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MARISA ORTH | JULHO, 1998

Playboy Entrevista



Uma conversa franca (e inteligente) com a Magda de Sai de Baixo sobre bastidores da TV, sexo, drogas, política, fãs e a delícia de ser uma estrela


"Ela deve ser tímida na cama." Assim falou Sabino Bispo da Silva, 35 anos, pedreiro, ao ver as sensacionais fotos da atriz Marisa Orth em PLAYBOY de agosto do ano passado, um recorde de tiragem nos 22 anos da revista do Brasil, com mais de 1 milhão de exemplares impressos. "Interessante, esse pedreiro. Gostaria de conhecê-lo. Ele entendeu tudo", diz Marisa, erguendo suas sinuosas sobrancelhas, quase um ano depois do ensaio. E assim está explicado por que ela preferiu interpretar personagens eróticas, como as pin-ups dos calendários americanos, em vez de posar como ela mesma. "Eu tenho vergonha, porra!"


Que ninguém se assuste com o jeito franco e direto de Marisa falar. Ela é assim mesmo. Seu humor varia da fina ironia ao desaforo trovejante, da rude sinceridade à tirada bem-humorada. Trata-se, enfim, de 1,76 metro de curvas administradas primordialmente pelo cérebro. Portanto, esqueça por algum tempo a impagável Magda de Sai de Baixo, personagem que a transformou de jovem talento em ídolo absoluto. Quem vai falar agora é Marisa Domingos Orth, 35 anos em outubro, paulista e paulistana, mistura borbulhante de sangue alemão e sangue italiano. Deixe de lado aquela imagem da sexy que só diz besteira, para a delícia de milhões de espectadores de todo fim de domingo. Em primeiro lugar, porque Marisa está longe de fazer a linha sensual no dia-a-dia, preferindo uma camiseta, um macacão jeans e velhas meias de lã para ficar em casa. Em segundo, porque, ao contrário de Magda, ela sabe muito bem o que diz, por que diz e como dizer. Não importa quem seja o interlocutor.


Marisa, por exemplo, disse um sonoro "não" a Paulo Ubiratan, o sumo diretor de teledramaturgia da Rede Globo de Televisão, falecido em março passado, ao ser sondada para um papel na novela Pedra sobre Pedra (1992), escrita por Aguinaldo Silva. "Ele ficou puto comigo. Não me chamou para mais nada", recorda ela, sem o menor arrependimento. Também pediu a sua advogada que estude o contrato que tem com a Globo para saber se alguma cláusula a impede de fazer cinema, já que a emissora, segundo ela, anda colocando objeções em nome de "problemas de datas" e "uso da imagem". "Então não posso mais tirar fotos nas férias?", reclama.


Marisa é boa de briga desde pequenina. Única menina em quatro irmãos, filha de um engenheiro e uma pedagoga, crescida num lar da alta classe média, foi, como ela diz, criada para ser crítica e cheia de opinião. Fortificava o espírito nos melhores colégios de São Paulo, enquanto o corpinho era moldado em aulas de balé e na natação do Esporte Clube Pinheiros, pelo qual chegou a ser campeã paulista duas vezes. Com um QI de 135 35 pontos acima da média —, aos 17 anos prestou vestibular para dois cursos concorridíssimos: Psicologia na Pontifícia Universidade Católica (PUC) e Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Entrou nas duas, mas preferiu a primeira porque "a GV fica num pedaço horroroso da Avenida Nove de Julho". Parecia coisa de patricinha frívola mas a verdade é que pouco importava o curso. Ela estava apenas cumprindo a exigência familiar de ter formação universitária. No fundo do coração, queria o palco.


O jeito foi cursar a PUC e a Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (EAD, para a qual entrou aos 18 anos) ao mesmo tempo. Psicóloga, jamais exerceu a profissão àquela altura, Marisa era uma starlet do pequeníssimo circuito alternativo paulistano, em peças de autores novos. Numa noite de 1986, ao viver a secretária Ludmila em Prepare Seus Pés para o Verão, de Marta Góes, o premiado dramaturgo paulista Flávio de Souza a viu da platéia e convidou-a para estrelar um texto dele, Fica Comigo Esta Noite, ao lado de Carlos Moreno, o moço da Bombril. Marisa levou o Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) como atriz-revelação e, de quebra, o convite do teledramaturgo Silvio de Abreu para um papel na novela Rainha da Sucata (1990), um dos maiores sucessos da história da TV Globo.


Foi assim que a descolada Marisa se tornou a popular Nicinha, uma ninfomaníaca apaixonada pelo personagem de Antônio Fagundes, e acabou conquistando o Brasil inteiro. Vieram depois aparições em programas como TV Pirata (1988 a 1994) e A Comédia da Vida Privada (iniciado em 1995), reforçando a porção humorística de uma atriz que, imaginem, queria mesmo era fazer uma tragédia grega. "Um Shakespeare eu ainda tenho que fazer", compromete-se. O fato é que, entre um trabalho e outro na TV, Marisa atuou em meia dúzia de filmes (o mais recente, Boleiros, de Ugo Giorgetti, ainda em cartaz), temperou a dramaticidade em outro tanto de peças incluindo Seis Personagens à Procura de um Autor, de Pirandello, com direção do venerável Paulo Autran e, sobretudo, manteve firme um pé tamanho 39 no showbiz alternativo. Depois de cantar no grupo Luni, Marisa passou nove anos na hilária banda Vexame!, no papel da cantora e apresentadora de auditório Maralu Menezes, com o melhor da música brega para platéias seletíssimas. No repertório, muito Sidney Magal, Antonio Marcos e, o papa da linha a-vida-como-ela-é, Odair José (aquele do hit Pare de Tomar a Pílula). A banda fez temporadas no Canecão, no Rio de Janeiro, e no monumental Teatro Amazonas, em Manaus, mas pendurou as perucas para sempre. O último show, em maio, foi conseqüência natural do alto custo de produção (com figurinos e cenários requintadamente cafonas para, às vezes, uma única apresentação) e da mudança do que Marisa chama de MMPBB Música Muito Popular Bem Brasileira. "Hoje já tem dupla sertaneja cantando O Homem de Nazaré", lamenta.


Marisa agora é exclusiva de Sai de Baixo, a ponto de ser, como o resto do elenco, mantida fora de sondagens para novelas e minisséries por proibição expressa do comando geral da Globo. No máximo, podemos tê-la um pouco mais às sextas-feiras, do meio-dia às 2 da tarde, divertindo os ouvintes da Rádio Transamérica de São Paulo, no programa Transação. E, claro, aqui em PLAYBOY, cuja edição em que foi capa, segundo a própria, fez-lhe o favor de levá-la a parar de se achar feia. "Com as fotos, a gente fixa uma idéia de que definitivamente é bonita."


Para entrevistá-la PLAYBOY enviou a editora-contribuinte Rosangela Petta, que conta: "A primeira vez que vi Marisa Orth foi doze anos atrás, no Espaço Off, em São Paulo, um reduto das modernices paulistanas onde não cabiam mais de quarenta pessoas na platéia. Como amiga da autora da peça e do produtor, Marta Góes e Celso Curi, esperava o de sempre: um pocket show de bom gosto. Mas saí de lá com um brinde a sensação de que havia presenciado o começo da carreira de uma estrela.


"Adoro quando acerto um palpite. Assim, foi com muito prazer que cheguei ao belíssimo apartamento de quatro dormitórios em que Marisa vive há seis anos com o produtor de cinema Evandro Hawilla Pereira, 32 anos, na Vila Madalena, para a primeira das duas rodadas desta entrevista. Gravamos, ao todo, 6 horas bem recheadas Marisa é tão fluente, expressiva e entusiasmada que tive de abusar dos pontos de exclamação na transcrição.


"Nem por isso nossos encontros foram suaves. Marisa é gentil e educada e deixa qualquer um à vontade mas sabe ser agressiva, dura e imperativa quando quer. Faz ironia, avança feito um tigre, mas depois recua e mostra fragilidade. Desconfiada, começou a conversa me entrevistando, para saber com quem iria falar. Devolveu-me várias perguntas, para me colocar no lugar dela. No final, disse que falou mais do que havia planejado, 'mas, tudo bem, foi gostoso'. Atrizes são assim, generosas, até por dever de ofício. O bom de Marisa é que ela dá bem mais do que se espera dos artistas. Coisinhas antigas, como verdade e pureza e não deve ser só pelo fato de estar no quinto mês de gravidez do primeiro filho."


PLAYBOY — Você vê Sai de Baixo em casa?


MARISA ORTH — Vejo. Agora estou desmamando um pouco. Consigo ver e sacar que não morro por causa disso.


PLAYBOY — Você se diverte?


MARISA — Me divirto.


PLAYBOY — E o que acha de Marisa Orth em Sai de Baixo?


MARISA — Agora consigo curtir mais. Sou muito crítica, exagerada. Vejo meu trabalho e, de vez em quando, acho engraçado. E gosto de ver a cara dos outros atores. Acho Luiz Gustavo uma obra-prima, puta ator, o melhor em cena.


PLAYBOY — Fazer a Magda nunca aborreceu você?


MARISA — Já. [Incomodada.] Eu entendo o que você diz. Acha que é propaganda machista, né?


PLAYBOY — Para esta entrevista, não interessa o que eu acho.


MARISA — Mas é uma revista machista. A gente tem que falar disso.


PLAYBOY — PLAYBOY não é machista, até porque gosta muito de mulher. E como você diz que é muito crítica...


MARISA — Já pensei muito nisso. Tenho uma ingenuidade, e uma sabedoria, de achar que o humor revela. Denuncia. Acusa. Critica. Não é realista.


PLAYBOY Sai de Baixo é uma farsa.


MARISA — É uma farsa. Não tem nada da Marisa. E tenho a pretensão de achar que algumas mulheres, ao contrário de uma leitura superficial, se perceberam Magdas. E se modificaram. Várias me disseram: "Eu falava umas coisas erradas, agora não falo mais... Eu jogava muito o cabelo assim [dá um solavanco com a cabeça], achando que era charmoso, agora estou vendo que é meio ridículo".


PLAYBOY — A Magda é uma caricatura?


MARISA — [Exaltada.] Pelo amor de Deus, aquilo não existe! É praticamente uma psicose.


PLAYBOY — Para compor a Magda, você quis fazer uma mulher ridícula?


MARISA — Não, quis fazer uma mulher que não existe. Como ridícula? Ela não é ridícula! [Alto.] Ela é um amor! Ela é amada! No fundo, todo mundo preserva a Magda. E ela me ensina coisas pra caramba. Eu, que sempre valorizei pra caralho a inteligência, que achava que era a única maneira de uma mulher ser querida e de valer a pena na vida, faço uma personagem que é uma anta... mas é amada!


PLAYBOY — Por que ela é tão amada?


MARISA — [Exaltada.] Porque ela ama! É aberta, fofa, brega, não tem vergonha de demonstrar sentimentos. As crianças amam a Magda porque ela odeia, ela tem tesão, ela chora, ela magoa, ela é totalmente ingênua. As pessoas falam: "Vai caçar sapo!" E ela vai! Ela é desprovida de maldade, de pensamentos, de engenharias.


PLAYBOY — Sim, no contexto...


MARISA — [Interrompe.] Na vida também, pô! [Pausa.] Estou sendo ingênua, também [abaixando o tom]. Sei que a Globo é um puta instrumento de dominação e que a gente vive num país machista pra caramba...


PLAYBOY — Onde a televisão ainda é o principal formador de opinião.


MARISA — É, o mantenedor da situação podre, sem cultura, que a gente vive. Não vou dizer que não.


PLAYBOY — Essa sua defesa da Magda é um jeito de você lidar com isso?


MARISA — É um jeito, talvez, que inventei pra lidar, mas é com essa boa intenção que faço meu trabalho. Acredito que a qualidade esteja nisso.


PLAYBOY — Como recebe as críticas sobre o estereótipo da gostosa-e-burra?


MARISA — No momento em que falam mal, é do meu papel e não da Marisa. Assim: "Gente, vamos reparar que a Magda é uma coisa a ser combatida". E eu concordo. Agora, quando a Luma [de Oliveira, empresária, atriz e socialite que desfilou no último Carnaval com uma coleira gravada com o nome do marido, o empresário Eike Batista] sai com o Eike no pescoço, acho um direito dela, absoluto! Foi uma fantasia erótica e, no ramo da fantasia, caguei pra quem é dominador ou dominado. O que a Magda fez? Não estava no texto, mas imediatamente botei uma coleira: CAKU, errado, com K e U [risos].


PLAYBOY — Você nunca ouviu uma crítica à Magda mais de perto? De sua mãe, por exemplo?


MARISA — Ouvi de atores, coleguinhas. Minha mãe, apesar de ter parado de trabalhar, tem uma formação feminista bastante sólida, mas mistura com o orgulho de mãe, é difícil. O que ouço mais é que, como atriz, sou pouco explorada porque o personagem é previsível, repetitivo, sem profundidade.


PLAYBOY — Desse jeito, o papel acaba perdendo fôlego?


MARISA — Sim. Acho impressionante como ainda não perdeu. Isso é que me choca: temos uma audiência maior do que no começo, batendo em 42, 43 [pontos de Ibope]. A média é 35, 38.


PLAYBOY — Você ainda ouve de vez em quando um "Cala a boca, Magda!"?


MARISA — Um? Eu escuto 52 "Cala a Boca, Magda!" por dia! É irritante. É horrível que alguém me mande calar a boca. Seria automático responder: "Cala a boca a puta que pariu". Mas é uma saudação. Com a Nicinha eu era saudada com "Ô, piranha! Ô, biscate!" Eu virava para xingar e o pessoal estava sorrindo. Era um alô.


PLAYBOY — Você está todo dia com humor para receber esse alô?


MARISA — É difícil pra caramba. Às vezes chego em casa machucada. Tem dias em que estou tentando argumentar, por exemplo, sobre uma situação cotidiana: "Espera aí, o meu troco..." e a pessoa fala: "Cala a boca, Magda!"


PLAYBOY — Como se defender disso?


MARISA — Sou boa de resposta rápida. Mudo o registro de voz, já boto um grave, olho com uma cara que sei fazer. Meu personagem Marisa também é muito forte.


PLAYBOY — Você evita ir a um supermercado, por exemplo?


MARISA — Evito, né? Tenho uma saudade de supermercado...


PLAYBOY — E a restaurantes?


MARISA — Depende do restaurante, da hora. Basta um chato pra acabar com o seu dia. Não precisa ser uma multidão, basta uma bêbada, um cretino. E os próprios amigos, que, às vezes, não entendem. O que mais ouço é "o preço da fama". O próprio fã fala isso: "Também, quem mandou? Você é a responsável."


PLAYBOY — E é?


MARISA — Não acredito. É um pouco de falta de cultura também. Respeitem o artista, porra!


PLAYBOY — Você tem medo de ficar com o carimbo de Magda na testa para o resto da vida e empatar sua carreira?


MARISA — [Longa pausa antes de responder, firme.] Eu supero a Magda.


PLAYBOY — Já pensou nisso?


MARISA — Já, opa! Com a Nicinha já tive esse medo. [Pausa.] Por que a gente vê um grande papel como uma marca? Será que o interprete do dr. Smith no [seriado dos anos 60] Perdidos no Espaço tem mais a reclamar ou mais a dever ao dr. Smith? Você propõe uma coisa para a vida, mas a vida propõe outra. Às vezes, você sai e diz: "Hoje vou arrasar com este vestido vermelho". Arranja um namorado e fala: "Foi o vestido vermelho". Dali a um mês é que ele fala: "Aquele seu sapato azul me pegou!" É a grande mágica da vida.


PLAYBOY — Dava para imaginar tudo isso quando você começou?


MARISA — Nunca imaginei que seria querida por fazer comédia. Eu queria fazer Medéia [clássico da tragédia grega], achei que era uma grande atriz dramática. Comédia, pra mim, era natural. Eu fazia teatro. Piada era em casa, pra família, pros primos, no Natal. Imagina se ia pensar em viver disso um dia? Quando vi que ia ganhar o meu pão, que funciona e sei fazer isso legal, falei: "Opa!" Mas a Magda não é comédia. É humorismo, é tiro: lá vem um piadão! E, se não vem o há-há-há, você fica com cara de cu.


PLAYBOY — Às vezes, no programa, a risada da platéia não vem. É chato?


MARISA — É, viu? Tem coisas que rolam no teatro [onde é gravado o programa] e não rolam na televisão, e vice-versa. No teatro, o mais fácil é a piada baixa ser engraçada porque, ao vivo, a platéia fala [excitada]: "Não acredito que o cara está falando isso!" Em casa, pela TV, o programa está frio, pasteurizado. E você fala [tom de tédio]: "Não acredito que o cara está falando isso".


PLAYBOY — Quando não riem da piada, foi a ficha que não caiu no público ou o ator que perdeu o timing?


MARISA — Às vezes, a piada é muito ruim e não tem o que fazer. Mas, às vezes, você erra o tempo, sim. E, às vezes, a platéia é burra — raro, hein! Confio mais na platéia. Porque tem umas piadas mais sofisticadas e você vê que poucos riem — mas riem muito. Agora, com palavrão, todo mundo ri. Ou ri ou se assusta.


PLAYBOY — O palavrão é necessário?


MARISA — Não acho. Funciona, mas mata um pouco as outras piadas. Diante da força de um "cu", o que pode ser mais chocante? Não acho engraçado. É mais forte fazer pensar no palavrão. Gosto do humor inglês, da escola americana, de sitcom [comédias de situação].


PLAYBOY — Houve uma onda de fofocas sobre os bastidores de Sai de Baixo, sobre brigas entre elenco, diretores e roteiristas. E um dos núcleos dramáticos, vamos dizer, teria sido formado por você e Cláudia Jimenez, a empregada Edileuza. Afinal, o que houve?


MARISA — O programa fez sucesso muito rápido, né? Ninguém esperava. A gente não entendia por quê. Quando você acerta, o que era instintivo, automático, você quer controlar. Isso dá uma agressividade nas pessoas, uma insegurança, tipo: "Vou querer repetir aquilo, hein!" E houve um enorme ataque da imprensa. Isso eu gostaria de dizer. Houve um interesse em botar fogo nessa... nessa...


PLAYBOY — Ciumeira no elenco?


MARISA — Tem competição até hoje, como em qualquer lugar. Já notou que plantas competem, que uma rouba a sombra da outra? Agora, muitas vezes a imprensa alterou declarações minhas, por exemplo, sobre os outros. A imprensa virou um sétimo ator. Vi uma mão da imprensa deliberadamente tentando desestabilizar o Sai de Baixo.


PLAYBOY — Por quê?


MARISA — Segundo o Boni [José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, consultor da presidência da Rede Globo], porque a gente mobiliza muita grana de publicidade.


PLAYBOY — São mídias diferentes, o preço é outro, TV não compete com jornais e revistas.


MARISA — Para o Boni, sim. Também não entendi. Agora, descobri que aquele ditado, "falem mal, mas falem de mim", é uma puta verdade. Foi a melhor propaganda. As pessoas ligavam a TV assim: "Vamos ver se eles estão se estapeando!" E o que ocorreu com a Cláudia foi que ela estava muito infeliz com o trabalho.


PLAYBOY — Mas ela fazia sucesso.


MARISA — Um puta sucesso. É uma excelente atriz! Mas ela não queria fazer sucesso com aquilo. Achava uma repetição da Escolinha do Professor Raimundo, que fez durante anos. Foi chamada para fazer uma sitcom achando que seria uma fórmula mais sofisticada, e o programa foi virando humorismo, com bordão, personagens caricatos. Isso enlouqueceu ela. E a Cláudia estava insatisfeita com o corpo dela também. Uma coisa é me chamar de burra, quando não sou burra.


PLAYBOY — O ator não tem um certo desprendimento dessas coisas?


MARISA — Geralmente tem. Em outras fases, não. Também não acho elegante chamar uma pessoa velha de velha. Nem de veado. Eu compreendo a Cláudia. Aí, ela virou para os jornais e disse: "Os textos são uma bosta". A Cláudia é uma guerreira, uma doida. Fala o que quiser, na frente de qualquer um. Que Daniel Filho o quê? Ela é esporrenta, transparente, se arrepende depois, pede desculpas... Bom, aí me liga uma repórter de O Globo, de quem nem lembro o nome: "A Cláudia disse que os textos são uma merda. Você concorda?" Respondi que não queria falar a respeito. Tenho uma postura diferente. Acho que, se a gente tem problema no texto, tem que resolver lá dentro. Falei isso pra Cláudia, que a imprensa não joga necessariamente do nosso lado, tem um lado urubu, que é de qualquer ser humano, de baixar a velocidade do carro pra ver o acidente. Achei ingenuidade dela.


PLAYBOY — E saiu intriga no jornal?


MARISA — A repórter escreveu: "Marisa discorda. Ao contrário de Cláudia, Marisa acredita que existem textos ótimos e outros péssimos". [Exaltada.] E a Cláudia ficou puta comigo! Tipo: "Não quer se colocar, né?" Começou a me chamar de em-cima-do-muro! Falei: "Não quero me fritar em praça pública, Cláudia! Não vou pular na fogueira contigo!" E ela entendeu que eu tinha dito que existem textos ótimos, o que, francamente, nunca achei. Nem totalmente péssimos.


PLAYBOY — São o que, então? Médios?


MARISA — O buraco é mais embaixo. Não é tão simples pegar um autor e fritar. Se faz sucesso, o autor tem seus méritos também. [Alto.] Então, falem mal do público brasileiro, da educação brasileira, da direção da Globo, porque o autor também está insatisfeito! Ele manda textos bons, a direção manda de volta: "Tem muito conteúdo nesse texto, enfraqueça, simplifique." E a direção também está chateada porque isso é uma diretriz que vem de cima, nem sei de onde vem, quem manda aí. Vão dizer que é o público que quer. Aí o público diz que não, que ele é burro porque a televisão fez ele burro.


PLAYBOY — Não havia entre vocês uma competição que piorou as coisas?


MARISA — Não sei, pergunta pra ela. Competitivos todos somos. Não pense que alguém resiste nesta profissão se não for. Agora, nunca vi uma roubada de cena no Sai de Baixo. A Cláudia nunca levantou a voz comigo. Mas a gente ficou estremecida. Aí, um dia estou vendo o Faustão: "Quem é a melhor comediante do Brasil, Cláudia?" Ela: "Marisa Orth". A Cláudia é assim, de grandes gestos. Aí mandei duas dúzias de rosas pra ela, ela me deu um puta par de brincos, dei pra ela uma pedra, acho que ametista... Somos amigas, mesmo. Tá explicado?


PLAYBOY — Está.


MARISA — Porque não vou perder tempo com isso, tenho uma batalha muito mais grave.


PLAYBOY — Que batalha é essa?


MARISA — Com a minha autocrítica, caralho! Vou ficar preocupada com o que acham de mim, se já me acho o cão? O sucesso cria uma possibilidade: fracasso. É como numa monhanha-russa. Você fala: "Quando é que essa porra vai cair? Quando é que vai descer?"


PLAYBOY — Uma hora vai aparecer a sua curva?


MARISA — Espero que seja uma montanha-russa, e não um bung jump sem elástico.


PLAYBOY — Como você ficou depois dessa história toda?


MARISA — Mais esperta. [Pula no sofá e grita.] Puta merda, olha aquilo! [No prédio vizinho, crianças observam nossa conversa com binóculos. Ela solta uma dúzia de solenes impropérios, além de alguns gestos universalmente entendíveis.]


PLAYBOY — Você é espionada?


MARISA — [Desanimada.] Claro. Queria saber quem é o adulto que permite isso. [Solta mais uns palavrões e se explica.] A profissão de atriz torna você despachada. O pintor tem um calo no dedo, o ator fica desbocado.


PLAYBOY — Mas todo mundo acha que artista pode.


MARISA — O bom é isso! Mesmo que você seja a pessoa mais nos trinques do mundo, vão falar, né? Então, aproveita! [Risos.] Se eu botar um lixo ali fora e tiver duas latas de atum, vão falar: "É louca por atum essa mulher, só se alimenta de atum. É de uma seita que só consome atum!" [Risos.]


PLAYBOY — Como é o assédio? As pessoas querem pegar você, dar beijo?


MARISA — Adulto tem medo. Quando chega muito perto, vê que é gente, respira, tem pelinho, ruga. Sabe que não recebo assédio muito forte de homem?


PLAYBOY — E de mulher?


MARISA — É... Mulher é chata, né? Tenho pena dos ídolos masculinos porque elas pulam em cima. É uma característica feminina ser fã histérica, louca, rasgar a roupa. E mulher, se pular em cima, quer carinho; homem, se pular em cima de mulher, é estupro, dá cana. Comigo, as mulheres vêm mais.


PLAYBOY — Como você reage a uma cantada de mulher?


MARISA — Numa boa. Trato como se fosse um homem que não me interessa, ué! O que mais recebo é assédio de adolescente. Garotas de 12 a 19 anos.


PLAYBOY — O que elas querem?


MARISA — Muita coisa. Querem ser como eu, ou que eu seja a mãe delas. Estou falando em termos gerais, psicológicos. Algumas têm uma confusão de opção sexual, um certo tesão. Poucas. Outras querem ser atrizes. São tão sensíveis!


PLAYBOY — Você acha que a Magda mexe mais com o universo feminino?


MARISA — Mas é só mulher! Mulher e gays. Homens bem gays, muito femininos, bichinhas— que, aliás, são um público maravilhoso, muito fiel.


PLAYBOY — Você já teve medo do sucesso?


MARISA — Tive, logo que fiz a Nicinha. Saía na rua, não lembrava que era famosa e dizia: "Mas por que está todo mundo olhando pra mim?"


PLAYBOY — Algum ator ou atriz ajudou você no começo?


MARISA — Aracy Balabanian me ajudou muito, um amor. Cláudia Raia foi muito legal também. O Fagundão [Antonio Fagundes, primeiro par romântico de Marisa na TV] foi um mestre. O cara é bom pra caralho!


PLAYBOY — E que tal é agarrar Antonio Fagundes?


MARISA — Ele é muito profissional, uma delícia de trabalhar.


PLAYBOY — Mas é bom de agarrar?


MARISA — Bom de agarrar, carinhoso, cheiroso. Passa firmeza. Ele podia estar até de mau humor com a profissão, porque em novela você não tem vida pessoal, mas, na hora de gravar, rolava.


PLAYBOY — Dava cócegas?


MARISA — É um puta mito, pelo menos pra mim, de que as cenas sexuais dão tesão.


PLAYBOY — Que tipo de cena dá tesão?


MARISA — Aquela com a pessoa por quem você tem tesão, ué! Você tem tesão por pessoas da sua redação?


PLAYBOY — Não vem ao caso. A pergunta foi pra você [risos].


MARISA — Tudo bem. Mas inclua a pergunta. Nunca sentiu?


PLAYBOY — Já aconteceu.


MARISA — Então! Uma pessoa do serviço, né? Nunca tive um tesão especial, graças a Deus.


PLAYBOY — Graças a Deus por quê?


MARISA — Porque é constrangedor pra caramba! Você tá no meio do beijo, mandam parar, parou. [Alto, imitando um diretor.] "Vai, agora beija. Não, não inclina a cabeça pro lado, por favor. A boca ficou feia. Amassou o nariz. Tenta não amassar o nariz, por favor." É uma vergonha! Precisa ser muito pervertido pra sentir tesão ali.


PLAYBOY — Nunca namorou atores?


MARISA — [Tenta lembrar.] Não.


PLAYBOY — Algum preconceito?


MARISA — Talvez sim. Ator é muito narcisista. Basta eu. Senão ficam os dois fazendo show.


PLAYBOY — Nem levou uma cantada nos corredores do estúdio?


MARISA — Ah, mas aí... [Risos.] Sou muito séria, bicho! Tinha uns rolos em São Paulo, nada que durasse mais do que dois encontros. Mas olha... [Coça a cabeça.]


PLAYBOY — Que foi? Seu marido, Evandro, tem ciúme do seu passado?


MARISA — Ele já me percebeu. E, realmente, sou fiel. Vejo muita gente bonita e gostosa, mas é muito difícil pra mim, sabe? Quando sinto uma atração, puxa, me perturba muito.


PLAYBOY — Você luta contra ela?


MARISA — Ah, luto! Foram poucas vezes, mas luto porque penso na dor do parceiro traído. Pra mim, pode ser um prazer efêmero, mas a dor é eterna. Não estou dizendo que desta água não beberei, apenas não sei jogar, entendeu? Não tenho perfil de amante.


PLAYBOY — Como assim?


MARISA — Não sou discreta! [Risos.] Eu me acho muito importante, me levo a sério! Não dá. E também sou romântica. Sexo, pra mim, é amor. O Evandro é o homem da minha vida!


PLAYBOY — Quando fala na dor do parceiro, é por experiência própria?


MARISA — Sim. Eu sei que dói. Sabe que até levei numa boa? Eram pessoas tão galinhas...


PLAYBOY — Você quer uma relação para a vida toda?


MARISA — Tenho esse sonho romântico, sim. Mas vejo casais com trinta anos de casados, gente da idade dos meus pais, e todo mundo sempre traiu o outro. Uns levam numa boa, outros querem se matar, outros surtam. Depende do grau de hipocrisia ou não sei o quê. Tratar com tanta severidade a atração sexual por outras pessoas... Não acho que dá certo.


PLAYBOY — Mas você não disse que luta contra as tentações?


MARISA — Teoricamente, acho que tem que abrir um pouco. Porque sexo passa. Quando goza, passa. O sexo, em si, tem começo, meio e fim. É renovável, mas aí precisa de aditivos como amor, respeito, bem-querer, generosidade, admiração, carinho, confiança, amizade, pra dar um turbo e o sexo vir de novo. Não sei se seguraria o tchan de saber que o Evandro transou com outra. Ao mesmo tempo, duvido que a gente fique junto até o fim da vida sem ele transar com outra. Acho matematicamente impossível. E vou sofrer! Olha que plano eu tenho para o sofrimento! É uma bela de uma merda porque uma porcaria de um casinho mela uma história inteira!


PLAYBOY — Por via das dúvidas, você pega no pé?


MARISA — Não. Mas cobro [risos]. Mulher é chata! Acho que não sou homossexual porque mulher é mesmo um pé no saco.


PLAYBOY — Ele tem ciúme dos fãs?


MARISA — Não. E a fama afasta a possibilidade de amante. [Perto do gravador.] Atenção, leitor de PLAYBOY: se você quer uma mulher fiel, case com uma pessoa famosa. Você sempre saberá onde ela está porque os passos dela serão noticiados pelo jornal, onde ela estiver [risos]. E, depois, quanto mais sex symbol, mais os homens se afastam.


PLAYBOY — Dá para explicar?


MARISA — Outro dia eu estava num avião lotado, ao lado de um assento vazio. Aí veio um cara no corredor, andando pra lá e pra cá, até que, pum, sentou. Era muito falastrão o sujeito.


PLAYBOY — Ele puxou assunto?


MARISA — Se puxou?! [Imita.] "Você é uma mulher que impressiona, que apavora, que intimida. Reparou que o último lugar a ser tomado no avião foi do seu lado?" Magoou, viu?


PLAYBOY — E você concorda com ele?


MARISA — Era verdade. Acontece que quem for me namorar pra namorar a Magda estará batendo em porta errada. Esquece.


PLAYBOY — As mulheres reclamam porque os homem não gostam de conversar, pelo menos com elas. Você concorda? Também gosta de falar?


MARISA — Ih, adoro falar, discutir a relação! Mas dizem que homem só gosta de sexo oral por causa dos 15 minutos de silêncio, né? [Risos.] Eu gosto de comentar. Tem uma parte da erotização da mulher que é falar.


PLAYBOY — Falar durante o sexo?


MARISA — É. A mulher se erotiza com a conscientização verbal. Assim: a gente está fazendo lá um negócio, o cara olha no seu olho e diz: "Olha só o que a gente está fazendo!" [Grita.] Uuuhhh!!! Isso é afrodisíaco, enlouquecedor! Mas, como diria Magda, também é uma faca de dois legumes. Tem que ser espontâneo, não adianta ensaiar. Uma frase linda me conquista.


PLAYBOY — É mais difícil um homem conquistar uma mulher do que o contrário?


MARISA — De verdade? Acho que é. Mulher finge orgasmo, pô!


PLAYBOY — Você já fingiu orgasmo?


MARISA — Isso é um vício! Quando começa, pra largar, depois... O homem diz: "Ela é uma falsa". Mas será que ele nunca pensou que a performance dele podia ser modificada? Homem associa sexo a uma coisa muito estressante. Não é relaxamento, como é pra gente. Ele não sabe que, se relaxar, o pau vai subir.


PLAYBOY — Muitas mulheres bem-sucedidas, que ganham uma boa grana, como é o seu caso, têm problemas com o parceiro que ganha menos. Como é isso com seu marido?


MARISA — Não vou dizer que seja perfeito o tempo inteiro. Na verdade, é sempre mais fácil do que estarem os dois duros. Não deixo que a gente fique louco com uma coisa que é boa. Peraí, não vamos reclamar porque o dinheiro está entrando! Rola competitividade, sim, mas não pela grana. Meu trabalho é mais reconhecido que o dele, eu faço meus horários, ele trabalha de madrugada, rala. Sou mais respeitada na profissão.


PLAYBOY — O que você não faria de jeito nenhum?


MARISA — Campanha política.


PLAYBOY — Já foi chamada para fazer?


MARISA — Várias vezes, pelo PFL, PSDB e PT. Não faço.


PLAYBOY — Por quê?


MARISA — Porque, primeiro, votar no Brasil é obrigatório. Comprar margarina não é. Faço comercial, mas o povo compra ou não. E vivo da credibilidade da minha cara. Quero que o povo continue acreditando que a minha voz está dizendo a verdade. Política não é ficção. E não tive uma convicção tão profunda para emprestar minha maquininha de dizer verdades.


PLAYBOY — Você votou no presidente Fernando Henrique Cardoso?


MARISA — Votei.


PLAYBOY — Vai votar de novo?


MARISA — Até o mês passado, tinha certeza que sim. Agora estou perdida. Eu queria reeleger porque não agüento essa coisa de menino, de entra um rei e acaba com tudo o que o outro fez. A gente precisa de administração! Democracia é uma coisa muito chata!


PLAYBOY — Opa, como é que é?


MARISA — Porque tem que ouvir todo mundo! Brasileiro é carnavalesco, gosta de trio elétrico, de revolução. Bota carro alegórico, música, o povo atrás, bate umas foices e vamos que vamos. Isso é fácil. Mas precisamos de uma coisa chata: "Peraí, palavra de ordem, fala o da direita..." A direita absoluta tem que ter espaço neste país, assim como a esquerda absoluta. E o Fernando Henrique... ele não tem posição! Quem não se coloca acaba indo pra direita. A situação omissa é de direita.


PLAYBOY — Você é de esquerda?


MARISA — Não acredito em comunismo, mas... É muito mais legal ser rico num país de ricos. Não tem graça num país de pobres. Sou competitiva, quero competição à altura! Nesse sentido, sou de esquerda. Quero que todo mundo tenha chance. Olha, dos poucos empregados que tenho, empregada, cozinheira, motorista, não quero saber quanto pagam por aí. Eu pago, invisto — e exijo. Se quero comida boa, levo a empregada a um restaurante de que gosto e boto num curso de culinária chique, de cozinha tailandesa.


PLAYBOY — Você fez isso?


MARISA — Fiz. Porra, eu quero! Então escolho uma empregada que acho inteligente, que absorve. Agora, não tem papo! Quando começam a relaxar, digo: "Peraí, gente, não trato com vocês para serem médias. Vocês ganham acima da média e quero desempenho acima da média". Média, na minha profissão, é fracasso. É rua. Tenho que arrasar todos os dias! Aí, vamos à livre iniciativa. Quer me chamar de neoliberal? Sou neoliberal, então. Só matar os outros de fome é que não dá. A manutenção da seca, por exemplo, eu comparo a gente que mantém um asilo e não mata os velhos para conseguir donativos. Isso é pior que câmara de gás, o pior pecado que existe.


PLAYBOY — É desumano, não?


MARISA — É humano. Isso é que é pior! Um animal não faz isso. Essa é a especialização humana: tirar vantagem em cima dos outros, manter pobre, burro, sem cultura, higiene, saúde. Assim é fácil a democracia. Não quero isso de quem tem um olho, em terra de cego, é rei. Quero ter dois olhos numa terra de gente que tem olho.


PLAYBOY — Qual o seu critério para aceitar um trabalho? Grana?


MARISA — Hu-hum. Já fiz convenção sobre pomada corticóide [risos]. Já fiz em bar-mitzva [solenidade judaica da maioridade] vestida de Marilyn Monroe, já me fantasiei de Mônica... Sou TTPD. Topa tudo por dinheiro.


PLAYBOY — Onde você gasta o seu dinheiro?


MARISA — Eu guardo tudo! Tenho aplicações, faço previdências [privadas], seguros, compro poucos terrenos, sempre com muita cautela. Como sempre fui ruim em matemática, tento ganhar bem mais do que gasto.


PLAYBOY — Fez seguro de alguma parte do corpo também?


MARISA — Não, nada. Queria segurar o cérebro, dá? [Risos.]


PLAYBOY — Por falar em corpo, faz tempo que você quer ser mãe?


MARISA — Não. Quando criança, nunca gostei de boneca bebê. Gostava de boneca moça, boneca de peito. Agora, eu e o Evandro percebemos que o nosso relacionamento já comportava um filho.


PLAYBOY — E como é fazer a Magda estando grávida? A equipe está colaborando pra não dar muita canseira?


MARISA — Ah, os diretores não me botam mais pra fazer a dança do acasalamento da índias ula-ula [risos]. E, depois, você pensa naquela mulher que trabalha, desce morro, sobe morro, carrega lata d'água na cabeça, com quatro filhos, um na barriga e três na mão. O que preciso é não estressar psicologicamente porque o ator trabalha com emoção, nervoso, adrenalina. Sou meio over. Muito disciplinada, cu-de-ferro. E muito sensível. Uma tensão pré-menstrual já é um acontecimento! Eu sou espetacular!!! [Risos.]


PLAYBOY — Você é uma mistura de sangue alemão com sangue italiano. O que tem de um e de outro?


MARISA — Ah, sou superdramática! Coisa de italiano.


PLAYBOY — Você grita?


MARISA — Pra caramba. E choro que é uma loucura. Com música triste, sabe? Adoro uma melancolia, acho lindo!


PLAYBOY — E do alemão, tem o quê?


MARISA — Sou muito pouco indulgente. Já tive fase mais alemã e fase mais italiana, se bem que os meus colegas todos me acham uma alemã prussiana.


PLAYBOY — Por quê? Você nunca se atrasa no trabalho?


MARISA — Atraso sistematicamente 15 minutos [risos]. É crônico, horroroso, me mato por isso.


PLAYBOY — Mas por que se atrasa?


MARISA — Porque eu sou uma estrela! [Risos.] Porque, além de italiana e alemã, sou uma neurótica. Sou insegura, pô! Sabe aquele medo de que não vá ninguém à sua festa?


PLAYBOY — E sempre chega com o texto na ponta da língua?


MARISA — Ah, não tenho a menor dificuldade para decorar. Tenho naturalmente uma memória muito boa. Acho mesmo que o ator nasce com algumas características, essa é uma delas. Mas, no teatro, isso é o de menos.


PLAYBOY — Mesmo num monólogo?


MARISA — Porra, é o de menos. Decorar é uma função muito primitiva do cérebro. É treino, como musculação: puxando uns ferros você começa a levantar mais peso, se desenvolve.


PLAYBOY — Qual é a sua técnica para decorar as falas?


MARISA — Copio o texto. Primitivo, né? Mas grandes atores fazem isso. Não estou dizendo que sou uma grande atriz, mas a Marília Pêra faz isso, por exemplo. No Sai de Baixo é um inferno porque decoro as falas de todos.


PLAYBOY — O elenco improvisa bastante também, coloca muito caco, como se diz.


MARISA — Eu coloco muito pouco. Sou uma atriz que gosta de focalizar. Se alguém escreveu aquilo achando que é engraçado, tento me remeter para o momento em que o autor sentou, escreveu e achou aquilo engraçado.


PLAYBOY — Você quer dizer que, às vezes, numa primeira leitura, não acha o texto de Sai de Baixo engraçado?


MARISA — Ah, sim, muitas vezes. Não é sempre. Às vezes é uma piada com que você também concorda. Em outras você não vê a graça. Pode ser até de um grande autor, mas você descobre a graça depois. Então, gosto de entender qual é o barato. O caco é uma coisa que vem quando penso que o autor gostaria daquilo. Testo no ensaio e faço na hora. Mas é raro. Até porque a Magda é toda coreografadinha nas falas, é difícil sair solando e acertar.


PLAYBOY — Você nunca fez um personagem que achou horroroso?


MARISA — Não. Mas alguns personagens eu fiz mal. Não entendi. Por exemplo, Fascinação [1994] era sobre uma atriz. O autor da peça, Flávio de Souza, também dirigiu e me dizia: "Tem aquelas idiossincrasias de atriz, né, Marisa!" E eu: "Idiossincrasias? De atriz?? Como assim???" [Risos.] Eu agradeço tanto ao teatro, bicho! Sem ele, eu seria muito metida a besta! Daria uma ótima intelectual, mas sou uma artista!


PLAYBOY — Ator não deve pensar?


MARISA — Tem que ter consciência também, mas se soltar, ser emocional. Tem que ser ridículo, como diria [o poeta mineiro] Carlos Drummond de Andrade. O ator é uma manicure que pensa que é Cleópatra!


PLAYBOY — Por que você prestou vestibular para Psicologia e Administração Pública?


MARISA — É que eu tinha 17 anos, fui muito precoce, e a EAD, uma escola noturna, exigia idade mínima de 18. E eu tinha que fazer algum curso. Meus pais são filhos de imigrantes, a primeira geração que foi à universidade. Os avós deles eram muito pobres, sapateiro, torneiro mecânico, sei lá. Já meu pai e minha mãe eram intelectuais, se conheceram trocando livros. Imagine que a minha mãe, quando ficou grávida, dormiu numa palestra do [filósofo francês Jean-Paul] Sartre! Era muito importante para eles que eu fizesse um curso.


PLAYBOY — Você conversava com eles sobre a vontade de ser atriz?


MARISA — Conversava. Até o ginásio fui insistente com essa história. Eles só tinham medo de que eu me frustrasse, que não tivesse talento suficiente. Tinham medo de eu quebrar a cara e não ter uma formação acadêmica. E medo de que eu me desviasse — porque eu também tinha a minha queda pra chacrete, né? [Risos.]


PLAYBOY — Você assistia à Discoteca do Chacrinha?


MARISA — Era louca por isso, e isso era difícil para eles. Meus pais estavam num mundo de esquerda, só que eu era criada com babá, cozinheira. Tinha os radinhos de pilha. Lá na sala tocava Caetano [Veloso], mas eles não sabiam que na área de serviço eu ouvia Sidney Magal, Moacyr Franco...


PLAYBOY — E você curtia tanto o Caetano como o Magal?


MARISA — Claro! Isso fugiu ao controle deles porque era fruto do Brasil totalmente dividido em classes. E era muito engraçado porque, naquela época, música romântica era "de direita". A gente tinha um sítio em Ibiúna [interior de São Paulo], uma noite acordei, fui pra sala e estavam minha mãe e uma tia tirando escondido a letra do Eu te Proponho, do Roberto Carlos. [Canta.] "Eu te proponho/ Nós nos amarmos/ Nos entregarmos..." [Risos.] Pra não ser achincalhadas, elas traficaram um disco do Roberto na capa de um disco do Caetano!


PLAYBOY — Você chegou a ser cooptada pela patrulha?


MARISA — Tive a crítica natural depois que me tornei uma infeliz de uma adolescente e não tinha mais a pureza infantil. Comecei a falar mal, achava Tim Maia um bobo. Cantava as músicas dele o dia inteiro pra avacalhar. Sou de uma geração em que a escola formou crianças críticas. Muito útil, mas, como qualquer movimento, monolítico. Radical, demais. A inteligência de uma criança era medida pela quantidade de falhas que ela conseguia apontar em alguma coisa. Não era só uma corrente da educação mundial dos anos 60, tinha uma puta ditadura aqui também! A gente tinha que "ver o que está por trás". Então, o crer era cafona. Era de direita. Era ser tolo, compactuar com o sistema, ser burro. Isso foi bom pra mim, me fez crítica, mas me faz, agora, penar pra crer numa religião ou para dizer [com esforço]: "Eu... te... amo". A minha geração, pessoas que estão com 34, 35 anos, é toda assim, destrutiva pra caralho. Em seguida, vem o quê? O punk, o "bota pra foder", quanto mais destruído, melhor.


PLAYBOY — Você foi punk?


MARISA — Punk de butique, com casa nos Jardins [região nobre de São Paulo], né? Tinha cabelinho cortado exótico, ia ao Madame Satã [casa noturna punk da São Paulo dos anos 80], onde tinha um pessoal operário. Mas sempre tive uma casa confortável pra onde correr.


PLAYBOY — E se meteu em fria?


MARISA — Não. Vi muito quebra-quebra em bar, tomei cadeirada, mas era uma coisa agressiva da adolescência. O que quero dizer, com isso tudo, é que fazer teatro era cafona. E, no colegial, escondi de todo mundo, até de mim mesma, que queria ser atriz. Não podia ser estrela, querer aparecer.


PLAYBOY — Você gostou de estudar Psicologia?


MARISA — É um curso conceituado, mas depois dos primeiros seis meses vi que estava cercada de gente que queria ser psicóloga. Desde o início eu falei: "It's not my turma!" [Risos.] Tinha gente legal, mas um dia tive um ataque, fiz uma festa, fingi que estava bêbada e gritei: "Eu quero ser atriz!" Foi quando me escutei.


PLAYBOY — Mas se formou psicóloga. Por quê? Pela cultura?


MARISA — Sim. É bom ter referências. Quanto mais, melhor. Acho que a melhor formação de um ator é [enfática] muita música, dança, pintura, museu, ikebana, arte oriental, mitologia. O artista precisa comer isso com farofa! Você vai montar um personagem e pensa: "Parece um quadro de Velásquez!" Uma arte puxa outra. Se você tem um mundinho pequeno, fica com poucos personagens.


PLAYBOY — Na sua fase adolescente rebelde, chegou a transar drogas?


MARISA — Tudo muito light perto de hoje, não?


PLAYBOY — O quê? Maconha?


MARISA — Maconha basicamente, um alucinógeno de vez em quando. Cocaína pouco, porque era muito cara, não era para estudante e a gente tinha medo. E álcool, muito álcool.


PLAYBOY — Você gostava?


MARISA — Gostava. Acho droga uma coisa boa, gostosa, mas sempre fui muito cautelosa. Sou racional, me seguro. Gostava de ser a fagulha no meio dos caretas e de ser a careta no meio dos loucos. Minha geração experimentou de tudo, mas acho que eu soube lidar com isso.


PLAYBOY — O que é saber lidar com drogas?


MARISA — É saber parar, não se viciar. Não agüento essa campanha antidrogas porque ela é equivocada. Por que as pessoas se drogam? Porque dá sensações gostosas! É a mesma coisa que dizer: "Que horror, aquela pessoa trepa com todo mundo!" Porra, é bom trepar! Sexo é bom, droga é gostoso. Mas é aquele papo: comer é um prazer — mas vai comer tudo o que você quer?! Você vai ficar feia, ter colesterol, seu coração vai parar. Você pode transar toda vez que quiser, mas vai pegar doença venérea, Aids, vai se desgastar emocionalmente. Agora, dizer que droga é ruim, não vou dizer.


PLAYBOY — E como é hoje?


MARISA — Ih, tô devagar! [Risos.] Agora, grávida, é nenhuma. E tenho um orgulho porque eu fumava muito cigarro e estou parando. Meu vício maior é o cigarro. Uma merda. Dessa droga me arrependo. Dá câncer. Tive uma ou outra experiência com lança-perfume e me arrependo também porque corri um risco que não imaginei. Dá parada cardíaca, porra! Tive mais medo de lança do que de alucinógenos, como chá de cogumelo, que não mata. Deus me livre, minha mãe vai ler isso, mas tudo bem. É esclarecedor pra um monte de gente. Não gosto de fingir que sou uma pessoa perfeita. Algumas drogas me deram percepções a meu respeito. Até costumo dizer que é difícil confiar em alguém que nunca tomou um porre. Eu não confio! Vai que essa pessoa enlouquece pela primeira vez na minha frente? [Risos.] Sou de uma geração do maior gap que teve em relação à anterior. Droga, pra minha mãe, era uísque. Agora tudo mudou. Minha mãe casou virgem, pô!


PLAYBOY — Falando nisso, quando foi a sua primeira vez?


MARISA — Fui tocar no assunto, né?


PLAYBOY — Algum problema?


MARISA — Não, mas antes quero falar do gap geracional. Meus pais não tinham referências sobre drogas. Hoje, a cocaína se banalizou pra caramba, tem heroína, crack é de graça, maconha está fora de moda, o pessoal está legalizando. Então, se meu filho tiver um contato desses, saberei do que ele está falando. Mas nossos pais deram liberdade sem saber que riscos a gente estava correndo.


PLAYBOY — E quanto à primeira vez?


MARISA — Foi até tarde. Perdi a virgindade com 17 anos.


PLAYBOY — Com um namorado?


MARISA — Rolinho. Estava desesperada porque já tinha dito pra todo mundo que não era virgem [risos].


PLAYBOY — Todo mundo quem? Suas amigas?


MARISA — É. A grande maioria já havia transado.


PLAYBOY — Por que não tinha pintado pra você?


MARISA — Porque eu não tinha namorado, ora! Tive poucos, com 13, 14 anos, de beijo, só.


PLAYBOY — Beijo de língua?


MARISA — É, daqueles que duram 18 minutos cada. Só quando você é adolescente é que tem paciência pra dar aqueles beijos. E de boca fechada!


PLAYBOY — Não tinha amasso, aperta-e-empurra?


MARISA — Ah, tinha! Cada namorado era 1 centímetro a mais, uma mão na calça... Era namoro de pé, dentro de casa, namoro vestido. Aí, comecei a estudar muito, parei de namorar, sublimei. Fui muito insegura!


PLAYBOY — Você era tímida?


MARISA — Eu achava que era tímida [risos]. Sempre fui uma mistura de tímida e destrambelhada. Hoje, alguns amigos remanescentes dessa época dizem: "Você, tímida? Há-há-há!" [Rindo.] Puta merda, juro que era tímida!


PLAYBOY — Tinha vergonha do olhos-nos-olhos?


MARISA — Muita! Preferia que já estivesse todo mundo bêbado, tipo: "Ai, me descontrolei, bebi e beijei". É isso até hoje. Acho que, quando não tiver mais vergonha e puder ser o que sou, vou largar essa profissão de ficar agradando os outros e criar galinhas.


PLAYBOY — E paixão, você sentia?


MARISA — Me apaixonava por caras que, eu achava, nunca me dariam bola. E não dava em cima deles. Alguns eu tive chance de rever depois de adulta e saber que eles também eram apaixonados por mim. Fiquei puta [chorosa]: "Por que você não falou? Eu teria sido tão mais feliz! Quatro passos que você tivesse dado e mudaria o rumo da minha vida!" Acho que a impressão que eu passava, e que ainda passo, é aquele velho papo de dar medo. Sou uma pessoa muito forte.


PLAYBOY — Era a engraçada da turma?


MARISA — Sim. E era mais gorda. Nunca fui gorda mole de banha, porque era muito musculosa, fiz natação, balé, mas era muito grande. Tive uma puberdade muito tardia, menstruei com 15, 16 anos. Cresci pra caramba: entrei no colegial sem usar sutiã e, quando saí, usava tamanho 46! Em três anos fiquei um mulheraço. Os amigos do meu pai me achavam um espetáculo [com voz de menininha], mas na minha turma tinha umas pequenininhas com cinturinha, bundinha redondinha, perninha bonitinha, peitinhos delicadinhos.


PLAYBOY — Então você se achava...


MARISA — ...um Arnold Schwarzenegger [risos]. Minha cara era muito forte, expressiva, o nariz foi ficando grande. Só fui embonitar de verdade depois dos 25, acho.


PLAYBOY — Quem diria, Marisa Orth se achava feia!


MARISA — Achava e acho ainda.


PLAYBOY — Desculpe, mas é lógico que você não se acha feia.


MARISA — Coexistem as duas coisas: o fato de me achar feia e descobrir que o povo me acha bonita.


PLAYBOY — E o que aquela Schwarzenegger fazia para aliviar a barra?


MARISA — Ia muito pra Pirassununga [interior de São Paulo], cidade da minha mãe, nas férias e feriados. Foi lá que tive o primeiro namorado, o segundo e o terceiro. Beijei lá. Foi importante porque lá eu tinha um personagem. Em São Paulo, outro.


PLAYBOY — Como assim?


MARISA — Em Pirassununga eu era a mocinha do interior: pintava a unha do pé, lia fotonovela, usava vestido. Voltava, escondia [esse personagem]. Me lembro que chegava em casa, ainda com aquele arzinho no corpo, e demorava um dia e meio para tomar banho, pra não tirar aquela sensação.


PLAYBOY — E ficava louca pra voltar?


MARISA — Ah, eu tinha as minhas paixões! Ia para a rodoviária, pegava o ônibus vendo o pôr-do-sol sofrendo de amor... E tinha as cartas! Foi muito legal. São Paulo é cruel, né? Se você não se dá bem com ninguém da sua escola, está fodida. E, na minha turma, era todo mundo intelectual. Então, em Pirassununga meus amores iam bem até as primeiras conversas intelectuais. Eles nem eram imbecis, eram apenas pessoas diferentes, entendeu? Só que começavam a chiar. Nunca fui uma mulher submissa.


PLAYBOY — Dizia o que pensava?


MARISA — Discordava. Sou assim até hoje. Puta, perco a oportunidade de ficar calada bilhões de vezes!


PLAYBOY — Será que esse jeito broxou seus namoricos de adolescência?


MARISA — Muitas vezes.


PLAYBOY — Você namorou pouco?


MARISA — Namorar mesmo, pouco.


PLAYBOY — Pois é, mas você ainda não contou da sua primeira vez. Foi lá em Pirassununga?


MARISA — Não, foi em São Paulo. Coisa de festa. Tínhamos saído algumas vezes, éramos amigos. Transamos, não gostei e não o procurei mais.


PLAYBOY — Você não gostou da sua primeira transa?


MARISA — Não. Quer dizer... Eu sabia que não era legal, que a pessoa não se soltava. Minhas amigas tinham contado. Eu tinha a teoria e estava curiosa. Então, teve um caráter inauguratório [risos]. Fiquei meio decepcionada. Não é que foi horrível, traumatizante, mas falei [entortando a boca]: "É isso?"


PLAYBOY — Então, você não teve um orgasmo logo de cara?


MARISA — De jeito nenhum! Orgasmo eu tinha sozinha. Sonhava e tal. Sabia o que era orgasmo desde muito nova.


PLAYBOY — Continuou tudo, então, sendo um tanto teórico, não?


MARISA — É. Foi com muito medo, sem preliminares, carícias. Não tinha romance. Foi dentro de um carro.


PLAYBOY — Não diga que foi num fusca.


MARISA — [Rindo.] Foi!


PLAYBOY — E ele era do seu tamanho?


MARISA — [Rindo mais.] Era.


PLAYBOY — E também foi a primeira vez dele?


MARISA — Pra ele também, sim.


PLAYBOY — Complicado, hein? Tudo conspirava contra vocês.


MARISA — E sabe o que mais? O carro nem era dele, os primos iam levar o carro, e veio um guarda bater no vidro [gargalhadas]. E a gente com a calça jeans apertada até um pouquinho assim [mostra o meio das coxas]...


PLAYBOY — Quando você descobriu que sexo é uma delícia?


MARISA — Com os namorados que vieram depois. Bem depois, viu? Não saí transando com todo mundo. Foi melhor quando entrei no teatro.


PLAYBOY — O teatro também teve essa marca para você?


MARISA — Claro, achei a minha turma! Tudo foi para o lugar certo. Nossa, melhorou muito! Fui virando a Marisa. O teatro integrou meus personagens. Eu podia ser mulher. Podia ser crítica e ter meu estojo de maquiagem.


PLAYBOY — É mais fácil gozar assim.


MARISA — Muito mais! Eu era uma pessoa só, mais íntegra. Estava menos querendo fazer um número para os outros. Foi um grande alívio, os excessos acabaram, as autodestruições típicas de adolescente cessaram completamente. Tipo: "É pra isso que você serve, então se proteja, se guarde".


PLAYBOY — Você nunca experimentou um fracasso?


MARISA — Poucos, graças a Deus. Sei lá. Esqueci [risos]. Ah, não, lembrei de um fracasso glorioso: a primeira montagem na EAD. A gente podia chamar um diretor e organizar uma peça dentro da classe, umas vinte pessoas. E inventamos de chamar um diretor totalmente inexperiente, Hector Othon [com voz de homem galante], um cubano que seduziu a classe com sua beleza e sex-appeal. Inclusive eu, tanto que foi meu namorado depois [risos]. Ele propôs que montássemos Fausto, de Goethe. Um e dois, porque o Fausto tem uma segunda parte. Só de leitura, dá 8 horas [risos]. Goethe demorou 64 anos, a vida inteira, pra escrever. A mim coube o papel de Mefisto [o demônio a quem Fausto vende sua alma]. Que catástrofe!


PLAYBOY — Como era o seu Mefisto?


MARISA — Era até interessante: um homem com fraque vermelho, calça preta, cabelo preso e unhas vermelhas gigantescas — era meio uma bichona [risos]. Mefisto era o chefe das bruxas e elas cagavam na minha cabeça, não respeitavam o texto porque a gente brigava pelo diretor! [Risos.] Fomos encenar no Teatro Artur de Azevedo, da Prefeitura. Eram sete pessoas em cena, porque a classe se dissolveu, metade preferiu repetir de ano e pegar outra turma [risos]. Eu ia lá atrás, botava uma roupa, virava uma valquíria e entrava [cantando]: "Óóóóóó!" [Gargalhadas.]


PLAYBOY — Qual foi a reação do público?


MARISA — Havia quatro pessoas na platéia, sentadas separadas — não era uma turma [risos]. Terminou a peça e ninguém aplaudiu. O [crítico] Edélcio Mostácio escreveu algo assim: "Acometidos por esgares ridículos, os atores se aventuram entre os Trapalhões e uma chanchada de fundo de quintal" [risos]. Só valeu por poder estudar Fausto, que é uma maravilha.


PLAYBOY — Fracasso de amador até dá para engolir. E quanto a fracassos como profissional?


MARISA — [Pausa.] Numa novela, Deus nos Acuda [de Sílvio de Abreu, 1992], meu personagem não foi bem. Isso acontece. Eu fiz a Nicinha, do mesmo autor, e foi um arrebento.


PLAYBOY — Como você se sente quando um trabalho não vai bem?


MARISA — É difícil. [Longa pausa.] Torço pra acabar rápido. Não falo para ninguém. Tenho uma resistência, maior do que imaginava, ao fracasso.


PLAYBOY — E quando a crítica olha enviesada para seu trabalho, como é?


MARISA — Sempre fui a darling da crítica, especialmente como [atriz] revelação. É mais fácil revelar-se no Brasil do que manter-se. Os críticos sempre foram unânimes em dizer que eu era muito talentosa. Aí, comecei a fazer papéis que eles diziam que eram muito aquém do meu talento. Em Três Mulheres Altas [do dramaturgo americano Edward Albee, montada em 1995], falaram mal de mim. Entre as falhas apontadas, eu era uma.


PLAYBOY — Você concordou com eles?


MARISA — [Frágil.] Sempre concordo. Na hora em que leio, não: chio, falo que vou matar, deprimo. Mas sou muito disciplinada e vou procurar o motivo. Pô, não roubei a mulher do cara, não matei o filho dele, não sacaneei, por que, então? Tá, tem implicância, burrice. Mas por que comigo? Por que o crítico não implicou com outra coisa? Assim como o autor inventa um personagem, o crítico inventa uma crítica. Então, deixa eu parar pra pensar em que momento ele esteve no escritório dele bolando isso. A crítica de teatro no Brasil ainda é muito jovem, malformada. Agora, quando o espetáculo é bom, tanto o mau crítico como o bom aprovam. A verdade é essa. Quando é bom pra caralho, é bom pra caralho!


POR ROSANGELA PETTA

FOTOS CACALO KFOURI


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