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MARTHA ROCHA | FEVEREIRO, 1986

Playboy Entrevista



Uma conversa franca com uma eterna paixão do Brasil sobre fama, Carnaval, cantadas, beijos, mordidinhas, arrepios, bloqueios sexuais (rompidos) e a alegria de ser sempre bela.

O que poderiam ter em comum aquela fantástica água-marinha de 35 quilos, des­coberta há três décadas em Minas Gerais, e um modesto filé à moda da casa de uma lanchonete de terceira categoria da zona do Mercado, em São Paulo? Pois é, por incrí­vel que pareça, o ponto em comum é o no­me Martha Rocha. Poucas celebridades bra­sileiras conseguiram, como a baiana Maria Martha Rocha Piano, 50 anos desde setem­bro passado, atravessar a maior parte da vi­da como sinônimo de coisa bonita e gostosa. Raríssimas mulheres podem disputar com ela, ainda hoje, a taça de mais atraente e desejável — e, seguramente, nenhuma na mesma condição de símbolo e de mito.


Martha vive sozinha em seu apartamento de cobertura na Avenida Atlântica, em Copacabana, onde cultiva um jardim de bougainvilles, azaléias e jasmins, algumas palmeiras e até mesmo uma mangueira com 3 metros de al­tura. Meticulosa, limpa as samambaias com cotonetes. Supersticiosa, mantém logo à entra­da um copo de água e um pé de arruda. Romântica, é capaz de pôr o despertador para as 5 da manhã só para ver a alvorada que nasce no mar — isso quando não é acordada por um bisbilhoteiro bem-te-vi que costuma bicar a porta de vidro do seu quarto.


A mania de limpeza aparece na casa intei­ra. O chão, de fórmica, é branco e há espe­lhos em todos os cômodos. No banheiro, em todas as paredes — para que sua única fre­quentadora contemple a própria nudez de to­dos os ângulos. Mas o lugar mais aconche­gante da casa é a pequena boate onde Martha costuma reunir os amigos para bebe­ricar, conversar e ouvir música. “Eu sou tão festeira”, diz, “que quando não há nin­guém boto um disco de carnaval e puxo Elza [a arrumadeira] para um cordão. ”


Os convites para festas e recepções chegam às dezenas, todas as semanas, mas Martha come pouco e prefere a dieta preparada por do­na Maria, sua cozinheira. Quando sai — duas vezes por semana, em média — prefere a companhia de antigas amizades, como Helô Amado, Bebeth Freitas, Delma Serafim ou Ce­cília Curvelo. Nos últimos meses ela tem viajado frequentemente para São Paulo, onde está a sede da empresa Multimar, da qual é só­cia, e que prepara o lançamento de 36 pro­dutos de beleza para o início de março. A li­nha de perfumes e de tratamento de pele le­vará o nome de Martha Rocha, e outros pro­dutos, como sabonete e shampoo, serão bati­zados de Natuverde. A novidade, segundo Martha, é a receita original, baseada em frutos, inventada por sua mãe e que ela ga­rante ter usado a vida inteira — o que, con­venhamos, é uma boa credencial.


Um de seus divertimentos prediletos é ler nas colunas de fofocas o último affair en­volvendo o seu nome. Não que ela não os te­nha, mas sua privacidade é tão bem admi­nistrada que os boatos batem sempre no al­vo errado. Recentemente foi o governador de Minas Gerais, Hélio Garcia; há alguns anos falou-se do então governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins. “Os colunis­tas parecem ter uma predileção especial por governadores”, brinca — e faz mistério: “Meu atual amor está longe daqui”.


Viúva rica desde a morte de seu primeiro marido, o banqueiro português Alvaro Piano, Martha teve um segundo casamento — duran­te catorze anos — com o carioca Ronaldo Xavier de Lima, de quem se separou em 1976. A separação foi apressada involuntariamente pe­lo psicanalista Leon Cabemiti, a quem Martha credita o “desbloqueio” de sua cabeça. Só depois de fazer análise, quando já tinha 40 anos de idade, ela conseguiu conversar sobre sexo, mesmo com as amigas mais íntimas.


E agora Martha Rocha fala, também pe­la primeira vez, sobre suas preferências nes­ta entrevista, para a qual PLAYBOY desta­cou o repórter Osvaldo Martins. As im­pressões ao repórter sobre sua longa e fran­ca conversa com Martha estão neste relato:


“A julgar por tudo que foi dito e publicado a seu respeito nesses trinta anos, Martha Ro­cha me parecia um grande enigma. Uma pes­soa no mínimo fechada, difícil, a respeito de quem não se conhecia um pensamento, uma opinião mais íntima. Eu poderia encontrar tal­vez uma mulher frívola, cabeça um tanto oca, deslumbrada com a glória de reinar no society como uma espécie de majestoso ornamento pa­ra festas e badalações. Só conheci, a distância, a Martha Rocha com imagem de careta, rou­pa e cabelos sempre impecáveis, posando de boa moça e ostentando aquele eterno ar de 'exemplo das virtudes da mulher brasileira’.


“Por isso, a tarefa de entrevistá-la para PLAYBOY apresentava dois complicadores: que ela concordasse em falar e, principal­mente, que falasse tudo. Confesso que não ti­nha muita esperança de êxito quando recor­rí à intermediação do amigo comum Ricar­do Amaral, esse craque na arte de lidar com pessoas. Ela topou a entrevista e, agora sei, de certa forma a desejava.


“A Martha Rocha que encontrei na tarde-noite da entrevista é outra pessoa. Belíssima, sem dúvida, hoje do alto dos seus 50 anos, bem à vontade num conjunto roxo de seda — e, como boa baiana, devidamente equipada de anéis, pulseiras, brincos e colares. Essa Martha Rocha iluminada por dois enormes fa­róis que são seus famosos olhos azuis é uma mulher extrovertida e alegre que sorri o tempo todo, joga a cabeça para trás quando garga­lha, não passa um minuto sem ajeitar os cabe­los, mas agora já consegue dizer o que pensa sem policiar demais as palavras. Franca e aberta como quem está segura do que diz, co­mo quem, ao longo da vida, foi encontrando a sua própria verdade. Liberta (sete anos de análise certamente ajudaram muito), enfim, para abordar qualquer tema, mas consciente de que o último reduto da sua privacidade não é um espaço público — e que tem, portanto, o sagra­do direito de mantê-lo trancado a sete chaves.


“Essa ê uma Martha Rocha madura, que se administra com grande competência. Omite exemplarmente qualquer referência que leve à identificação de seus casos, que não foram poucos — e, em relação ao atual, no máximo admite que é gaúcho. Mas também é capaz de falar pausadamente, em tom baixo, sobre os territórios erógenos do seu corpo. Extremamen­te sensual, explica com os lábios carnudos, sem palavras, a forma predileta de beijar.


“Nossa conversa durou 5 horas, os dois sen­tados na boatinha de 25 metros quadrados, adaptação que ela fez de um dos cômodos de sua espaçosa cobertura debruçada sobre a praia de Copacabana. Simpática, ela me rece­beu como se fôssemos velhos amigos, com dois beijos no rosto. Simples no trato, é dessas pes­soas que gesticulam muito e tocam frequente­mente o interlocutor enquanto falam. A brisa leve que vinha do mar não foi capaz de ate­nuar o forte calor do início de verão carioca e por isso, antes de começar a conversa, tivemos de tomar uma decisão: vinho branco ou cerveja ? Venceu a segunda opção, que nos acompa­nhou e nos aliviou o tempo todo.


"A entrevista só foi interrompida cinco vezes: quatro para o reabastecimento, ou seja, a troca de vasilhames vazios por cheios, e uma por um telefonema que Martha recebeu de São Paulo, onde está a sede de sua empresa de cosméticos. Poucas vezes, ao longo da entrevis­ta, nos demos conta de que havia um grava­dor ligado, registrando tudo. Ao contrário do que imaginava antes de chegar ali, o papo cor­reu solto, fácil, agradável.


“Lamento, mas o que se segue não é exata­mente um esforço de reportagem."


PLAYBOY — Durante muitos anos você tem sido uma das mulheres mais desejadas des­te país. E inevitável supor que. em muitos casos, esse desejo se transformou em canta­das. Dizem que você conhece todos os tipos de cantadas em moda nas três últimas déca­das. Você desenvolveu uma técnica especial para se defender desse tipo efe assédio?


MARTHA ROCHA — A cantada mais comum é dizer que eu sou a mulher mais bonita do mun­do...


PLAYBOY — Mas isso não chega a ser uma cantada.


MARTHA — Mas é por onde ela começa. Quando me dizem isso, eu fico só esperan­do o resto. As vezes, esse tipo de coisa parte de pessoas que não são más, apenas que­rem uma brecha para entrar no assunto. Com pessoas interessantes, mas que não me despertam atração física, a minha tática é transformar em amigo.


PLAYBOY — Você deve ter muito amigo so­fredor, então. Algum deles já disse a você: “Martha, não aguento mais ser seu amigo?”


MARTHA — Já, já disseram sim. [Risos] Teve caso em que eu tentei manter a amizade, to­mei sempre a iniciativa de telefonar, saber notícias, mas não adiantou. Só amizade não interessava.


PLAYBOY — O pessoal batalha, não é?


MARTHA — É isso aí. Se a pessoa quer algu­ma coisa, não pode desistir com facilidade.


PLAYBOY — Isso vale como conselho a even­tuais pretendentes?


MARTHA — Batalhe, lute. Eu, de minha par­te, me reservo o direito de fazer o mesmo. Quando desejo algo, e não é só homem não, eu insisto — é claro, até certo limi­te, porque eu tenho amor próprio, dignida­de. Comigo é assim. Se consigo, ótimo. Se não consigo, em quinze dias esqueço. A mi­nha facilidade de esquecer é incrível.


PLAYBOY — Até mesmo um grande amor?


MARTHA — Depende. Se a lembrança for boa, ela sobrevive sempre. Se o grande amor te fez sofrer, o tempo faz com que ele vire fumaça. Quando meu primeiro mari­do morreu, passei um longo tempo, mais de um ano, chorando quase todos os dias. Hoje, falo daquele tempo com naturalidade.


PLAYBOY — Você está amando atualmente?


MARTHA — Estou, estou amando, sim. Não pergunte quem, não me pergunte nada, mas eu digo que neste momento eu estou amando uma pessoa.


PLAYBOY — Ele vive aqui no Rio?


MARTHA — Não.


PLAYBOY — Em Porto Alegre? Ou Belo Horizonte?


MARTHA — Olha, rapaz [risos], eu já disse que não vou falar...


PLAYBOY — Tudo bem, deixemos então o gaúcho em paz. Diga, então, qual foi a cantada irresistível, aquela que no dia seguinte você reconheceu: "Puxa, essa me derrotou!"


MARTHA — Vou contar uma coisa. Essa his­tória de cantada para cima de mim tem muita lenda. Acho que, dadas as circunstân­cias, a minha personalidade também inibe um pouco certos impulsos. A maioria dos homens vê em mim uma mulher inacessí­vel, quando na verdade eu sou uma pessoa [risos] simples. Mas certas propostas — eu não diria cantadas — são até engraçadas. Eu digo propostas de casamento, como a feita por um rapaz meu conhecido que comprou uma ilha aqui no litoral do Rio e me disse: “Se eu tiver que escolher uma úni­ca pessoa para levar para lá e passar o resto da minha vida, eu escolho você". Há mais ou menos dois anos um senhor italiano, que acabara de me conhecer, com não mais de 15 minutos de conversa, atacou direto: “Vamos morar na Itália?”


PLAYBOY — Muitos leitores gostariam de sa­ber que tipo de homem você considera ideal, o tipo que leva alguma chance. Não vale responder "bom, honesto e trabalha­dor”...


MARTHA — Em primeiro lugar, é preciso que ele me ame, e que eu o ame. Que haja, além do amor, algumas afinidades, respei­to, companheirismo.


PLAYBOY — Mas isso leva tempo. Quere­mos saber o tipo de homem que você vê e já lhe agrada.


MARTHA — Você quer saber assim de bate-pronto? [Risos] Ah, meu Deus... Às vezes você sente atração à primeira vista, dá um clic no primeiro momento. Isso já aconte­ceu comigo três vezes, sendo duas com a mesma pessoa.


"Às vezes você sente atração à primeira vista. Isso já aconte­ceu comigo três vezes — duas com a mesma pessoa"

PLAYBOY — Como foi?


MARTHA — A primeira vez foi em Nova York. Eu estava em casa de amigos e che­gou um homem alinhadíssimo, amigo de­les. Eu olhei para ele, ele olhou para mim, eu senti uma atração incrível, acho que dei a perceber. Nós saímos para jantar fora e ele não foi. Fiquei sem saber o nome dele. Veja só como é o destino: quinze dias de­pois eu estava em Londres, em outra roda de amigos, num pub, e eis que me aparece, na minha frente, o mesmo homem de No­va York. Nem sei o que ele estava fazendo em Londres, até cheguei a pensar que ti­nha me seguido. Deu de novo o clic, fiquei excitadíssima, tenho certeza de que ele per­cebeu — mas o cavalheiro foi embora e nunca mais o vi, nem lembro o seu nome.


PLAYBOY — Quer dizer que o cidadão regis­trou o clic e não “clicou?” [Risos]


MARTHA — Isso aí. Não clicou, sumiu. A ter­ceira vez, já que as duas primeiras acontece­ram com a mesma pessoa, foi aqui mesmo no Brasil. A mesma sensação: uma troca de olhares — nessas ocasiões nossos olhos di­zem tudo — e... clic!


PLAYBOY — Esperamos que o brasileiro te­nha clicado devidamente.


MARTHA — Esse clicou, esse sabe das coi­sas... Aquele outro, que até hoje não sei se era americano ou inglês, parece que não en­tendeu nada.


PLAYBOY — Por que, naquele caso de Lon­dres, você não tomou a iniciativa de clicar o clic? Você nunca fez isso?


MARTHA — Nunca. Deve ser algum resíduo de bloqueio na minha cabeça, mas eu nun­ca tomo a iniciativa. Acho que hoje em dia a mulher tem até, digamos, condição de agir assim. A mulher também pode tomar a iniciativa, porque não? Mas eu tenho ou­tra estratégia. E claro que não fico de bra­ços cruzados espetando que as coisas caiam do céu [risos], mas também... vamos deva­gar. Se estou interessada num homem, eu estimulo, eu crio condições para ele se apro­ximar. Estimulo mesmo. Telefono — e aí eu acho que você pode dizer que estou to­mando a iniciativa — porque eu telefono, crio o ambiente propício para aquilo. Mas, veja bem, não vá pensar que isso acontece sempre, todo dia — nada disso.


PLAYBOY — Você fala muito a palavra amor. Você não aceita o prazer sem amor?


MARTHA — Claro que isso pode acontecer. As vezes você está envolvida, pensa que é amor mas é só atração, coisa de pele.


PLAYBOY — Com que frequência isso acon­tece com você?


MARTHA — Isso o quê?


PLAYBOY — O prazer, a coisa de pele.


MARTHA — Olha o terreno em que você es­tá querendo entrar... [Pausa] Não vem com essa que eu não vou falar, não! [Pau­sa] Essas coisas mexem com todos os senti­dos, não é só o tato, o toque. Primeiro tem o olhar, é a visão. Depois tem o olfato, tem que cheirar bem... Se não tiver um cheiro que me agrade, não tem nada a ver comi­go. Tem o paladar... um beijo, eu acho o beijo uma coisa muito importante... Tem que ter beijo antes e depois... Claro, e du­rante também... O beijo tem a ver também com o hálito, eu acho o beijo fundamental numa relação sexual. Gosto de beijar e, no depois, tem que ter beijo, nem que seja um beijo leve... Eu não sou máquina!


PLAYBOY — Diga, Martha, com essa boca que o Brasil inteiro conhece, como deve ser um beijo?


MARTHA — Um beijo não se dá apenas com a boca, nem apenas com os lábios. Um bei­jo envolve o corpo todo, o abraço, pele com pele. Você joga a alma num beijo. Isso leva tempo, eu gosto de beijo prolongado, uns dois minutos...


PLAYBOY — Dois minutos? É um tempo ra­zoável... Vale mordida no beijo?


MARTHA — Já fui mordida, mas também já dei minhas mordidinhas. [Risos] Olha, você não conta isso aí, que escândalo! Nossa... es­sa entrevista, que loucura! [Pausa] Mas que uma mordidinha de leve faz bem, ah, isso faz... faz muito bem, desde que não machu­que. Não gosto de sentir dor.


PLAYBOY — Foi-se o tempo em que mulhe­res bonitas eram assediadas só por ho­mens. Você já foi assediada por mulheres?


MARTHA — Que me lembre, umas quatro vezes. Duas fora do Brasil e duas aqui mes­mo. Mas essa não é a minha. Uma vez uma estrangeira, muito conhecida aqui no Bra­sil, me abordou no banheiro de uma boate com aquela conversa, aqueles elogios à mi­nha beleza, até que pegou o meu braço e disse: “Eu quero você". Dei um puxão, olhei bem para ela, com um olhar indigna­do, e saí dali.


"Uma estrangeira, muito conhecida no Bra­sil, me abordou no banheiro de uma boate, me elogiou e acabou dizendo: 'Quero você'"

PLAYBOY — Essa estrangeira muito conheci­da no Brasil por acaso tem um título de nobreza?


MARTHA — Tem.


PLAYBOY — Condessa?


MARTHA — Ela mesma... Os outros três ca­sos foram mais ou menos assim, uma abor­dagem mais ou menos sutil. Em outros am­bientes, a coisa é diferente. No Studio 54, em Nova York, a barra pesa. A mulherada fica em cima, ostensivamente, dão em cima direto... Uma vez fui num baile de Carna­val do Monte Líbano, eu estava casada com o Ronaldo e formamos um grupo de ami­gos numa mesa. Na nossa frente havia umas garotas muito bonitas, de pernas de fora, rebolando e brincando, mas sem olhar para o salão. Elas estavam de costas para o salão e de frente para nós, jogando beijos em nossa direção, fazendo gestos. Eu até comentei com uma amiga ao meu lado: “Essas meninas não respeitam nem a mi­nha presença ao lado do Ronaldo: veja co­mo elas estão dando em cima dele". Minha amiga corrigiu: "Que Ronaldo, que nada, elas estão dando em cima é de você”. Fiquei apavorada e fomos embora. Que mais você quer saber?


PLAYBOY — Agora há pouco você disse que só entende uma relação sexual com muito carinho... Você fica arrepiada?


MARTHA — Eu me arrepio muito.


PLAYBOY — Qual é a coisa que te arrepia? Beijo na nuca te arrepia?


MARTHA — Eu tenho uma sensibilidade muito grande nessa região toda [passa a mão na orelha, na nuca, dá a volta no pesco­ço, alcança a outra orelha]. Isso me arre­pia... Nas costas também... Se tocar de leve na minha coluna eu me arrepio toda... Mas a minha parte mais sensível é atrás da ore­lha. Mais do que isso eu não vou dizer, não! [Pausa] No joelho eu também tenho uma coisa... Se alguém der um beijo no meu joe­lho, eu fico arrepiada...


PLAYBOY — E o tornozelo?


MARTHA — Ah... pés, gosto muito. Eu acho que é isso no corpo inteiro. [Gargalhada] Va­mos mudar de assunto. Você só pensa nisso!


PLAYBOY — Pois bem, mudando então de assunto: há mais de trinta anos você desempenha o papel de celebridade, na condição de uma das mulheres mais bonitas que já habitaram este pais. Esse tempo todo você fez da notoriedade o seu meio de vida?


MARTHA — Trinta e um anos na vida de qualquer pessoa é um bocado de tempo. Na minha foram dois casamentos, três fi­lhos, alegrias e tristezas, muito aprendiza­do mas, fundamentalmente, eu sou a mes­ma pessoa que saiu da Bahia em 1954.


PLAYBOY — Aquela moça de Salvador já so­nhara com a fama e a fortuna?


MARTHA — Nem me passava pela cabeça. A minha inscrição no concurso Miss Bahia foi literalmente um acidente. O jornalista que organizava o concurso para o jornal A Tar­de passava pela minha casa e o jipe dele enguiçou. Ele me conhecia e a toda a minha família. Conversando, enquanto ele dava um jeito no jipe, veio o convite: "Por que vo­cê não se inscreve? O prazo termina ama­nhã”. Eu disse: "Você conhece papai e sabe que ele jamais permitiria uma coisa dessas". Acho que ele se encheu de brios e foi falar com papai. E acabou convencendo o velho. O jornal publicava cupons para os leitores votarem em suas candidatas predi­letas e eu acabei tirando o primeiro lugar. Depois, ojúri do concurso referendou a es­colha popular.


PLAYBOY — Ou seja, você foi eleita nas dire­tas e no colégio eleitoral.


MARTHA — Isso mesmo. Antes do concur­so, o que eu pretendia mesmo era estudar Medicina, mas a partir daí minha vida mu­dou. Vim com minha mãe para o Rio de Ja­neiro e depois fomos juntas para os Esta­dos Unidos. Engraçado, minha mãe nunca foi o que se costuma chamar “mãe de miss''. Eu é que fui filha de mãe de miss. Fi­cava preocupada com ela o tempo todo. De­pois do concurso Miss Universo, fomos pa­ra Los Angeles e eu fiquei hospedada na ca­sa de uma família amiga. Minha mãe vol­tou, porque meu irmão caçula — somos on­ze irmãos, sete mulheres e quatro homens — tinha apenas quatro anos.


PLAYBOY — Los Angeles podia ter mudado ainda mais o rumo da sua vida. Você não fi­cou tentada por Hollywood?


MARTHA — Como segunda colocada no con­curso, eu tinha assegurado um contrato pa­ra o cinema. Fizeram até o roteiro de um fil­me em que eu faria o papel de uma cigana, um tipo exótico muito em cima da linha Maria Montez, uma atriz em grande evi­dência na época.


PLAYBOY — E qual foi o problema?


MARTHA — Eu recusei, foi um espanto ge­ral. Me chamaram de maluca, mas eu sabia o que estava fazendo. Sentia que o meu des­tino era viver no Brasil, perto das coisas de que gosto. Aquilo lá me pareceu um mun­do de fantasia, tudo artificial, sem calor hu­mano. Mesmo assim, ainda fiquei dois me­ses nos Estados Unidos, porque tinha uma irmã mais velha morando em Nova York, onde cheguei a fazer um filme de publicida­de para a Gessy Lever. Em Nova York fui procurada por um emissário do Adhemar de Barros, que era governador de São Pau­lo, me convidando para entrar no partido dele e fazer carreira política.


PLAYBOY — Depois de recusar o cinema, vo­cê recusou a política, nesta e em outras oportunidades. Porquê?


MARTHA — Porque eu não entendo nada de política, não é uma boa razão? Antes de viajar aos Estados Unidos fui recebida pelo presidente Getúlio Vargas no Palácio do Catete. Ele foi tão gentil que, ao me cumpri­mentar, perguntou: "Como vai seu pai, Ál­varo, e sua mãe, dona Randa?" Quando vol­tei para o Brasil, dois meses e meio depois, ele já tinha morrido. Eu gostava do Getú­lio, lia tudo sobre ele. Como eu morava na Argentina na época da eleição do Juscelino, o único presidente em que votei foi no Jânio Quadros.


PLAYBOY — Você se arrependeu disso?


MARTHA — Parece que ele é que se arrepen­deu de ter sido votado por mim e por mais 6 milhões de pessoas. Foi uma decepção muito desagradável.


PLAYBOY — Falemos então de coisas agra­dáveis. Depois de sua volta para o Brasil começou o assédio — propostas de casamen­to, de trabalho e outras. Você mesma administrava tudo?


MARTHA — Sim, fiquei morando no Rio, mas viajando pelo país todo. Eu morava com uma amiga que também era solteira. Até que, numa festa no Country, eu conheci o Álvaro Piano, meu primeiro marido. Nessa festa ele disse a uma amiga minha: “Vou casar com aquela moça”. Passados al­guns meses, voltei a encontrá-lo no Jockey Club e, a partir daí, começamos a namorar. O Álvaro era português, e a família dele to­da vivia na Argentina. Por isso, quando nos casamos, fomos morar lá.


PLAYBOY — O casamento foi meio às escon­didas, não?


MARTHA — Meio, não, foi totalmente! [Ri­sos] Eu só informei meus pais — e assim mesmo tão em cima da hora que não deu tempo de eles irem até lá. Mas essa pressa não foi pelo motivo que você está pensan­do, não!


PLAYBOY — Você está querendo dizer que casou virgem?


MARTHA — Não, eu não casei virgem — mas poderia estar grávida, por exemplo. O Álvaro foi meu primeiro homem. E claro que antes dele eu tive alguns namorados, mas desde menina havia aquela coisa para a qual mamãe sempre alertava: “Não deixe ninguém tocar em você". E eu não deixava mesmo. Depois de uma certa idade, eu já mocinha, podia beijar, mas tocar no seio não podia.


PLAYBOY — Nem na matinê do cinema?


MARTHA — Nada. Eu tive uma educação muito reprimida, tudo era proibido. Para você ter uma idéia, só fumei na frente do meu pai depois que estava viúva. Na minha juventude, numa cidade como Salvador, que era uma cidade pequena, de hábitos provincianos, moça de família que fosse vis­ta, por exemplo, no automóvel de um ra­paz, fosse quem fosse, ficava mal falada. Se­xo era um assunto vetado: sobre ele nem conversar, quanto mais praticar.


PLAYBOY — Como foi sua iniciação sexual num ambiente assim?


MARTHA — Apesar de ter seis irmãs mais ve­lhas que eu, nunca tive delas, e muito me­nos de minha mãe, nenhuma informação sobre a vida sexual. Nem mesmo sobre uma coisa tão simples como a menstruação. Eu nunca brinquei de médico. [Risos] Só ti­ve uma única conversa sobre sexo, assim mesmo muito superficial, com uma irmã, quando já era mãe de um filho de 10 anos. Aliás, minhas brincadeiras de criança eram todas de menino, como empinar pipa e jogar bola. Sempre detestei boneca, por­que eu achava que boneca não tinha vida, não era uma coisa natural. Tudo o que aprendi sobre sexo foi por mim mesma.


PLAYBOY — Como se deu essa descoberta?


MARTHA — Nossa conversa aqui é um jogo aberto, certo?


PLAYBOY — Fique à vontade.


MARTHA — Então eu vou contar. Uma vez, eu era garota e estava na praia do Mar Grande, na Ilha de Itaparica, onde nós tí­nhamos uma casa — eu praticamente fui criada lá, estava sempre lá. Tinha uns 16 anos e namorava um garoto que era muito amigo da nossa família. Pois bem, estáva­mos os dois na praia, namorando, e ele me beijou. Eram umas 6 horas da tarde e es­távamos ajoelhados na areia quando ele en­costou em mim e eu senti aquela coisa, aquele volume. Os dois vestidos, de calça comprida. Pois você sabe que naquele mo­mento eu pensei que poderia ficar grávida, só por ter roçado, de roupa e tudo? Para vo­cê ver a que ponto chegava a minha igno­rância nesse assunto.


"Tínhamos 16 anos. Ele encostou em mim aquela coisa, aquele volume. Os dois vestidos. Pois achei que podia ficar grávida!"

PLAYBOY — Aos 16 anos você não tinha com quem conversar sobre o assunto para tirar suas dúvidas?


MARTHA — Zero sobre zero. Meus pais eram muito religiosos, a noção de pecado me acompanhou por toda a infância e a adolescência. Tudo era pecado. Ninguém falava palavrão, até hoje eu não falo pala­vrão. Quando eu precisava xingar alguém chamava de idiota, e na minha casa essa pa­lavra já equivalia a um palavrão. Pior que essa só havia uma: burra, que era como eu xingava quando estava com muita raiva. Burra era o grande palavrão.


PLAYBOY — Por causa desse bloqueio você até hoje tem certas inibições — e isso leva muitas pessoas a considerá-la careta?


MARTHA — E já foi muito pior, você nem imagina. Esse bloqueio, resultado da educa­ção repressora que eu recebi, já está hoje muito aliviado. Até poucos anos atrás eu era incapaz de conversar com alguém so­bre sexo. Mesmo com minhas amigas mais íntimas. Essa conversa que estamos tendo hoje seria impossível, porque eu simples­mente não abordava esse assumo.


PLAYBOY — Como se dava esse problema na sua cabeça? Como isso afetava o seu desempenho como mulher, debaixo de toda essa inibição sexual?


MARTHA — Essa inibição era apenas para fa­lar, e não para fazer. [Risos] É verdade... Desde o primeiro homem que eu tive, que foi meu primeiro marido, nunca tive ne­nhuma inibição no relacionamento sexual. Isso é algo que faz parte da minha nature­za, eu sempre achei que no relacionamento sexual entre um homem e uma mulher não deve haver limitações. Eu nunca me impus limitações na cama, desde que a rela­ção tenha amor e carinho. Também nunca gostei de violência. Deus me livre. Mas acho que entre dois parceiros a coisa deve correr livre e solta. Sempre me comportei assim. O meu problema nunca foi na cama, graças a Deus. O meu problema era que eu não conseguia conversar com ninguém a respeito de sexo. Meu problema era conhe­cido por todos meus amigos e amigas e eles evitavam o tema quando eu estava na roda. Por isso deve ter surgido, e com toda razão, essa fama de careta Eu era careta mesmo.


PLAYBOY — Como você superou isso?


MARTHA — Depois que eu fiz análise.


PLAYBOY — Você procurou o analista por causa desse problema?


MARTHA — Não exatamente. Eu tinha ou­tros problemas, mas prefiro não falar sobre eles para não envolver certas pessoas. Eu es­tava casada e minha cabeça estava desarru­mada. então decidi fazer análise.


PLAYBOY — Você estava casada com o Ro­naldo Xavier de Lima, seu segundo marido?


MARTHA — Exatamente.


PLAYBOY — Ou seja. o casamento não ia bem...


MARTHA — Pois é. [Pausa] O casamento não dava certo e com a análise as coisas foram se esclarecendo na minha cabeça — e aí é que não deu certo mesmo. Talvez eu tenha depositado no meu ex-marido uma con­fiança superior àquela que ele poderia me devolver. Não quero afirmar que ele tenha toda a culpa pelo fracasso do casamento. [Pausa] Mas eu senti que estava segurando o casamento sozinha, a barra pesando mais para o meu lado. Aquilo foi se acumulan­do, e chegou a um ponto em que eu estava me despersonalizando. Senti que eu estava mudando. Sempre fui uma pessoa extro­vertida e estava começando a me fechar, e isso também afetava a minha saúde. Passei a ter problemas digestivos, a pressão che­gou a cair para cinco, sentia tonturas e ti­nha desmaios.


PLAYBOY — E qual foi o problema conjuga! que a análise identificou como causa da cri­se do casamento?


MARTHA — Competição. Eu dizia: “Ronal­do, quando você casou comigo você sabia quem eu era. O que quer que eu faça ago­ra? Que desapareça, vire minhoca? Que apague da minha memória o que fui, o que sou?”


PLAYBOY — A sua notoriedade afetava a vi­da particular do casal, era isso?


MARTHA — Isso estava no ar, mas nunca foi conversado.


PLAYBOY — Deve ser difícil viver com uma celebridade dentro de casa.


MARTHA — Eu acho muito difícil conviver com isso, pelo menos no que diz respeito à minha pessoa. Quando penso que encon­trei a pessoa que vai saber conviver com is­so, logo percebo que não é. Sempre fui vai­dosa, sempre cuidei da aparência, sempre cuidei do meu corpo, isso não tem nada a ver com Miss Brasil. É uma questão de saú­de e até de higiene pessoal. Fora isso, sou uma pessoa simples, de hábitos simples.


PLAYBOY — Essa dificuldade explica o fato de você viver sozinha? Não é um paradoxo a mulher mais bonita do Brasil ser uma pes­soa solitária?


MARTHA — Solitária, não, absolutamente! Eu não estou casada, não vivo com nin­guém, mas não me considero uma pessoa solitária.


PLAYBOY — Vamos então mudar o concei­to. O fato é que uma mulher como você em geral dorme sozinha. Isso é no mínimo um desperdício.


MARTHA — Também acho. [Risos]


PLAYBOY — E isso não é bom para a cabeça, certo?


MARTHA — Para dormir com alguém, tem que ser uma pessoa pela qual eu sinta pelo menos uma grande atração. Caso contrá­rio, prefiro dormir sozinha mesmo.


PLAYBOY — Como você dorme quando es­tá sozinha?


MARTHA — Aí depende. Posso ter vontade de vestir uma bela camisola, ou apenas uma camiseta... ou dormir sem roupa ne­nhuma... Eu não durmo de bruços, só de la­do ou de barriga para cinta. Antes de dor­mir mudo muito de posição, me abraço ao travesseiro...


PLAYBOY — Olha o desperdício aí!


MARTHA — O que mais você quer saber?


PLAYBOY — Tudo. Voltando um pouco à análise, o que mais você descobriu?


MARTHA — Descobri que sofria há muitos anos de uma enxaqueca oftálmica que ti­nha origem na infância. Provavelmente ain­da muito pequena, do meu berço, devo ter visto meus pais no ato sexual e isso me mar­cou durante boa parte da vida. Era um pro­blema ligado com a visão, o ver e não que­rer ver, algo assim. Isso era mais um blo­queio que havia lá no fundo da minha cuca e que a análise limpou da minha cabeça. Olha, eu de fato levei muito tempo com es­se problema de bloqueio, mas, também, de­pois que desbloqueou, sai da frente! [risos]


PLAYBOY — Em que momento você perce­beu que tinha mudado, que os tais blo­queios haviam desaparecido?


MARTHA — Não fui eu quem percebeu, foi uma amiga. Foi poucos meses antes de me separar do Ronaldo. Estávamos em casa com um grupo de amigos, conversando, quando eu falei sobre alguma coisa que me aborrecia e disse, pela primeira vez na vi­da: “Isso é uma merda!" Minha amiga regis­trou esse momento com um comentário bem baixinho, só para o marido dela: "O Ronaldo dançou". Ela decodificou de ma­neira precisa o significado daquele pala­vrão. Se eu já era capaz de pronunciá-lo, era porque a análise estava desbloqueando a minha cabeça — e isso levaria fatalmente, como levou, ao fim do casamento.


PLAYBOY — Imagino que seu marido era contra você fazer análise.


MARTHA — Claro que era contra. Ele che­gou a bater no analista. Pensava que eu esta­va de caso com ele.


"Meu marido de então [Ronaldo Xavier de Lima] era contra eu fazer análise. Chegou a bater no analista"

PLAYBOY — Você deitava no divã?


MARTHA — No início deitava, mas depois passei a sentar e a conversar com ele olho no olho. Quando começava a falar com ele ficava envergonhada, o sangue subia para o rosto, ficava vermelha.


PLAYBOY — A análise também melhorou o seu lado de mulher, de fêmea? Você passou a ter mais desenvoltura na relação sexual?


MARTHA — Nesse departamento eu não ti­nha problema. Nisso a análise não modifi­cou nada, porque no momento da relação eu sempre fui muito mulher.


PLAYBOY — As mulheres da sua geração que tiveram o mesmo tipo de educação repressora tinham aquele problema da passi­vidade na relação com o sexo oposto.


MARTHA — Eu nunca fui passiva. Nem quando fui pela primeira vez para a cama, com meu primeiro marido, o Álvaro. Isso é algo que sempre aconteceu comigo: nunca comentava com ninguém qualquer coisa so­bre sexo, mas, no momento de fazer, tudo se desbloqueava na minha cabeça e eu me entregava totalmente, plenamente, à rela­ção amorosa, sem limitações.


PLAYBOY — Então, na primeira vez já foi assim?


MARTHA — Foi, mas se você pensa que eu vou contar como foi a primeira vez, não vou não.


PLAYBOY — Olha o bloqueio aí!


MARTHA —- Não é isso, não. Eu não falo so­bre isso apenas porque sei que o Álvaro não gostaria. Como ele morreu, eu respei­to o que imagino seria a vontade dele. [Pau­sa] Só digo que a primeira vez foi antes do casamento. [Pausa] Eu acho que duas pes­soas que vão se casar, viver juntas, têm que se conhecer bem antes, porque esta é uma decisão muito importante na vida de qual­quer um. E antes que você pergunte se eu fui para cama com meu segundo marido antes do casamento vou logo dizendo que fui, sim. Acho isso muito natural.


PLAYBOY — Já que estamos falando de ca­ma, diga uma coisa: você sonha muito?


MARTHA — Eu sonho tudo em cores. Às ve­zes tenho premonições durante o sonho. Eu previ, com algumas horas de antecedên­cia, num sonho, a morte de minha mãe.


PLAYBOY — Como foi isso?


MARTHA — Era véspera do meu aniversário e eu tinha saído com Gisela e Ricardo Ama­ral. Depois da meia-noite resolvemos ir co­memorar o aniversário no Le Bateau, foi uma noite muito divertida. Na manhã se­guinte, quando acordei, tinha ainda na ca­beça a última imagem de um sonho: eram as mãos de minha mãe, com as unhas mui­to bem pintadas, como ela gostava, entrela­çadas naquela posição de uma pessoa mor­ta. Virei para o lado para dormir mais um pouco e tocou o telefone. Era meu irmão di­zendo que mamãe estava mal. Liguei para Salvador e perguntei a uma irmã o que esta­va acontecendo. Ela disse: “Mamãe morreu".


PLAYBOY — Você tem uma rotina de ma­nhã quando acorda? Você curte um bom banho de ducha ou de banheira?


MARTHA — Acho banheira uma coisa anti-higiênica. Adoro a ducha, de cabeça e tu­do. Nunca lavo a cabeça no cabeleireiro. Adoro sentir a água em minha pele. Eu can­to muito no banheiro, para mim o banho é uma coisa muito alegre. Há pessoas que de­baixo do chuveiro pensam em negócios, imaginam coisas sérias. Eu não. Me descon­traio e canto muito.


PLAYBOY — Qual é o repertório?


MARTHA — Músicas da Maysa, principal­mente, mas isso não tem nada a ver com fossa. É que eu gosto das músicas dela. Meus problemas quero mais que desçam pelo ralo.


PLAYBOY — Você tem o hábito de exami­nar o corpo durante o banho?


MARTHA — Antes, durante e depois. [Risos] Eu me olho no espelho para ver se estou mais magra ou mais gorda, se as coisas es­tão certinhas no lugar [risos], mas isso é mais detalhado após o banho, olhando no espelho, subindo na balança. Para mim o banho tem mais uma finalidade de higiene, mesmo. Curto a água, o sabonete cremoso que passo em meu corpo, menos no rosto. Não uso sabonete no rosto. Após o banho, cuido da hidratação da pele, uso o óleo e o creme hidratante da minha marca.


PLAYBOY — Você faz depilação?


MARTHA — Depilação de perna? Vou em sa­lão. As vezes, quando estou com pressa sou obrigada a passar uma gilete em casa mes­mo. Para fazer uma depilação bem-feita vo­cê tem que esperar que o pêlo cresça. Eu sempre tive pêlos bem lourinhos, mas quan­do era mocinha imitava as minhas amigas e passava a gilete e, com o tempo, o pêlo vai engrossando de tanto cortar, o que obriga a cortar sempre.


[Nesse momento a empregada de Martha traz mais uma cerveja gelada e a conversa é interrompida por 1 minuto.]


MARTHA — Onde nós estávamos?


PLAYBOY — Nós estávamos nos pêlos.


MARTHA — Ah. sim... Eu só depilo do joelho para baixo, nunca depilo coxa porque, do joelho para cima, o pêlo é bem mais fininho, lourinho, difícil de depilar.


"Eu só depilo do joelho para baixo, nunca depilo as coxa porque, do joelho para cima, o pêlo é bem mais fininho, lourinho..."

PLAYBOY — Agora, com esses maiôs bem cavados, esses cuidados são mais necessá­rios. não?


MARTHA — Sim, e também parece que ulti­mamente o próprio padrão de beleza femi­nina se alterou. Já se aceitam mulheres mais redondinhas, mais cheinhas como símbolo de corpo bonito.


PLAYBOY — Agora, duas polegadas a mais já não fazem tanta diferença.


MARTHA — Então eu estou na crista da on­da. [Risos]


PLAYBOY — Você ainda mantém esse patri­mônio nacional, essas duas polegadas a mais nos quadris?


MARTHA — Depois de quatro gestações — eu tive quatro porque meu primeiro filho com Ronaldo eu perdi... Problema de san­gue, meu RH negativo. Mas, como dizia, as medidas do corpo se alteram. Eu era mais violão, tipo cintura fina e quadris largos. É claro que, com o passar dos anos, isso se al­terou, os quadris estão mais estreitos e hoje eu não tenho mais aquelas duas polegadas de excesso. Estou sempre atenta para os de­talhes do meu corpo, faço ginástica todo dia, e pode ter certeza: se alguém fizer algu­ma critica a mim, sobre isso ou sobre qual­quer outra coisa, pode saber que essa é a se­gunda crítica, porque a primeira eu mesma já fiz, com todo o rigor. Como boa virginiana, sou detalhista e perfeccionista.


PLAYBOY — Então qual é o seu comentário isento sobre a Martha Rocha de hoje?


MARTHA — Sabe, a pessoa que mora sozi­nha, como eu, fala muito sozinha. Eu saio do banho e, como o banheiro tem espelhos em todas as paredes, me vejo de frente, de lado, de costas [risos] e fico fazendo co­mentários: "Você precisa dar um jeito nis­so, arrumar aquilo..."


PLAYBOY — Há alguns anos você fez uma plástica, e recentemente repetiu a dose. Não ficou satisfeita?


MARTHA — Fiz plástica há sete anos, dei uma geral, e agora em 1985 fiz apenas uns pequenos retoques [risos], só para não dei­xar a peteca cair. Eu quero mais é estar bem, me sentir bem, me admirar e saber que as pessoas me admiram.


PLAYBOY — E no Carnaval, que todo mun­do sabe que você curte, você certamente é muito admirada...


MARTHA — As duas festas que eu mais cur­to são o réveillon e o Carnaval. O surgimen­to de um novo ano é sempre para mim uma emoção forte, um astral lá em cima, uma coisa mágica. Eu sou dessas pessoas que fazem projetos para o ano 2000. Mas é no Carnaval que eu me esbaldo. Saí três anos seguidos na Beija-Flor e, no ano passa­do, desfilei pela Santa Cruz porque o enre­do homenageava o meu amigo Ibrahim Sued. Só que toda vez que eu trato desse as­sunto acabo derrotada pela direção da esco­la, que me coloca em cima de um carro. Eu gosto mesmo é de samba no pé. No carro a gente tem os movimentos limitados e, além do mais, aquela prisão é uma tortura. Em 1983 a Beija-Flor deveria desfilar às 7 da manhã, mas só entrou na avenida ao meio-dia — e eu lá em cima do carro, sem poder descer para ir nem ao banheiro. Passei um apuro danado. Mas compensa, pela beleza da festa, pelo espetáculo de cores, o povão se divertindo. Mas não me convidem para sair atrás do trio elétrico, na minha terra. Aquilo virou uma coisa tão violenta que eu só consigo ver de longe, pela televisão.


PLAYBOY — Apesar de ter recusado propos­tas de Hollywood, como disse há pouco, vo­cê andou fazendo umas incursões pelo rá­dio brasileiro, depois que deixou de ser miss, não?


MARTHA — É verdade. Depois que entreguei a faixa a Emília Correa Lima conti­nuei viajando pelo Brasil porque os convi­tes não acabavam nunca. Nessa época eu es­tava namorando o Álvaro e fui convidada para fazer um programa na Rádio Mayrink Veiga, duas vezes por semana. O con­vite veio do Victor Costa, então diretor da rádio, e quem escrevia o programa era o cronista e jornalista Antonio Maria, uma criatura maravilhosa. Apesar de estar de namoro firme, eu já pensava naquela épo­ca em ter uma certa autonomia e aluguei um apartamento no Leblon. Uma antiga gaúcha chamada Araci, que tinha sofrido uma desilusão amorosa, foi morar comigo. Meses depois casei e fui morar na Argentina.


PLAYBOY — Você foi feliz no primeiro casa­mento?


MARTHA — Muito. Casei no dia 3 de feverei­ro de 1956 e o Álvaro morreu num aciden­te aéreo em Mar del Plata no dia 16 de janeiro de 1959. Tínhamos dois filhos, que só não nasceram no mesmo dia do ano por uma questão de horas. O primeiro nasceu em 23 de setembro de 1956 e no mesmo dia, em 1957, fui ter o segundo, mas ele só veio à luz depois da meia-noite, portanto no dia 24.


PLAYBOY — E o segundo casamento?


MARTHA — Casei com o Ronaldo no dia 18 de maio de 1961, dois anos e pouco depois de ficar viúva. Aliás, eu conheci o Ronaldo e o Álvaro mais ou menos na mesma época.


PLAYBOY — Quanto tempo você e Ronal­do Xavier de Lima estiveram casados?


MARTHA — Catorze anos. Tivemos uma me­nina, Cláudia, que está com 21 anos, e tam­bém aquele filho que eu perdi ao nascer.


PLAYBOY — Você sempre soube conciliar a vida de casada, os filhos, com uma intensa atividade social. A rigor, você nunca dei­xou de circular. O pessoal da batalha tam­bém não teve descanso esse tempo todo, não é?


MARTHA — Lá vem você outra vez com essa conversa... Nós já não tínhamos mudado de assunto?


PLAYBOY — O assunto vai e volta, é como a vida. Entre as muitas paixões que você despertou, há alguma especial que você tenha guardado por algum motivo na lembrança?


MARTHA — Ah, uma vez eu soube de uma coisa muito engraçada. A história é a se­guinte: eu estava viúva, já namorando o Ro­naldo, e aluguei um apartamento no edifí­cio Queen Elizabeth. As crianças eram pe­quenas e teve um período em que estavam sempre adoentadas. Foi nessa época que o meu telefone enguiçou e levou um tempão para funcionar de novo. Pois bem, eu preci­sava telefonar para o pediatra e pedia licen­ça para usar o telefone do vizinho. Ali mo­rava um estudante de Medicina com os pais dele, um rapaz muito educado que sempre abria a porta para mim e, muito gentil, me acompanhava até a porta quan­do eu saía. Veja você que, passados muitos anos, eu casada com Ronaldo, fui numa fes­ta e reencontrei o tal rapaz, que se tornou um cirurgião plástico muito famoso aqui no Rio. Conversamos, lembramos daquela época, a transa do telefone e ele me confessou... [risos] ai, meu Deus, como é que eu vou dizer?... [Risos]


PLAYBOY — O que ele confessou?


MARTHA — Que toda vez que eu ia telefo­nar na casa dele... quando eu saia, ele se trancava no banheiro... já era um homem feito, mais de 20 anos... e me homenagea­va! [Risos]


"O rapaz se tornou um cirurgião conhecido. Ele me contou que, quando jovem, se trancava no banheiro e me homenageava!"

PLAYBOY — Provavelmente você foi uma das mulheres mais homenageadas deste país. [Risos]


MARTHA — Nesse dia, na festa, ele me dis­se: você não sabe a mão-de-obra que você me deu! [Risos]


PLAYBOY — A vantagem em algumas festas é conhecer, ou reencontrar, gente interes­sante. Com toda a quilometragem de festas que você tem, você diria que por esse aspec­to o seu saldo é positivo?


MARTHA — Eu diria que sim. É claro que numa festa, por mais bem preparada que seja, você corre sempre o risco de encon­trar gente desagradável, fútil. Mas, no meu caso, o lado bom pesa mais. Essa história de festas, que começou em 1954, com o con­curso de Miss Brasil, incorporou-se à mi­nha vida. Eu gosto de me divertir, de estar entre amigos, acho que disso todo mundo gosta. Uma das maiores festas a que já fui aconteceu logo depois do Miss Universo, em Los Angeles. O cônsul brasileiro era o hoje senador Roberto Campos, que naque­la época usava um bigodinho meio engraça­do. Aliás, já que você gosta de especular a vida alheia sobre essas coisas [risos], eu vou lhe contar: nos Estados Unidos eu fui vio­lentamente paquerada... não gosto dessa palavra, mas deixa para lá... pelo Kirk Douglas. Eu estava em Nova York com minha irmã Lúcia e um casal amigo, num restau­rante, e, de repente, quem eu vejo sozinho numa mesa? O Kirk Douglas, de barba — ele estava filmando Ulisses. Desde o mo­mento em que nós entramos, ele não tirou os olhos de mim. Mandou um recado pelo maitre, convidando-nos para tomar cham­panhe na mesa dele. Delicadamente, aceita­mos, fomos os quatro e ele passou o resto da noite olhando para mim. Aquilo me incomodou muito porque, além de tudo, mi­nha irmã nunca concordaria com... sei lá. Mas confesso que, por alguns instantes, me veio um pensamento mais ousado na cabe­ça — talvez fosse uma experiência interes­sante... Mas não deu em nada.


"O Kirk Douglas não tirava o olho de mim e nos convidou para um cham­panhe na mesa dele. Cheguei a ter um pensamento ousado..."

PLAYBOY — Você mencionou sua irmã Lú­cia. E os filhos. Você se dá bem com eles?


MARTHA — Lógico, por quê?


PLAYBOY — Porque quando você se sepa­rou de Ronaldo os filhos do primeiro casa­mento preferiram ficar morando com o pa­drasto.


MARTHA — Naquela época eles não aceita­ram a separação, principalmente o mais ve­lho, Álvaro, que estava com 17 para 18 anos. Veja você como é a sida. Meu filho me cobrou muito o fato de me separar de­pois de 14 anos de casada. Anos depois ele casou e, em menos de dois anos, com uma filha de 1 ano de idade e a minha nora grávida do segundo, ele se separou dela. Eu sofri mais com isso do que com a minha própria separação. Perdi 10 quilos de pe­so, foi uma fase dura. Nunca cobrei dele por me ter crucificado. A vida se encarrega de ensinar a gente e nos dar as lições.


PLAYBOY — Como você encara a perspecti­va da passagem do tempo?


MARTHA — A questão toda é manter a saú­de, cuidar-se sempre. A velhice não me as­susta, apesar de que no Brasil os velhos são pouco considerados. Eu tenho paciência com os mais velhos, muito mais do que com criança. Espero que quando eu ficar velha, se é que eu chego lá, os mais jovens tenham paciência comigo.


PLAYBOY — Para finalizar: Martha, você gostou de dar esta entrevista a PLAYBOY?


MARTHA — Adorei. Nunca falei tanto, prin­cipalmente sobre certos assuntos mais ínti­mos. Eu mesma estou surpresa.


PLAYBOY — E por que você não falou sobre esses assuntos em outras entrevistas?


MARTHA — Antes do período em que fiz análise eu não falava mesmo sobre sexo, so­bre essas coisas que você perguntou.


PLAYBOY — E depois do período da análise?


MARTHA — Porque ninguém perguntou.



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