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PAULO COELHO | AGOSTO, 2008

Playboy Entrevista



Uma conversa franca, entre um autógrafo e outro, com o escritor mais popular do mundo sobre a má vontade da crítica, a pose de valentão, os encontros com a morte, a dança com Natalie Portman, remédios para impotência, jornalistas jogadas aos seus pés e as mentiras que ele conta


O escritor Paulo Coelho acende um cigarro Philip Morris quando percebe três teleobjetivas apontadas em sua direção. Antes que os flashes sejam disparados, espalma a mão esquerda. "Não, com cigarro, não." Constrangidos, os fotógrafos baixam suas lentes e se desculpam pelo inconveniente. Enquanto fuma, Paulo é novamente interrompido. Uma jornalista italiana tenta engatar uma conversa. "Nas próximas férias, devo ir ao Brasil", revela a moça. "Quero conhecer o Rio de Janeiro e a praia de Jericoacoara." Paulo sorri diante do galanteio. Desde o dia anterior, ele se diverte com a paixonite da repórter — ora dando-lhe atenção desmedida, aceitando o convite para um passeio pela cidade, ora ignorando-a, preferindo voltar os olhos para uma jovem jornalista russa. "Essa sua máquina fotográfica é meio pequena, não?", pergunta o mago à garota de cabelos platinados. Ela sorri, com seus seios fartos e empinados de quem mal passou dos 20 anos: "Oh, sim, é uma Leica". Eles então iniciam uma impensável conversa sobre equipamentos fotográficos. Pouco depois, é a vez de outra jornalista italiana — morena, de lábios ao estilo Angelina Jolie e pernas musculosas — roubar a sua atenção. Eles falam sobre marcas de roupas e acessórios. A moça mostra sua bolsa Prada e eles gargalham de uma piada sem graça, como fazem duas pessoas enamoradas.


O jogo de sedução ocorre nos jardins de um café em Santiago de Compostela, na Espanha. Na antevéspera, o brasileiro havia participado da inauguração da Rua Paulo Coelho, homenagem do prefeito ao escritor que colocou a cidade na rota do turismo. Desde o lançamento de O Diário de um Mago, em 1987, hordas de visitantes e peregrinos vão até Santiago para conhecer os cenários do livro e buscar alívio para as dores da alma. Na manhã daquele mesmo dia, Paulo havia recebido a imprensa para falar sobre o lançamento de uma caneta da marca italiana Montegrappa que leva a sua assinatura. Trata-se de uma edição exclusivíssima (são apenas 1.947 unidades porque esse é o ano de nascimento de Paulo Coelho), de ouro, prata e esmeralda, cujo exemplar custa 8.700 euros (24 mil reais).


Sim, Paulo Coelho estava ali a trabalho, embora sua programação na cidade fosse digna de um roteiro turístico de alto luxo. Hospedou-se no histórico Hostal dos Reis Católicos, localizado bem em frente à catedral de Santiago, jantou nos melhores restaurantes e, orientado por um guia, passeou pelas ruelas da cidade, onde foi seguidamente abordado por fãs ávidos por autógrafos e fotografias. De todos os assédios, o mais curioso foi o de um grupo de três peregrinos coreanos que havia acabado de concluir o caminho de Santiago. Ao deparar com o homem que havia inspirado a peregrinação, o trio irrompeu em lágrimas, extasiado diante da visão de seu mago.


Às 11h45 do dia seguinte, o escritor deixou o hotel na companhia de uma pequena comitiva: dois assistentes, a mulher (a artista plástica Christina Oiticica) e a editora da PLAYBOY Adriana Negreiros. De Santiago, eles iriam juntos, num jato particular, até Genebra, na Suíça, onde finalmente seria feita esta entrevista. No aeroporto, Christina confidenciou à PLAYBOY que não percebera o quanto seu marido fora paquerado durante os dois dias na Galícia. Pouco depois, o casal conversou sobre o assunto. Surpreendentemente, o escritor confirmou os flertes e dividiu com a esposa impressões sobre as mulheres que haviam cruzado o seu caminho. "Você viu que peregrina gostosa aquela Denise?" Christina não concordou: "Era meio hippie. Não achei bonita", disse, impávida. Antes de embarcar, Paulo fez questão de entrar na livraria do aeroporto e não escondeu sua satisfação ao ver oito de seus livros na gôndola dos mais vendidos.


Fez uma oração antes da decolagem — um hábito, segundo ele. Durante uma hora de vôo, o escritor fumou compulsivamente, só apagando o cigarro momentos antes da aterrissagem, quando, mais uma vez, repetiu a prece. Ao desembarcar, quis saber onde a editora da PLAYBOY ficaria hospedada. Quando ouviu que ela tinha reserva num hotel na Rue de Berne, se espantou. A região é uma conhecida zona de prostituição da cidade e serviu de cenário para o romance Onze Minutos. Com um rápido telefonema, ele conseguiu um quarto no cinco estrelas Hôtel Président Wilson, localizado bem em frente ao lago de Genebra, onde ele também ficaria hospedado.


Depois de fazer o check-in e dar autógrafos aos funcionários do hotel, Paulo refestelou-se numa espreguiçadeira na piscina. "Pena que não tenha trazido calção de banho", queixou-se. Depois de saborear um expresso, subiu ao quarto com dois propósitos: tirar uma soneca e preparar a palestra sobre liderança que daria no dia seguinte no Fórum Econômico Mundial. Menos de três horas depois, surgiu de banho tomado e, como em todos os outros dias, de roupa preta e tênis branco. Eram 7h da noite e o sol, em pleno verão europeu, não dava sinais de que se recolheria tão cedo. Paulo então convidou a editora da PLAYBOY para um passeio ao redor do lago. Ela conta suas impressões sobre a caminhada: "Paulo Coelho não é apenas um escritor; ele é um pop star. Nosso passeio foi interrompido inúmeras vezes por fãs brasileiros e estrangeiros que queriam autógrafos, fotos ou simplesmente tocar nele. Cheguei a imaginar que o convite para a caminhada fora de caso pensado — ele queria mostrar para uma brasileira o quanto é respeitado no exterior, a despeito da forma como é malhado pela crítica de seu país. Se era essa sua intenção, foi bem-sucedido. Paulo Coelho é uma celebridade internacional".


Mais do que isso, Paulo Coelho é o escritor brasileiro mais lido de todos os tempos. Conforme relata seu biógrafo, Fernando Morais, autor do recém-lançado O Mago, Paulo é o único autor vivo a ser traduzido em mais línguas do que William Shakespeare. O massacre da crítica brasileira a seus livros não o impediu de vender mais de 100 milhões de cópias em 160 países — sem contar a pirataria —, tampouco de ter sido eleito para a Academia Brasileira de Letras. Além da biografia, Paulo Coelho está na crista da onda por causa do lançamento, este mês, do seu novo candidato a best-seller (o 23º da carreira): O Vencedor Está Só, uma narrativa policial passada em Cannes.


Dezesseis anos depois da sua primeira entrevista à PLAYBOY, Paulo Coelho estava curioso em saber que assuntos seriam tratados nesta nova rodada. Disse que jamais voltaria a falar sobre sua suposta capacidade de fazer chover ou ventar. Também se recusou a falar sobre seu pacto com o demônio. Tinha certeza de que a conversa giraria predominantemente em torno de assuntos sexuais. E, quando a jornalista tentava tratar de assuntos mais convencionais, ele insistia: "Vamos falar de sexo, que é no que você está interessada". No terceiro pedido, durante um jantar no badalado restaurante Spice's, a editora cedeu.


PLAYBOY — O.k., Paulo, vamos falar de sexo.


PAULO COELHO — Vamos falar de sexo [animado]!


PLAYBOY — No encontro com a imprensa [ocorrido na véspera, em Santiago de Compostela], havia umas três jornalistas que, se quisesse, você levaria para a cama. Confere?


PAULO — Uma eu notei... Duas, eu notei. Não, você tem razão, tinha uma terceira que me fez um convite para ir a Milão.


PLAYBOY — Um convite para...


PAULO — [Interrompe] Não! Pra ir pra cama, não! Pra jantar.


PLAYBOY — Mas é óbvio que há terceiras intenções num convite pra jantar em Milão. É evidente que você sabe isso e acha extremamente lisonjeiro, né?


PAULO — Porra, eu tenho 60 anos, não sou um garoto, e é uma grande alegria ser paquerado.


PLAYBOY — Sabendo que naquele grupo havia pelo menos três mulheres disponíveis, o que te fez não ir adiante na conquista?


PAULO — Vou dizer só uma frase e parar nela: eu não sou santo [pausa]. Mas jamais faria isso na frente da minha mulher [Christina Oiticica, sua esposa, participou do encontro com as jornalistas]. Isso seria um desrespeito completo. Qual é, porra?! Onze minutos é o tempo que dura a relação sexual. E o resto? E as outras 23 horas e 49 minutos?


PLAYBOY — É de se supor que seja uma situação tentadora. Há mulheres interessantes dando mole.


PAULO — Claro, inteligentes ...


PLAYBOY — Uma em especial parecia a atriz francesa Juliette Binoche [a moça era jornalista da Vanity Fair italiana]. E conversou bastante com você. Afinal, ela te convidou para algo mais íntimo?


PAULO — Não aconteceu nada além do que você viu. Era um jogo de sedução.... Uma outra, sim, me convidou para jantar quando eu fui fumar lá fora. Disse que estava se separando do marido. Começa esse papo que você já sabe aonde vai dar. Ou seja, ela quer dizer: "Estou disponível". Mas isso é bom, o jogo da sedução faz bem a qualquer ser humano, eu incluído. Sem o jogo da sedução, a vida perde o gosto. Mas você sabe que é um jogo e não vai passar disso. Quando a coisa entra na barra dos sentimentos, aí já fica complicada. Aí tem que ir pra valer. O que não é o meu caso, e não será nunca.


PLAYBOY — Ir pra valer?


PAULO — Me separar. Eu resumi naquela frase — "Eu não sou santo" — e você entendeu. [Muda bruscamente de assunto e comenta sobre o jantar.] Huuum, essa batata está deliciosa.


PLAYBOY — Muito boa mesmo. Mas é impressionante a tranqüilidade da sua mulher perante o assédio feminino sobre você.


PAULO — Ela sabe que não tem páreo pra ela. Nunca vou me separar. E não é por falta de tentação na minha vida.


PLAYBOY — Como você resiste às tentações? Se é que você resiste...


PAULO — Aí já não vou entrar em detalhes.


PLAYBOY — Isso já é uma resposta.


PAULO — Muito comprometedora, por sinal. [Silêncio]


PLAYBOY — Você acredita na monogamia?


PAULO — Tem um estudo da Nature, que é a revista científica mais séria, mostrando que a monogamia não existe. Existem pressões sociais que tornam a monogamia necessária. Eu, como qualquer ser humano, entendo que a monogamia é uma aberração, mas isso não quer dizer que eu seja imune a essas pressões sociais.


PLAYBOY — Você é fiel?


PAULO — Sem comentários. Mas, para complementar essa resposta, eu diria que a fidelidade não é do corpo, é do coração. Eu sou 100% fiel. No meu coração não existe espaço para nenhuma outra mulher que não a minha.


PLAYBOY — O.k., Paulo. O fato é que você pratica com muita desenvoltura o exercício da sedução.


PAULO — Você, lendo minha biografia, vê que de alguma maneira eu sempre pratiquei. O garoto feio que, mesmo antes de ser famoso, sempre teve as melhores namoradas. A Christina, você vendo as fotos, era alucinante. Transamos logo na primeira noite, não houve enrolação. Ela tinha um namorado, eu tinha uma namorada. Uma semana depois, eu disse: "Vamos morar juntos". E ela: "Vamos nessa". Aí é que eu me pergunto: de que vale essa coisa de pensar muito? Porra, se não der certo, separa.


PLAYBOY — Você é um homem de 60 anos que já passou do auge da vitalidade sexual...


PAULO — [Interrompendo] Isso aí é por tua conta. Eu não passei do auge da vitalidade!


PLAYBOY — Desculpe-me. Mas você já precisou recorrer a remédios pra impotência?


PAULO — Por curiosidade.


PLAYBOY — Qual foi a reação?


PAULO — Foi logo no começo, quando havia o mito de que você ia ter um ataque do coração. Hoje em dia, tá provado que isso não acontece. Então eu tomei e fiquei muito assustado de ter algum problema do coração [risos]. O efeito era duradouro. Depois que passou o susto, eu comecei a sentir alguma coisa na cabeça, um calor...


PLAYBOY — Um fogo.


PAULO — Um fogo mesmo. E não hesitarei em recorrer a esses remédios quando precisar. Por enquanto, não preciso.


PLAYBOY — Depois que se revelou que o livro O Zahir tinha uma musa inspiradora [a jornalista Christina Lamb, do jornal britânico Sunday Times], você não começou a receber muito assédio de candidatas a musa?


PAULO — Isso é uma coisa que sempre me aconteceu, acontece e acontecerá depois. Há três tipos de pessoas que sentam na minha frente. O primeiro são meus amigos. O segundo é esse tipo que diz: "Tenho uma história pra te contar. Você tem que escrever a minha história". Tô fora. Eu já tenho várias idéias. E finalmente existe a pessoa, o que acontece com bastante freqüência, que se sente profundamente insegura e começa a falar nomes de pessoas importantes: "Conheço fulano, beltrano". Eu fico só ouvindo.


PLAYBOY — Conte um caso desses.


PAULO — Aconteceu agora, em Cannes. Foi num dia em que eu estava particularmente impaciente. E nisso me aparece um cara, nem me lembro quem era, que me pergunta: "Você conhece fulano?" Eu disse: "Sim, é muito meu amigo". Nem me lembro quem ele conhecia. Mas se passaram uns dez minutos e eu falei: "Quer saber de uma coisa?" — isso na frente de todo mundo — "Eu não gosto de você".


PLAYBOY — Mas por que você fez isso?


PAULO — Ah, eu não gosto dessa coisa. Eu estava agora com a Paula [Paula Braconnot, sua assistente] e o presidente da L'Oréal — porra, a L'Oréal é um império, hein? — num boteco de esquina em Paris. Chegou uma leitora, sentou e pediu pra convidar o marido. Eu sou muito aberto. O marido chega, fotógrafo de moda. Sabe o cara mal-sucedido na vida? Nunca conseguiu fotografar moda, não é convidado pra nada, mas se autodenomina fotógrafo de moda. E eu fiz um comentário da minha dança com a Natalie Portman, em Cannes. Eu tenho que confessar minha ignorância e assumo que só soube quem ela era quando dançamos.


PLAYBOY — E aí?


PAULO — Aí eu perguntei se ele sabia quem era a Natalie Portman. E o cara: "Claro que sei. Eu leio essas revistas idiotas no banheiro". Eu disse: "Olha, você está aqui como convidado e eu não gostei do que você falou. Além do mais, a cadeira do meu amigo está muito na calçada e eu te peço que você e sua mulher se levantem e saiam agora". O cara quer dizer que as celebridades não são importantes?


PLAYBOY — Você dançou com a Natalie Portman no leilão promovido pela Sharon Stone no qual os manuscritos de O Vencedor Está Só foram vendidos?


PAULO — Sim. Quando eu subi no palco, o orador disse: "Temos aqui a grande celebridade literária mundial, a grande estrela Paulo Coelho". Ali só tinha fera. [Paulo interrompe a conversa para mostrar, pela janela do restaurante, um Audi Allroad: "Olha ali, foi esse o Audi que eu comprei", diz. E retorna à história.] Aí veio a Natalie Portman anunciar o leilão. Ela começou a dançar, e eu também. Mas foi uma coisa tão relaxada que se chegou a 243 mil dólares pela prova não corrigida do meu livro, em português. Eu acho que foi porque as pessoas adoraram a dança [risos].


PLAYBOY — Por falar em Sharon Stone, é verdade que você confundiu a data de um encontro que ela havia marcado com você num café em Davos?


PAULO — Somos amigos. Ela foi na véspera; eu, no dia seguinte. Foi logo no começo da nossa relação.


PLAYBOY — Ela te despertou algum interesse sexual? Porque ela é uma mulher extremamente sexy.


PAULO — Não.


PLAYBOY — Não?


PAULO — Talvez seja uma aberração. Mas, que eu me lembre, nunca olhei uma mulher e ela me despertou interesse sexual. Não quer dizer que eu não tenha vontade de transar, de dizer: "Eu tô a fim de comer essa mulher". Mas tem mulheres que me atraem e mulheres que não me atraem. A Sharon Stone, por exemplo, nunca me despertou interesse sexual. É uma mulher inteligente, interessante, que dá seus furos de vez em quando, como qualquer pessoa. Ela é atraente? Muitíssimo. Inclui sexual? Inclui. Mas não é o predominante. [Paulo sugere sair do restaurante para fumar lá fora.]


PLAYBOY — Você disse ontem, após o jantar em Santiago, que gostaria de conhecer a Amy Winehouse. Você quer comer a Amy?


PAULO — Não [enfático]! Eu nunca quero comer ninguém, em princípio, e quero comer todo mundo. Tenho fascinação de conhecer uma pessoa feito ela e a Lindsay Lohan, que são autodestrutivas. Eu acho tão difícil um homem querer comer determinada pessoa... Pode falar. Diz aí uma mulher.


PLAYBOY — Gisele Bündchen.


PAULO — O cara pode falar que quer comer a Gisele Bündchen. Mas bota na frente dele. Vai sair correndo, intimidado pelo poder, pela independência. Brocha na hora.


PLAYBOY — Você já brochou ou é igual ao Ziraldo, que aos 75 anos insiste em dizer que nunca falhou?


PAULO — Sim, claro. Pô, o Ziraldo continua dizendo isso? Quer dizer que não era uma piada? Isso me acontece desde que eu tinha 20 anos. Não tem nada a ver com idade, tem a ver com as circunstâncias. Mas, considerando-se a razão brochar/não brochar, a proporção é de um pra dez.


PLAYBOY — Mas voltemos às pessoas que se sentam à sua frente e te desagradam. Certa vez, num encontro com um manager de uma agência de marketing, você se estressou com o sujeito porque ele contou que tinha duas Ferraris. Como foi isso?


PAULO — Era um sueco que queria me representar como marca. Porque hoje em dia as marcas estão mais em busca do conteúdo do que da forma. Ele também representa o Muhammad Ali, até me trouxe uma luva dele assinada. Ele me disse: "Você é o único escritor que é uma marca no mundo inteiro. Quer que eu te represente?" Aí ele foi conversar comigo. [Nesse momento, jornalista e escritor passeiam ao redor do Lago de Genebra e um brasileiro interrompe a entrevista. "O senhor é o Paulo Coelho? Posso tirar uma foto?" Paulo tira a foto e se entusiasma.] Essas coisas me comovem. Porque as pessoas falam na Madonna, na Julia Roberts, sei lá, no Clinton, no Lenny Kravitz, mas isso desses leitores é muito mais comovente.


PLAYBOY — Mas falávamos sobre o...


PAULO — O sueco. Eu tinha estado em Mônaco dois dias antes e disse: "Eu falei com o cara da Ferrari..." E antes que eu terminasse a história ele me falou que tinha duas Ferraris. Já não gostei. Depois ele me mostrou a casa dele numa revista de arquitetura. Falou que acionava a lareira com controle remoto. Aí eu disse: "Vem cá, só tem duas pessoas aqui. Quem é a mais rica? [Um fã estrangeiro interrompe a entrevista para pedir um autógrafo. "Se estou na Sibéria, me sinto em casa", diz.]


PLAYBOY — Estávamos no "Quem é mais rico?"


PAULO — Ele respondeu: "Claro que é você". Eu disse: "Quantas vezes?" Ele disse: "Trinta". Eu disse: "Trinta, não; quarenta vezes, no mínimo. Eu tenho dois Renaults..."


PLAYBOY — De que modelos?


PAULO — Não, isso foi na época, agora eu tenho outro Audi, esse que acabei de comprar e a Christina foi buscar hoje. Uma das coisas boas da fama é que você manda comprar. Eu detesto fazer compras. Mas voltemos à história.


PLAYBOY — Sim.


PAULO — Eu disse: "Eu corto lenha para a minha fogueira e você não sabe o prazer que há nisso. E agora me desculpe, tenho que sair, estou muito ocupado, vou pegar um visto na embaixada do Cazaquistão".


PLAYBOY — Você não gosta de exibicionismo?


PAULO — O que você chama de exibicionismo?


PLAYBOY — Essa coisa: "Tenho duas Ferraris"...


PAULO — Detesto. Posso mandar uma em off?


PLAYBOY — Sim.


PAULO — [Paulo desliga o gravador e faz uma revelação estupenda sobre seu patrimônio, mas pede que não seja publicada. Depois prossegue o papo.] Nada mais cafona e pobre do que uma Ferrari. Nem nas autoestradas o cara pode andar com a Ferrari além de 130 km/h. É uma besteira, eu não entendo esse show-off.


PLAYBOY — Você não tem medo de ser seqüestrado?


PAULO — Fui seqüestrado uma vez, pela polícia [em 1974]. Tenho pavor de seqüestro. Então eu dificilmente seria seqüestrado uma segunda vez, e a prova se deu no Líbano. Resolvi visitar o Líbano — adoro aventura — e era época de conflito, com a Síria tocando o país, sem Exército, com milícias. Eu estava todo animado e de repente a ficha caiu. Disse: "Caralho, tem seqüestro no Líbano". Estava num hotel em Roma. Eu ia com jornalistas, puta idéia burra. Quando deu 3h da manhã, eu sem pregar o olho, encontrei a solução.


PLAYBOY — E qual foi?


PAULO — Pensei: "Se tentarem me seqüestrar, vou reagir. E aí vão me matar, liquidou o assunto". Viajei absolutamente tranqüilo. O Líbano tinha sido bombardeado na semana anterior. Fomos ao Vale do Bekaa, onde fica o Hezbollah. O Alvaro Teixeira, da revista Caras, dirigia o carro. Estávamos com a Sula, uma amiga, que tinha perdido um amigo na semana anterior. E, no Líbano, a cada 50 metros tem o check point. Você sabe o que é isso?


PLAYBOY — Não.


PAULO — É onde param você, pedem documentos, essas coisas. O Alvaro não falará. E a Sula tinha dito: "Não parou, leva tiro" . Estávamos voltando e o cara do check point fez um gesto com a mão que parecia "siga adiante", mas significava "pare". E o Alvaro seguiu adiante. A Sula meteu o pé no freio e na mesma hora a gente tava cercado de metralhadoras. Porra, se a Sula não tivesse metido o pé no freio...


PLAYBOY — E seqüestros motivados por razões financeiras, como os que acontecem no Brasil, não te aterrorizam?


PAULO — Eu vou reagir! Vou! Não vou deixar! Eles vão me matar ou, já sabendo da minha reação, porque leram na PLAYBOY, vão me anestesiar, sei lá.


PLAYBOY — A morte é melhor do que o seqüestro?


PAULO — Eu não tenho medo da morte. O que é a morte? A morte é uma pessoa que tá sentada aqui, uma mulher loira, dizendo: "Eu vou te levar". E eu tô olhando pra ela e dizendo: "Pô, deixa eu terminar a entrevista".


PLAYBOY — Mas você está falando em sentido figurado ou você vê mesmo uma mulher loira aqui ao nosso lado?


PAULO — Eu vejo ela como um anjo loiro.


PLAYBOY — Você vê?


PAULO — Eu não vejo nada [meio irritado] . Eu só tô te dizendo que eu imagino uma figura bonita, não uma caveira.


PLAYBOY — Você sabe mesmo o dia em que vai morrer?


PAULO — Sei. Se seguir o meu caminho, sei.


PLAYBOY — E se não seguir?


PAULO — Aí pode ser que eu morra de outra maneira. Você tem vários destinos. Um é a sua lenda pessoal. Aí você pode escolher viver a vida que teu pai te impôs, que tua mãe te impôs, que teu marido te impôs. Mas tem uma que é a tua vida. Todas vão desembocar no mesmo lugar, que é a morte. Mas só uma vai te dar prazer.


PLAYBOY — Por falar em prazer, você freqüentou muitas festas em Cannes quando fazia pesquisas para o seu novo livro. Em uma delas, quase foi expulso a mando do rapper Puffy Daddy. Como foi que isso aconteceu?


PAULO — Foi uma festa num iate. Só tinha poderosos. Eu não gosto de festa em barco, mas, enfim, se eu tô ali vou aonde me convidam. E o iate estava ancorado. Fiquei na proa com a Mônica [Antunes, agente literária de Paulo], a produtora do filme Veronika Decide Morrer e o presidente da Disney na Ásia. Em determinado momento, veio um tripulante e começou a dizer: "Vocês têm que sair, essa área é privada". Eu fiquei muito impressionado porque as pessoas se levantavam e saíam.


PLAYBOY — E você?


PAULO — Eu só pensava: "Vai chegar a minha hora". Quando chegou, me virei e disse: "Só saio daqui se vier a dona da festa me dizer que não sou bem-vindo. Ou se vier a polícia. Fora isso, não saio. Seja quem for, vou terminar minha taça de champanhe". E a pessoa era o Puffy Daddy, que tem esse lado um pouco bad boy, mas no fundo é uma pessoa legal, como qualquer outra. Não saí. E ninguém teve peito pra ir lá me tirar. Ficamos os quatro lá isolados pelo cordão de guarda-costas. Chegou o Puffy Daddy, achou chatíssimo aquele lugar vazio e foi embora. Ficou uma festa chata.


PLAYBOY — O Puffy Daddy sabia quem era você?


PAULO — Sim, ele conhecia meus livros. Eu não sabia quem ele era até o dia anterior. Nós havíamos jantado na véspera. A gente estava na mesma mesa com o Harvey Weinstein [todo-poderoso presidente da distribuidora Miramax] e eu não sabia quem era aquele cara ali.


PLAYBOY — Tem essa coisa de dizer: "Eu posso fazer isso porque sou o Paulo Coelho"?


PAULO — Não, eu faria isso em qualquer situação. A Christina me conhece desde que eu sou eu. Sei meus limites. Respeito, mas, na hora em que a pessoa vem ser arrogante comigo, desde que eu sou eu, não é porque era o Paulo Coelho ali, não, hein? É porque eu jamais me permiti ser expulso, humilhado. Já aconteceram zilhões de episódios.


PLAYBOY — Conte um desses episódios.


PAULO — A gente queria alugar um apartamento na França. Eu estava dando uma entrevista e disse: "Christina, vai lá ver o apartamento e volta". Volta a Christina. E, porra, ela estava chorando. "Ai, caralho. O que é que houve?" Ela respondeu: "O cara disse que não ia mostrar o apartamento. Queria ver meu imposto de renda porque eu era estrangeira". Isso em Tarbes, uma cidade no interior da França. Aí ela disse que tinha dinheiro para alugar o apartamento, e o cara respondeu que o dinheiro podia não ser bom, queria ver o imposto de renda francês de muitos anos. Aí, minha amiga, virei para o jornalista e disse: "É agora". E ele: "Mas a gente tá fazendo uma entrevista..." E eu falei: "Então vem comigo ver como é que eu sou".


PLAYBOY — E o que você fez?


PAULO — Cheguei na agência já aos gritos. "Quem foi o cara que falou com a minha mulher? Quero saber quem foi o cara. Chama o diretor!" Aí o diretor me reconheceu. "O que houve, seu Coelho? O senhor quer ver apartamento?" Eu ia ganhar uma medalha dois dias depois. Eu disse: "Não quero ver apartamento nenhum, eu quero falar com esse cara". O diretor disse que ele só voltaria às 4h. As 3h eu estava lá. Juntaram umas 30 pessoas para olhar. Eu disse: "Racista! Xenófobo! Pede desculpas à minha mulher". Ele pediu. Mandei pedir uma segunda vez. Peguei o cartão dele. Depois joguei no lixo. O cara deve ter ficado semanas sem dormir. Não agüento ser humilhado e tenho esse lado masculino muito forte. Ninguém pode mexer com a Christina. Uma coisa que eu não sou é covarde.


PLAYBOY — Na sua biografia [O Mago], Fernando Morais acusa você de covardia no episódio ocorrido na carceragem do Dops [em 1974], quando sua então mulher, Adalgisa, que estava presa e vendada, percebeu que passava por você e pediu para que você falasse com ela. Com medo, você se calou. Naquele momento, você não foi covarde?


PAULO — Se tem uma coisa que não sou é covarde. Antes, tinha muitos medos, até que, em 1986, durante a peregrinação a Santiago de Compostela, fui obrigado a confrontar-me com a própria morte. Aconteceu perto de León, se não me engano, e está descrito em meu livro O Diário de um Mago. Fui obrigado a me imaginar sendo enterrado vivo. Quando saí dessa experiência, tudo havia mudado — inclusive a idéia de que a morte era minha inimiga. Desde então, tenho enfrentado todos os meus riscos. Ainda tenho medo, mas não me deixo mais paralisar por ele.


PLAYBOY — Sua biografia também mostra que você foi flagrado em mentiras.


PAULO — Claro, claro.


PLAYBOY — Teve o caso do texto do Carlos Heitor Cony publicado em um jornal de Sergipe como se fosse seu, de uma matéria em que você inventou tudo quando era repórter do jornal O Globo... O que dá ao leitor a certeza de que hoje você não está mentindo?


PAULO — Não entendi.


PLAYBOY — Quem garante que as histórias que você conta hoje não são uma grande invenção? Que você não é mago coisa nenhuma, que na verdade tudo não passa de um grande charlatanismo? Já que você mentiu no passado...


PAULO — Eu não menti, eu ainda minto.


PLAYBOY — Você ainda mente?


PAULO — É óbvio. Hoje mesmo, eu menti. Não acredito que haja um ser humano na face da Terra que possa dizer: "Eu não menti hoje". Não vou chegar para uma pessoa e dizer: "Você é feia", mesmo que eu a ache feia. Entende? Eu ainda minto. Mas a integridade dos meus livros está acima de qualquer coisa. O que garante que o meu livro não é um plágio? Primeiro: só há quatro histórias pra contar no mundo — uma história de amor entre duas pessoas, uma história de amor entre três pessoas, a luta pelo poder e uma viagem. O resto são variações em torno desses quatro temas. A história de O Alquimista, por exemplo, não é uma história das Mil e uma Noites, mas é uma história da tradição islâmica. O que o escritor faz é traduzir. Agora, plágio é muito diferente. É o que eu fiz com o Cony.


PLAYBOY — Mas o que garante ao leitor que você é um mago? Uma pessoa cética pode pensar que quem inventou tantas coisas na vida pode continuar inventando agora.


PAULO — Ela tampouco tem que acreditar nisso. Eu acredito que estou em Genebra porque, em princípio, todas as coisas me indicam isso. Mas, na verdade, isso tudo é um impulso elétrico na minha cabeça. Uma sinapse que tá acontecendo entre dois neurônios, entende? É um ato de fé que eu tô em Genebra. Na verdade, a tua pergunta é: "O que garante que você é honesto em seus livros?" Essa é a tua pergunta?


PLAYBOY — Basicamente é isso.


PAULO — Os meus livros. Inclusive, se eu não fosse uma pessoa honesta, jamais permitiria uma biografia.


PLAYBOY — Você não tem rabo preso?


PAULO — Teeenho. Quem não tem rabo preso?


PLAYBOY — Com quem?


PAULO — Não vou te falar.


PLAYBOY — Você fuma, bebe vinho, fala palavrões. Ou seja, difere completamente da imagem que se tem de um mago. Você é um exemplar sui generis ou magos são assim mesmo?


PAULO — Magia é o que tá definido no Diário de um Mago. O extraordinário reside no caminho das pessoas comuns. Qualquer um de nós tem poderes. As pessoas não os exercem porque estão extremamente condicionadas a rejeitar o que é novo. Daí muito da má vontade da crítica. Pó, esse cara diz que faz chover, que faz ventar, que é mago. E, como não entende, a defesa é criticar. Tudo o que a pessoa não entende, ela esculhamba.


PLAYBOY — Quando você fala que faz chover ou ventar, isso é literal?


[Paulo desliga o gravador. "Eu prometi nunca mais responder a essa pergunta, não vou fazer comentários sobre isso", diz. E volta a ligar o gravador.]


PLAYBOY — Você acha bom ou ruim ser classificado como um autor de autoajuda?


PAULO — [Aborrecido] Eu não acho nada, porque eu não me classifico. Eu tampouco sei o que eles querem dizer com isso. Se você me der uma definição agora de autoajuda, eu te respondo. Vamos, me dá uma definição de autoajuda.


PLAYBOY — Livros de autoajuda são aqueles que se propõem a dar conselhos para o leitor, orientá-los...


PAULO — [Interrompendo] O que não é absolutamente o meu caso, certo? Eu não oriento, eu não dou conselho. Por falta de conhecimento do meu trabalho, as pessoas vão pro rótulo mais fácil: autoajuda.


PLAYBOY — Mas muita gente, como os peregrinos do Caminho de Santiago, não chegam para você e dizem: "Seu livro mudou a minha vida"?


PAULO — Se eu ler Henry Miller e achar que a minha vida se transformou, não vou dizer que Henry Miller é um autor de autoajuda.


PLAYBOY — Por que o incômodo com o termo? Ele é depreciativo para você?


PAULO — É depreciativo, claro, mas é um termo que significa total desconhecimento do meu trabalho.


PLAYBOY — Você tem semelhanças com o norte-americano Dan Brown, autor de O Código Da Vinci. Ambos lidam com temas ligados à espiritualidade, foram persistentes até ganhar fama, trabalharam na indústria fonográfica antes de entrar para o mercado de livros. O que mais vocês têm em comum?


PAULO — Eu discordo da sua avaliação. O Dan Brown fez um livro brilhante, O Código Da Vinci, o que permitiu que seus livros anteriores fossem publicados. E nunca mais escreveu nada. Quando O Diário de um Mago começou a fazer sucesso, eu também tinha minha back list. Mas não permiti que os livros anteriores fossem republicados. Passado é passado. Além disso, eu não escrevo sobre espiritualidade, tampouco o Dan Brown escreve. Segundo, o Dan Brown parou. A minha carreira é de 20 anos. Ele se deixou paralisar pelo sucesso, como outros escritores. Cito o Jostein Gaarder, que escreveu O Mundo de Sofia, sucesso mundial, porrada da crítica. Depois quis agradar os críticos e acabou ali.


PLAYBOY — O que achou de O Código Da Vinci?


PAULO — Não gosto de falar mal dos outros.


PLAYBOY — Você, ao contrário de Jostein Gaarder, não fez concessão à crítica, que tem tremenda má vontade com você. Por quê?


PAULO — Porque estou absolutamente convencido do que faço. E a crítica é severa no Brasil. Minha terra me aceita muito bem, mas a elite cultural é fascista. Mas isso hoje tá pulverizado.


PLAYBOY — Quem acabou? Os escritores ou a crítica?


PAULO — A crítica. Os cadernos culturais ou diminuíram consideravelmente ou foram extintos. E eu prefiro mil vezes ter uma matéria na Ilustrada [suplemento de variedades da Folha de S.Paulo] do que no caderno Mais [caderno de cultura do mesmo jornal]. Porque a Ilustrada as pessoas lêem.


PLAYBOY — Isso é só no Brasil? Os países não aceitam bem seus best-sellers, com raras exceções, como a Itália e os Estados Unidos.


PAULO — O maior sucesso na França, neste momento, se chama Marc Levy — isso porque eu não lancei livro este ano. A crítica o odeia, insulta, o acha um idiota. E ele vende 500 mil livros.


PLAYBOY — Você nunca foi convidado para a Flip [Festa Literária de Parati] Isso não te aborrece?


PAULO — Mas nada.


PLAYBOY — Você freqüenta as feiras literárias mais importantes do mundo, mas não a feira mais cool do seu país...


PAULO — Participo inclusive da inspiradora da Flip, que é a Hay-on-Wye, no País de Gales. Eu fui convidado, dei uma palestra no maior auditório de lá. Encontrei a diretora da Flip nessa feira e ela possivelmente viu a minha conferência para 800 pessoas. O fato de eu não ser convidado para a Flip é absolutamente irrelevante.


PLAYBOY — E se fosse convidado, você iria?


PAULO — Seguramente a minha agenda estaria cheia.


PLAYBOY — O fato de ser uma estrela em outros países não te dá um gostinho de vingança? Por exemplo, quando você esteve na Inglaterra para um jantar de gala a convite da rainha Elizabeth [em 2006], e não como membro da comitiva do presidente Lula, não sentiu esse gostinho?


PAULO — Não. No caso do banquete, eu nem sabia que tinha sido convidado pela rainha e não pelo presidente Lula. Tirei minha vingancinha em outro departamento, que é a Imigração.


PLAYBOY — Como assim?


PAULO — [Risos] Durante anos, como hippie, fui humilhado nas fronteiras por ser brasileiro. Da vez em que fui para o jantar, disse para a Chris: "Vou me vingar. Mas é uma pena que só possa realizar essa vingança uma vez". Aí eu entrei na fila da Imigração, a Christina atrás. E a gente foi junto pro cara. E eles são um piloto automático. "Tem passagem de volta?" Eu disse: "Tenho". Ele perguntou: "Vai passar quantos dias?" Eu respondi: "Três". Ele: "O que veio fazer aqui?"


PLAYBOY — E você?


PAULO — Aí eu fiz a cara mais louca do mundo e falei alto, pra todo mundo escutar. "Vim jantar com a sua rainha!" Mas eu falei com um ar meio louco [risos]. O cara ficou tão surpreso que nem me pediu o convite. Carimbou o passaporte, não me pediu nada. Isso me deu um saborzinho de vitória.


PLAYBOY — Hoje você não tem mais problemas com a Imigração?


PAULO — Claro que não. Seria um escândalo. Mas ainda preciso pedir visto para certos países, essas coisas.


PLAYBOY — Você sente com freqüência preconceito contra o Brasil?


PAULO — Puta que pariu! Você deve ter visto recentemente o episódio do Fórum de Davos, quando o maestro [Benjamin Zander, regente da Filarmônica de Boston] disse: "As mulheres brasileiras vêm aqui levantar a saia". E ali só tem poderoso, hein? Eu disse: "Eeeepa! É mentira! Sou brasileiro e exijo respeito ao meu país e às mulheres do meu país!" E aí, porra, ficou aquele silêncio. Porque, quando ele falou, todo mundo começou a rir. Ele se desculpou, mas foda-se, ninguém vai falar mal do meu país.


PLAYBOY — É de se supor que, com uma celebridade como você, os preconceituosos sejam mais polidos.


PAULO — Sim, mas sempre vêm com aquele papo: "Você tá fazendo alguma coisa pela Amazônia?" Eu respondo: "Não tenho que te dar satisfação".


PLAYBOY — Um personagem de seu livro mais recente diz que a idéia de salvar o planeta é muito pretensiosa. Essa é a sua opinião?


PAULO — Exatamente. Eu detesto essas coisas de salvar o planeta, é uma bobagem. Eu não tô na de salvar o planeta.


PLAYBOY — São bobagens ações como a economia de água?


PAULO — Não. Se a gente não faz isso, tá perdido. Mas você vê a inversão de valores? Uma coisa é salvar o planeta. Outra coisa é dizer: "Olha, a gente tem que tomar essas medidas, senão a gente vai se extinguir". Vamos parar com esse cinismo de salvar o planeta, vamos salvar a gente! O aquecimento global foi ótimo para o Al Gore. Ele renasceu das cinzas. Eu não tô negando que a Terra passa por problemas, o que acho absurdo é que esses problemas sejam manipulados por organizações não-governamentais sem auditoria e políticos que usam isso como plataforma.


PLAYBOY — Você provocou risos durante um passeio por Santiago de Compostela ao comentar que baixa filmes na internet, numa evidente apologia à pirataria. Eu sou l00% a favor da pirataria. Se você gosta de uma coisa, isso nunca vai te impedir de comprar. Se eu gosto do filme, vou comprar, porque na versão pirata sou obrigado a ver na tela do computador. Claro, eu tenho uma puta tela de computador. Como sou fornecedor de conteúdo, me sinto na obrigação de dar alguma coisa em troca.


PLAYBOY — E o que você dá em troca?


PAULO — Todos os meus livros. Claro que criei um mal-estar com meus editores, porque não sou dono das traduções, apenas das edições em língua portuguesa. Mas usei um sistema inteligente: peguei meus livros piratas e juntei todos num site. Ninguém pode me acusar de piratear um pirata.


PLAYBOY — Paulo Coelho é mais popular do que Jesus Cristo?


PAULO — Não, o que é isso? De jeito nenhum. Eu sou o escritor mais popular do mundo. Se tiver outro que venda mais no mundo, que é a J. K. Rowling [autora de Harry Potter], ninguém vai saber quem é. Mas sabe quem eu sou.


PLAYBOY — Você participa do Fórum Econômico Mundial desde 1997, recebeu a medalha de Oficial das Artes e Letras do governo francês em 2003, entre outras condecorações. Você é o brasileiro mais importante do mundo?


PAULO — O brasileiro mais importante do mundo é o presidente Lula. Agora, ele tá dentro da conjunção política e não pode dizer tudo o que pensa. Ao contrário de mim. Sem dúvida, sou o intelectual brasileiro mais importante. Mas não queria dizer isso porque pode parecer arrogância. Refaz a frase aí de uma maneira que eu não pareça arrogante.


PLAYBOY — O Fernando Morais diz que você é o brasileiro mais popular do mundo desde Pelé. Concorda?


PAULO — Sem dúvida. O que me dá margem de manobra é que sou uma força independente. Não dependo de votos. Dependo do meu leitor. Quando houve a guerra do Iraque, pude me posicionar contra ela. O que eu podia pensar? Vou perder os leitores norte-americanos?


PLAYBOY — Perdeu?


PAULO — Perdi. Quando resolvi apoiar o Lula, pensei: "Vou perder leitores? Sim, vou". E de fato perdi. Mas o fato é que sou plebiscitado a cada dois anos pelo meu leitor, que vai julgar se estou escrevendo bem e se estou sendo honesto.


PLAYBOY — Numa entrevista recente, ao comentar o nome de seu novo livro, O Vencedor Está Só, você disse que é muito comum a quem chega ao topo a sensação de "ninguém me ama". É o seu caso?


PAULO — Não. Eu não sofro dessa solidão. Se estou sozinho, desço, vou pro bar, vou encontrar alguém que me conhece, vou sair na rua, vou bater um papo. Tenho plena consciência de que as pessoas me amam e me querem.


POR ADRIANA NEGREIROS

FOTOS LUCIANA CRISTOVAM


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