de aparelhos profissionais; abundância de programas de edição de imagem; aplicativos em que o tempo de existência de uma foto é pá-pum... Imagens contendo nudez (sensual, artística, política) estão no Instagram, em Tumblrs, no Snapchat, e percorrem o mundo num ritmo difícil de acompanhar. A reformulação da PLAYBOY americana absorveu essa linguagem: a capa do primeiro número da nova fase, além de remeter à interface do Snapchat, trouxe uma selfie.


A internet existe como a conhecemos desde os anos 2000, mas continua sendo terra de ninguém. É muito difícil identificar com precisão o momento em que um termo ou uma expressão vira “oficialmente” um meme. Mas, no caso de “manda nudes”, o Google Trends ventila uma possibilidade: os termos passaram a ser mais buscados em março de 2015, quando um Tumblr homônimo começou a publicar logos conhecidos (como o da Sessão da Tarde e do Fantástico) substituindo os títulos pela expressão. Em julho do mesmo ano, ela atingiu o auge de popularidade e, graças a seu cunho divertido, virou gif e originou outros memes.


A piada tem seu fundo de verdade. Especializado em pesquisas online, o Instituto Qualibest encabeçou um estudo no qual constatou que 46% dos entrevistados já compartilharam fotos ou vídeos contendo nudez própria. Datado de outubro de 2015, o detalhamento foi feito com 463 pessoas entre homens e mulheres de 16 a 30 anos de todo o Brasil.


“Antes, se sentir desejada por milhares de pessoas era algo exclusivo das capas da PLAYBOY. com as redes sociais, esse comportamento exibicionista está ao alcance de todos.” Marielle Kellermann, psicanalista.

Na visão da psicanalista Marielle Kellermann Barbosa, esse hábito reforça uma característica humana, que tem raízes numa vaidade natural e intrínseca às pessoas. “Antes, se sentir desejada por milhares de pessoas era algo exclusivo das capas da PLAYBOY. Com as redes sociais, esse comportamento exibicionista, que é muito natural, passou a ter amplitude, está ao alcance de todos”, analisa. Para a profissional, as infinitas possibilidades tecnológicas (Snapchat, Instagram, Tumblr, Telegram) criaram novos veículos, mas não novos desejos: “O comportamento exibicionista sempre existiu”, acredita.


É também uma questão geracional. O americano Marc Prensky, especialista em tecnologia e educação, foi o primeiro a usar o termo “nativos digitais” para se referir à geração que já nasceu habituada à linguagem e às possibilidades da internet. “Entre os adolescentes, trocar nudes é algo comum; não há uma questão, não existe um tabu ou uma polêmica”, pontua Marielle. “Já os jovens e adultos se aventuram, mas com mais cautela. São os que Prensky chamaria de ‘imigrantes digitais’. Ou seja, são os que precisam aprender uma nova linguagem, os que necessitam se adaptar a um ambiente que não lhes é natural”, continua Marielle.


Para a sexóloga e terapeuta Carla Cecarello, a onda de trocar nudes e se expor foi naturalizada a partir do momento em que a nudez deixou os sites dedicados única e exclusivamente à pornografia e foi parar em redes sociais comuns do dia a dia. Mas, ela alerta, é sempre bom dar passos com cautela, especialmente as mulheres. “A corda sempre estoura do lado delas.” Não são raros os casos de vazamento de fotos, que acabam invariavelmente prejudicando os envolvidos. “Tenho pacientes que foram demitidos, entraram em depressão, tiveram fotos nuas coladas em postes e em outros locais públicos perto da casa e do trabalho”, relata.


Uma página na internet reúne 5 milhões de usuários dispostos a ver, serem vistos e se mostrarem. As fotos e vídeos escancaram tudo e mais um pouco: peito, bunda, cu, pau e sexo, muito sexo explícito.

VOYEURISMO DIGITAL


Uma página na internet reúne 5 milhões de usuários dispostos a ver, serem vistos e, mais que isso, se mostrarem. As fotos e vídeos, pra lá de explícitos, escancaram tudo e mais um pouco. Peito, bunda, cu, pau e sexo, muito sexo: vaginal, anal, oral, grupal. Só rostos são preservados e não entram na jogada. No mesmo site, um mural esmiúça uma agenda na qual os eventos vão de swings em casas afamadas por sediar eventos do tipo até outras orgias espalhadas pelo país.


Não é deep web. Trata-se da rede social Sexlog, lançada em 2006 e hoje considerada a maior do Brasil. “Nos primórdios das redes sociais já existiam vários fotologs com foco no compartilhamento de imagens eróticas, e percebemos que havia interesse suficiente para criar algo exclusivo para isso”, conta Mayumi Sato, diretora de comunicação do Sexlog. Assim que a rede social foi lançada, a ideia era ser apenas uma plataforma imagética. Mas os participativos usuários contribuíram com algumas ideias que deram uma cara mais completa ao site. Hoje, além do mural de troca de mensagens, perfis com nomes como @mulherousada e @transexloirabsb podem postar vídeos, fazer livecam (exibição em tempo real; pode ser um strip, masturbação, sexo etc.), marcar eventos e outras conexões típicas de redes sociais. O Sexlog é, resumidamente, uma rede de voyeurismo digital – que nem sempre se transporta para o mundo real. “As pessoas entram para se exibir. Sentem ainda mais prazer quando percebem que todo mundo lá dentro tem corpos ‘reais’, atingíveis”, reforça Mayumi.


Para entender melhor o perfil dos heavy users do Sexlog, a cúpula gestora do site com frequência organiza pesquisas. Com base nelas, Mayumi consegue enumerar algumas características dos perfis mais bombados da rede. “Em primeiro lugar, são pessoas bem exibicionistas: se dedicam a produzir fotos e vídeos diferentes, como ao ar livre e em praias de nudismo”, exemplifica. “Também têm mais audiência aqueles que usam o site com regularidade, e que diversificam o conteúdo que postam”, continua Mayumi. Outras particularidades curiosas surgem nesse detalhamento: o perfil mais procurado na rede é “corno” (“existe um fetiche grande em ver a própria companheira transando com outro homem”, explica Mayumi); a região Sul do país tem um volume de casais mais confortáveis com ideias relacionadas à prática de swing; segundas e terças-feiras à noite são os momentos de pico de audiência (“as pessoas voltam do fim de semana em família e querem extravasar”, teoriza Mayumi).


EU QUERO, EU POSSO, EU VOU FAZER


Na coletiva de imprensa que anunciou Luana Piovani como a primeira capa da nova fase da PLAYBOY Brasil, uma frase da musa ganhou destaque. Ao ser questionada sobre os motivos que a levaram a topar um ensaio para a revista desta vez (após incontáveis convites, todos negados), Luana foi objetiva: “Eu quero, eu posso, eu vou fazer”. Essa determinação é um ponto em comum no discurso de muitas outras mulheres que aceitam convites para estrelar ensaios, muitas vezes online. No Instagram e em outras redes, é fácil encontrar extensos editoriais, alguns bastante produzidos, envolvendo fotos de nudez.


O que motiva essas pessoas – anônimas ou não – a protagonizarem ensaios nus, ainda mais se não há cachê envolvido? É difícil precisar, mas se especula (com bastante fundamento) que a primavera feminista seja um importante catalisador desse movimento. “Todo esse discurso de empoderamento que ganhou espaço nos últimos dois anos estimula as mulheres a se enxergarem bonitas, mesmo com corpos diferentes do padrão”, acredita a psicanalista Marielle Kellermann. A história só permite que um movimento tenha nome, datas e outros “detalhes” mais pra frente, mas é notório que algo está acontecendo. Se até pouco tempo atrás os ensaios de moda, as capas de revista, as publicidades e outros espaços da mídia eram privilégio de mulheres inseridas num padrão, com uma determinada idade, hoje o que se questiona é exatamente esse padrão quadradinho. Essa reflexão tem estimulado mulheres distantes desse modelo a se aceitarem, se verem bonitas, gostarem da própria imagem e, por isso mesmo, desejarem exibi-la por aí. Ou seja: elas querem, elas podem, elas vão fazer.


A postura de Maria Clara Cassemiro resume bem essa obstinação. Fora do estereótipo de beleza disseminado pelo mundo, a mineira de 27 anos teria ainda outro motivo para recusar um convite para posar nua. Em janeiro deste ano, quando fez uma cirurgia de redução de mamas, acabou perdendo o mamilo direito. Ainda assim, ao saber do projeto ElaCrua, do fotógrafo paulista Alberto Prado, não titubeou em pedir para participar. “Foi uma experiência libertadora, me senti quebrando preconceitos. É ótimo saber que posso ajudar as mulheres a se sentirem melhor”, diz Maria Clara. As fotos revelam uma mulher decidida e bem resolvida com o próprio corpo. “É uma alegria me ver no espelho e não ter vergonha de nada”, arremata. A mesma sensação gratificante inundou Jacqueline Jordão, 21, outra modelo do projeto. “Quando você está nua, só o que aparece é sua personalidade. Eu sempre amei meu corpo e meu manequim 52. Se alguém que olha se incomoda, o problema é da pessoa”, ensina.


Após dez anos amadurecendo a ideia, o fotógrafo Gabriel Wickbold resolveu colocar no ar o Antes Nua do Que Sua. Criado especialmente para o Instagram, o projeto reúne fotos de anônimas e famosas (Cláudia Raia, Adriane Galisteu, Gabriela Pugliesi e a nossa estrela da capa de maio Vivi Orth) nuas. “O compartilhamento de imagens está muito instantâneo. Quis fazer algo que celebrasse a fotografia clássica, em preto e branco, mas que funcionasse para dias atuais”, comenta Wickbold. Nas legendas há frases de combate à violência contra a mulher. “O projeto nasceu com esse propósito. Acho que as pessoas estão usando o próprio corpo porque, além do impacto imagético, tem uma questão de autoindependência”, desenvolve o fotógrafo.


Como o ElaCrua e o Antes Nua do Que Sua, muitos outros trabalhos preenchem páginas e páginas da internet ou de redes sociais, cada um com um preceito, uma linha editorial e um posicionamento: Nu Mondo, The Topless Tour, The Nu Project, 365 Nus e outros. Às vezes, como é o caso dos dois últimos listados, os projetos se transportam para o mundo real e viram livros, exposições, camisetas e quadros. Outras, ficam “apenas” no mundo inesgotável da internet, eternizados pelos milhões de likes e views que arrancam.


PÁGINAS INDISCRETAS


Seja pelos nudes, pelo novo voyeurismo ou pela disposição em posar nu, a mensagem é cristalina: as pessoas estão lidando mais tranquilamente com a própria sexualidade. “E é um

comportamento gradativo: quanto mais alguém se exibe, mais quer se exibir”, emenda o psiquiatra Adiel Rios. “O ser humano gosta de se mostrar para ser querido, para ser aceito, para provar algum ponto”, continua.


Outra mensagem cristalina é que, embora a profusão de redes sociais e a facilidade da internet potencializem certas vontades, posar para uma revista ainda resguarda certo charme. Há algo de prazer tátil em folhear uma publicação, percorrer páginas e páginas com imagens que contemplam o belo, que desmitificam alguns tabus com o corpo e que celebram a nudez – própria e alheia. Não fosse essa certeza, talvez a sugestão de Cory Jones tivesse sido ainda mais radical: fechar a PLAYBOY de vez.


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