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PEDRO CARDOSO | MAIO, 1997



O astro de O Que É Isso, Companheiro? fala de fidelidade,

TV e de seu primo, o presidente FHC.


POR IVAN MARSIGLIA FOTO NANA MORAES


Dois homens vestidos como astronautas entraram recentemente no prédio onde mora o ator, roteirista, dramaturgo e garoto-propaganda Pedro Cardoso. Vieram a mando dele próprio, que, além das atividades acima, ainda acumula a de síndico do pequeno condomínio de quatro apartamentos, no bairro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Os dois insólitos visitantes, funcionários da Prefeitura, retiraram uma colmeia de abelhas que azucrinavam os condôminos. O apartamento de três quartos onde vivem Pedro, a mulher, Maristela — estudante de Psicologia, com quem está casado há treze anos —, e suas duas filhas, Luiza, de 7 anos, e Maria, de 2, é modesto, mas bem localizado: na Rua Lopes Quintas — a mesma do prédio principal da Rede Globo. O síndico famoso costuma deixar estacionado ali o Mondeo 16V prata que ganhou como parte do pagamento de um comercial para a Ford e cumprir a pé as oito quadras que o separam de seu emprego mais notório.


Roteirista e ator da série A Comédia da Vida Privada, o carioca Pedro Cardoso Martins Moreira encara, aos 35 anos, seu primeiro grande desafio no cinema. Ele vive o guerrilheiro Fernando Gabeira, em O Que É Isso, Companheiro?, filme de Bruno Barreto que está em cartaz, baseado no best-seller publicado em 1979 pelo atual deputado federal do Partido Verde fluminense. Pedro tinha apenas 6 anos quando, no dia 4 de setembro de 1969, o então jornalista Gabeira e um grupo de estudantes sequestraram o embaixador americano no Brasil, Charles Burke Elbrick, para pressionar o governo autoritário a libertar presos políticos.


Inspirado na adolescência pelas performances anárquicas do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, que revelou nomes como Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães, Pedro não nega a influência: "O Asdrúbal é o meu João Gilberto", costuma brincar. Seus primeiros projetos no grupo Manhas & Manias desembocaram, em 1982, na peça Bar Doce Bar, um marco nos palcos cariocas. Seu último sucesso é o quadro A Vida ao Vivo, no Fantástico.


Pedro Cardoso conversou com o repórter de PLAYBOY Ivan Marsiglia na suíte do hotel São Paulo Hilton, durante a temporada paulistana da peça O Alto-falante, e num simpático restaurante por quilo, ao lado de seu apartamento, no Rio.





1. Os brasileiros se acostumaram a dar gargalhadas com o Pedro Cardoso de A Comédia da Vida Privada. Você não tem medo de que os espectadores de um filme nada cômico como O Que É Isso, Companheiro? comecem a rir só ao ver você ali? Medo nenhum. Já me aconteceu de fazer cenas em que uma pessoa riu e a outra ficou comovida. Durante a filmagem até me deu vontade de fazer umas boas piadas... Sou muito debochado mesmo [ri].


2. Já era assim na adolescência? Você foi um garoto engraçado? Fui um adolescente péssimo, cara. Um chato [risos]. Fazia o tipo intelectual. Era mentiroso e posudo. Tinha lido duas linhas e dizia pra garota: "Você tem que ler esse livro do Freud, tem muito a ver com você". As pessoas riam, mas à minha revelia. E como o teatro é muito receptivo às pessoas que não estudaram, fui parar lá.


3. Você sempre quis ser ator? Não. Diz minha mãe que, quando pequeno, eu falava que queria ser guarda de trânsito [risos].


4. E quando foi que você descobriu sua vocação para o humor? Tinha 13 anos e estava fazendo o Édipo Rei. Eu interpretava o Velho Pastor, que pega o Édipo quando ele é largado na estrada e o leva para o outro pai. Quando entrei em cena, anunciaram assim: "Eis o velho pastor!" Entro eu — com 13 anos — e o público dá uma estrondosa gargalhada. O diretor da peça ficou muito aborrecido. Mas eu tive um insight muito profundo de humor e fiquei maravilhado.


5. O humor também era a marca do teatro que você fazia em parceria com o ator Felipe Pinheiro nos anos 80. 0 que havia de novo naquilo? O que a gente fazia era algo absolutamente debochado, meio de rock'n'roll, demolindo tudo. Um teatro dionisíaco, festivo, não deprimido.


6. A crítica classificou como "besteirol" o teatro que você fazia naquela época. Sabe-se que esse rótulo o incomoda. Por quê? Porque ela via como defeito o que era a nossa maior qualidade. Os críticos usavam uma frase significativa: "Uma comédia inconseqüente". Como se pudesse haver uma comédia inconseqüente! Nossa cultura cristã vê na dor um sinal de elevação e não suporta um teatro que propõe a brincadeira.


7. Falando de prazer, então: quando você faz uma cena com uma atriz bonita, isso mexe com você? Comigo, não. Seria uma mesquinharia boboca. Se tiver beijo, aperto de mão, abraço, mão na bunda... estou apenas fazendo a cena.

8. Num dos episódios de A Comédia da Vida Privada você interpreta um marido que irritava a própria mulher por não ter amante. Você acha que fidelidade é essencial numa relação? [Longo silêncio.] Não sei... As pessoas têm várias formas de se associar para viver em comum. Existe felicidade de várias formas.


9. Você é fiel? Não respondo.


10. Incomoda a você falar sobre sua vida pessoal? É que o limite entre o erótico e a pornografia é muito sutil. Vou contar uma história: quando eu tinha 22 anos, o [diretor de cinema] Ivan Cardoso, que é meu primo, me apresentou o roteiro de uma aventura adolescente, que terminaria numa cena de sexo. Esse filme [Os Bons Tempos Voltaram (1983)] foi produzido por um sujeito chamado Aníbal Massaini. A medida que ele ia sendo feito, fui descobrindo que era uma pornochanchada. E me recusei a fazer a cena de sexo. Pois bem: esse produtor botou um dublê meu! Tem uma bunda que não é a minha, uma cara que não é a minha. Isso foi desonesto. Ele argumenta que o filme ficava inconcluso sem a cena — como se algum dos filmes que ele produziu precisasse de conclusão. Por essas e outras, não falo sobre minha vida pessoal.


11. Você não vai falar nem da sua “primeira vez"? Não dá, cara. Isso aí é roubada.


12. A sua última vez no cinema, então: qual foi a cena mais difícil de fazer em O Que E Isso, Companheiro? Foi o clímax do filme, quando eu ponho o revólver na cabeça do embaixador. Pensei meses nessa cena e concluí que na vida real um momento de tal dramaticidade é vivido com uma certa inconsciência. Quando alguém que não é patologicamente um assassino mete a arma na cabeça de uma pessoa, o que vai decidir se ele atira ou não são coisas dele muito profundas.


13. Qual a diferença entre fazer cinema e fazer televisão? Tempo. Na televisão, o [diretor] Guel Arraes demora, na melhor das hipóteses, dez dias para produzir os 45 minutos de um A Comédia da Vida Privada. Já em O Que É Isso, Companheiro? nós tivemos três meses ininterruptos de filmagens para tirar 1 hora e quarenta minutos de filme. O tempo é toda a diferença. E tempo é dinheiro — então, a diferença é dinheiro.


14. Há quem diga que o filme Pequeno Dicionário Amoroso, de Sandra Werneck, um sucesso de bilheteria, é mais TV do que cinema. Concorda? [Longuíssimo silêncio seguido de um sorriso do tipo "você está querendo me complicar!"] Exatamente porque no cinema o ator tem mais tempo, a Andréa Beltrão e o Daniel Dantas... deram uma dimensão ao filme que faz com que ele valha como cinema. Agora, não acho que tematicamente, como estilo narrativo, o filme supere o que já tinha sido feito na TV pelo Comédia.

15. Com esse tempo maior do cinema, você estudou o deputado Fernando Gabeira para construir o personagem de O Que E Isso, Companheiro? Quando li o roteiro, comentei com o [diretor] Bruno [Barreto] que a pior opção seria tentar imitar o Gabeira. Resultaria inevitavelmente cômico, um deboche. Então, o personagem que faço é o arquétipo do jornalista de esquerda no Brasil daquele momento; não é o Gabeira, essa pessoa em quem, por sinal, já votei duas vezes.


16. E em seu primo Fernando Henrique Cardoso, você votou? Não.


17. Por quê? A circunstância da eleição dele, o arranjo político... Isso que, agora, está tendo um preço a pagar. Não acredito que o PFL [aliado do PSDB e de outros partidos na base de sustentação do governo FHC] tenha interesse na construção de um país para todos. Então, eu assisto ao governo Fernando Henrique com um certo desencanto.


18. A família Cardoso não se chateou ao ver você no programa eleitoral do Lula? Não, minha família é totalmente democrata. E não foi um voto contra Fernando Henrique. Em minha opinião, a eleição do Lula teria sido um fato cultural. A do Fernando Henrique é um fato político. Votei no Lula porque temos que nos aceitar como somos. E, em nossa maioria, nós somos o Lula, não o Fernando Henrique.


19. Você esteve com o primo depois que ele virou presidente? Olha, o meu contato com o Fernando Henrique é mínimo. Ele é primo-irmão da minha mãe. Nem o Natal passávamos juntos, porque ele morava em São Paulo e eu no Rio. Então, não teria nenhum cabimento eu ligar e dizer: "Oi, vamos tomar um café?" A [primeira-dama] Ruth [Cardoso] eu conheço um pouco mais. Uma vez ela me hospedou quando fui a São Paulo participar de um concurso de poesia. O Fernando Henrique não estava. Eu tinha 17 anos e lembro muito da Ruth, porque voltei de avião com ela. Morria de medo de avião e ela foi muito carinhosa comigo nessa viagem.


20. Ainda tem medo de avião? Um pouco. Mas com a Ruth eu viajo [risos].


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