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OSWALDO BRANDÃO | MAIO, 1976

Playboy Entrevista


Ou como trabalhar entre cobras, criticas, alegrias, palpites e milongas


Nada, nem mesmo a conquista de uma Copa do Mundo, imuniza o técnico da Seleção brasileira contra a severa análise e as contundentes críticas dos nossos lendários cem milhões de técnicos. A dois anos do início dessa disputa, cercado de palpites por todos os lados, Oswaldo Brandão, o técnico oficial, conta — nesta entrevista a Hedyl Valle Jr., de Homem — a quantas anda o seu trabalho, o seu time, a nossa seleção.


Oswaldo Brandão nasceu em Taquaral, Rio Grande do Sul, em 18 de setembro de 1916, numa família de onze irmãos. Aos 19, tornou-se profissional do Grêmio Portoalegrense: era o que se chamava “um beque viril", chegando mesmo a ser suspenso em 1938, após uma briga coletiva em campo. No ano seguinte foi convocado para a seleção gaúcha e, em 42, com 26 anos, transferiu-se para o Palmeiras, onde encerrou inesperadamente a carreira, em 1944, depois de uma infeliz operação dos meniscos — a enorme cicatriz ainda é visível.


Brandão casou-se em 1945, quando iniciou sua vida como técnico, no infantil do próprio Palmeiras. Dois anos mais tarde, tornava-se Campeão Paulista com o time principal do Palmeiras, repetindo o feito em 1959, 72 e 74. Nesses intervalos dos títulos no Palmeiras, outros no Corinthians (1954), no São Paulo (1971), no Independiente (Argentina) e no Perlarol (Uruguai), além de vários outros clubes, grandes ou pequenos, e de dois fracassos extracampo: como dono de pensão (1950) e dono de cinemas (1953). Técnico da Seleção brasileira em 1957, quando a classificou para a Copa de 1958, Brandão reassume o posto vinte anos e um tricampeonato mundial mais tarde.


HOMEM — Pela segunda vez o senhor chega à direção de nossa Seleção. Assim como em 1954, ela vem desmoralizada, derrotada numa Copa, e o senhor tem que começar tudo de novo, classificação, excursão, amistosos etc.


BRANDÃO — Desmoralizada não. O terceiro posto é um bom lugar. Em 1954 não tínhamos chegado nem à semi-final. Mas mesmo ganhando, o trabalho é começar tudo de novo. Prefiro comparar a 1966-1970 do que a 1954-1958.


HOMEM — Por quê?


BRANDÃO — O problema era o mesmo. Era um conjunto desfeito, desarmado, mas com nomes bons. Em 66, Brito era reserva, Gérson e Tostão entravam e saíam, Jair começava. Só esses quatro — sem falar no Pelé, é claro — chegaram a 1970. E chegaram muito bem. Agora, trabalho com Marinho, Nelinho, Rivelino e Valdir. O Rivelino jogava, Valdir era reserva, Nelsinho e Marinho entravam e saíam. São quatro também, é quase a mesma coisa.


HOMEM — O resto está fora da Seleção?


BRANDÃO — Não, não. O Leão está aí, estou vendo ele jogar. Pode voltar, pode não voltar. O Marinho, do Inter, voltou agora e pode acertar de novo.


HOMEM — E o Luís Pereira?


BRANDÃO — É, se eu não acertar ali a posição, ou se ele voltar, vamos ver. O problema é que o time perdeu naturalmente na Alemanha. Não foi desastre nenhum.


HOMEM — O senhor deve ter levantado os motivos dessa derrota, pelo menos para não deixar que se repitam.


BRANDÃO — É lógico. E o motivo é um só. Não culpo o Zagalo de jeito nenhum, fique sabendo, ele não teve culpa. Não vou te dar os sete nomes, mas eram sete, e sete é gente demais. Esse o problema. Já disse isso: nos treinos, lembra-se?, os jogadores não chutavam, não batiam córner, quem chutava eram os auxiliares.


HOMEM — A sua volta à Seleção seria a volta do comando pessoal, como era quando o senhor saiu, antes de 1958?


BRANDÃO — Não é isso. Nas eliminatórias de 1957, tinha eu de técnico; o Gosling de médico; Mário Américo, massagista; Assis, roupeiro; o falecido Vinhais de chefe da concentração; e o chefe da delegação, só isso. O resto era o time. Depois, foi aumentado.


HOMEM — Mas deu certo, não deu?


BRANDÃO — Deu, até certo ponto. Foi o próprio Hilton (Gosling) quem me falou em se fazer um plano. Toda seleção brasileira que se armava era muito irregular. Não se tinha um Departamento Médico montado, como hoje os próprios clubes já têm. Fomos falar com o dr. Paulo. Não, não vou dizer que fui eu quem deu a idéia. Só falei com ele, mostrei qual era o problema. E ele fez o plano que levou seu nome. Mas, em 1958, a única novidade foi essa: exames físicos completos, como queria o Gosling. E o preparador físico, o Paulo Amaral.


HOMEM — E o psicólogo, o Carvalhães?


BRANDÃO — Não, nisso eu prefiro não entrar no mérito. O que interessa é que em 1962 entrou mais um ou dois, em 66 mais ainda, em 70, mais até que em 74, os jogadores não podiam nem chutar nos treinos, entende?


HOMEM — Entendo. E agora?


BRANDÃO — Agora, vamos como está: Richer, Almir, Lattari, Mafia, Tião, eu, 'Aio e Jack. Só.


HOMEM — E está bom assim?


BRANDÃO — Está. Estou fazendo o que eu gosto de fazer, o que eu faço há 41 anos: futebol. Gostava de jogar, de ver, de dirigir. Minha folga eu uso como todo mundo: vou ao jogo. E na Seleção não quero me meter em nada que não seja o time de futebol, é disso que eu gosto, não é?


HOMEM — A Seleção é o máximo, então, da sua carreira?


BRANDÃO — Como empregado, como operário do futebol como eu sou, é o máximo. E como não vou ser dirigente mesmo, não quero ser, dirigir a Seleção é o máximo. Tem outros máximos, mas não são na minha faixa, de empregado, de trabalhador contratado do futebol.


HOMEM — E é no auge da carreira que o técnico mais apanha, mais é criticado?


BRANDÃO — Estou vacinado. Vacinado pelo próprio trabalho. Aqui, na Argentina, no Uruguai, sempre a mesma coisa. Nunca trabalhei no Rio, mas sei como é. A gente chega sabendo: de repente, é a imprensa total, á o país inteiro. Mas estou vacinado. Só não gosto que inventem. Baixar o pau, estou acostumado.


HOMEM — Por que o senhor diz que nunca vai ser dirigente?


BRANDÃO — Porque não sei ser dirigente, não gosto; quando parar com o futebol — se parar — é pra ser torcedor.


HOMEM — Do Inter dos tempos de garoto?


BRANDÃO — Não sei onde eu vou cair. Fui campeão pelos dois, Inter e Grêmio; vivi muito no Palmeiras, ganhei títulos em vários clubes. Sei lá.


HOMEM — Qual foi o primeiro?


BRANDÃO — 35, no Grêmio. Olha, eu tenho três títulos centenários. Gosto de dizer que tenho trezentos anos de futebol: este de 35 (centenário farroupilha), o do Corinthians em 54 (quarto centenário de São Paulo) e o do Palmeiras, no sesquicentenário. (Ri.)


HOMEM — Está certo. E como trabalha um técnico de 300 anos?


BRANDÃO — O que se passa é o seguinte, vamos falar sério. Pra se ter alguma coisa de alguém, algum resultado, tem que se dar liberdade. O treino é às duas? Então até as duas eu quero é bater papo. Começou o treino? Aí sou o Brandão durão que falam por aí. É trabalho. É o meu trabalho. Exijo tudo de todo mundo porque exijo tudo de mim. Terminou? Volto pro papo.


HOMEM — Você vai para um chope com os jogadores, coisa e tal, não é isso?


BRANDÃO — Isso mesmo. Se o jogador está saindo comigo do trabalho e me diz "olha, seu Brandão, tem um chope espetacular ali em Santo Amaro", lá vou eu. Por que não? Você não vai?


HOMEM — Vou, mas...


BRANDÃO — Mas coisa nenhuma. Jogador, técnico, são seres humanos, não são? Se o jogador pode ir com o cronista tomar um chope, por que não pode ir comigo? E vou, com qualquer um, diretor, imprensa. Não sou daqueles que diz pro jornalista "você levou meu time pra tomar por aí". Ora, só aqui no Brasil que inventam isso: na Argentina, no Uruguai, na Europa, toma-se vinho na concentração. Você sabe muito bem que ninguém, técnico, jogador, vai para o bar do clube ou para o bar da esquina para tomar até ficar tonto, até cair pelo chão. Não vai, não é mesmo? São os meus companheiros de trabalho, empregados como eu. Saímos e vamos bater papo, relaxar. E o papo é quase sempre sobre o trabalho, você sabe disso, é pra falar de bola mesmo.


HOMEM — Mas você sempre foi assim?


BRANDÃO — Sempre. Foi como eu fui vendo nesses 41 anos. Com 19, eu ia pra bar com Luís Luz, Foguinho, Lara, Dario. Eles tinham sete, oito anos mais de futebol que eu, e isso é muita coisa dentro de campo. E eu ia ouvindo os papos, aprendendo.


HOMEM — E técnicos? Com quem você aprendeu?


BRANDÃO — Primero, com Telâmaco Frazão de Lima, meu técnico no Sul; com Del Debbio, no Palmeiras, não podia perguntar nada, ele falava horas, e eu ali, aprendendo. E com Flávio Costa. Nunca joguei com ele, só joguei, como jogador ou técnico, contra ele. E acho que por isso mesmo aprendi muito com Flávio. Saia por aí, saia procurando todos os jogadores de futebol que você encontrar: não vai achar nenhum que não goste do Flávio.


HOMEM — Você parou de jogar por causa de uma operação. E por isso que você se preocupava tanto com o Departamento Médico, já em 1957?


BRANDÃO — Não. Já disseram por aí que tenho bronca do médico: mentira. Se levei 22 pontos e hoje se leva 4 para a mesma operação do menisco, foi a medicina e não os médicos, que mudou. E se não pude jogar, foi por culpa minha, do clube.


HOMEM — Como assim?


BRANDÃO — Acabava a operação, cada um tocava sua recuperação. A minha não foi muito bem feita, nunca mais. Mas naquele tempo — 1945, 46, por aí — já tinha quem tirasse o menisco e voltasse a jogar em vinte dias. O Sá, aquele ponta do Flamengo, foi um.


HOMEM — O jogador, então, mudou?


BRANDÃO — Não mudou. É que eles hoje conhecem as histórias dos que não se cuidaram. Se um garoto hoje começa a driblar uma operação, chega um mais maduro nele e lembra: "Olha o Mané, garoto, o Mané que era o Mané se estourou nessa; cuida direito disso aí". É isso.


HOMEM — Mas o jogador hoje é mais profissional do que naquele tempo.


BRANDÃO — Não sei não. A gente bagunçava mais um pouco: jogava de semana em semana, de quinze em quinze dias, era um acontecimento; o treino era leve. Mas quando a gente não jogava, a gente ia ver o jogo dos outros, ia pro futebol. Taí: eu já perguntei pra essa mocada qual é a deles, porque eles se afastam cada vez mais do futebol. Será que não gostam? Não sei o que é. Mas é cada vez mais difícil você encontrar um jogador vendo um jogo, não é? E isso é mal, é claro.


HOMEM — Pelo desinteresse pela profissão?


BRANDÃO — Não vou até aí. Fico na prática: se você vê os outros jogarem, não vai se surpreender, não vai se assustar, ter que pensar tudo ali dentro, com a bola correndo, entende? Está vendo o cara piorar, melhorar, tentar essa ou aquela jogada. Mas já pensou se eu estou num clube e boto lá no quadro: "Como jogamos sábado, todos os profissionais devem se apresentar para assistirmos ao jogo tal e tal. Haverá livro de ponto". Já pensou? Vão dizer que eu estou inventando, estou maluco, arbitrário etc.


HOMEM — Mas talvez os jogadores hoje já estejam saturados e...


BRANDÃO — Saturado nada. Saturado está o público, isso é muito diferente. O jogador quer é jogar, ganhar bicho. Se jogador satura do trabalho, o que você me diz do pedreiro? Do cara que bota essas pedrinhas aí na calçada? E do chofer, então? Do chofer? A gente reclama do trânsito daqui até ali, e eles 10, 12 horas lá no meio. Se jogador satura, esses, então, tinham que estar doentes. Falam aí: "Oitenta jogos num ano é um absurdo". É. Mas para o torcedor, que se cansa de ver o mesmo cara em campo todo dia, que tem que gastar uns 50 cruzeiros cada vez que vai ao jogo. Basta ver esse comecinho aqui em São Paulo; olha as rendas: é 200, 300, 400. Não é? É os jogadores, estão gostando? Te garanto que estão reclamando, meu filho, estão com meio bicho.


HOMEM — É, estão mesmo.


BRANDÃO — É isso. Olha só. Um time jogando duas vezes por semana tem esse programa: 2.ª, folga; 3,ª, treino num período só; 4.ª, concentração — boa comida, bom sono — e jogo; 5.ª, folga; 6.ª, treino num período só. Vamos supor que jogue sábado, depois de concentrar. Domingo, mais folga. Saturou de quê? Na folga, sabe o que ele vai fazer? Vai jogar bola, como você, como o pedreiro. Tem é que se ver o lado do público. Lá no Rio estão na correria, 4.ª, 5.ª, sábado, domingo. Mas já abriram, Campos, Volta Redonda, São Januário, voltou a ter jogo em Bangu, Campo Grande, Madureira. É isso, não pode é saturar o mercado.


HOMEM — Você é pelos campeonatos regionais mais amplos, então?


BRANDÃO — De jeito nenhum. Joguei esse Campeonato Nacional de 71 a 75. Que coisa espetacular! Acabou, acabou aquele sopa.


HOMEM — Que sopa?


BRANDÃO — (rindo) Não dá mais pra se enganar ninguém, meu filho; ou joga ou não joga; o país está todo de olho, você vai a todo canto, e tem a televisão, tudo isso. Acabou a farra, o "eixo" Rio-São Paulo.


HOMEM — Pra seleção isso é ótimo, parece.


BRANDÃO — Claro. O sujeito chega pra você e, quando ele diz baixinho “Tem um beque lá em Belém”, o time de Belém já disse não pra outros três. Vai lá comprar, vai! Vê o Inter, vendeu uns três times. O Flamengo, eu mesmo fui lá quando estava na Portuguesa, e trazia meio time. Vai lá hoje. Cê não compra nem juvenil deles. Isso não é infernal? Vê o Guarani. Quanto tempo um Amaral durava lá? E hoje? Quem tira o Amaral de lá? Eles é que saíram comprando por aí.


HOMEM — Mas para a Seleção, o jogador aparecia de qualquer jeito.


BRANDÃO — Mas demorava. Um Ademir Meneses, por exemplo, um Ipojucã. Quanto tempo eles acabaram com o jogo no Norte? Só foram convocados no Vasco. E o torcedor do Esporte batia no peito: “Demos um jogador pro Vasco e pra Seleção”. Hoje é assim? O Vasco tem que dar muito dinheiro pra tirar alguém do Esporte, não é? Basta ver o caso do Marinho: sem o Campeonato Nacional, ele não tinha feito o caminho Natal, Fortaleza, Botafogo, Seleção tão depressa, só ia chegar agora.


HOMEM — Mas para o clube é pior, não é?


BRANDÃO — Que clube? Os clubes do Rio e de São Paulo hoje não conseguem nem segurar os seus jogadores, por isso que se enfraquecem. Quantos juvenis estão por aí? Poucos, muito poucos. E tudo porque acabaram com os aspirantes.


HOMEM — O senhor insistiu nisso e agora adotaram em São Paulo.


BRANDÃO — Não está como eu quero, mas deixa te contar um caso ou dois que explicam o que eu quero com os aspirantes. Estava no Palmeiras. Cheguei num diretor e disse: "Precisamos ver esse quarto-beque de Rio Preto". "Não, é o Fernando, de Araraquara". "Não, é o Fernando, de Rio Preto". Fernando pra cá, Fernando pra lá, eu nem sabia direito o nome do garoto. Fomos jogar em Rio Preto e mostrei o quarto-beque: "Mas esse é o Alfredo, é nosso jogador, está só emprestado".


HOMEM — O Alfredo, de 1974?


BRANDÃO — Ele mesmo, estava rodando por aí, Pernambuco, Amazonas, Rio Preto, e eu no Palmeiras atrás de um quarto-beque. Por quê? Não tinha aspirante, o jeito era emprestar pra manter o jogador, e acabavam esquecendo. Outro caso: o Nelinho. Lá no Rio, time pequeno, coisa e tal. Se tem aspirante, um grande segura, não é mesmo? Não. O garoto foi pra Portugal, Caracas, Belém, Minas, pintou. E os cariocas: mas como, esse cara é daqui do Rio? Santos, então, meu Deus, comprou jogador que tinha dado de graça!


HOMEM — E por que não está como você quer?


BRANDÃO — Por causa da lei do CND, a das 48 horas. Vai acontecer o quê? Se o time joga 80 vezes por ano, os reservas jogam uns 10 jogos, incompletos, certo? Com o aspirante, todo mundo ia jogar, aparecer, apertar os titulares. Assim os times vão ter onze titulares, onze aspirantes e vão continuar com cinco ou seis melhorzinhos que os aspirantes, sem jogar, só sentados no banco.


HOMEM — O jeito era dobrar, como na várzea?


BRANDÃO — Era. Só que o cara não ia jogar 180 minutos, ia jogar 90 embaixo e mais um tanto — 20?, 30?, menos? — em cima. Ora, dá no mesmo do que jogar 90 e enfrentar uma prorrogação, pênaltis etc. E isso o CND até manda. Já conversei com o dr. Osório, lá na CBD, sobre o problema. Quem sabe teremos uma solução.


HOMEM — E a finalidade era essa?


BRANDÃO — Não: a finalidade é dar continuidade à carreira do juvenil, não cortar a dele só pela idade. E acabar com aqueles reservas que já saem na sexta dando uma desculpa para só se apresentar terça ou segunda de tarde. Esses golpes, tipo "vou levar minha mãe a Barretos", sabe como é.


HOMEM — Esquecendo os aspirantes, vamos ficar nos golpes. Você já deve ter enfrentado quase todos.


BRANDÃO — Acho que todos.


HOMEM — César, por exemplo, é até criativo nos golpes.


BRANDÃO — (rindo) "Seu Brandão, enguiçou o carro." Tá certo. Mas só uma vez por mês. "Seu Brandão, fui ao cartório." Tá legal, mas não marca mais na hora do treino. "Seu Brandão, acabei de almoçar." Então não treina. No dia seguinte está lá: "Brandão barra César". Eu chego pra ele e digo: "Se abrir a boca eu conto tudo: tem que almoçar mais cedo". Sem bronca, só cortando de leve.


HOMEM — Sem nenhuma bronca?


BRANDÃO — Uma vez, deixei o César; outra vez, o Leão. O ônibus vai sair a uma hora. Uma hora, não está lá?, sai o ônibus.


HOMEM — Mas é uma autopunição, é desfalcar seu próprio time.


BRANDÃO — (rindo) Nada. Nas duas vezes, quando o ônibus chegou na cidade eles já estavam lá.


HOMEM — E jogaram?


BRANDÃO — Claro, por que não? Como você disse, eu não vou me castigar, não vou resmungar. Se eu tivesse queixas do futebol não estava nele já há tanto tempo, tinha me mandado.


HOMEM — Tudo isso é seu trabalho em clube. Mas na Seleção, com os caras espalhados por aí. Corno funciona?


BRANDÃO — É duro. Estou vendo um jogo num lugar; cinco da Seleção em campo. E os outros treze? Tem um tomando frango, o outro distendendo, um sendo expulso, um caindo de produção; sem falar nos que não estão na lista, e tenho que estar de olho.


HOMEM — E como você se safa?


BRANDÃO — Onde eu chego, os próprios treinadores são meus chapas. "Olha, Brandão, o Fulano está meio assim, mas aquele garoto ..." E com os jogadores, a mesma coisa. Cruzei um dia desses com o Zico, o Geraldo e o Miguel numa recepção. Juntamos num canto e ficamos de papo.


HOMEM — E o Zico?


BRANDÃO — O Zico o quê?


HOMEM — É isso mesmo?


BRANDÃO — Como isso?


HOMEM — Estão pondo o Zico no lugar certo ou muito em cima?


BRANDÃO — No lugar certo, no lugar que ele merece: é um belo jogador de futebol, um grande garoto. E ele sabe o que vale; não vai nessa de "Pelé". O menino mesmo me disse: "Pelé é uma coisa, eu sou outra, sou um bom jogador". Certo?


HOMEM — É ele quem está puxando o time?


BRANDÃO — Não é só ele, eu sempre fui assim, sempre armei time para ganhar, pra jogar pra frente.


HOMEM — Está certo. Mas o seu Palmeiras jogava calma e friamente para ganhar. Era eficiente, mas às vezes monótono.


BRANDÃO — Também acho. Mas era eficiente. Eu tinha Nelinho e Marinho no Palmeiras? Não. Tinha Eurico e Zeca, dois ótimos marcadores, ninguém passava por eles. Mas não eram velocistas, não eram chutadores.


HOMEM — O Marinho e o Nelinho agora estão à vontade, então?


BRANDÃO — Claro que não, claro que sim. O caso é os jogadores entre si se doutrinarem. O Marinho gosta de atacar? Sabe atacar? Está bem, ataque. Mas não vai se esquecer, garoto, você se chama defesa! Defende 90%, pode deixar que vão aparecer 10 chances de atacar. Mas não vai entregar teu quarto beque e teu ponta.


HOMEM — E ele?


BRANDÃO — Ele concorda, porque quem diz isso para ele é o time, é a experiência dele. Vão todos se afinando. Se qualquer time se afina, se doutrina um para cobrir o outro, quanto mais o time que tem os onze melhores. Mostrei isso a eles, eles se prejudicaram, em parte por causa disso, na outra seleção. Eles têm consciência disso. E sabem que pra ficar no time têm que fazer o que eu quero e o que eles querem.


HOMEM — E dá certo?


BRANDÃO — Lógico: eu só quero um pouquinho, aquela obrigação mínima. O resto é livre pra cada um fazer o que sabe, o que gosta, o que pode. Mas eu não digo: "Se não fizer, sai do time", não ameaço. Eles é que sabem que tem o outro lá, esperando pra entrar. E só estou com 18. Quando forem 22, tem um pra cada um.


HOMEM — Com Nelinho, é o mesmo?


BRANDÃO — Mais ou menos. "Quem é teu melhor torcedor?" "Meu pai." "E o que ele acha do teu futebol?" "Que eu avanço demais." "Tá vendo, é ele, o cara que mais torce por você, quem diz isso." E ele pára pra pensar.


HOMEM — E a expulsão contra o Uruguai?


BRANDÃO — Falei pro time todo, no jogo seguinte, no meio da preleção: "Não quero mais o que houve com o Riva e o Nelinho".


HOMEM — E eles? E o Riva?


BRANDÃO — Não adianta me dizer que o Rivelino virou temperamental porque é estrela. Ele é assim desde quando começou no futebol de salão do Banespa. Eu vi o que ele fez, ele sabe que eu vi. Não precisei falar nada.


HOMEM — Então está tudo ótimo?


BRANDÃO — Não, você sabe que não. Não viu os jogos?


HOMEM — Vi. E aquela sua preocupação do começo continua a mesma, não?


BRANDÃO — É, os pontas. A preocupação continua, mas vai dar pra resolver.


HOMEM — Como?


BRANDÃO — Vamos ver. Até que também não foi mal o time. Teve gente dizendo que aquelas vitórias no Uruguai e na Argentina não valeram nada, eram dois times catados às pressas. Mas aquele mesmo time da Argentina saiu daqui e foi ganhar da Rússia e da Polônia na casa deles. Não diziam que Rússia e Polônia eram os bons? Pois o time "catado" que nós derrotamos em casa foi lá e deu nas duas.


HOMEM — Você já está de olho nos europeus?


BRANDÃO — Não, não estou. Primeiro, temos que ganhar do Paraguai e da Colômbia. E vamos ter de janeiro a março do ano que vem para acertar um time, depois de seis meses sem juntar o pessoal. Se passar por eles, como acho que vamos passar, esqueço a Sulamérica. Não vou à Europa ver um jogo, mas vou ficar um tempo em cada país, vendo campeonatos, treinos, jogos. Mas só depois das eliminatórias, aí tenho quase um ano para isso.


HOMEM — Mas esse torneio agora do fim do mês, não vale nada?


BRANDÃO — Vale muito, porque a Itália e a Inglaterra jogam umas vezes antes do torneio e voltam para a Europa, direto para suas eliminatórias. Ou seja: é o time de verdade deles que vai estar lá, não vão ser times juntados, desses que se enfrenta em excursão. Vale por isso, pelos treinos, não pelo torneio.


HOMEM — E além de um bom time, de conhecer os adversários, pra ganhar uma Copa ainda se precisa de umas "milongas", não é?


BRANDÃO — (rindo) Nesse time eu sou técnico. Quem tem que cuidar das coisas é o alto-comando. Tem que agir como no caso do México: o Brasil ficou firme em Guadalajara, só saiu na final, enquanto Inglaterra, Uruguai, Itália rodavam pelo país afora.


HOMEM — Então está certo: o comando agiu bem, seu time acertou, os adversários estão manjados. O senhor, aos 63 anos, é campeão do mundo. E aí? Fica faltando dar um novo título para o Corinthians, mais nada. É isso?


BRANDÃO — Não posso dizer isso, eles ainda têm 76 e 77 pela frente, quem sabe? E, minha senhora, é corintiana, eu não posso dizer isso hoje ...


HOMEM — Então ficaria faltando o quê?


BRANDÃO — Um clube que me deixasse trabalhar um ano com jogadores até 18 anos, sem disputar campeonato, só amistosos, armando com calma, acertando, fazendo um time de verdade.


HOMEM — Mas para quê?


BRANDÃO — Não sei bem, mas o meu maior sonho é esse: poder armar um time mesmo, desde o começo, com calma, só com trabalho.


 

QUEM FICA NO TIME ATÉ 1977?


Goleiros: Valdir Perez e Jairo; laterais-direitos: Nelinho e Getúlio; central: Miguel; quartos-zagueiros: Amaral e Beto Fuscão; laterais-esquerdos: Marinho e Marco Antônio; volantes: Chicão e Falcão; pontas-direitas: Flecha, Gil, Edu; homens-de-frente: Zico, Enéas, Palhinha; pontas-esquerdas: Joãozinho e Lula.


Para se pensar com Brandão no que vai ser a Seleção brasileira nos próximos dois anos, o único ponto de partida é esse: os jogadores que estão convocados.


Sobra um ponta-direita; falta um quarto beque de área; falta um quarto homem-de-frente?


— Hoje, para a Copa do Atlântico, esse beque pode ser o Renê (Vasco) ou o Moisés (Corinthians). Realmente, um dos pontas vai rodar. E esse lugar que está vago na frente é do Paulo César, do Inter. Quando ele voltar; o time fica pronto. Entre outras coisas porque ele arruma qualquer time. — [Brandão respira aliviado, sorri, antevendo o dia da volta de Paulo César à seleção: "Sabe tudo, joga o jogo inteiro".] — Se não der pra já, levo mais um volante, o Givanildo, do Santa Cruz.


Isso tudo, é claro, é para este mês. A hipótese de escalar dois volantes ao mesmo tempo, para segurar um resultado, é muito provável. Foi testada no Uruguai, mas não deu certo: o segundo volante (Falcão), ao ver o Chicão em campo, foi jogar na frente. Mas, e a Copa?


Antes da Copa, as eliminatórias. De julho a fevereiro de 77, a seleção estará desfeita, cada um jogando o Campeonato Brasileiro em seu time. Nesse torneio, pouca coisa vai mudar. A base para março de 77 continua a mesma. Aqui e ali Brandão vai mudar nomes, polindo o seu time.


— Os olímpicos se profissionalizam, finalmente. O Carlos, goleiro, vai disputar o Nacional pelo Vasco; Rosemiro já está aí; Edinho pode crescer. E finalmente teremos o Cláudio Adão só para nós. Sem falar nos outros, é claro. Será o grande teste deles, e a seleção e a torcida os julgarão. Ao final desse Nacional, a seleção das eliminatórias está automaticamente escalada: o time de hoje, mais uns quatro ou cinco.


Além dos novos, há alguns veteranos, digamos, "voltando" a jogar. Para esses, sem citar nomes, Brandão reserva um severo silêncio:


— Ninguém esquece como se joga bola; mas o jogador não muda, o homem também não. Alguns jogadores têm uma dívida para com a torcida, não é para com o técnico da seleção. E é a torcida que vai absolvê-los ou não. E isso só depende de seu futebol, certo? Vamos deixá-los jogar. Vamos ver. Estamos vendo todo mundo que joga.


E as queixas mais comuns?


— Primeiro, os artilheiros. Vamos ver quem faz gol por aí: no Sul, Flávio, com mais de 30; em São Paulo, Enéas, está aqui; o Negro do Santos [Brandão usa "o Negro" no tom respeitoso do torcedor argentino quase sempre que fala em Cláudio Adão]; no Rio, Zico e o garoto do Vasco (Roberto); e mais o Dario, em Recife. Quem mais? Ninguém. E desses que eu falei, quem eu posso chamar eu tenho chamado, certo?


Para Brandão, ainda há um outro tipo de jogador convocável, nem "revelação"" nem "veterano", que só precisa do aval dos grandes jogos, do endosso da galera e do tempo:


— O Murici, do São Paulo, é um que só penso em 78. Até lá, deixa ele jogar. O Oscar, da Ponte Preta, é o melhor do seu time, talvez o melhor da posição em São Paulo. Mas precisa jogar o Nacional, mostrar seu futebol pro país inteiro ver. E um caso típico: se eu chamo hoje, posso queimar o garoto, nada mais normal. Deixa ele jogar, mostrar que é o melhor.


Se vencer as eliminatórias contra Paraguai e Colômbia, o Brasil enfrenta os outros dois classificados sul-americanos. O último neste minitorneio disputa uma vaga com um europeu (o mais provável é a URSS).


Terminada essa operação-classifica-cão com sucesso, o Brasil excursiona à Europa.


— Os clubes vão chiar — diz Brandão — mas em 77, depois de classificada, a seleção vai jogar muitas vezes. E para 78, então?


— Temos uma seleção juvenil jogando na Europa. Os garotos jogarão o Brasileiro juvenil este ano e o Mundial juvenil na Tunísia em julho de 77. Depois, o Campeonato Nacional de 77. Se sair um grande jogador deste time para 1978, estou satisfeito.


Não esqueceu ninguém, Brandão?


— Não. Não te falei no Leão porque não preciso falar. Jogou comigo quatro anos. (E não briguei com ele não.) É, talvez não tenha te falado no Roberto Batata. Põe o nome dele aí. É um grande jogador, muito útil.


Só isso, então?


— Por enquanto só. Tem alguém melhor do que esses?


POR HEDYL VALLE JR

ILUSTRAÇÃO ALBERTO NADDEO


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