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NEY MATOGROSSO | MAIO, 1981

Playboy Entrevista



Uma conversa franca sobre hétero, homo, bi e trissexualismo

com o cantor mais desejado do Brasil pelas pessoas de um sexo

ou de outro ou de ambos


Ney Matogrosso não existe. Ou existe apenas uma hora, e meia por dia, nas noites de show. É o que diz Ney de Souza Pereira, que por isso prefere que nem todas as sugestões feitas por Matogrosso no palco sejam atribuídas a ele. Mas não é fácil acreditar nisso. Principalmente quando se conversa com ele por tanto tempo como nestas seis horas de entrevista gravada. Então se percebe que Souza Pereira, é que não existe; ou existe apenas quando Matogrosso precisa de um disfarce para sair à rua ou falar com estranhos.


Nesses momentos, inconscientemente talvez, oculta-se sob a máscara tranqüila e bem-comportada do Souza Pereira tímido, retraído, de gestos econômicos, vestido discretamente. Mas provocado, defendendo seus pontos de vista bem definidos, discutindo suas preferências — todas as preferências —, a timidez transforma-se em agressividade e Souza Pereira em Matogrosso. Aí flui dele muito da energia e força que emana de Matogrosso no palco.


Muito magro, com 54 quilos e menos de 1,70 m, cabelos curtos, sem o rabo-de-cavalo que manteve há até alguns meses, Ney Matogrosso não parece ter 39 anos. Os dentes incisivos separados como uma espécie de marca registrada, as pálpebras superiores levemente dobradas, ele se move com leveza, às vezes sinuosamente. Enrosca-se entre as muitas almofadas de sua sala decorada com plantas, enfeites artesanais e móveis de madeira, sempre com os três gatos siameses por perto. Principalmente "Perigosa", que dorme com ele — haja ou não companhia. Em geral há.


De Bela Vista, Mato Grosso, onde nasceu a 1.º de agosto de 1941, ele lembra que, criança ainda, já diferente e nem sempre compreendido, fugiu da escola e saiu nu pelo mato, procurando mel e ninhos de pássaros. Na família de cinco filhos era o segundo. E foi o mais rebelde, porque saiu de casa com 17 anos, apesar da ameaça do pai, militar, de não ajudá-lo. Ele queria e foi viver sua vida. No começo, com dificuldade.


Na infância, por causa das muitas transferências do pai, já tinha morado com a família na Bahia, Recife, São Paulo. Depois, dos 7 aos 14 anos, viveu no Rio, de onde voltou para o Mato Grosso e ficou até os 17.


No Rio, já sozinho, morou até os 19 anos, servindo na Polícia da Aeronáutica. Em Brasília, para onde foi em seguida, ficou 5 anos. Depois, mais um ano no Rio e outro em São Paulo. Por fim, dois anos em Brasília. De volta ao Rio, conheceu João Ricardo, apresentado pela amiga Luli, com quem curtia música: eia sabia que João Ricardo procurava um cantor com voz aguda para formar um conjunto, que se completou com Gérson Conrad.


Ney havia descoberto a voz e a possibilidade de cantar em Brasília, no coral da Rádio Educadora, regido pelo maestro Levino Alcântara, que se surpreendeu com seu excepcional registro vocal. Na verdade, Ney havia entrado para o coral interessado numa garota integrante. Ele lembra que, depois, o gosto pela música fez com que se esquecesse dela, a quem nem chegou a revelar o interesse.


Em Brasília mesmo participou de festivais universitários. Mas lá sua experiência não foi apenas musical. Trabalhou no Hospital Distrital, primeiro fazendo biópsias, depois cuidando da recreação de crianças doentes. Mais tarde, em São Paulo, viveu de artesanato. Quando seu pai foi procurá-lo na fase do artesanato, não pôde compreender como ele, às vezes passando fome, podia dizer que era feliz. Depois viveu do teatro, em que foi quase tudo, principalmente ator.


Formado o conjunto, os Secos & Molhados estrearam em 1972. O sucesso foi muito grande. Tão grande quanto curto: o grupo se desfez em 1974 com a saída de Ney, depois de dezoito meses de agitação e glória. Ele se revoltou porque sentiu que queriam limitar sua liberdade no grupo. E também porque não gostou do controle imposto pelo pai de João Ricardo, João Apolinário, que passou a empresariar o conjunto.


Então começou sua vida de cantor independente. Tão independente que, depois dos primeiros shows, desligou-se dos empresários, que detesta, e abriu uma empresa, a Matogrosso Produções Artísticas, para cuidar de seus interesses. Ele é a firma e mostra que sabe cuidar muito bem de si mesmo. Seus discos têm sido sucesso: vendem em média 100.000 exemplares — o mesmo que os de Chico e três vezes mais que os de Caetano.


Agora, gravando seu oitavo disco, o primeiro LP pela Ariola, que o tomou da WEA, prepara outro show e fala de sua vida, do "sistema nojento" que cerca a música, de seus interesses, planos e aspirações.


A voz muito clara, embora de tenor, não denuncia o registro agudo do Ney Matogrosso cantor. Na sala de seu apartamento triplex de cobertura, num edifício de cinco pavimentos, sem luxo nem elevador, no Alto Leblon, Rio, ele começa a falar. Em princípio, mansa e pausadamente, um pouco distante, desinteressado, às vezes entediado. Mas aos poucos, entusiasmado ou irritado, chega a atropelar as idéias em frases inacabadas. Inacabadas mas mesmo assim compreensíveis, porque matizadas por inflexões de voz extremamente ricas, gestos expressivos, embora contidos, e palavras ou expressões que repete para sublinhar e acentuar o que diz: "sabe?", "sabe como?", "quer dizer", "de repente", "imagina".


Então, às vezes ansioso, fala com o jeito incisivo de quem já decidiu o que fazer e está fazendo o que deve. Firme e definitivo, poucas vezes hesita: diz tudo claramente, diz como e por quê sem medo de magoar ou ferir pessoas ou instituições que considera erradas. E sem medo de possíveis represálias. Ney Matogrosso tem coragem.


PLAYBOY — Você não se preocupa com o fato de muita gente se sentir mais atraída pelo seu rebolado, pelo lado exótico das suas apresentações no palco do que pela sua voz, sua interpretação?


NEY MATOGROSSO — Não, eu acho que, se sobrevivi estes sete anos cantando, foi essencialmente pela minha voz. Porque ninguém faz sete anos de sucesso só balançando a bunda, sabe? Eu sei que sou cantor e estou tranqüilo. Mas as pessoas têm o direito de achar o que elas quiserem, de irem me ver pela razão que acharem melhor.


PLAYBOY — Algumas pessoas vêem você apenas como um ser estranho, diferente. Isso não o irrita?


NEY — Absolutamente. Eu gosto também de mexer com as pessoas, abalar as pessoas. Uma vez aconteceu uma coisa interessante comigo: depois de um show, uma moça veio me dizer que até a avó dela sentiu tesão por mim. Poxa, eu acho um barato se consigo fazer uma pessoa de 70 anos se sentir viva. Isso é ótimo para mim. Por coisas assim, acho que estou fazendo exatamente o que quero e posso, que é aguçar os sentidos das pessoas e até fazer uma mulher de 70 anos sentir desejo, sentir que ainda existe.


PLAYBOY — Você nota diferença entre o público de São Paulo e o do Rio?


NEY — Por incrível que pareça, o público de São Paulo se entrega mais. O Rio de Janeiro é uma cidade muito blasée, sabe? As pessoas daqui se sentem como se vivessem na grande capital da cultura e da arte. Então ficam mais ou menos desinteressadas, cansadas das coisas, olhando um pouco de cima, com uma certa arrogância. Em São Paulo, não. Especialmente para o que eu faço. Tem outra coisa: no Rio todo mundo está cansado de ver gente nua, se exibindo. Porque todos fazem isso na praia. Por isso em São Paulo a força do corpo atinge muito mais as pessoas. Elas imediatamente ficam envolvidas. No Rio as pessoas vão me ver mais nuas na platéia do que eu fico no palco.


PLAYBOY — No ano passado, você teve um público muito especial, o da penitenciária Lemos de Brito, no Rio, quando cantou para uma platéia de presidiários. A reação foi parecida com a do público dos teatros?


NEY — Não, claro que não. Eles naturalmente são mais reprimidos. Eu me lembro que um deles começou a dizer um monte de bobagens, mas não de forma agressiva. Ele dizia: "Pára de rebolar, senão eu vou aí te agarrar". E eu dizia: "Eu não vou parar e você não vai me agarrar, porque não tem nada a ver". Aí eu fui perto dele e repeti: "Eu não vou parar e você não vai me agarrar". Mas foi tudo bem, tudo em tom de brincadeira.


PLAYBOY — Você não ficou com medo? Não engrossaram?


NEY — Nem um pouco. Mas, quando eu cheguei, estava no camarim, lá atrás, não tinha nem policiamento na porta. Toda hora chegava um, abria a porta e olhava. Então, deixei a porta aberta. Eles entravam e ficavam parados ali conversando comigo. Mas de repente começou a rolar maconha lá dentro e eu pedi que eles fossem fumar lá fora, que eu não tinha nada contra, mas que estava a fim de sair de lá depois do show. Porque, se pegassem maconha onde eu estava, pra dizer que eu estava fumando não custava nada. Aí talvez quisessem me guardar de uma vez. Mas não houve problemas. Eles ficaram fumando lá fora e foi tudo bem. O mais importante pra mim é que, naquele festival de música do sistema penitenciário do Rio de Janeiro, foi feita uma pesquisa entre os presos para saber que artista gostariam de ver, e eu fui o escolhido. Depois vi num programa de televisão umas entrevistas com alguns dos presos sobre isso. Perguntaram para um por que tinham me escolhido e ele respondeu que, pra eles, eu significava liberdade. Foi uma coisa maravilhosa cantar ali.


PLAYBOY — E as notícias de que haviam agarrado e beliscado você?


NEY — É. Os jornais disseram que eu tava cheio de marcas roxas. Tudo mentira. Papo de gente doente. Os presos só me abraçaram e lá eu senti o que poucas vezes acontece: abraçar uma pessoa e sentir que do peito dela passa uma coisa para o seu.


PLAYBOY — Nos seus espetáculos costuma haver provocações do público? Grosserias?


NEY — Grosserias, não, mas provocações são comuns. As pessoas mexem muito comigo porque sabem que eu gosto disso. Eu utilizo as coisas que as pessoas dizem no espetáculo; sempre reajo de alguma forma. Então elas gritam muita loucura pra mim. Mas nunca em tom ofensivo. Se eu estou provocando, por que razão eles não podem me provocar?


PLAYBOY — Por exemplo...


NEY — Ah, se alguém me chama de gostoso, eu jogo um beijo... É sempre coisa leve, nada de grossuras. E eu acho ótimo que as pessoas se manifestem, que tenham coragem de se manifestar, sabe como? [Entusiasmado.] Porra, por uma hora em que tudo seja permitido, que se manifestem livremente, como eu estou me manifestando! Eu não estou lá pra reprimir, estou pra desreprimir.


PLAYBOY — Você gosta de se sentir gostoso?


NEY [rindo] — Se você quer saber, eu não me acho gostoso. Sou magro demais, tenho pernas tortas...


PLAYBOY — Você é modesto. O que seu público percebe é uma certa energia que se desprende de você, algo fora do plano físico, embora ligado ao corpo.


NEY — Mas, quando as pessoas gritam "gostoso" ou coisa assim, me parece que o objetivo é físico. Claro, pode ser que haja um encantamento. E talvez muitos dos que gritam nem estejam acreditando naquilo; gritam só pra mexer, mesmo.


PLAYBOY — Afinal, o que é ser gostoso?


NEY [rindo] — Ah, não sei. Isso não tem definição. Você olha e sente que uma pessoa é gostosa, uma pessoa fisicamente gostosa. Aliás, uma vez uma mulher me disse que eu tinha o pé lindo. Eu digo: "Você está louca. O meu pé é horroroso!" Mas ela achou meu pé muito bonito lá no palco.


PLAYBOY — Gostoso ou não, muita gente vê você como uma espécie de símbolo sexual, não?


NEY — Esse negócio de ser símbolo sexual dá um bode, porque broxa as pessoas. Elas ficam imaginando que eu sou um vulcão. E eu sou uma pessoa normal. Elas vêm esperando tanto e depois percebem que meu desempenho é comum, sabe? Aí elas broxam.


PLAYBOY — Como você sabe que é comum?


NEY — Ora, porque tudo que eu faço, todo mundo faz. Será que eu trepo diferente? Não. É exatamente como todo mundo. Não tem tantas possibilidades assim.


PLAYBOY — Você não está se menosprezando?


NEY — Não, acho que é isso mesmo... [Pausa.] Tá, pode ser que... É, realmente tem uma coisa aí: como eu não tenho nenhum preconceito sexual, então eu posso oferecer mais do que muitas outras pessoas. Mas esse mais que eu posso oferecer também não é uma coisa do outro mundo. Não vai além dos limites humanos. Eu não nasci mártir e ainda não faço nada por telepatia [risos].


PLAYBOY — No palco parece que sim. Pelo menos é como a platéia reage, revirando os olhos...


NEY — Ah, sim. Ali, sim. Mas o problema é que essas pessoas não trepam [risos].


PLAYBOY — Onde você aprendeu a dançar e rebolar desse jeito?


NEY — Eu não aprendi. Eu fui desenvolvendo, fui soltando o corpo, procurando transmitir coisas com o corpo, a música que eu ouvia, o som que eu ouvia... Foi tudo na intuição, como tudo que eu faço. Danço na intuição, canto na intuição...


PLAYBOY — Muita gente diz que você é melhor no palco do que nos discos. Isso incomoda você?


NEY — Não. Eu acho que, no palco, de fato, consigo cantar melhor. Eu rendo melhor com gente me ouvindo. Há uma transferência de energia; gente me estimula muito. No estúdio, não; eu estou fazendo aquilo pra uma máquina.


PLAYBOY — Nos seus shows, a roupa colante com que você costuma se exibir realça e avoluma seus órgãos sexuais. Por quê?


NEY — Porque eu acho feio vestir uma malha que esconde o pau, que esconde tudo. É muito antiestético. Por isso mandei fazer uma malha que colocasse as coisas no lugar e não escondesse nada.


PLAYBOY — Você dança e rebola muito de costas. O que você pretende com isso?


NEY — Nada. Eu não rebolo tanto mais assim de costas. Em alguns momentos eu me viro de costas porque, se posso mostrar a frente, por que não mostrar as costas? Já não mostro tanto a bunda, não. Mas acho que por trás o rebolado aparece mais.


PLAYBOY — A censura não implica com o seu rebolado?


NEY — Não. Já implicou muito. Hoje em dia ela entregou pra Deus.


PLAYBOY — Nem com essas sugestões de amor físico, esse clima erótico que você cria no palco?


NEY — É uma coisa que eles não podem proibir, porque não é nada claro, é uma questão de clima, é uma coisa que, sabe?... Eu também não tenho controle sobre isso. Eu não sei definir... A não ser que me metessem numa camisa-de-força e me obrigassem a cantar sentado. Assim mesmo eu daria um jeito de passar alguma coisa. Eles não podem proibir uma coisa que nem eu sei de onde vem.


PLAYBOY — Faz tempo que você tem essa capacidade de agitar, de transmitir esse clima de sensualidade?


NEY — Quando eu cantava nos Secos & Molhados, isso se aprimorou, mas sempre senti que, quando queria, em certos momentos, isso aparecia.


PLAYBOY — É sempre a música que estimula essa energia?


NEY — Nem sempre, mas, em geral, sim.


PLAYBOY — A censura mudou muito nos últimos anos?


NEY — Acho que mudou, mas ainda está atenta. Eu tive mais problemas no começo, com os Secos & Molhados. Os homens cismaram que eu não podia aparecer rebolando e nem de rabo-de-cavalo. E eu andava com aquele cabelo na rua. E quando não tinham mais nada com que implicar, disseram: "E esse olhar?" Implicar com o olhar era demais pra mim. Eu disse: "Que olhar, gente?" Pra mim, já era ficção científica. Eles queriam apagar o meu olhar...


PLAYBOY — E deixaram passar o seu olhar sensual?


NEY — Tiveram que deixar, né? A primeira vez foi em 73, em São Paulo. Foi engraçado. Eu olho pras pessoas e quero que me olhem, qual é o problema? Agora mesmo, o ministro Abi-Ackel disse que não existe censura contra as artes neste país. Só que eu não posso gravar um disco sem que passe antes tudo pela censura.


PLAYBOY — Seja como for, você é mais feminino do que algumas mulheres que andam por aí, não?


NEY [interrompendo] — Você acha, é?


PLAYBOY — Muitos acham. Você é diferente, sabe disso e usa sua sensibilidade diferente. Sua diferença de comportamento causou problema a você?


NEY — Não. Nunca. Deve ter causado aos outros. A mim, não.


PLAYBOY — E em casa?


NEY — Sim, porque, imagina, meu pai é militar da Aeronáutica e deveria perceber que eu era uma pessoa diferente da que ele gostaria que eu fosse. Isso devia ser um grilo pra ele. Mas pra mim nunca foi.


PLAYBOY — Houve choques?


NEY [meio irritado] — Choque , houve, mas aí, com 17 anos, eu saí de casa. E não foi por causa disso. Foi porque eu queria viver a minha vida. Não podia ficar enfiado no Mato Grosso, morando no meio do mato. Eu queria muito mais. Então saí. Sempre vivi a minha vida como bem quis, sabe? E nunca pedi permissão a ninguém, porque a vida era minha, ninguém me sustentava, ninguém me alimentava. Por isso nunca dei satisfação a ninguém. E sempre vivi em paz comigo mesmo, sabe como?


PLAYBOY — Qual era a patente de seu pai?


NEY — Ah, não sei. Eles vão pra reserva e aí muda.


PLAYBOY — Você ainda mantém relações com a família?


NEY — Claro. Eu não briguei com eles. Vou ao Mato Grosso de vez em quando. Eles não queriam que eu saísse. Meu pai disse: "Se você for embora, eu não vou te ajudar". Eu disse: "Tudo bem, mas eu vou assim mesmo". Mas tudo isso sem grilos. Uma vez, depois de uns quatro ou cinco anos, ele foi me ver. Eu vivia fazendo artesanato e tinha alugado um ateliê com dois cômodos, em São Paulo. Ele ficou chocado de me ver vivendo daquele jeito. Porque eu venho da classe média, sabe como? A classe média costuma ter sabonete, feijão, essas coisas. E eu não tinha. Aí ele me ofereceu emprego, mas não percebeu que eu era feliz. E foi isso o que eu disse pra ele. Então ele foi embora.


PLAYBOY — Seus pais são religiosos?


NEY — Eles são espíritas. Mas eu, não. Eu não freqüento essas coisas. Acredito em algumas, mas não consigo me ligar numa coisa que me escravize e que me force a ter uma obrigação. Acho que a gente tem que fazer as coisas com prazer.


PLAYBOY — Foi boa sua vida fora de casa, no começo?


NEY — Foi. Quando saí de casa era um babaca. Tinha feito o ginásio e não conhecia nada. De repente tive de conviver com gente de todo tipo, até dentro de um quartel, e me situar dentro de tudo isso. Acho que em parte a rigidez com que eu fui criado foi boa. Sou rigoroso comigo, sabe? Posso me permitir tudo, mas só me permito as coisas que são boas pra mim. Não fico de porra-louquice pra lá e pra cá. Tenho um senso de preservação muito grande e acho que isso é resultado do rigor com que fui criado. Claro que, na época, aquilo me incomodava, mas depois passei a usar a experiência.


PLAYBOY — Como foi a sua passagem pelo quartel?


NEY — Fiz o serviço militar num quartel no Galeão, só isso.


PLAYBOY — Sua diferença de comportamento causou problemas?


NEY [hesita] — Quer dizer, eu era visto como uma pessoa meio estranha, porque não gostava das mesmas coisas que os outros. Mas a estranheza que eles notavam em mim era outra... Porque lá dentro... A primeira vez que eu vi homossexualismo foi dentro do quartel. E muito. Fiquei impressionado. Porque eu ouvia falar, mas não sabia exatamente o que era...


PLAYBOY — Você era um jovem inocente então?


NEY [rindo] — É. Eu achava que bicha era aquele que tirava sobrancelha, que se pintava, deixava a unha crescer. Era isso o que eu pensava, sabe? De repente eu vi homens fortes se abraçando e se beijando. E eu não compreendia. Depois, a partir do momento em que comecei a prestar mais atenção, consegui ver que não era aquilo que eu conhecia, que não precisava ter unha comprida, sobrancelha tirada e pintura. Que era uma coisa além disso. Foi num quartel que eu vi tudo isso pela primeira vez. Mas lá eu não me envolvi em nada.


PLAYBOY — Quer dizer que...


NEY — Mas qual é o quartel que não tem? Qual é o lugar que tem um bando de homens ou mulheres trancados que não tem? Não tem saída.


PLAYBOY — Há quem ache chocante o contraste entre os muitos pêlos do seu corpo e o seu rebolado perfeito, a sua feminilidade? O que você acha?


NEY — Olha, eu me sinto muito masculino. Embora eu libere essa coisa toda feminina, eu me sinto muito masculino. Meus caracteres são todos masculinos, e eu gosto disso, acho bom, acho bonito ter pêlos. Eu gosto de ter pau. Eu não queria ter outra coisa, sabe? Eu adoro ter pau, [Risos.] Eu me sinto muito bem como sou. Acho que o que confunde as pessoas é isso, é que eu sou muito as duas coisas, sabe?


PLAYBOY — É por isso que surgiu aquela história de androginia?


NEY — É. Mas não é androginia. Eu não tenho os dois sexos, tenho um só.


PLAYBOY — Se você tivesse os dois sexos seria hermafrodita; androginia se refere apenas aos caracteres dos dois sexos. E você desprende mesmo aquela tal de força estranha que mexe com os dois lados. Pelo menos sente-se isso no seu público.


NEY — Energia feminina, né? Quer dizer, não é feminina É ó, é algo mais...


PLAYBOY — É uma coisa sinuosa que está ligada tradicionalmente ao feminino.


NEY — Mas não é uma coisa só feminina. Acho que o que confunde é que a manifestação de sensualidade só é permitida à mulher. Só mulher pode ser sensual, quando o homem é também muito sensual. Mas o homem nega isso, porque não pode mostrar que é sensual. Sensualidade é uma coisa natural e eu libero isso. E libero os dois lados, o masculino e o feminino. Mas gosto muito de ser do sexo masculino.


PLAYBOY — Quer dizer que você nunca pensou em se depilar?


NEY [admirado] — Imagina! Jamais! De jeito nenhum!


PLAYBOY — Você se irrita quando o chamam de bicha?


NEY — Não, de jeito nenhum. Nada. Eu já estou num ponto da vida que nada do que possam falar de mim me incomoda. O engraçado é que um dia desses eu estava conversando com um artista muito famoso, que não é homossexual, e ele disse que toda vez que vai à praia chamam ele de bicha. Eu disse: "Pois olha, é uma loucura, porque eu vou aos mesmos lugares e ninguém me chama de bicha". Chamam ele que não é. E todo mundo sabe que ele não é. É uma pessoa delicada, mas não é fresco.


PLAYBOY — Quem é?


NEY [rindo] — Não vou falar. Aconteceu com ele e ele é quem teria que contar.


PLAYBOY — Você vai à praia com uma tanga como aquela do Fernando Gabeira?


NEY — Não. Não vou com aquele barbantinho. Mas vou com muito pouca roupa, quase nu. Acho que praia é um lugar pra gente ficar com pouca roupa. Eu gosto que a maior parte do corpo fique exposta ao sol. É uma pena que não se possa ficar nu na praia.


PLAYBOY — E quando chamam você de bicha no palco?


NEY — É, sempre por brincadeira.


PLAYBOY — Mas não tem gente que se irrita com você no teatro?


NEY — As pessoas que se irritam vão embora. Já aconteceu isso. É um direito delas. Só uma vez eu tive um problema com o público. Foi no tempo dos Secos & Molhados, num teatro em São Paulo. Umas mil pessoas começaram a me chamar de bicha. Eles começaram aos poucos e eu fingi que não ouvi. Aí o coro foi aumentando. De repente, tava todo mundo no coro. Então eu perdi a paciência e mandei todo mundo tomar no cu. Acho que eles viram que eu não tinha medo e estava disposto a parar com aquela porra toda e ir embora, porque então começaram a aplaudir. Acho que o público às vezes gosta de ser agredido. Eu me irritei porque estava fazendo o melhor que podia e começou aquele negócio.


PLAYBOY — Você já teve outros atritos com o público?


NEY — No teatro, não. Mas na rua, uma vez, depois do show, tive que dar uma bofetada. Eles estavam me agarrando, me arranhando. Não tive dúvida, plantei a mão, mesmo. Eu permito que as pessoas cheguem perto de mim numa boa. Não precisam me rasgar, me arrancar o cabelo.


PLAYBOY — Claro que não fica bem que lhe arranquem pedaços, mas não é você que provoca esse clima?


NEY — Provoco no palco, mas quando saio de lá já não estou mais nessa. Ninguém tem o direito de me machucar.


PLAYBOY — Foi homem ou mulher?


NEY — Ah, não sei. Tinha um bolo de gente. Foi em São Paulo. Mas eu não tenho esse grilo. É homem, é mulher, o que for. Me beijam, eu beijo também. Não tem essa bobagem comigo. Eu sei que provoco, por isso correspondo a essa tensão deles depois. Não pode é vir com histeria.


PLAYBOY — Você é muito paquerado pelos admiradores?


NEY — Não. Na rua, não. Mesmo que as pessoas queiram chegar nessa, na rua eu não estou emitindo aquela vibração que emito no palco. Então eles ficam assim, meio sem saber o que fazer. Claro, às vezes uma pessoa ou outra me passa um bilhetinho. Mas isso acontece com qualquer um.


PLAYBOY — Quem tenta ganhar você com mais freqüência? Homem ou mulher?


NEY [pausa] — Não sei. Os homens, o que acontece com os homens é o seguinte: como na cabeça deles eu sou uma coisa muito livre, muito permissiva, eu acho que tudo que eles não têm coragem de fazer com mais ninguém, comigo eles têm coragem de deixar claro, sabe como é? Mas as mulheres também dão muito em cima.


PLAYBOY — E você se dá melhor com que sexo?


NEY — Eu me dou muito bem com os dois. Não faço restrição nenhuma.


PLAYBOY — Você se preocupa com o fato de muita gente tentar conquistar o cantor, o intérprete, o mito e não a pessoa?


NEY — Isso me incomoda porque o Ney Matogrosso dura uma hora e meia, o tempo do show. E eu não vou me comportar como Ney Matogrosso durante o dia inteiro para agradar ninguém. Fica muito claro quando as pessoas estão atrás disso. A gente percebe porque elas dão muita bandeira. Mas, se me interessa, faço de conta que não percebo. Porque eu gosto de transar. Mas depois nem vejo mais. Porque as pessoas que eu quero mais perto de mim e por mais tempo não podem ter essa loucura de querer o Ney Matogrosso, porque ele não existe. Quer dizer, existe, mas não no meu dia-a-dia.


PLAYBOY — Cite algumas pessoas que você acha sensuais.


NEY — Sensuais [pausa]. Maria Bethânia é sensual... O Nuno Leal Maia é um homem sensual pra mim... Caetano Veloso é muito sensual... Jorge Ben é muito sensual... Zezé Motta é sensual... Não existe fórmula pra mostrar isso, porque cada pessoa mostra isso de seu jeito. É uma coisa que flui.


PLAYBOY — Você gostaria de transar com alguma dessas figuras?


NEY — Essas pessoas me atraem, mas eu não sei... Se tivesse que chegar às vias de fato... Não significa que eu vá à luta por elas ou que... Não, quando estou dizendo isso não estou cantando ninguém, não, pelo amor de Deus!


PLAYBOY — Você se sente mais atraente hoje do que antes de ficar famoso?


NEY [rindo] — Bem, a gente pode ver as coisas de dois modos: existe uma coisa que é exterior, a aparência, e outra interior. Somando, eu acho que estou melhor agora do que antes. Eu me sinto muito melhor.


PLAYBOY — Experiência?


NEY — É. Experiência, amadurecimento. Eu não vou mais com tanta sede ao pote. Eu vou mais... deixa ver a palavra certa... eu saboreio muito mais a coisa do que antes. Antigamente o que me importava mais era quantidade. Agora, não; eu escolho melhor... Pode ser que eu atraísse mais antes, porque era mais jovem. Mas meu desempenho era muito deficiente em relação a agora. Hoje é uma coisa mais madura, mais completa. Não é só trepar, gozar e ir embora. Eu curto muito mais. Agora eu curto mesmo... [Risos.]


PLAYBOY — Já que você está tão inspirado, como foi a primeira vez?


NEY — Eu tinha quatorze anos. Foi lá no Mato Grosso...


PLAYBOY — Menino ou menina?


NEY — Com uma menina. Foi ótimo. Foi muito bonito.


PLAYBOY — E com rapazes?


NEY [hesita] — Eu tinha dezenove...


PLAYBOY — No quartel?


NEY — Não. Eu já tinha saído.


PLAYBOY — Como é que você seleciona as muitas ofertas de amor?


NEY [rindo meio nervoso] — Você fala como se eu fosse um mercado. Como se eu me vendesse no açougue do sexo...


PLAYBOY — Não e bem assim. Você é uma das poucas pessoas conhecidas neste país que sabe usar o corpo e mostra isso. Sabe que lança fogo quando sobe no palco. Então é natural esse interesse. O seu público quer saber como você é de verdade.


NEY — Sei, mas não tem ofertas amorosas. As pessoas chegam e, se existe uma simpatia mútua, a coisa acontece; se não, não acontece. Tem gente que se aproxima babando. Dessas eu nem chego perto, porque gosto da coisa mais suave. Não gosto de rasgação de roupa, nem de mordeção, nem de tirar sangue. Comigo a coisa tem que ser tranqüila e prolongada.


PLAYBOY — Anselmo Duarte disse numa entrevista que era um grande amante, que tinha um fantástico instrumento, e com isso atraiu a curiosidade das garotas. Outros falam que são homossexuais para que as mulheres tentem conferir. Você já usou algum macete parecido?


NEY — Eu não tenho macete nenhum, nem estou aqui jogando isca pra ninguém. Pelo contrário. Eu não estou a fim de ganhar ninguém, nem quero competir com ninguém pra ver quem come mais ligeiro. E só transo com quem estou a fim, Não sei com quantas pessoas já trepei, nunca contei e nem estou interessado em saber. Também não vivo dizendo o tamanho do meu pau, que é normal, médio [risos].


PLAYBOY — Você já mediu?


NEY [rindo] — Não. Nunca medi, mas sei que ele é normal. Não é nem ridículo, nem enorme. Pau grande, aliás, nem funciona direito; precisa de mais sangue pra ficar em forma [risos].


PLAYBOY — Antigamente, quando alguém se referia a um homossexual, falava com muito mais intolerância em bicha, viado, gilete. Agora fala-se muito em bissexualismo e androginia, sem o azedume de antes. Fernando Gabeira, aliás, teve o peito de lançar a bandeira do bissexualismo. O que você acha dessas coisas?


NEY — Eu acho que toda pessoa sabe o que lhe convém e atrai. Você tem que fazer as coisas que fazem você feliz. Eu não tenho essa coisa de bicha, viado, gilete, bissexual. Não quero rótulo nenhum. Vivo minha vida como quero, e quando quero, sabe? O que me atrai eu vou, independente de sexo. Eu vou com homem ou mulher. Eu procuro mais do que o sexo nas pessoas.


PLAYBOY — O que você procura?


NEY [enfático] — Eu procuro as pessoas! Eu procuro as pessoas!


PLAYBOY — Quando a pressão era mais forte, muitos homossexuais se casaram com mulheres, tiveram filhos e foram infelizes. Você acha que, com a descompressão, as minorias eróticas aumentaram?


NEY — Não acho que o número aumentou. O que está havendo é uma revelação. Isso sempre existiu. A gente conta nos dedos as famílias que não têm um caso de homossexualismo. Acontece que as pessoas estão vendo com mais naturalidade essas minorias, o que eu acho muito mais saudável para todos. Imagine que inferno deve ser a vida de uma pessoa que se casou para esconder o que sentia e viveu infeliz o resto da vida. Eu, heim?


PLAYBOY — Em certas áreas, ser heterossexual é até caretice. Você já notou isso?


NEY — Eu acho caretice achar isso. As pessoas podem ser hétero, homo, bi ou sei lá, trissexuais, o que elas quiserem. Caretice é querer regular o comportamento delas, porra. Se a gente luta contra os preconceitos, tem que ser contra todos.


PLAYBOY — Essa liberação dos costumes modificou seu comportamento em alguma coisa? Ou o comportamento das pessoas em relação a você?


NEY — No meu, não mudou nada. Eu nunca saí por aí agredindo as pessoas com o meu comportamento. O meu desempenho sexual sempre foi restrito a quatro paredes. Eu nunca fiquei na rua apregoando nada. Então as pessoas não tinham e não têm que se manifestar, porque não sabem qual é a minha. Eu continuo vivendo exatamente como antes. E sempre fui bem aceito por todos. Disso eu não posso me queixar. As pessoas podiam até achar que eu era diferente, mas percebiam que eu sempre respeitava os limites delas, por isso respeitavam os meus. Pode ser que haja diferença para elas, que admitem agora coisas que não admitiam. Eu sempre admiti tudo.


PLAYBOY — Você pretende se casar algum dia?


NEY — Não quero casamento com ninguém, não quero viver com ninguém. Eu me ligo às pessoas quando dá certo e depois acaba. Pra mim tanto faz ser homem ou mulher, porque é uma coisa passageira, mesmo, e eu não vou me casar com ninguém. É claro que com homem tem a facilidade de não poder nem querer entrar no casamento — porque não dá mesmo [risos].


PLAYBOY — Aqui não, mas na Inglaterra dá. Você nunca se casou?


NEY — Não. Eu já vivi algumas vezes junto, mas não gostei da experiência. Vivi quase três anos com uma determinada pessoa.


PLAYBOY — Homem ou mulher?


NEY [hesita] — Vocês querem saber tudo, não?... Com um rapaz.


PLAYBOY — Nas suas transas, costuma haver muito sentimento?


NEY — Naquele momento existe sentimento. Não sei se é amor ou o que, mas é um sentimento que leva você a ter intimidade com outra pessoa. Naquele momento só estou pensando em quem está comigo. Estou inteiro dedicado àquela pessoa.


PLAYBOY — Esses momentos de apego duram muito?


NEY — Não. Costumam durar pouco. Eu sou volúvel [risos]. Mas de vez em quando a gente cai do cavalo: às vezes entra numa relação que é pra ser uma trepadinha e quando vê fica anos. Isso não importa muito. Eu não resolvi que as coisas devem durar sempre pouco. Embora eu diga que não quero compromisso, não estou fechado para essa possibilidade. Desde que seja uma coisa verdadeira, que aconteça naturalmente. As coisas duram enquanto devem durar, enquanto for bom para as duas partes...


PLAYBOY — Você é tão liberal, e alguns mineiros continuam matando por ciúme e amor.


NEY [indignado] — Eu acho que eles são uns escrotos. Ninguém tem o direito de fazer isso. Eu não acredito que se mate por amor. Quando se mata, é por ódio. Se eu amo uma pessoa, eu permito que ela vá ser feliz um momento ou uma vida com quem quer que seja. Se é uma pessoa que eu amei, eu quero ver essa pessoa bem, comigo ou com outra pessoa.


PLAYBOY — Amor livre?


NEY — Não. Não é transar por aí com qualquer um. Mas, se você ama uma pessoa, você não pode impedir que ela tenha um momento de felicidade com outra. Depois ela vai voltar melhor; não vai voltar diminuída. Se volta feliz, volta melhor.


PLAYBOY — Mas pode ser que goste do passeio e não volte.


NEY — Esse é um risco que você corre, permitindo ou não.


PLAYBOY — Pelo jeito você acredita em muitos amores, todos infinitos enquanto durem, como disse o poeta.


NEY — Eu só acredito nisso. Espero ter muitos outros ainda. O amor é uma coisa muito boa pra mim. Me estimula muito. Mas não vivo procurando. Não se acha amor em cada esquina. Eu fico frio, fico na minha, mas sempre acreditando que vai acontecer de novo.


PLAYBOY — Quer dizer que você é feliz?


NEY — Não sou feliz o tempo inteiro. Só se eu fosse bobo. Eu tenho uma vida interior estável, mas de vez em quando explode uma paixão [ri]. Então eu fico doido. Quando acaba, fico muito infeliz. Mas a gente sobrevive.


PLAYBOY — Quem é que escapa dessas relações com mais freqüência: você ou o parceiro?


NEY — Isso varia. Porque eu sou volúvel, mas os outros também são. As pessoas são cínicas, sonsas. Elas dizem que não, que são fiéis, mas fazem escondido. Eu não sou cínico. Eu digo o que faço e não gosto de mentiras.


PLAYBOY — Um psicanalista, o dr. Eduardo Mascarenhas, disse a PLAYBOY que o amor nasce do impulso sexual. Você concorda?


NEY — Concordo sim. Mas existem casos em que a cama é péssima no começo e depois a transa se transforma num grande amor e numa ótima cama. Já aconteceu comigo de ter que ficar dois meses esperando entrar numas porque estava cheio de grilos, mas depois foi ótimo. Esperar dois meses que se resolva uma situação é muita coisa pra mim. Normalmente eu não sou tão paciente. Posso esperar no máximo dois, três dias.


PLAYBOY — Por que você é tão apressado?


NEY — Não é pressa, imagine. Eu quero estar com gente que tem tesão em mim, eu quero sentir que realmente estou sendo comido com amor, sabe? Aquela de "devora que eu quero ser devorado". Ah, tem que existir isso, se não, que coisa chata... Fazer favor eu não preciso que ninguém me faça. Eu tenho mão, eu faço favor a mim mesmo [rindo]. E de vez em quando até gosto...


PLAYBOY — O mesmo dr. Mascarenhas disse que, numa relação sexual, mesmo que haja apenas um homem e uma mulher na cama, está sempre havendo uma orgia, porque lá estão sempre um homem, uma mulher, uma bicha e um sapatão. O que você acha?


NEY — Eu acho perfeito. Uma vez eu transei com uma mulher e de repente ela disse: "Deixa eu te comer?" Eu disse: "Me come, ué. Quer que eu vire de bruços, eu viro". Comigo não tem tabu... Sei lá o que se passa na cabeça delas... Então não custa satisfazer isso.


PLAYBOY — Mas era um poderoso sapatão?


NEY — Não. Não era, não. Mas quis me comer um pouquinho.


PLAYBOY — Um pouquinho só? Mas com que instrumento?


NEY — Nenhum. Mas tudo bem.


PLAYBOY — Um clitóris tamanho família, talvez?


NEY [rindo] — Não. Era normal. São fantasias sexuais. Eu acho que tem que liberar as fantasias todas pra não ter que fazer análise. "Quer me comer de bruços? Vê o que mais você quer; tudo o que for preciso eu faço." Eu quero é dar prazer e satisfação à pessoa que vier comigo. Não acho nada feio, não acho nada proibido, não acho nada doença. Só não aceito excesso de exotismo. Por exemplo, essa história de enfiar o braço não dá!


PLAYBOY — Como enfiar o braço?


NEY — Ué, nos Estados Unidos é o que se faz agora; enfiar o braço no rabo dos outros. É a última moda... [risos.] Em Nova York você paga pra Ver isso. Tem dois caras, um mete o braço num pote pra lubrificar e enfia no rabo do outro.


PLAYBOY — E consegue?


NEY — Ah, não sei, eu não faço... São sadomasoquistas. Você não sabia ?


PLAYBOY — Você nunca foi analisado?


NEY — Não. Eu não preciso. Eu não guardo nada. Eu tenho amigos e não preciso pagar ninguém pra me ouvir. Eu não tenho mistério ou segredo. Então, porra, pra que eu vou pagar se posso conversar com os amigos?


PLAYBOY — Nem mistérios nem segredos? Dizem que você tem uma filha.


NEY — Tenho. Ela deve ter pouco mais de vinte anos.


PLAYBOY — Como é essa história?


NEY — Eu nem a conheço. Só soube disso porque, quando ela nasceu, a moça levou a criança lá em casa pra minha mãe conhecer. Foi no Mato Grosso. Minha mãe quis ficar com ela, mas a menina disse que não tinha levado para dar, que tinha sido só pra mostrar. Depois desapareceu. Por isso eu acredito. Se ela quisesse se aproveitar, não teria desaparecido.


PLAYBOY — Mas você tem certeza de que a filha é sua?


NEY — Eu transava com a moça, mas não sabia que ela tinha ficado grávida. Foi na época em que vim pro Rio.


PLAYBOY — Foi por isso que você veio?


NEY — Não. Eu nem sabia.


PLAYBOY — Você nunca mais soube dela?


NEY — Nunca mais.


PLAYBOY — E se, qualquer dia, ela aparecer aqui, e começar a chamar Você de papai?


NEY — Se tivesse que aparecer já teria aparecido. E eu logo ia dizer pra cortar essa de papai. Pai é o que cria o filho. O que eu poderia ser é amigo. Eu nunca me senti pai.


PLAYBOY — Você se sente mais cantor ou ator?


NEY [indeciso] — Acho que eu sou meio... Quer dizer, eu sou cantor. Quando subo num palco é pra cantar. Mas o meu comportamento é muito teatral, sabe? Eu piso no palco como ator e como cantor, mas me manifesto melhor através da voz.


PLAYBOY — Sua voz tem um registro raro. Sem o falsete do Milton Nascimento, você alcança notas em oitava mais comuns às mulheres. Você treinou ou é natural?


NEY — É natural. Depois que eu já tinha deixado os Secos & Molhados e ia gravar meu primeiro disco sozinho, pedi para dona Fernanda Gianetti, que me dava aula de canto, que me ensinasse a fazer falsete. Então ela disse que não ia ser bom, que se eu não soubesse fazer direito ia machucar, forçar muito as cordas vocais. Mas ela disse que, de qualquer jeito, eu não precisava, porque meu registro já é muito agudo.


PLAYBOY — Você estudou canto muito tempo?


NEY — Não, eu sou muito vagabundo. Eu estudo um pouquinho e paro. Não tenho muito saco pra ficar estudando. Antes disso eu tinha estudado em Brasília, com Vanda Oiticica.


PLAYBOY — Elas classificaram sua voz como de tenor?


NEY — Tenor. Só que os tenores vão até um limite e eu continuava além daquele limite.


PLAYBOY — Contratenor, então?


NEY — É. Eu pegava a partitura de canto alto e cantava uma oitava acima. Coisa dificílima. Mas não continuei estudando.


PLAYBOY — Sua formação musical...


NEY — Na verdade, eu não tive formação musical acadêmica. Meu gosto pela música vem do rádio. Quando eu era criança não tinha televisão. Ouvia-se rádio. E foi dessa maneira até a minha adolescência. Mas, a partir de um certo momento, comecei a prestar mais atenção à música. Acho que eu comecei a sentir mais a música ouvindo o João Gilberto. Foi o que mais me atraiu a atenção.


PLAYBOY — Quando você descobriu que podia ser cantor?


NEY — Acho que foi num coral em Brasília. Era o coral da Rádio Educadora de Brasília, regido pelo maestro Levino Alcântara. Eu entrei para esse coral com uns 18 ou 19 anos, porque me apaixonei por uma garota. E ficava lá olhando pra ela.


PLAYBOY — Aconteceu alguma coisa entre vocês?


NEY — Não. Ela nem notou e eu não disse nada. Depois isso passou, mas eu descobri, com o maestro, que tinha uma voz diferente. E descobri que cantar era muito bom. Aí comecei. Lá mesmo em Brasília cantei num festival de estudantes. Mas só comecei a cantar profissionalmente com os Secos & Molhados.


PLAYBOY — Na puberdade a voz dos garotos muda, entre outras coisas. Com você houve isso?


NEY — Claro. Aquela coisa de falar grosso, falar fino, misturar as duas coisas. Mas quando criança eu falava muito fininho.


PLAYBOY — Você disse que começou a sentir melhor a música ouvindo o João Gilberto. Atualmente qual é o seu cantor preferido?


NEY — Eu ouço muito música e não tenho preferência. Ouço tudo. Mas acho que o maior cantor brasileiro é o Milton Nascimento. E a figura que mais me comove na música. Acho a voz dele linda.


PLAYBOY — E cantora?


NEY — Gosto de várias. Fico com medo de esquecer alguma... Zezé Motta, Rita Lee... A Rita pra mim não é cantora: é uma personalidade muito especial, sabe? Eu admiro muito a Rita. Um dia gostaria de subir no palco com ela. Acho que me identifico com 80% do que ela compõe; eu poderia cantar quase tudo o que ela cria. Outra que me agrada muito é a Elis Regina. Ela tem uma voz lindíssima. Também gosto muito da Gal, da Simone... A Simone cada ano canta melhor. E a Elba Ramalho; gosto muito dela com aquela voz áspera. Há muita mulher cantando bem.


PLAYBOY — E o Caetano Veloso?


NEY — Ah, o Caetano é gênio, é iluminado. Ele tem uma percepção aguçadíssima, uma cabeça imensa.


PLAYBOY — Ele inspirou muito você?


NEY — Eu nunca neguei isso. Se alguém me influenciou, foi Caetano Veloso. E, numa fase da vida em que eu nem pensava em ser cantor, o comportamento dele me influenciou muito. Ele foi a primeira pessoa que se colocou contra a hipocrisia, o comportamento comum, a estrutura, esse sistema. Ele era de outra forma, acreditava em outras coisas e disse tudo francamente. Eu adoro o Caetano.


PLAYBOY — Seus momentos de solidão são tristes ou alegres?


NEY — São calmos. Eu gosto de solidão e preciso dela. Não posso viver no meio do tumulto muito tempo. Eu gosto de ficar sozinho na minha casa, no meu quarto. E me controlo muito.


PLAYBOY — Você não tem medo da velhice e da morte?


NEY — Não. Acho que a morte é uma transformação que tira a gente desse baixo astral para uma coisa melhor do 'que isto aqui. Porque este planeta está muito mal... O planeta, não; o planeta é ótimo. A raça humana é que vai muito mal. Então qualquer transformação não pode levar a gente para lugar pior.


PLAYBOY — Outra vida?


NEY — Eu acho. Acho que é muito pouco viver uma vida assim e acabar...


PLAYBOY — Mesmo vivendo intensamente, como você?


NEY — Mesmo assim é muito pouco.


PLAYBOY — Você parece tão desencantado deste planeta e no entanto trabalha, grava, faz shows. É preciso tudo isso?


NEY — Eu gosto de trabalhar e ainda preciso. Tenho compromissos, contratos para os próximos três anos. Tenho também que gravar três discos para a gravadora Ariola e fazer alguns shows. Mas é um trabalho que me agrada. Eu adoro cantar. Só não gosto de tudo que cerca isso, o sistema, essa coisa toda em volta. É nojento.


PLAYBOY — O que é nojento?


NEY [agressivo] — O sistema todo. É tudo movido a dinheiro, A gente é vista pelo que possa render, não pelo que possa cantar bonito, cantar bem. Não interessa fazer felizes as pessoas. Você é visto como um cifrão. É um investimento. Por enquanto ainda está sendo possível passar por cima disso tudo pelo prazer de cantar. Claro que gosto de receber dinheiro, mas não gosto de ser usado. E o dinheiro não é a primeira coisa que eu vejo. Meu prazer é subir no palco e cantar. Eu gostaria é de cantar pra todo mundo de graça, mas aí era preciso que a gente vivesse em outro planeta, porque neste por enquanto não dá. Eu gostaria de viver disso: as pessoas me dariam comida, me dariam casa e eu cantaria para elas... Isso não é socialismo, porque isso não existe nem lá. Tem que ser em outro planeta ou quando este melhorar.


PLAYBOY — Quanto você ganha por show?


NEY — Eu agora vou passar a cobrar Cr$ 1,2 milhão por show fora do Rio. Disso eu tiro o pagamento dos músicos, pago o aluguel do som, da luz, e pago as pessoas todas que trabalham comigo. Eu movimento muito dinheiro, mas o que fica comigo não é muito, porque eu pago bem as pessoas que trabalham comigo. Se elas são bem pagas, trabalham melhor.


PLAYBOY — Então só a metade fica com você?


NEY — Menos da metade.


PLAYBOY — Há alguns anos você disse que era livre porque todas as suas coisas cabiam numa sacola; bastava recolher tudo e ir embora quando quisesse. Agora você tem este apartamento triplex, um carro e uma empresa. Ainda se sente livre? Você planejou isso?


NEY — Não. Não foi planejamento. Várias coisas foram acontecendo, e agora não sei... Eu tenho uma relação muito louca com o dinheiro, porque me sinto culpado de ganhar dinheiro... Fico achando que, diante da situação geral... Claro, não sou rico, porque os ricos a gente sabe quem são, mas eu ganho acima da média e me sinto culpado por ter dinheiro. Ao mesmo tempo sei que, se tenho, é porque trabalho, e trabalho muito. O ano inteiro trabalho feito louco, não paro em casa, que é fruto do meu trabalho... Agora, se eu quiser ir embora, largar tudo, não posso, porque tenho este apartamento; não posso largar o carro no meio da rua... E antes eu não tinha nada que me prendesse. Ia pra onde o vento tocava... Também não se pode fazer tudo que se quer e ainda ter toda a liberdade. É preciso pagar um preço. O preço é esse, ficar preso, sabe?...


PLAYBOY — Quando você não está gravando nem trabalhando em shows, como é a sua vida?


NEY — Eu vivo como qualquer pessoa.


PLAYBOY — Como qualquer pessoa?


NEY — Eu durmo muito tarde, mesmo que fique em casa sozinho. Nunca antes das duas, duas e meia. Mas nunca saio à toa nem vou a bares. Detesto bares. Quem vai a bar é pra beber. E eu não bebo. Fico em casa, leio, vejo televisão ou não faço nada. E vem muita gente me visitar.


PLAYBOY — Você disse que não gosta de bares nem de bebida. De nenhuma bebida?


NEY — Só de champanhe, e em ocasiões especiais: Natal, ano-novo, aniversários... Já experimentei outras, mas não gosto.


PLAYBOY — Shakespeare disse que o álcool estimula o desejo, mas prejudica o desempenho. Você, nas poucas vezes em que bebe, sente-se mais aceso?


NEY — Não. Pra mim não estimula desejo nenhum. [Rindo.] Pra mim independe do álcool.


PLAYBOY — E drogas? Quais as suas relações com elas?


NEY — Já fumei, já tomei tudo, já cheirei tudo e não gosto de nada.


PLAYBOY — Qual o efeito de cada droga sobre você?


NEY — Bom... O fumo me deixava hipersensível. Durante uma época foi interessante, depois começou a me deixar muito pra dentro, muito sem contato com as pessoas. Eu não conseguia conversar com ninguém, me fechava ainda mais. Por isso parei; não estava fazendo bem nenhum. E não acredito que vicie, porque, na hora que achei que não estava sendo legal, não precisei me esforçar para largar. Mas, também, eu não passava o dia fumando. Só fumava de vez em quando, e isso durante uns dois ou três anos.


PLAYBOY — E cocaína?


NEY — Já cheirei. Acho um horror. Não entendo como as pessoas podem gostar daquilo.


PLAYBOY — Por que um horror?


NEY — Ah, é muito ruim. É uma coisa que deixa você fisicamente muito mal. Eu não gosto, não.


PLAYBOY — O que você sentia?


NEY — Ah, eu ficava travado, sabe? Uma coisa assim tensa, nervosa.


PLAYBOY — E ácido?


NEY — Já tomei e achei bom, mas... Sabe como é que eu encaro drogas? Eu não deixei que elas me usassem. Eu usei pra ver como é que era, ficava prestando atenção, vendo o que acontecia, de que forma se manifestava. Mas nunca fui controlado por elas. Então tomei, tomei alguns ácidos e sempre foi uma coisa muito boa, muito positiva. Sentia uma espécie de integração com o universo, com a natureza. Acho que, se o ácido fosse bem utilizado, poderia até ser muito útil ao homem. Mas não estou fazendo apologia, só falando das minhas experiências.


PLAYBOY — Você voltou a usar?


NEY — Não, porque um dia tomei e achei que não estava mais sendo útil. Aí era pra ficar louco e eu não estava a fim de enlouquecer.


PLAYBOY — Você se sentiu mal?


NEY — Não, mas senti que não conseguia me aprofundar além do ponto que já tinha ido. Então era hora de parar.


PLAYBOY — Você parece uma pessoa bem informada. Como consegue isso?


NEY — Eu vejo os noticiosos da TV. E leio jornais.


PLAYBOY — O que está achando do presidente Figueiredo?


NEY — Uma pessoa bem-intencionada. Não sei se ele tem os poderes necessários para levar avante tudo o que disse querer. Espero que tenha os poderes todos. Ele é explosivo e eu acho isso até simpático, sabe? Prefiro ele ao Geisel, que era uma esfinge que ninguém sabia o que pensava. Esse pelo menos se expõe mais e a gente pode tirar conclusões a respeito dele.


PLAYBOY — O que você acha do ministro Delfim Netto?


NEY — Eu acho muito confuso. Não consigo compreender qual é a dele. Por mais atenção que eu preste, não consigo sacar. Mas este país é tão louco que até o Jânio Quadros poderá ser presidente de novo. E tem uma coisa curiosa: o Jânio é o único civil que eu noto que pensa como militar. Enquanto isso, os militares estão ocupando os cargos políticos. Eu detesto política, não suporto, mas acho que, para fazer política, tem que ter talento pra coisa. E a maioria dos militares não tem.


PLAYBOY — E o general Golbery?


NEY — Eu admiro muito, embora não esteja de acordo com algumas coisas... Essa coisa do poder que ele exerce há tantos anos é de admirar, mas não acho bom. Engraçado, tem gente que adora o poder.


PLAYBOY — Você não gostaria de ter esse poder?


NEY — Não. O poder que eu quero é outro. É o de existir plenamente, como indivíduo, como ser humano. O poder de me manifestar. Esse poder eu quero. Mas o poder de controlar as pessoas não me interessa.


PLAYBOY — Você lê PLAYBOY?


NEY — Leio as entrevistas. Mas não tenho saco pra ficar vendo mulher nua.


PLAYBOY — Você é livre e não tem preconceitos. Não gostaria de posar nu para PLAYBOY?


NEY — Não. O que eu tinha de aparecer nu já apareci, quando era proibido [risos].


PLAYBOY — Tudo bem. PLAYBOY não iria mesmo publicar suas fotos, porque nossos leitores preferem as garotas. Você, só vestido.


NEY — Que preconceito...


POR JOSUÉ MACHADO

FOTOS MÁRCIO MADEIRA


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1 Comment


Ademar Amâncio
Ademar Amâncio
Aug 25, 2023

Lembro de ter pego emprestado essa edição da revista de uma colega,fiquei muito excitado com a leitura dessa entrevista,pra mim,com 17 anos,era tudo novidade e corajoso um homem dizer que gostava de homem e mulher,eu nunca entendi isso até hoje,eu queria imensamente ter nascido mulher,simples assim.

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