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MISS KITTIN | MAIO, 2003



A desbocada DJ francesa diz que adora os tarados por pés, conta que pensa como um homem quando canta e que se sentiu pouco à vontade com a loucura dos brasileiros


POR MARCEL PIASSE


Ela foi chamada de musa, enfrentou flashes de fotógrafos e uma multidão secando cada um de seus movimentos durante sua passagem pelo Brasil, promovida pelo club Lov.e no Rio e em São Paulo. Frisson pouco é bobagem. "Não me deixavam entrar na pista de dança sem guarda-costas. Fiquei assustada", ela escreveu em seu diário online (www.misskittin.com).


Foi se recuperar na casa dos avós, longe da badalação, em Grenoble, a cidadezinha dos Alpes, no sudeste da França, de onde saiu em 1995 com 22 anos para se tornar um ícone sexy da música eletrônica. Miss Kittin começou como DJ, em Paris, querendo apenas diversão, mas bastou vestir-se de enfermeira e cantar letras perversas sobre sexo em limusines, idolatria e bares sórdidos, para deixar os moderninhos babando.


A voz gélida e dominadora penetrou na dance music com o sucesso do hit Frank Sinatra, carro-chefe do CD First Album, em parceria com o músico The Hacker, e logo passou a aparecer em discos de diversos DJs, sempre em clima sensual. Miss Kittin chegou a regravar com o DJ alemão Sven Vaith a canção-escândalo Je T’Aime... Moi Non Plus, que foi proibida nos anos 70, pelos gemidos de prazer registrados ao fundo. Longe de fazer o tipo paradona, já tem disco novo para promover, lançado em abril na Europa, chamado Radio Caroline, em que seleciona e mixa suas faixas favoritas. O título homenageia uma lendária rádio pirata, mas também lembra que a DJ nasceu Caroline Herve. Kittin foi só um nome que inventou quando cansou de ouvir seu nome real. A ironia é que, agora, ela anda cansada de ser "Miss Kittin, a rainha do electro", o novo rótulo que a acompanha, e tem se recusado até a posar para fotos — e olha que já foi modelo de campanhas publicitárias.


"Tirar fotos e dar entrevistas enche o saco", ela diz. Mesmo assim, falou com Marcel Piasse sobre assédio, fetiches e a notória letra de Frank Sinatra, em que canta: "suck my dick, kiss mv ass”.





1. Em Frank Sinatra você cantava como seria bom ser uma celebridade e ter todos a seus pés. Parece que você atingiu esse status na turnê pelo Brasil. Como se sente agora? Ha, ha, ha... Não seria tão engraçado se eu não tivesse escrito essa música há cinco anos, na minha cidadezinha idiota, num quartinho de uma loja de discos... Eu deveria dizer agora "chupem minha celebridade"!!!


2. Ser célebre é tudo isso? Sharon Stone costuma dizer que é muito agradecida a seus fãs, afinal eles pagaram sua casa, carro, férias e tudo o mais, desde que a deixem ir ao supermercado, às compras e se divertir com os amigos em paz. É tudo o que ela quer. E é tudo o que eu quero. Quando o que importa deixa de ser a música para virar as roupas que você veste, as pessoas com quem transa, a comida que come, vira um horror.


3. Como suck my dick pode ser cantado por uma mulher, na letra de Frank Sinatra? Ah, é fácil. Tudo o que você precisa é pensar como um homem!


4. O que a levou a se interessar por dance music? Quando fui à minha primeira rave, pensei que algo novo e grande estava acontecendo e queria fazer parte daquilo. Então pulei para o outro lado, atrás dos toca-discos. O passo seguinte foi fazer música com The Hacker, o único cara que conhecia na cidade que tinha o equipamento.


5. Faz bem ao ego ver a música Frank Sinatra ser descoberta e virar hit quase cinco anos depois de ter sido gravada? Claro! Quando a fizemos, pensamos que era uma piada. Ela não é nem um pouco séria. Não é uma péssima canção, mas tampouco é uma obra-prima. Agora quase se tornou um clássico, e nós ficamos muito surpresos. Acho que sempre acontece assim, por acidente. Quando a ouvimos, dizemos a nós mesmos que talvez ela não fosse tão ruim quanto pensávamos!


6. "Miss Kittin" é uma imagem ou uma faceta sua? Odeio essa pergunta. Você adoraria ouvir "sim". Mas é "não". Kittin sou eu. Eu uso outro nome apenas porque ouço o meu nome verdadeiro o tempo inteiro. Então, surgiu uma boa oportunidade para ouvir outro nome como DJ.


7. Por que você escolheu o uniforme de enfermeira para usar nas suas primeiras performances e na capa do CD First Album? Eu o usei algumas vezes para ocasiões especiais. Não tinha nada diferente para usar e tocávamos em lugares onde as pessoas não esperavam encontrar uma cantora no palco, então foi uma forma de atiçar a platéia. Simplesmente fui à loja de uma amiga, perto de onde seria o show, e o uniforme era a única coisa que ela tinha lá que cabia em mim.


8. A enfermeira virou um fetiche. Você se importa em ter fãs fetichistas? Não me importo, não sou uma especialista. Se faz as pessoas felizes e menos frustradas, é legal.


9. Você tem algum fetiche favorito? Não, não sou uma garota materialista. Mas adoro os fetichistas de pés. Eles são engraçados, e sapatos são ótimos objetos.

10. As pessoas se referem a você com adjetivos como sexy e sensual. Você se considera sexy? É melhor ouvir isso do que gente dizendo que você é uma baranga! Tento apenas me sentir bem e acho que todos os que se sentem bem e felizes acabam parecendo sexy!


11. Você tem uma música chamada Stripper. É verdade que trabalhou como dançarina exótica em night clubs antes de virar DJ? Eu fui uma dançarina go-go num club tecno na minha cidadezinha, porque saí de casa e precisava de dinheiro. Mas era mais um emprego de animadora, sendo a primeira e a última na pista de dança, vestindo roupas engraçadas, nunca de topless. Era mais uma imitação das go-go girls de antigamente. Mas tive uma grande amiga stripper. A música é sobre ela e para ela.


12. O que achou da reação das pessoas à sua passagem pelo Brasil? É fantástico chegar num país tão distante do seu mundinho cotidiano, sobre o qual você não sabe nada, mas onde todos te conhecem. Fiquei passada. Sou uma garota do norte, quieta e pacífica. Não me sinto confortável no meio de pessoas tão loucas e demonstrativas quanto os latinos. Especialmente quando chega ao ponto de você não poder dançar sem guarda-costas... E a multidão ficava me encarando como se eu fosse um animal num zoológico. Me senti nua, como se estivessem sugando a minha energia.


13. Está escrito em seu website: “As pessoas têm medo de falar comigo" Quando a encontram, esperam ver uma dominatrix? Não me importa! As pessoas vêem o que querem ver. É problema delas, não meu!


14. Você possui fãs obsessivos? Agora, provavelmente, mas não quero nem saber disso!


15. Qual foi a situação mais embaraçosa que aconteceu a você desde que começou a cantar? Ouvir minha voz. Pior: ver um vídeo de nossos shows. E terrível. Eu sempre canto mal e pareço muito gorda...


16. E no palco? Todos os shows são loucos, cada qual a seu modo. No México, um monte de caras pularam no palco e começaram a me atacar, até que os seguranças os chutaram para fora. Na Suécia, a banda Primal Scream chegou correndo do palco onde tinham acabado de se apresentar para nos conhecer. Estavam alucinados e ligados, mas só pensávamos na honra que era encontrá-los. Em Nova York, saímos do avião, sem dormir, e fomos direto para o palco, totalmente bêbados, com Bjõrk em pé a 19 centímetros do meu microfone. Na França, o microfone parou de funcionar por dez minutos e, até que o som voltasse, eu fiquei contando histórias para o público...


17. Sua discotecagem inclui Miami Bass, aquele gênero de rap com letras explícitas, como We Want Some Pussy e Me So Horny, ambas do 2 Live Crew. Aqui, o gênero é conhecido como funk eletrônico e faz sucesso no Rio. O que acha dele? Toco um pouco, mas apenas porque a música é muito divertida. Gosto mais do jeito como a voz é usada do que das letras. Elas entediam depois de um tempo.


18. Você ambiciona se tornar uma estrela da música eletrônica e entrar na lista dos DJs mais populares do mundo? Pode parecer surpreendente, mas eu não sou tão ambiciosa quanto os homens. Além disso, eu nunca me compararia a gênios como Jeff Mills [veterano DJ americano autor de vários discos]. Eu não revolucionei a música como ele fez e obviamente nunca farei. Mas teria muito orgulho se, de algum modo, me tornasse a primeira mulher a alcançar o nível de respeito, experiência e talento dos DJs mais rodados.


19. já namorou um fã? Eu levei um para casa depois de uma turnê e foi um desastre. Foi a primeira e última vez. Nunca mais.


20. Que impressão do Brasil você levou para a Europa? Minha cabeça ainda está aí. Me sinto completamente leve. Minhas prioridades não são mais as mesmas, meus pequenos problemas parecem tão distantes. Já estou sentindo falta...


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