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OSCAR SCHMIDT | JULHO, 1996

Playboy Entrevista

Uma conversa franca com o herói de cinco Olimpíadas

sobre ser grandão, cestas de três pontos, transas nem tanto,

muito basquete e muitíssima Coca-Cola.


Nas Olimpíadas que se abrem no dia 19 deste mês na cidade americana de Atlanta haverá um momento desde já inesquecível — aquele em que a Seleção Brasileira de basquete entrar na quadra para encerrar a sua participação nos 26º Jogos Olímpicos da Era Moderna. Oscar Daniel Bezerra Schmidt, o maior atleta que o país jamais produziu nessa modalidade esportiva, estará então vestindo pela última vez a camiseta número 14 do Brasil, que suou com brilho inigualável por mais de vinte anos e com a qual construiu a legenda de um dos maiores cestinhas da história ao redor do mundo. Ao disputar a sua quinta Olimpíada, terá igualado o feito de um único jogador de basquete até hoje, o porto-riquenho Teófilo Cruz, presente aos Jogos de 1960 a 1976. O número de atletas a superar essa marca não vai além de oito — concorrentes, todos eles, em modalidades quase sempre individuais, como o hipismo, o iatismo, a esgrima e o atletismo. No basquete brasileiro, quem mais se aproxima de Oscar nessa invejável contabilidade são os também legendários Zenny de Azevedo, o Algodão, e Wlamir Marques, ambos com quatro participações, o primeiro de 1948 a 1960 e o segundo de 1956 a 1968 — número que o velocista Robson Caetano e o iatista Torben Grael deverão atingir este ano. Acima de Oscar, nenhum outro brasileiro.

Com 38 anos de idade e 25 de esporte, o "Mão Santa", como não por acaso o apelidaram, está se despedindo da Seleção Brasileira — mas não do basquete, que pretende continuar jogando enquanto força e ânimo lhe restarem. "Nem me falem em parar", proíbe. Vai longe ainda, a julgar pela eficiência e pela apaixonada disposição com que conduziu seu time, o Corinthians/Amway, de São Paulo, à vitória no campeonato brasileiro de clubes, em maio último. Nas 31 partidas de que participou, fez 959 pontos, com a média de 30,9 por jogo — superior aos 30,4 do maior jogador do mundo, Michael Jordan, o cestinha da temporada 1995/1996 da liga americana National Basketball Association (NBA), vencida no mês passado par seu time, o Chicago Bulls.

Nas comemorações da vitória do Corinthians/Amway não houve, entre a garotada, quem suplantasse em entusiasmo o veterano Oscar, temperado em duríssimos confrontos internacionais e dono de uma reluzente coleção de títulos e recordes. É dele, por exemplo, o recorde olímpico de pontuação numa só partida, estabelecido nos jogos de Seul, em 1988, quando fez 55 pontos contra a Espanha. Foi o maior cestinha da história da Liga Profissional Italiana, tendo feito 13.887 pontos — média de 34,5 por jogo — nos onze anos em que atuou no país, a partir de 1982, oito deles no time da cidade de Caserta e três no de Pavia. Embora não tenha conquistado muitos títulos expressivos, sua passagem pelo basquete italiano foi tão luminosa que seus dois clubes decidiram aposentar as camisetas com que jogara o fenomenal brasiliano. O Fórum de Valladolid, na Espanha, que defendeu em seguida por duas temporadas, também o cobriu de presentes e homenagens quando ele resolveu voltar para o Brasil, em julho do ano passado, contratado pelo Corinthians/Amway para ganhar, segundo se noticiou (ele se recusa invariavelmente a falar em cifras), perto de 30.000 reais por mês. Na Itália como na Espanha, foi objeto de dois livros de sucesso — Oscar e Jugar con Óscar —, e o primeiro em português, ainda sem título, que ele está ditando ao jornalista Odir Cunha, poderá sair em setembro próximo.


O campeão nascido em Natal, Rio Grande do Norte, onde viveu até os 7 anos, lamenta não ter contabilizado todas as cestas que fez desde que começou a jogar basquete, aos 13, idade com que se mudou para Brasília (aos 16 estava em São Pau­lo, para defender o Palmeiras, depois o Sí­rio), mas calcula que nesse quarto de sécu­lo terá marcado algo próximo dos 35.000 pontos. Alguns deles o ajudaram a vencer por três vezes o campeonato sul-americano (em 1977, 1983 e 1985) e por duas a Co­pa América (1984 e 1988). Foi campeão mundial de clubes aos 21 anos, em 1979, depois de converter dois lances livres e le­var para a prorrogação uma partida con­tra o Bósnia, da Iugoslávia. Mas a con­quista de que mais se orgulha foi a do Pan­-Americano de 1987, em Indianápolis, nu­ma final memorável em que a Seleção Bra­sileira venceu, de virada, o aparentemente imbatível time dos Estados Unidos, re­cheado de estrelas, por 120 a 115. "Nin­guém nunca tinha feito 100 pontos em ci­ma dos americanos", comemora até hoje Oscar Schmidt, cestinha do jogo com 46. A histórica vitória lhe ensinou que não há façanhas impossíveis, especialmente agora, quando se trata de sua última chance de faturar a medalha olímpica que nunca teve — foi quinto colocado nos Jogos de Moscou (1980), Seul (1988) e Barcelona (1992) e oitavo em Los Angeles (1984) — e que o basquete brasileiro não voltou a ganhar depois do bronze em Roma (1960) e Tóquio (1964).


A galeria de feitos de Oscar não deve ser creditada apenas à habilidade com que ele, do alto de seus 2,05 metros de al­tura, seguidamente confirma a santidade de sua mão, mas sobretudo à aplicação quase monogâmica com que se entregou ao basquete nesses 25 anos — e que o le­vou, lá nos primórdios, a tomar ao pé da letra uma recomendação para dormir com a bola como forma de se tornar um grande jogador. Colocado, a certa altura, entre a tabela de basquete e a das estatísticas, en­terrou um curso de Administração de Em­presas levado até o terceiro ano. A mesma determinação — que ele atribui em parte a uma singular mistura de sangues ale­mão, iugoslavo, irlandês e brasileiro, além da circunstância de ser filho de militar, um oficial reformado da Marinha — lhe permitiu enfrentar uma assustadora sucessão de lesões, fraturas e contusões que teriam levado qualquer outro a pendurar os tênis. Não ele, que, conforme conta nes­ta entrevista, chegou a virar e vencer uma partida com a mão dramaticamente fraturada, marcando 34 pontos.


Nada disso, insiste Oscar a cada duas frases, teria sido possível não fosse o apoio que desde o início tem recebido de sua mu­lher, Cristina, com quem é casado há quinze anos e que lhe deu mais que dois filhos — Felipe, de 10 anos, e Stephanie, de 5. Disposta a lhe propiciar condições plenas para dedicar-se exclusivamente ao basquete, Cristina, uma baixinha que fa­ria Amélia parecer feminista, gastou parte de sua juventude a literalmente passar a bola para o marido nas quadras, antes e depois dos treinos. Com a ajuda da mãe, dona Shirky ("a baby-sitter de ferro", diz Oscar), que há mais de dez anos vive com o casal — hoje numa casa alugada, com quatro quartos e piscina, no luxuoso con­domínio de Alphaville 10, na região da Grande São Paulo —, é Cristina quem prepara e lhe serve as refeições, muitas ve­zes na cama, e cuida que o repouso do campeão não seja perturbado. Para entrevistar Oscar Schmidt, PLAYBOY destacou o redator-chefe Humberto Werneck, que trouxe também as seguintes impressões:


"Com 1,73 metro de altura, 32 centí­metros abaixo de meu entrevistado, confes­so que fiquei temeroso de uma foto que, na seção 'Entre Nós, viesse expor essa penosa desproporção. E, se não estive à altura de meu interlocutor, certamente não foi por culpa da fotógrafa, Carol do Vale, que se dobrou e desdobrou na busca de um ân­gulo que me fosse favorável. No mais, foi uma delícia entrevistar o garotão Oscar, cuja modéstia, simpatia e ausência de es­trelismo são diretamente proporcionais à estatura física. Em sua atravancada agenda, às vésperas da decisão do cam­peonato brasileiro de clubes, no dia da co­memoração do título e mais adiante, já em meio aos preparativos da Seleção para as Olimpíadas, ele cavou espaço para três encontros, dois em São Paulo e um em Uberlândia, MG, no total de 5 horas de conversa. Os dois primeiros aconteceram em mesas de restaurante, nas quais o entrevistado deu cabo, respectivamente, de vários filés de frango soterrados numa im­ponente montanha de arroz, feijão e fritas, e de uma avassaladora feijoada — como a lembrar que Oscar, bom não apenas de garfo como de todo um faqueiro, em outros tempos era capaz de fazer desaparecerem duas pizzas gigantes regadas a doze gar­rafas de Coca-Cola, ou, em certa ocasião, 66 bombons Sonho de Valsa. Na última rodada, para variar, um atraso do vôo fez com que eu fosse encontrar o entrevis­tado já na sobremesa — sem que a con­versa deixasse de ser, como as anteriores, das mais substanciosas."


PLAYBOY — Que tal o mundo visto aí de cima?


OSCAR SCHMIDT — [Ri.] Legal. Eu gosto de ser alto, adoro ter esta altura.


PLAYBOY — Mas as pessoas não olham você assim como uma ave rara?


OSCAR — Não. O problema é que você nunca passa despercebido. A pessoa primeiro diz: "Olha que cara grande!" Depois: "Ah, esse cara não é aquele que joga basquete?" E por fim: "Ah, es­se cara é o Oscar!"


PLAYBOY — Não é gostoso ser reconhecido?


OSCAR — Ah, é! Só é chato quando in­vadem a sua privacidade, agem como se você fosse uma paisagem ou um ani­mal de zoológico. O cara não pede um autógrafo, dá uma ordem. Mas quando as pessoas são bem educadas, e 99% são, é muito legal.


PLAYBOY — Quem assedia mais?


OSCAR — Tem de tudo. Criança, meni­no, menina, pai de família, mãe de fa­mília, rapaz, moça, senhoras...


PLAYBOY — E moças querendo algo mais que um autógrafo?


OSCAR — Você vê quando tem uma menina com essas intenções.


PLAYBOY — E aí o que você faz?


OSCAR — Sou uma pessoa superequili­brada. Sei por quem devo ter um enor­me respeito, que é a minha esposa. En­tão não vejo por que dar trela. Dou bei­jinho em todas as meninas, sou su­pereducaclo, mas tem que ter respeito.


PLAYBOY — Há alguma circunstância em que seria bom não ser tão alto?


OSCAR — Só quando vou a um hotel e a cama é curta, coisas assim.


PLAYBOY — Como é que você se arran­ja nos hotéis?


OSCAR — Geralmente durmo com os pés pra fora da cama.


PLAYBOY — A sua mede quanto?


OSCAR — Tem 2,30 metros. Maior que King Size — King Size, se eu deitar de bruços, os dedinhos ficam pra fora.


PLAYBOY — É só isso o lado ruim de ser muito alto?


OSCAR — [Animado.] Tem o capítulo das cabeçadas. Uma vez, na Itália, meu filho se cortou e fui levá-lo para tomar uma vacina antitetânica. Saí do carro, não vi direito — e entrei numa placa. Rachou aqui no meio, deixei cabelo lá, precisei tomar antitetânica também. Outro dia me levantei apressado para viajar, corri para o banheiro, entrei no boxe e bati a cabeça: um monte de san­gue jorrando, Nossa Senhora!


PLAYBOY — O que um sujeito de 2,05 metros não pode fazer? Ir ao cinema, por exemplo, você pode?


OSCAR — O problema é uma dor que tenho no joelho esquerdo, que me for­ça a esticar a perna de vez em quando. Preciso sentar numa lateral em que es­sa perna fique para fora.


PLAYBOY — Você já teve apelidos por causa da altura?


OSCAR — Ah, tive muito apelido... Mas, gozado, geralmente não era por causa da altura. Muitos amigos me cha­mavam de "Queixão" — dá pra ver por quê... As torcidas adversárias me cha­maram muitos anos de "Chorão", por­que eu chorei quando ganhei títulos importantes. Não me chateia. Ultima­mente apareceu esse tal de "Mão San­ta", não sei por quê.


PLAYBOY — Por que será, hein?


OSCAR — Começou de uns anos pra cá. Acho que foi o Álvaro José [comen­tarista da Rede Bandeirantes de Televi­são] quem botou.


PLAYBOY — É fácil achar sapatos quan­do se calça 48?


OSCAR — Tem uma loja especializada, a Casa Eurico [tradicional loja paulis­tana de calçados com numeração alta]. Calça não é mais problema — nos Es­tados Unidos eu peço uma 36/36 e não preciso nem experimentar, é a medida certinha. Minhas calças jeans são quase todas Levi's, 36/36, americanas, loose fit, largas, não tem erro. Já camisa social, preciso mandar fazer. Tive a sorte de morar na Itália e fiz roupa social lá — por enquanto dá, meu físico não mudou. E roupa espor­tiva é fácil achar.


PLAYBOY — Quanto mede sua mulher?


OSCAR — 1.62 ou 1,63 metro.


PLAYBOY — Isso não traz dificuldades operacionais? Um beijo, por exemplo...


OSCAR — Imagina... [Ri.] Se fosse só esse o problema na vida da gente... Fica ridículo para quem está olhando, mas para mim o problema não existe.


PLAYBOY — Quanto media a mulher mais alta que você já namorou?


OSCAR — Olha, namorei uma menina que devia ter quase 1,80 metro. E a mais baixa... foi a minha esposa, acho.


PLAYBOY — Você já esteve numa roda onde virou baixinho?


OSCAR — Roda, não. Mas na Itália de vez em quando saía com um amigo bra­sileiro que jogava lá, o Antonio Fuss, que tem 2,20 metros, já pensou?


PLAYBOY — Você foi desses garotos que de repente disparam a crescer?


OSCAR — Tive um crescimento brusco, dos 14 para os 15 anos. Quinze centí­metros num ano. No final estava com quase 2 metros.


PLAYBOY — E como foi isso para você?


OSCAR — Eu adorava, estava jogando basquete!


PLAYBOY — Quando foi que o bas­quete entrou na sua vida?


OSCAR — Até que demorou. Tentei jo­gar aos 7 anos, mas não gostei: nin­guém me dava bola, sabe quando já tem uma panelinha formada? Continuei jogando futebol. Mas não ia ter nenhum futuro brilhante — é difícil um cara de 2 metros ser jogador de fu­tebol, não é?


PLAYBOY — É raro. Você era atacante ou jogava na defesa?


OSCAR — Meu negócio era fazer gol. Fiz também natação, cheguei a competir.


PLAYBOY — Quer dizer que as primei­ras medalhas do Oscar do basquete fo­ram na natação?


OSCAR — [Ri.] Foram no estudo, por­que eu era o primeiro da turma no Co­légio Salesiano, em Natal, sempre fui CDF — queria entrar no ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica, em São José dos Campos, SP] e ser engenheiro ele­trônico. As medalhas da natação vieram depois, e as do basquete só em Brasília, para onde me mudei aos 13 anos. Antes da mudança, tive febre reumática e pre­cisei passar meses no quarto. Quando melhorei, meu pai quis que eu fizesse algum esporte — o coração tinha sido abalado pela febre. Nesse ponto fui pa­ra Brasília e estava querendo fazer fute­bol, quando meu tio Alonso sugeriu o basquete. Fui a um clube, o Unidade de Vizinhança — e logo no primeiro dia fi­quei doido. O técnico era o "Zezão" [Jo­sé Alves, falecido em 1987], um senhor que depois do treino saía com os meni­nos, pagava lanche para todo o mundo. Um verdadeiro paizão. Então me apai­xonei e comecei a treinar como louco. Não tinha um campeonato direito em Brasília, só havia três clubes, mas era a sério, a gente jogava entre nós.


PLAYBOY — Você se lembra de seu pri­meiro jogo?


OSCAR — Foi em Brasília, aos 13 anos, pelo Clube Unidade de Vizinhança, em tabela de mini [para infantis, com 2,60 metros de altura, contra os 3,05 me­tros da tabela de juvenis e adultos], en­frentando o Minas Brasília Tênis Clu­be. Eu não tinha noção nenhuma, era totalmente descoordenado. Não me lembro se fiz alguma cesta, nem qual foi o resultado do jogo — só sei que foi o meu primeiro e que nós ganhamos. Em São Paulo, o primeiro jogo foi pelo infanto-juvenil do Palmeiras, acho que contra o Espéria, e fiz uns 30 pontos.


PLAYBOY — Como você foi parar em São Paulo?


OSCAR — Aos 15 anos eu joguei na Se­leção Brasileira juvenil, fui campeão sul-americano em Bahía Blanca [na Ar­gentina, em 1973]. No mesmo ano par­ticipei de um torneio pela seleção de Brasília de adultos e o Edson Bispo dos Santos [ex-jogador da Seleção Brasileira], que era o técnico do Palmeiras, se inte­ressou por mim. Aí um diretor do clu­be, o dr. João Marino, que até hoje é um segundo pai para mim, disse: "Traz o menino." Já foi em 1974, eu estava com 16 anos. Fui jogar no infanto-juve­nil do Palmeiras e ganhamos tudo, campeonato paulistano, estadual, não perdemos um jogo no ano!


PLAYBOY — Já ganhando uma grani­nha para jogar?


OSCAR — Não. Os diretores do Palmei­ras me prometeram um dinheirinho para sair no fim de semana, mas não me deram nada. Morava numa repúbli­ca de atletas do clube, no bairro da Pompéia, e estudava no Mackenzie [co­légio e universidade de São Paulo]. Che­gou uma hora em que achei que aquilo estava errado. Não comia direito, por­que treinava até as 11 horas da noite, chegava tarde na república, já não ti­nha o que comer, vivia comendo só bo­lacha ou feijão. Ia para a escola de ma­nhã e de tarde treinava 5 horas em se­guida. Já tinha ligado para o meu pai, ele ia me buscar, quando um dia o Claudio Mortari, que era o meu técnico [hoje no Mogi, de Mogi das Cruzes, SP], me viu chorando num canto do vestiá­rio. Contei, ele foi falar com o dr. João Marino, que não estava sabendo de na­da — e aí mudou tudo. De me faltar tu­do, passou a não me faltar mais nada. O dr. João me dava um dinheiro para viajar. Um dia me disse: "Agora você vai sair da república, vou te alugar um apartamento." Até um carro ele me deu. Uma Brasília bordô 1976, fui tirar o carro na concessionária com o Mortari. Bati essa Brasília com 2.000 quilôme­tros, acabei com a frente dela, depois troquei por uma Brasília bege.


PLAYBOY — Você se liga em carro?


OSCAR — Eu gostava muito de carro esportivo, mas passei dessa fase. Hoje prefiro um carro para a família, bem grande e confortável. Tenho uma caminhonete Chevrolet Blazer DLX, pre­ta, comprada este ano.


PLAYBOY — Como foi a fase do carro esportivo?


OSCAR — Na Itália cheguei a ter um Porsche Carrera usado, Targa, verme­lho, lindo. Mas cheguei à conclusão de que não vale a pena. Porque com um carro desses você vai correr mesmo, é melhor não ter. Não adianta dizer que vai entrar em um Porsche para passear. É mentira. Você acelera, o bicho vai, e é muito perigoso: eu ia na auto-estrada a 230, 250 quilômetros por hora. Fi­quei pouco mais de seis meses com ele, me deu medo, mas continua sendo o meu carro predileto.


PLAYBOY — Você cabia lá direitinho?


OSCAR — Eles modificaram o trilho do banco para mim, para chegar para trás e dar mais espaço para as pernas.


PLAYBOY — Que mais teve nessa fase esportiva?


OSCAR — Tive uma Mercedes 1.200 e uma BMW 320 na Itália.


PLAYBOY — Verdade que você tem ma­nia também de relógio?


OSCAR — Tenho poucos e bons. Os melhores eu ganhei nas três ocasiões em que promoveram jogos em minha homenagem na Europa. O presidente do Caserta me deu um Vacheron, o do Pavia, um Breguet — Breguet é a casa que fazia relógios para Napoleão. você imagina? Da prefeitura de Caserta ga­nhei um Baume & Mercier. Ganhei também um Ebel. Alguns eu comprei. Rolex, Piaget, Cartier, Breitling. E vários Swatch, para usar todo dia, porque no Brasil não dá pra usar relógio caro fora de casa, né? Sempre gostei também de aparelhos eletrônicos, aparelho de som. Computador, tenho um Pentium. 133.


PLAYBOY — O que você faz nele?


OSCAR — Brinco de escritório. Meu negócio é Internet, ver a conta do banco, fazer cartãozinho, agenda, mandar fax.


PLAYBOY — E o que você ouve no seu som?


OSCAR — O que mais gosto é funk e soul. A preferida é Stand By Me, de Ben E. King [cantor e compositor americano]. Gosto muito da música negra americana, funk — mas não essa ai de discoteca, bum bum bum. Gosto de música tipo Soul II Soul [grupo inglês de dance music], esse estilo. De rap também, alguns. De Simon e Garfunkel. E alguma coisa brasileira, pouca. Músicas do Luís Gonzaga, que têm sanfona, desse tipo eu gosto. Uns italianos... Pino Danielle, Claudio Baglioni...


PLAYBOY — E de dançar, você gosta?


OSCAR — Rapaz, odeio! É a única coisa de que tenho realmente vergonha. Talvez tenha a ver com o espetáculo ridículo que é um cara grandão dançando com uma menina pequenininha...


PLAYBOY — Mas você já tentou?


OSCAR — Já. Eu ia a discotecas com a minha esposa — para brigar com ela [risos]. A gente brigava toda vez. Ela queria dançar e eu odeio. Ir a discoteca é o pior passeio: não gosto de dançar, não bebo, não dá para conversar e você sai de lá fedendo a cigarro... Falou dicoteca, já me dá até arrepio! [Risos.]


PLAYBOY — Quando diz que não bebe...


OSCAR — [Cortando.] ... é que não bebo mesmo, nem uma gota de álcool [decidido] nunca bebi e não vou beber.


PLAYBOY — Uma questão de princípio?


OSCAR — Questão de gosto. Acho horrível. Cerveja — não consigo admitir que alguém possa beber cerveja.


PLAYBOY — Mas você vai a uma recepção, botam um copo na sua mão, como é que você faz?


OSCAR — [Categórico.] Refrigerante.


PLAYBOY — Agora ficou complicado, com essa promessa que você fez de não tornar Coca-Cola...


OSCAR — É, no pré-Olímpico do ano passado eu e alguns companheiros da Seleção fizemos a promessa de não tomar Coca-Cola, nenhuma Cola, Pepsi, nada, durante um ano, se a gente se classificasse para a Olimpíada.


PLAYBOY — Então, se ganharem em Atlanta, vocês vão comemorar com...


OSCAR — [Corta, rindo.] Não dá nem para comemorar: a Olimpíada acaba no dia 4 de agosto e a promessa vai até o final do mês.


PLAYBOY — Você está arrependido?


OSCAR — Não, porque o objeto da promessa tem que ser uma coisa da qual você sente falta. Se eu fizer uma promessa de não beber vinho, não adianta, porque não gosto de vinho. Não toco em bebida. É que nem cigarro — nunca gostei.


PLAYBOY — Não bebe, não fuma, não dança...


OSCAR — ... e tenho uma mulher só! [Risos.]


PLAYBOY — A Cristina foi a sua primeira namorada?


OSCAR — Não. Mas quando começamos mandei embora todas as que eu tinha...


PLAYBOY — Você era namorador?


OSCAR — Não, mas a gente era moleque, o pessoal da república do Palmeiras, e viajava bastante, então arrumava uma namorada aqui, outra ali, saía pela noite, ia no sambão... essas coisas de moleque. Aí a Cris foi morar em frente da república, no 315 da Rua Ministro Ferreira Alves eu morava no 310. Na mesma época tive um problema no tornozelo e engessei o pé por um tempão. Então ficava lá na frente da república, e foi quando a gente se conheceu, porque ela não saía de casa. Começamos a ir para a escola juntos, a Cris fazia cursinho atrás do Mackenzie, onde eu estudava. Começamos a namorar. Eu tinha 18 anos. Namoramos cinco anos e meio e me casei aos 23.


PLAYBOY — Namoro tradicional?


OSCAR — Foi. Começou como amizade, e a Cris chegou até a cuidar de uma namorada minha, a Regina, enquanto eu viajava — pedi pra ela vigiar a outra, vê se pode! Ela vigiava mesmo [risos], depois me contava.


PLAYBOY — Em geral o atleta ganha a namorada com o sucesso, mas você...


OSCAR — ...comigo foi o contrário: ganhei com o pé quebrado, e graças a ela ganhei o sucesso. A Cris tem muito a ver com a minha carreira. Em meus momentos negativos, foi ela quem sempre me deu força. Me chamava para ir treinar, vinha de agasalhinho e tênis e ficava passando bola pra mim, ao ponto de doer o braço. As vezes digo que casei porque precisava de alguém que passasse bola pra mim [risos].


PLAYBOY — Você se casou virgem?


OSCAR — Não, não [ri]. Fui à zona em São Paulo, quando era moleque, íamos em turma [ri].


PLAYBOY — Você lembra de sua primeira "cesta" nesse "jogo"?


OSCAR — Tinha 16 anos.


PLAYBOY — Uma cesta de 3 pontos?


OSCAR — Humm... Também não foi superagradável. A pessoa que estava lá não era tão bonita, sabe? Não é legal assim. É melhor se você tiver uma na­morada, muito melhor.


PLAYBOY — A experiência sexual, para muitos jovens, costuma estar dissociada da afetividade. Quando é que você foi juntar as duas partes?


OSCAR — Fui ter isso com a Cris — a gente não fez a primeira vez no casa­mento. Ela fez a primeira vez comigo, namorando. É muito melhor. Espero que com meu filho seja assim um dia.


PLAYBOY — Qual é o segredo para conti­nuar apaixonado pela mulher, tantos anos depois?


OSCAR — Acredito que vem tudo da tua família, porque não lembro de ter visto meu pai olhando pa­ra outra mulher.


PLAYBOY — E você não olha?


OSCAR — Olhar, até olho.


PLAYBOY — Mas aque­le olhar cobiçoso...


OSCAR — Isso não. Me sinto super realiza­do com minha esposa.


PLAYBOY — Mas pa­ra manter um casa­mento...


OSCAR — [Cortando.] É difícil. Porque quan­do você é famoso, se quiser [ter outras mu­lheres] é bem fácil.


PLAYBOY — Você é muito assediado?


OSCAR — Não é que nem cantor, que encontra gente na cama, isso nunca ti­ve! [Risos.] Esse negócio é assim: quan­do os dois querem, acontece. Já recebi cartas, telefonemas, trotes — inclusive deixaram a minha esposa furiosa... Li­gam na minha casa...


PLAYBOY — Ela é ciumenta?


OSCAR — Ô!


PLAYBOY — Tem motivos para ser?


OSCAR — Não tem, mas a Cris é ciu­menta naturalmente, porque sou as­sediado. Se fosse ela a pessoa famo­sa, eu ficaria incomodado também, um monte de homens atrás... O im­portante é que minha esposa e eu vi­vemos namoro e paixão, dia após dia. A gente é um contínuo se gostar.


PLAYBOY — Você não usa aliança?


OSCAR — Não gosto, só usei no dia do casamento.


PLAYBOY — E a sua mulher não fica chateada?


OSCAR — Não. Aliança não quer dizer muito.


PLAYBOY — Você é marido de se lem­brar das datas?


OSCAR — Sou. E dói no bolso... [Ri.]


PLAYBOY — O que ela gosta de ganhar?


OSCAR — Hum! Jóia, jóia ou jóia! São todas iguais, as esposas... Todo aniver­sário de casamento tem uma jóia.


PLAYBOY — Você diria que é um ho­mem romântico?


OSCAR — Sou e não sou. Às vezes pare­ço não ser — e minha esposa fica cha­teada: "Você também, hen!" É meu jei­to de ser durão. Mas é tudo fachada.


PLAYBOY — Cristina vai a Atlanta?


OSCAR — Não. Ela e as crianças vão de férias para Orlando, na Flórida.


PLAYBOY — Muito tempo assim sem sexo deve ser uma barra.


OSCAR — Não é barra não, imagina. Também não estamos com gás aí tam­bém pra tudo isso — treinamos duas vezes por dia, tem que dormir de ver­dade... O negócio é concentrar no teu objetivo e esquecer o sexo um pouqui­nho, meu filho.


PLAYBOY — Sexo antes do jogo não é aconselhável?


OSCAR — Depende de cada um. Eu não tenho nenhum problema. Já tive, com minha esposa, experiência de todo jeito — um dia antes, no mesmo dia...


PLAYBOY — ... vinte minutos antes...


OSCAR — Também não vamos exage­rar... O problema não é o sexo em si. O que atrapalha é a gandaia, é beber, é vol­tar de madrugada, é não dormir — e ge­ralmente o sexo está combinado com is­so. Se você fizer uma coisa bem tranqüi­la, não atrapalha em nada. Algumas ve­zes a gente até falou, minha esposa e eu, "puxa, será que não vai atrapalhar o jogo?" — e em seguida joguei pra burro [ri], acabei com o jogo!


PLAYBOY — As pes­soas em geral se quei­xam de um cansaço depois de muito tem­po de casamento. Elas já foram mais bonitas, os corpos já são muito conhecidos. Qual é o segredo para preser­var a chama nessas condições?


OSCAR — O segredo é ter achado a pes­soa certa. Achei a minha e fui a pessoa certa dela. Tem gen­te que pensa que é monotonia. Para mim é uma maravi­lha, adoro, ela sem­pre foi tudo o que sonhei. Tenho a mi­nha profissão, a mi­nha esposa, vivemos em harmonia...


PLAYBOY — Sem brigas?


OSCAR — Ah, nós brigamos muito, dis­cutimos, todo dia — sempre por bestei­ra. Ciúme. Família. Filhos.


PLAYBOY — Você também é ciumento?


OSCAR — Sou. Menos que ela, com certeza. Porque ela realmente é ciu­menta. Esta revista aqui, ó [pega um exemplar de PLAYBOY], se eu chegar em casa com ela, apanho! [Risos.]


PLAYBOY — É mesmo?


OSCAR — Ô! Apanho. "Vai ficar olhan­do o quê?" [Gargalhada.] Só vou poder comprar quando sair a minha entrevis­ta! Agora: muita gente tem vergonha de falar, mas me sinto feliz por ela ser bem ciumenta. Significa que me quer mesmo, é possessiva. Quando fui para a Itália, em 1982, ela jogou fora um curso de Psicologia no 54 ano, faltando só três meses para se formar. Era se­tembro e eu disse: "Você se forma e de­pois vai." Mas a Cris não quis me deixar ir sozinho.


PLAYBOY — Para muitas mulheres é inaceitável não ter uma profissão. Com a sua é diferente?


OSCAR — A Cris tem uma profissão, que é muito importante. Ela cuidou de mim o tempo todo. Nunca precisei acordar durante a noite por causa do choro dos filhos, a não ser quando eles estavam doentes. A Cris nunca me fez passar por nada disso. Ela falou: "É a tua profissão, é a nossa vida, então vou fazer tudo para que você treine bem, para que possa jogar bem, para ganhar dinheiro, para a gente viver bem." Quando, por exemplo, meus sobrinhos vão lá em casa, ela dá uma de chefona: "Ninguém passa deste corredor. O tio está descansando, precisa treinar, pre­cisa jogar bem, ninguém entra aqui." E isso não é nada. Todo dia ela me traz o café. [Enfático.] Todo dia!


PLAYBOY— Na cama?


OSCAR — Muitas vezes. Quando eu jo­gava na Europa, tinha menos jogos que aqui, mas precisava treinar forte, duas vezes por dia, e para treinar direito vo­cê precisa descansar. Tem gente que não liga para isso, mas eu ligo — por is­so é que tenho 38 anos e ainda conti­nuo jogando bem. Então ia treinar de manhã, já voltava com o pijama por baixo do agasalho, entrava embaixo das cobertas, ela vinha com a bandeja, eu comia, dez minutos depois já estava dormindo. Acordava, lanchinho de no­vo, café com leite, ia treinar outra vez, voltava. Aí jantava na cama com meus filhos, a gente via filmes e já era o tem­po de ficar com sono e dormir. Isso era a rotina em dia de treinamento.


PLAYBOY — E aqui no Brasil?


OSCAR — Mudou pouca coisa. Como tenho mais jogos, muitas vezes não trei­no de manhã, então sobra mais tempo para resolver os problemas da casa. Pa­gar contas. Em casa sou jardineiro, pis­cineiro, eletricista, encanador. Em dia de treino acordo às 8, 8h15, minha mu­lher já preparou o café...


PLAYBOY — O que tem nesse café?


OSCAR — Café com leite — imprescin­dível, sou viciado em café com leite. Torradinhas com um pouco de man­teiga, geléia de vez em quando. Dependendo da época, panetone. Quer di­zer, é um café com leite bem guloso, 3 mesmo. Depois vou treinar, volto morto de cansado. Que nem na Itália: dire­to para a cansa, almoço, sono, lanche. Quando tem treino de tarde, chego em casa às 8 da noite. Jantar, brincar com os filhos, sono por volta de meia-noite. Quer dizer, é praticamente viver para jogar — e jogar para viver.


PLAYBOY — Com tanto basquete, so­bra tempo para o lazer?


OSCAR — Sobra! Com a "baby-sitter de ferro", que é a sogra, temos muito tem­po para nós. Saímos duas, três vezes por semana, sobretudo depois de jogo. Restaurante, cinema... Onde mais gos­to de ir é em churrascaria.


PLAYBOY — E cinema? O que é um bom filme para você?


OSCAR — Gosto de filme de advogados, policiais e aventura. Não gosto de filme de medo. Lembro que eu fui ver A Pro­fecia e fiquei tão apavorado que precisei dormir três dias na casa da Cris, porque morava sozinho [risos]. O Exorcista me criou um trauma. Vi em Londres, aos 16 anos, estava numa excursão de basguete. Nossa! Até hoje tenho medo da­quele filme, foi o que mais me marcou negativamente.


PLAYBOY — E positivamente?


OSCAR — Positivamente, foram filmes como o que assisti mais vezes: A Queda do Império Romano. Outro que vi mui­to, com meu filho, foi Indiana Jones — nosso ídolo é o Indiana Jones.


PLAYBOY — Sobra tempo para leitura?


OSCAR — Já li mais, agora só nas via­gens. Antes eu lia muito Agatha Chris­tie, romances tipo O Poderoso Chefão [do italiano Mario Puzo] — aliás, o me­lhor livro que li até hoje. Hoje em dia, quando estou para ler, prefiro coisa mais construtiva que romance. Livro sobre liderança, neurolingüística, tipo Lair Ribeiro — li dois livros dele ulti­mamente, O Sucesso não Ocorre por Aca­so e Comunicação Global. É legal. Você melhora o vocabulário, e para apren­der a falar em público é interessante. Na minha profissão isso é importante.


PLAYBOY — Quando é que o basquete passou a ser para você uma profissão?


OSCAR — O que eu queria mesmo, no começo, era jogar na Seleção Brasileira — continua sendo a coisa de que mais me orgulho. Como possibilidade de ga­nhar a vida, começou aos 20 anos, no Palmeiras, ganhando uma mixaria.


PLAYBOY — Quantifique a mixaria.


OSCAR — Ah, já não lembro. Mixaria mesmo, não dava para guardar nada.


PLAYBOY — Você se lembra do que fez com o primeiro dinheiro que recebeu jogando basquete?


OSCAR — Lembro. Falo do primeiro dinheiro sério — alguns mil dólares, 2.000, 3.000 dólares. Foi na Seleção Brasileira e eu tinha uns 20 anos. Pensei: preciso empregar esse dinheiro. Entrei na primeira imobiliária que vi e perguntei: o que você tem para vender aí? "Tenho esse loteamento em Ubatu­ba" [município no litoral norte de São Paulo]. Meu dinheiro dava exatamente para pagar a entrada de dois lotes. Me dá dois! Eu ganhava 20.000 cruzeiros por mês e pagava 14.000 de prestação — ficava só com 6.000 para viver, e era um aperto, rapaz, porque os 20.000 já eram pouco.


PLAYBOY — Ainda tem esses terrenos?


OSCAR — Tenho. Quando o Palmeiras começou a perder patrocínio, fui para o Sírio, que era o time da onda — e no Sírio já comecei a pensar em comprar o meu primeiro apartamento. Entrei em uma dívida de cinco anos. Mas tam­bém não dava para guardar nada. Tan­to que acabei indo trabalhar numa agência de publicidade de um sócio do Sírio, Eduardo Jaclão, a RNJ.


PLAYBOY — O que você fazia lá?


OSCAR — Saía catando anúncios. De manhã ia estudar no Mackenzie, almo­çava na casa da Cris — a gente estava namorando —, seguia para o trabalho na agência e de lá ia treinar no Sírio. Chegava em casa de noite, arrebenta­do. Durou uns seis meses. Pensei: esse negócio está atrapalhando. Vou fazer uma coisa bem-feita, mas uma só. Aí foi a última vez em que trabalhei em algu­ma outra coisa — passei a me dedicar só ao basquete.


PLAYBOY — Que idade você tinha?


OSCAR — Tinha 22 anos, por aí. Mas pensei também: ganhar dinheiro com basquete, aqui no Brasil, não vai dar. Então decidi ir para a Europa. Come­çaram a aparecer oportunidades, e quando chegou a do time de Caserta eu resolvi ir. Em tudo isso o dr. João Marino me aconselhava. Ele arrumou o contrato, e fui, em 1982. Deixei para trás o curso de Administração de Empresas, já no 3º ano — nunca me arre­pendi, odiava, tinha entrado na carrei­ra errada. Fui para a Europa pensando em ficar só um ou dois anos, mas foi in­do, foi indo... e acabei ficando treze.


PLAYBOY — Deu para fazer um pé-de-meia na Europa?


OSCAR — Deu para comprar algumas coisas.


PLAYBOY — O que você tem hoje?


OSCAR — Vamos deixar assim: tenho alguns apartamentinhos alugados. Ne­nhum apartamento grande. O maior que tenho é aquele primeiro que com­prei, com dois quartos.


PLAYBOY — Você tem casa na praia?


OSCAR — Tenho um apartamentinho de dois quartos, no Guarujá [litoral norte de São Paulo], que compramos em grupo, a Seleção inteira, construímos juntos esse prédio na Praia do Tombo. Fui lá só uma vez, e não tive sossego: filas para tudo, muita gente, você é uma pessoa conhecida e está to­do o mundo preparado com a máqui­na fotográfica. Essas coisas são agradá­veis, mas quando é demais...


PLAYBOY — O que você tem já lhe per­mitiria viver sem jogar?


OSCAR — Ah, não. Eu preciso traba­lhar. Se fosse um profissional america­no da NBA e ganhasse aqueles contra­tos milionários, aí sim.


PLAYBOY — Você teve convites para jo­gar na NBA — por que não foi?


OSCAR — Tive três convites do mesmo time, o New Jersey Nets, em 1984, 1985 e 1986. Mas eles me ofereciam um contrato pequeno, não dava para dizer que ia lá para fazer meu pé-de-meia. E se eu jogasse um jogo que fos­se como profissional nos Estados Uni­dos não poderia nunca mais jogar na Seleção Brasileira, porque só em 1992 as portas se abriram para os profissio­nais jogarem nas seleções. Então botei tudo na balança e não fui. Me sinto su­perfeliz porque, depois, em 1987, ga­nhamos o Pan-americano em Indianá­polis. Foi a maior emoção que tive na minha carreira, e com certeza não te­ria tido se tivesse ido jogar nos Estados Unidos.


PLAYBOY — Você teria sido um joga­dor de primeiro plano na NBA?


OSCAR — Para ser um jogador de pri­meiro plano na NBA é preciso que o técnico tenha confiança e deixe você jogar. Nessas condições eu talvez não fosse uma estrela como o Michael Jor­dan, mas teria sido um bom jogador lá, com certeza. O pessoal da NBA é de carne e osso. Michael Jordan, Magic Johnson, esses caras são de outro nível, mas o resto é tudo jogador normal.


PLAYBOY — No Brasil, qual o segundo melhor jogador?


OSCAR — [Rindo.] Qual o segundo? O que é isso! O Brasil teve grandes joga­dores, e é até injusto colocar alguém como primeiro. Tem muitos. Hoje, despontando aí, tem o Rogério [Klafke, gaúcho, ala do Cosesp de Franca, SP], provavelmente vai ser o grande cesti­nha da Seleção nos próximos anos. É um pouco mais baixo que eu: uns 2,02 metros. [Rindo.] É pequenininho...


PLAYBOY — Qual é o melhor jogador brasileiro de sua geração, e qual foi o melhor de todos os tempos?


OSCAR — Da minha geração, Marcel. De todos os tempos, Wlamir.


PLAYBOY — Na NBA, com quem você se acha mais aparentado?


OSCAR — Ah, meu ídolo era o Larry Byrd — aquele branco, arremessador de longe, do Boston Celtics, um dos melhores jogadores da história do basguete, já parou de jogar. Foi o meu ídolo. Meu jogo, em algumas coisas, parece muito com o dele.


PLAYBOY — Se você puder escolher um jogo de basquete para ver, qual será?


OSCAR — Ah, Chicago [Bulls] e Orlan­do [Magic].


PLAYBOY — E dentro desses times...


OSCAR — [Cortando, enfático.] Michael Jordan, pô. E o Shaquille O'Neal. O Mi­chael Jordan é mais jogador, e é tam­bém uma pessoa muito fácil na convi­vência. Ele às vezes pode parecer assim endeusado, às vezes não quer atender todo o mundo, porque é muita gente incomodando. Mas na convivência ele é um garoto superlegal. É uma pessoa normal que nem as outras. A gente faz uma ideia do ídolo, mas o cara é uma pessoa que nem você. O Magic John­son, então, nem se fala. O cara é fantás­tico. Nunca tinha visto a minha esposa e fez a maior festa: "Como vai a sua fa­mília? Tudo bem? Você está gostando de estar aqui?" Um cara supergentil, sorri pra todo o mundo, adorei.


PLAYBOY — Você já jogou com eles. Como foi?


OSCAR — Joguei em exibições na Itá­lia, várias vezes, e foi legal demais. Com o Michael Jordan eu fiz três ou quatro exibições organizadas pelo patrocina­dor dele, a Nike, contra e a favor, ele jogava um tempo com um time, um tempo com outro... Foi demais! O cara é uma fera, é o maior de todos.


PLAYBOY — Você jogou também com o Magic Johnson...


OSCAR — ... no time que ele formava para jogar pelo mundo, o Magic All Stars. Fui no primeiro deles, em 1993.


PLAYBOY — E fez bonito ali?


OSCAR — Fiz. Jogamos na Holanda e na Bélgica, quatro jogos contra seleções desses países, jogo mesmo, de verdade.


PLAYBOY — Você pediu autógrafo?


OSCAR — Do Magic eu pedi, mas do Jordan não lembrei, acredita? Me arre­pendi de não ter tirado uma foto com ele... Mas do Magic tenho fotos, foto com meu filho. Pedi autógrafo tam­bém ao Shaquille O'Neal, para o meu filho, no encontro que nós tivemos em Orlando, em maio. A gente fez um monte de fotos, trocamos camisetas, trocamos autógrafos, dei umas fotos pra ele, ele me deu umas fotos, tênis. É impressionante o pé do cara, ele calça 22 [56, na numeração brasileira].


PLAYBOY — Michael Jordan, Magic Johnson — será que o negro joga mes­mo mais basquete que o branco?


OSCAR — Não tem dúvida. Porque em todo esporte que envolve agilidade e salto o preto é favorecido. E o basque­te, em particular, é um esporte em que os pretos têm muito mais facilidade. Eles pulam mais, correm mais — e se você assiste às finais da NBA, por exem­plo, vai ver muito pouco branco jogan­do — é tudo preto.


PLAYBOY — ... de cabelo amarelo, ver­melho...


OSCAR — É, agora tem disso aí. E no Brasil também. Mas é besteira. Brinco, essas coisas, eu não gosto.


PLAYBOY — Se seu filho quiser pôr brinco...


OSCAR — ... eu não gostaria.


PLAYBOY — Vai proibir?


OSCAR — Não. Graças a Deus aprendi a flexibilizar. Envelhecendo, você vai amolecendo. Tinha preconceito com homossexual, com brinco, imagina! Eu era moleque, e quando você é mole­que é muito mais cheio das suas ideias.


PLAYBOY — Existe racismo no Brasil?


OSCAR — Tem. Mas na Europa tem infinitamente mais. Aqui tem mais é "classismo". É o rico e o pobre, o que tem dinheiro e o que não tem. Entre os pobres tem muito negro. Mas tratam mal também o branco por ser pobre.


PLAYBOY — Na Seleção tem racismo?

OSCAR — De jeito nenhum.


PLAYBOY — Quando você chegou à Se­leção?


OSCAR — Fui convocado pela primei­ra vez com 16 anos, em 1974, e joguei duas partidas, contra o Palmeiras. Não eram jogos oficiais, a Seleção estava se preparando para uma excur­são. Fui o último corte e isso me dei­xou revoltado. Agora sei que alguém com 16 anos é um menino. Mas na época achava que tinham que sair os velhos e eu entrar. Pensava: o que é isso, esses caras já com 22 anos, o que é que eles estão querendo? Já é tudo velho! [Risos.]


PLAYBOY — Jogo oficial pela Seleção, qual foi?


OSCAR — Foi no campeonato sul-ame­ricano de Valdivia [no Chile, em janeiro de 1977], aos 18 anos. Não lembro mais quem era o adversário, era uma seleção fraca, mas foi inesquecível — o meu primeiro jogo e meti todas as bolas que chutei, fiz 16 pontos sem errar.


PLAYBOY — Aconteceu outras vezes de você encaçapar todas?


OSCAR — Não, porque depois, quando você chuta mais, fica mais difícil, não é? É mais fácil acertar tudo quando vo­cê chuta menos bolas. Uma vez, na Itá­lia, jogando pelo Pavia contra o Siena, entrei no segundo tempo, chutei dez bolas e acertei as dez. Depois, no Valia­dolid, num jogo contra o Málaga na ca­sa deles, chutei oito bolas de 3 pontos e meti todas. Isso é recorde no basquete espanhol até hoje.


PLAYBOY — A regra dos 3 pontos pare­ce que foi feita para você, não é?


OSCAR — Essa regra, Nossa Senhora, veio a calhar mesmo! Mas a linha [si­tuada a 6,25 metros da resta nos regula­mentos da Federação Internacional de Basquete (FIBA) e 6,71 nos da NBA] fica bem longe do lugar de onde a gente costumava chutar antes de 1985, quan­do criaram a regra. Muita gente fala: "Ah, se tivesse isso no meu tempo..." Hã, hã! [balança a cabeça, enfático, fa­zendo sinal de negativo]. Se você vê um teipe de jogo anterior a 1985, percebe que se chutava mais de perto. Só um chute ou outro era da distância de 3 pontos. Quer dizer: a regra fez com que o jogo se abrisse mais, não ficasse aquele negócio tão congestionado, porque com o pessoal chutando bem de longe o jogo fica mais aberto. E isso, pra mim, veio a calhar.


PLAYBOY — Você já cometeu um erro vergonhoso na quadra?


OSCAR — Vergonhoso? Não tem disso, todo o mundo erra. Mas me lembro de um arremesso importante que desper­dicei. Foi num jogo das quartas de fi­nais do playoff do campeonato italiano, contra o Scavolini, em 1987: errei dois lances livres no final. Perdemos o jogo e foi um pesadelo para mim. Mas ser­viu de lição — até então eu não admi­tia um jogador chegar no fim do jogo e errar os lances livres. Quando aconte­ceu comigo, fiquei mais humilde.


PLAYBOY — Qual foi a sua pior atua­ção nesses 25 anos de basquete?


OSCAR — Foi numa partida pela Sele­ção na Iugoslávia, em 1977, quando eu tinha 19 anos: jogamos contra os donos da casa, perdemos de 40 pontos.


PLAYBOY — A derrota mais amarga.


OSCAR — Com a Seleção Brasileira, acredito que foi quando perdemos pa­ra a Rússia em Seul, nas Olimpíadas de 1988. Dominamos o jogo e perdemos — ganhando, a gente iria para a meda­lha. Depois a Rússia foi campeã olímpi­ca. Outra derrota amarga foi para a Iu­goslávia nas Olimpíadas de 1980. Tam­bém nesse caso dominamos o jogo — e perdemos de 1 ponto: no final o juiz apitou uma falta inexistente do Marcel, faltando 3 segundos, e eles converte­ram dois lances livres.


PLAYBOY — Qual foi o jogo em que vo­cê fez menos pontos?


OSCAR — Aquele de 1977 na Iugoslá­via. Eu, Gilson e Marcel, juntos, fizemos dois pontos [ri] E a gente era a grande esperança do Brasil naquela época...


PLAYBOY — O marcador mais implacá­vel que você já encontrou?


OSCAR — No Brasil, foi o Hélio Rubens [durante anos armador da Seleção Brasi­leira e hoje técnico do Cosesp, de Franca], ele era um pentelho. O Marcelo Vido também. Na Europa tinha uns caras muito chatos do Varese: Sachetti e um americano chamado Hordges — esse cara marcava agarrando, segurando.


PLAYBOY — E qual foi a sua cesta ines­quecível?


OSCAR — Inesquecíveis, tenho dois lançamentos. Foi em 1979, na final do campeonato internacional de clubes, em São Paulo, contra o Bósnia, de Sa­rajevo. O [ginásio do] Ibirapuera lota­do. A gente estava perdendo por 2 pontos, faltavam 2 segundos e recebi uma falta. Tinha 21 anos, já fazia 30 ou 40 pontos por jogo de vez em quando, mas aquela era uma responsabilidade muito grande na minha mão. Feliz­mente acertei os dois lances livres, par­timos para a prorrogação e fomos cam­peões mundiais interclubes. Já houve muitas ocasiões em que meti uma cesta decisiva faltando 5 segundos, 1 segun­do — mas a emoção daqueles dois lan­ces livres me marcou especialmente.


PLAYBOY — O que é que você pensa no momento de bater um lance decisivo?


OSCAR — Não dá pra pensar muito — tem que ir lá e chutar.


PLAYBOY — O que dá mais medo de er­rar: um lance livre, a 5,80 metros da ces­ta, ou um arremesso de 3 pontos, a pelo menos 6,25 metros?


OSCAR — O proble­ma do lance livre é que o jogo está para­do e a expectativa é muito maior do que se a bola estiver em movimento.


PLAYBOY — Você tem alguma reza brava pa­ra essas ocasiões?


OSCAR — Não. Nessas horas só vou lá e ten­to fazer a cesta.


PLAYBOY — Você é católico?


OSCAR — Sou, mas acredito em mais coi­sas — em reencarna­ção, nessa coisa de vol­tar. Acredito em Jesus, em Deus, mas em ou­tras coisas também, no espírito, num mon­te de coisas. Sempre rezo antes do jogo.


PLAYBOY — Vai para um canto e...?


OSCAR — Não. Rezo na quadra — ali no aquecimento, correndo, estou rezan­do. E às vezes no vestiário, sentadinho.


PLAYBOY — Depois se lembra de agra­decer?


OSCAR — Agradeço todo dia antes de dormir, deitado na minha cama — se não fizer isso, não consigo dormir. Às vezes fico sem sono e aí me lembro: "Pó, não rezei." Rezo e pum! apago.


PLAYBOY — Você tem alguma meda­lhinha, imagem, amuleto?


OSCAR — Já usei santinho no carro co­mo proteção. Hoje em dia não tenho nada. Basta meu coração estar sabendo que estou com Deus e já está bom. Em casa tenho uma imagem de São Judas Tadeu, que é o meu santo protetor, presente do Ary Vidal. E tenho lá mi­nhas superstições. Coisas tipo: entro em campo com o pé direito; começo a colocar as meias e a proteção pelo pé esquerdo, sempre.


PLAYBOY — Isso já ajudou você a fazer alguma cesta "mandrake", como aque­la do Marcel quase do meio da quadra, decidindo com a Itália o terceiro lugar no Mundial das Filipinas, em 1978?


OSCAR — Já fiz vários tipos de cesta "mandrake" — bolas assim que você nem sabe por que entrou. Por cima da tabela, por baixo, pela lateral... A cesta mais de longe foi na Itália, do meio do campo, num jogo conta o Bergamo que já estava decidido.


PLAYBOY — Cesta contra você já fez?


OSCAR — Mais de uma. Isso acontece muito. Você está brigando no rebote, dá um tapa na bola e ela entra, quase como numa enterrada [lance em que o jogador enfia a bola dentro da cesta].

PLAYBOY — Você não é muito de en­terrar a bola, não?


OSCAR — Já fui. Inclusive a "ponte aé­rea" [jogada em que um jogador levanta a bola para um companheiro finalizar], eu e o Carioquinha é que batizamos com esse nome. É o alley up america­no. Nós fazíamos a jogada e resolvemos dar um nome a ela, como no vôlei, que tem "guerra nas estrelas", "viagem ao fundo do mar". Quando era jovem, o salto era meu ponto forte. Saltava 90 centímetros, saltava que nem preto.


PLAYBOY — E hoje?


OSCAR — Ah, muito menos... Dois jor­nais, um em cima do outro [ri]. Meu forte continua sendo o arremesso.


PLAYBOY — E seu ponto fraco? Dizem que você não é bom marcador...


OSCAR — Sem dúvida não sou, mas por um motivo que vai além da minha von­tade, que é o físico. Minhas pernas não abrem mais do que isso aqui [faz com as mãos um ângulo de um 45 graus], não te­nho aquela abertura que a maioria dos jogadores tem que ter, sou bem duro. Fiz alongamento a vida in­teira, e não vai. Então tenho que fazer muito mais esforço para mar­car. Mas tem outra coi­sa: como sempre fui um grande atacante, tenho que me preser­var de faltas, porque o time precisa de mim muito tempo na qua­dra — e eu preciso da ajuda dos companhei­ros para que não faça essas faltas e tenha de sair do jogo. Agora, também não sou um buraco na defesa.


PLAYBOY — Como é que você se tornou o arremessador que é?


OSCAR — Quando vo­cê está realmente de­cidido acaba fazendo. Treinei muito, muito. Quando era menino ouvi dizer que para ser um grande jogador a pessoa precisava até dormir com a bola. Maneira de falar, claro, mas tomei ao pé da letra, para ver se dava certo...


PLAYBOY — Parece que deu. Você ti­nha uma cesta em casa?


OSCAR — Tive uma logo que comecei a jogar, em Brasília. Um dia fiquei doente, com uma virose, preso em ca­sa, e pedi ao meu técnico, o Zezão, que me arranjasse uma cesta. E ficava trei­nando — sentado! — na varanda, com o meu irmão Felipe passando bola pra mim... Tenho essa cesta até hoje, é um troféu. Mais adiante, com a minha es­posa, cheguei a fazer loucura mesmo, coisas que não aconselho a ninguém...


PLAYBOY — O quê?


OSCAR — O que eu cheguei a treinar era absurdo. Tinha treino na Seleção de manhã e de tarde — e ia com a Cris 2 horas antes, para arremessar, ela pas­sando bola pra mim. Era só o tempo de acabar o treino, tomar banho, co­mer, descansar um pouquinho e ir trei­nar de novo. Foi exagerado, tudo tem limite. Cheguei várias vezes a um nível de estafa enorme, de não agüentar mais, de perder a vontade de jogar.


PLAYBOY — Você chegou a fazer quan­tos arremessos por dia?


OSCAR — Uns 1.500 ou mais.


PLAYBOY — E hoje, quantos são?


OSCAR — Muito menos, graças à per­cepção fina.


PLAYBOY — O que é isso?


OSCAR — É a precisão que se ganha com o correr dos anos. No começo da carreira você precisa treinar muito, muito. Com o tempo, adquire uma percepção fina, que lhe permite um re­sultado até melhor sem precisar do mesmo volume de treino. É impressio­nante, você fica cada vez melhor. Muitas vezes a gente vê jogadores que já deixaram o basquete e vão lá, come­çam a chutar lance livre e metem tudo — porque, com a idade, você ganha es­sa percepção. No meu caso, tenho hoje menos agilidade e menos salto, mas ga­nhei em técnica. Jogo hoje mais bas­quete do que jogava.


PLAYBOY — Em compensação, tem desgaste físico pesado, não é? Você contou à revista VEJA que quando sai da cama, de manhã, todas as juntas doem.


OSCAR — É consumo. Muito treino, muito jogo — são 25 anos de intenso consumo. Ainda bem que sou uma pes­soa que não fuma, não bebe, nunca to­mei nenhuma droga, nunca tomei ana­bolizante, nunca fiz nada artificial.


PLAYBOY — Aquela dor no joelho es­querdo, por exemplo, que obriga você a volta e meia esticar a perna...


OSCAR — Tenho tendinite no joelho esquerdo e no menisco também. E esse joelho dói bastante se ficar muito tem­po dobrado. Se estou dirigindo, tenho que descer de vez em quando para esti­car a perna. Levantar de vez em quan­do no avião. Sentar na lateral esquerda no cinema. Além disso, tenho tendinite nos dois tendões de Aquiles, mas esse problema eu consegui contornar há cinco anos com uma palmilha que é mais alta atrás, um dedo de altura — jo­go na ponta dos pés. Além disso parei de usar o tênis alto e de enfaixar os pés — passei a usar duas talas dos lados. Te­nho problema no menisco do joelho direito. Durante um ano tive uma dor na anca direita, sumiu sozinha. Cortes no rosto, até perdi a conta. Uma vez o meu lábio ficou aberto durante um jo­go inteiro. E já quebrei todos estes den­tes aqui [mostra os oito dentes centrais, al­guns reconstituídos e outros substituídos]. Só parou de quebrar há dois anos, quando comecei a usar protetor.


PLAYBOY — Parece um compêndio de medicina esportiva.


OSCAR — Tem mais. Fraturei a mão di­reita quatro vezes — duas fraturas grandes e duas pequenas. Outro pro­blema que eu tinha: por algum motivo que nunca soube, a mão bloqueava, eu não conseguia dobrar, fazer o movi­mento do arremesso. Não tinha trata­mento que desse jeito — até que um dia, casualmente, um colega na Itália, o Gentile, me deu um tapa na mão e ela virou e repente, entrou no lugar. Uma dor incrível, fiquei sentado suando frio, mas descobri como resolver o problema. Quando acontecia de novo, apoiava a mão na parede e empurrava com força. Consegui conviver com isso du­rante dois anos, depois parou.


PLAYBOY — Verdade que você uma vez jogou com a mão quebrada?


OSCAR — Joguei. Fraturei a mão direi­ta num treino na Itália, em 1990, fratu­ra grande, numa sexta-feira. No domin­go joguei contra o Montecatini. A mão parecia um melão. Só conseguia chutar debaixo do cesto, e com a esquerda.


PLAYBOY — Como você se arranjou com aquele melão?


OSCAR — No segundo tempo a gente estava perdendo e resolvi esquecer da dor fiz um monte de pontos, 34. ganhamos o jogo por 2 pontos. Às vezes, quando está machucado, você fica tão concentrado na contusão que es­quece a preocupação com o jogo e aca­ba jogando mais descontraído — e muitas vezes joga melhor.


PLAYBOY — Não existe um pouco de masoquismo nisso?


OSCAR — Olha, é aquele negócio: o que você está fazendo é muito mais importante do que qualquer empecilho, do que qualquer dorzinha que sinta. Aquilo lá é a sua vida, é a coisa mais im­portante para você, depois da sua famí­lia, tem que jogar, sim. Imagina não jo­gar porque estou com uma dorzinha!


PLAYBOY — O que aconteceu com a mão fraturada?


OSCAR — No dia seguinte fui tirar ra­diografia e o médico disse que eu era louco. Tinha dito a ele que ninguém ia me engessar, porque na quarta-feira ti­nha um jogo superimportante... Mas aí não teve jeito, não dava pra continuar jogando com a mão despedaçada da­quele jeito. Fiquei 25 dias parado, e fo­ram os únicos quatro jogos que deixei de disputar em treze anos de Europa.


PLAYBOY — O esporte vale tanto sofri­mento?


OSCAR — Vale, pô, vale! [Enfático.] É a coisa que mais gosto de fazer! Sempre soube que é preciso saber conviver com o sacrifício, com a dor física. Cansaço e dor fazem parte do uniforme do atleta. Se você não conseguir conviver com is­so, vá fazer outra coisa. Quer mais um exemplo? Tenho problema de circula­ção nas mãos, ficam geladas quando es­tá muito frio. E teve ocasiões em que jo­guei sob temperatura perto de zero grau, e me congelaram dois dedos da mão direita. Continuei jogando, mas não sentia nada mais nos dedos, inclusive fi­quei com medo de não voltarem à normalidade. Demorou muito para voltar.


PLAYBOY — Você toma aditivos tipo vi­taminas, sais minerais?


OSCAR — Tomo às vezes, quando sinto que estou mais cansado que o normal. Ferro, complexos vitamínicos, vitamina C — tudo o que esteja à disposição e não seja doping eu tomo. Nunca tomei anabolizantes para ganhar massa mus­cular, nunca tive a menor vontade. Aliás, nunca fiz nem pesos para os bra­ços, só para as pernas, por medo de perder o arremesso. Olha aqui [estende o braço direito para o repórter apertar a musculatura, duríssima]. Isto aqui só com chutes. São milhões de chutes!


PLAYBOY — E drogas, você já experi­mentou?


OSCAR — Nunca. Quando morei na­quela república do Palmeiras, tinha amigos, conhecidos, que eram droga­dos — um deles, que jogou comigo no infantil do Palmeiras, morreu de Aids. Mas graças a Deus tive uma formação muito boa e nunca provei.


PLAYBOY — Você se preocupa com o mundo que espera seus filhos e que, é claro, inclui o problema das drogas?


OSCAR — [Cortando, aflito.] Ô, me preocupo! E a droga é a coisa de que tenho mais horror na vida. Espero dar uma boa formação a meus filhos, para que nunca precisem estar curiosos, co­mo eu nunca estive.


PLAYBOY — A ideia de liberar o consu­mo de determinadas drogas...


OSCAR — [Cortando.] Olha, não sei. Sou bem conservador — em algumas coisas até não, mas no meu modo de ver não é legal distribuir drogas assim. Deixar livre para qualquer um, pelo amor de Deus! É dar chance para o azar. Já tem bebida, cigarro... [Pára — e retoma, exaltado.] Aí é que está! Fico louco da vida quando es­tou tomando uma Coca-Cola e vem al­guém dizer que faz mal — e o cara diz is­so com um cigarro numa mão e um co­po de cerveja na outra...


PLAYBOY — Você é um grande consu­midor de Coca-Cola?


OSCAR — [Enfático.] Sou. Mas só na hora da comida. Duas, às vezes três, já foi tempo... [Faz uma pausa, começa a rir.] Nunca vi ninguém que comesse mais do que eu. Meu apetite caiu mui­to, graças a Deus. Hoje como quatro pedaços, meia pizza no máximo, mas já teve tempo de comer duas pizzas gigan­tes sozinho, com doze Coca-Colas mé­dias, doze! Já viu alguém comer assim? Uma vez comi 66 [bombons] Sonho de Valsa, 66! Peguei uma infecção, parecia que estava com hepatite [risos]. Outra vez, comi oito pacotes de biscoito de polvilho — sabe aquele pacote que vem com duas fileiras? Eu era um gulo­so! Meu pai me criou à base de banana, e talvez esse seja um dos motivos pelos quais nunca tive um problema muscu­lar. É o potássio. Até sair de casa, aos 16 anos, comia de doze a quinze bananas por dia, amassadas com Neston.


PLAYBOY — Quanto você pesa?


OSCAR — Uns 107 quilos.


PLAYBOY — Isso é muito ou é pouco?


OSCAR — Me sinto bem assim. Por sor­te não tenho facilidade para engordar.


PLAYBOY — Você é vaidoso?


OSCAR — Nada. Quer dizer, depende. Vivo de bermuda, tênis e camisa pólo, o dia inteiro assim. Mas se tem uma ocasião que pede estar elegante, gosto de ir bem elegante — se é para fazer as coisas, gosto de fazer bem. E vivendo na Itália aprendi muita coisa.


PLAYBOY — Tanto quanto se vê daqui de baixo, você está ficando calvo...


OSCAR — Orra! Bem calvo.


PLAYBOY — É um problema?


OSCAR — Não faço absolutamente nada, não procuro xampu especial, não tenho a mínima preocupação com isso.


PLAYBOY — Nem com a barriguinha — você já disse numa entrevista que ninguém mexe na sua barriguinha...


OSCAR — Ah, não! A barriguinha eu tenho desde que cresci! Também não é essa barrigona... Quando eu era mo­leque, na Seleção, e pesava uns 95 qui­los, fizeram comigo aquele teste em que uma pinça agarra a gordurinha as­sim, e o cara falou: "Vai cortar a Coca-Cola!" Assim não dá! [Risos.] Nunca mais deixei fazerem esse teste.


PLAYBOY — Dá para imaginar o traba­lho que foi disciplinar essa barrigui­nha, vivendo, como você viveu, em Ca­sella, a poucos quilômetros da legítima pizza napolitana. Verdade que ela só perde para a pizza paulistana?


OSCAR — Rapaz... a pizza napolitana é um negócio! Lá a massa é que é mais gostosa — não é que nem aqui no Brasil, onde só põem o recheio. Adoro a pizza brasileira, mas a de Nápoles é do outro mundo.


PLAYBOY — Foram treze anos de Europa — o que essa experiência trouxe para você, no plano pessoal, além da pizza napolitana?


OSCAR — Primeiro, me deu dois filhos. Era um moleque quando fui, já casado mas moleque, tinha 24 anos. Voltei com 37, pai de família, dois filhos, fa­lando quatro línguas — português, es­panhol, italiano e inglês. Voltei mais vi­vido mesmo. Porque vivendo fora do teu país você... é difícil explicar... você aprende muita coisa. Vejo que tenho uma vivência diferente de quem nunca saiu daqui. É difícil dar um exemplo. O fato é que todo dia acontece uma coisi­nha e aí a gente fala, minha esposa e eu: "A gente já viveu isso..."


PLAYBOY — Deu para viajar um pouco?


OSCAR — Deu. Depois que acabava o campeonato eu fazia sempre uma via­gem. França, Suíça, Áustria... Ia alar­gando um pouco a cultura.


PLAYBOY — Que lugar você gostou mais de conhecer até hoje?


OSCAR — [Rápido.] Orlando, na Flórida. Porque eu sou uma criança, minha esposa também, e com os filhos nós so­mos quatro crianças. Vamos lá ver o Mickey, o Pato Donald, curtir aquele mundo de fantasia, é maravilhoso. Qua­se todos os anos passo quinze, vinte dias em Orlando. A primeira vez nós fomos "fabricar" o meu filho Felipe. Disney, Havaí, Nova York, uma viagens de vinte e poucos dias e foi quando a gente "conseguiu" o Felipe. Nós morá­vamos na Itália, com cinco anos de ca­sados. Orlando é o máximo. No fundo todo o mundo é criança. Você sabe qual a diferença entre a criança e o adulto? O preço dos brinquedos! [Risos.]


PLAYBOY — Que lugar do mundo você sonha conhecer?


OSCAR — Graças a Deus já fui a todos lugares onde sonhava ir. Agora gostaria mesmo é de curtir a minha casa aqui no Brasil, porque fiquei tanto tempo fora... Não vejo a hora de ir para a mi­nha casa de verdade, que eu estou co­meçando a construir [no condomínio de Alphaville 10, onde mora].


PLAYBOY — Depois de tanto tempo fora, que impressão lhe causou o Brasil?


OSCAR — Tem cada vez mais carro e menos rua. O trânsito em São Paulo es­tá muito difícil. Outra coisa que obser­vo: o jovem bebe mais do que quando saí do Brasil, em 1982. Mas tem coisas positivas também. De forma geral, o povo está mais consciente na hora de gastar — esse Plano Real está melho­rando a mentalidade do brasileiro.


PLAYBOY — Em quem você votou para presidente em 1994?


OSCAR — Nunca votei — fiquei fora es­ses anos todos e pedi isenção de voto.


PLAYBOY — Em quem teria votado?


OSCAR — Quem eram mesmo os can­didatos?


PLAYBOY — Fernando Henrique, Lula, Brizola, Quércia...


OSCAR — Olha, pra ser sincero eu vo­taria no Maluf. Ele não estava, né?


PLAYBOY — Não estava, mas a qual­quer momento...


OSCAR — Votaria no Maluf. Ou no Pelé.


PLAYBOY — O Pelé está sendo um bom ministro dos Esportes?


OSCAR — Ah, o Pele é fantástico! O que já fez pelo Brasil, e continua fazendo... A imagem limpa, pessoa correta — é o que todo o mundo sonha ter no poder.


PLAYBOY — Vocês se vêem muito?


OSCAR — Nunca pude me encontrar com o Pelé, sabia? E ele foi o meu maior ídolo, desde os 5 anos de idade. Me lembro que quando o Brasil perdeu a Copa do Mundo de 1966 [disputada na Inglaterra, que levou o título] eu chorei que nem criança — aliás, eu era criança [ri], tinha 8 anos! Torcia pelo Fluminense, do Rio, mas meu ídolo era o Pelé — tanto que sou meio santista. Um sonho que tenho é um dia ganhar uma foto dele autografada para mim.


PLAYBOY — Olha aí, ministro Pelé, não custa atender... [Risos.]


OSCAR — Gostaria muito de me encon­trar com ele — foi meu ídolo de crian­cinha e isso fica para a vida inteira.


PLAYBOY — Você sabe que é o mesmo para um monte de brasileirinhos, não é?


OSCAR — Procuro ser um bom exem­plo, sei que tem muita criança olhan­do para mim como ídolo. Mas ao mes­mo tempo sei que sou uma pessoa nor­mal. Muitas vezes vem gente conversar comigo com a mesma expectativa que eu teria se chegasse no Pelé, aquela an­siedade, aquela idolatria... Procuro deixar as pessoas super à vontade, por­que sou uma pessoa que nem elas, igualzinho.


PLAYBOY — Você disse que votaria no Maluf. Em quem não votaria?


OSCAR — Não tenho pré-julgamento contra ninguém.


PLAYBOY — Como você se define po­liticamente?


OSCAR — Gosto da democracia. Não gosto de nada radical — tudo o que é radical é ruim. Então sou pela demo­cracia, coisas ponderadas, nada nem moderno nem conservador demais, nem direita nem esquerda demais.


PLAYBOY — Um radical de centro...


OSCAR — É, acredito que tem de ter um bom senso para tudo.


PLAYBOY — O que o basquete lhe deu nesses 25 anos?


OSCAR — Tudo, né? Se não jogasse basquete eu não teria conhecido a mi­nha esposa — não teria vindo jogar em São Paulo, não teria conhecido a Cris. Não teria filhos, não seria a pessoa que sou hoje. Ao mesmo tempo o basquete é a minha profissão não concebo ainda a ideia de não estar jogando.


PLAYBOY — E até quando você vai es­tar jogando?


OSCAR — Ah, por mim, ia até os 60... [Ri.] Mas não vai dar, né?


PLAYBOY — Até onde vai dar?


OSCAR — Não sei. Não quero pôr ne­nhuma data, nenhum limite, porque quando chegar lá eu vou ter que parar. Vou jogar basquete enquanto puder, isso é certeza. Na verdade, tenho o maior medo de parar, não estou preparado. Não é medo de ficar materialmente de­samparado. É que fiz só isso a minha vi­da inteira, não construí nada paralelo, decidi fazer só basquete para fazer bem. A ideia ainda é essa, continuar jo­gando. Estou pensando como se tivesse ainda 22, 23 anos. Isso é bom, porque com 38 anos continuo tendo aquele es­tímulo para jogar bem. Mas é ruim também — não sou o mesmo mole­que, reconheço, e me dá muita angús­tia quando penso em parar. Deixar a Seleção Brasileira já é tão difícil — mas isto já decidi: vou passar a minha cami­seta para o Rogério, que depois de Atlanta vai ser o 14 da Seleção.


PLAYBOY — Vai ter um momento em que você vai fazer um último jogo, e nesse último jogo uma última cesta...


OSCAR — [Cortando, aflito.] Não, eu não quero saber dessas...


PLAYBOY — Mas vamos lá: como você gostaria que fosse essa última cesta?


OSCAR — Essa jogada não vou imagi­nar não... Não quero pensar em última cesta [rindo], nem que você me implo­re... Não vai ter a última — vai ter sempre uma penúltima cesta...


POR HUMBERTO WERNECK

FOTOS CACALO KFOURI


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