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POR 100 REAIS


Especial


Em tempos de moeda forte, PLAYBOY gasta uma nota — bem, na verdade várias notas — e põe parte da elite intelectual e artística do país trabalhando para seus leitores


O dinheiro não é tudo na vida — pelo menos quando tratamos com grandes amigos. PLAYBOY comprovou essa teoria, instigada por uma idéia original da revista americana Esquire, que em maio do ano passado publicou uma coleção de trabalhos de personalidades dispostas a receber apenas 100 dólares por suas colaborações. Resolvemos fazer um teste semelhante, enviando notas de 100 reais — mais, portanto, do que pagou a Esquire... — e uma carta-proposta a quinze personalidades de diversas áreas, em troca do que quisessem produzir. Cinco dos convidados devolveram o dinheiro, como pedíamos em caso de recusa. Alguns provavelmente porque tinham muito mais notas de 100 reais a recolher em algum lugar e outros por militância ativa no MOSTESI (Movimento dos Sem-Tempo e Sem-Idéia).


Muita coisa nos compensou dessas defecções, e as colaborações recebidas, integralmente reproduzidas nas próximas páginas, são uma coletânea altamente reveladora da nobreza criativa do país. Do cartunista Chico Caruso, que trocou a grana por um bilhete, a Rita Lee (uma criativíssima artesã de cola e tesoura), quem ganha com as contribuições é o leitor. J.R. Duran provavelmente nunca fotografou tão barato quanto no maravilhoso ensaio com Tatiana Rammé. O publicitário Washington Olivetto dá lições de Bloody Mary em Nova York e Paulo Coelho ensina o valor da segunda oportunidade na vida. O cartunista Angeli discute o preço do contrato e o artista plástico Guto Lacaz incendeia duas páginas. Sig Bergamin, arquiteto e decorador, decora uma outra e o teatrólogo, polemista e mulherólogo Gerald Thomas faz polêmica, claro, enquanto Jô Soares paga para não trabalhar por tão pouco. Tanta coisa boa, a esse preço, nunca mais.

 

Por ANGELI

 

COMO PODE O CONSENSO DO PACIFISMO TER RESULTADO

NA MAIS SÁDICA VIOLÊNCIA?


Por GERALD THOMAS

14 November 94


Minha cabeça ainda está apoiada no ri ombro dela enquanto vou me recobrando do desmaio e volto, lentamente, à vida. Tem sido assim no cinema. Já se foram dez minutos e ainda não tenho a coragem de olhar para a tela diretamente. Me fixo nos olhos dela olhando o filme. Ouço pequenos berros da platéia se deliciando com o horror. Inundado de pipoca, vou me recompondo no assento.


A guitarra de aço de Kurt Cobain ensurdecia o ambiente enquanto um corpo suava e mijava em cima de um outro. Uma vítima, amarrada, amordaçada, estava sendo currada e espancada enquanto uma mulher se deliciava olhando a cena, um pouco afastada dela. Na cena seguinte, essa mesma mulher livra a vítima (um homem) de suas amarras e nele faz um exame sensual, passando os dedos pelo seu corpo quase mutilado, em que dá pequenos beijinhos inofensivos. Do lado dele na cama, há o corpo morto e enrijecido de uma outra mulher. Ela fora assassinada numa brincadeira sexual entre esse primeiro casal e sua cara havia sido mutilada e transfigurada.


Voltei a mim quando o homem do filme, com o ânus e o bico do seus peitos sangrando do excesso da noitada com a amante, lentamente se levantava e caminhava em direção a um armário. A amante, ainda na cama, era vista serrando o corpo da outra, que pretendia colocar em sacos plásticos. O homem tira uma escopeta de uma gaveta e dá um tiro ensurdecedor na cabeça da amante, fazendo o seu cérebro se espatifar na parede. Um breve Glose de um olho rolando chão abaixo.


O público urrava de rir, aplaudia e torcia a cada tiro. Sua quota diária de sangue havia sido provida. Os casais caretas, que se estarrecem com os fumantes em lugares públicos, estavam saciados e os 8 dólares da entrada haviam sido devolvidos com generosos galões de sangue.


Sangue. Não são nem mais os tiros e as curras que as pessoas querem ver. Fome por sangue sempre houve. Mas hoje o sangue é somente a coroação para uma cena que desenvolve no espectador todo o pânico com o qual sonha, acordado ou não. Hoje o sangue vem quase como um alívio, pois o que se vê antes dele é infinitamente mais repugnante e cruel.


A ficção cinemática de hoje responde a pedidos diretos do chamado "pânico" popular. Não é mais ficção nem criação. O que o cinema de hoje faz é desenvolver, a curtíssimo prazo, uma necessidade, um quick fix de se sentir circundado e restrito por algo que nos meta medo. Como a guerra fria e a escalada nuclear foram dissipadas, e a tensão política entre países do primeiro mundo tomou proporções razoáveis. Pela primeira vez desde que estou vivo o mundo está ganhando uma coerência democrática.


O pânico de hoje pode residir no jardim da frente de sua casa e o assassino pode ser sua mãe, como no filme recente de John Waters ou no caso verídico da jovem mãe, na pequena cidade de Union, em South Carolina, que afogou seus dois filhos enquanto chorava na frente das câmeras pedindo ajuda ao povo que a via, afirmando que haviam sido vítimas de um seqüestro. Ou pode ser uma estrela famosa, como no caso do célebre O.J. Simpson, em que o público não só se acostumou à loucura de ter esfaqueado sua mulher, como já não vive sem as pequenas conspirações entre os promotores, o juiz e os advogados de defesa. Mas isso é a realidade jurídica. A fictícia está nas páginas do National Enquirer ou na tela de Inside Edition. Neles, temos doses da faca que O.J. teria usado, com ponderações, coast-to-coast, sobre que tipo de corte essa ou aquela faca produzem na carne humana. Tenho certeza de que, quando ouvimos tais ponderações vindas de todas as direções, sentimos um pouquinho aquela faca atravessando nosso próprio pescoço. É pra isso que pagamos tão caro pelo nosso interesse.


O que interessa mais ainda na ficção de hoje é o tempo dramático de tortura da vítima. Sabe-se de antemão, que ela vai morrer logo em seguida. O que interessa não é mais o desenrolar de um mistério dramático, mas sim a mera observação contemplativa do processo de dor e pânico. É pra isso que se vai ao cinema. Se antigamente o sangue explodia numa parede porque um pulmão era perfurado por uma escopeta, hoje vemos o sangue rolar lentamente enquanto os heróis da geração Tarantino limpam restos de cérebro do assento de um carro e conversam sobre a diferença entre um hambúrguer do MacDonald's e do Burger King. A diferença é justamente essa. No passado ainda tão distante a morte de um personagem era justificada pelo status de seu caráter no filme. E aquele que o matava tinha, no percorrer do enredo, adquirido aquela missão. A perseguição ou busca de um pelo outro era intrínseca ao enredo e acabava desembocando numa morte ou outra. Hoje, a morte é quase que acidental e não se gasta tempo em explicá-la. Às vezes ela acontece no canto da tela, enquanto no centro dela os personagens discutem coisas extremamente triviais e até engraçadas.


Paradoxalmente, a cinematografia de hoje, dando a entender que o valor da vida está cada vez mais deflacionado, compreende, ao mesmo tempo, toda a utopia dos anos 60. As experiências humanísticas e behaviorais dos últimos trinta anos foram naturalmente assimiladas pela sociedade de hoje. O que já foi tabu por centenas de anos em menos de vinte anos virou o seu oposto e já é praxe. Não se tem mais confiança nas instituições, nenhuma delas. O que antigamente era a "confiança" nas instituições, desde governos até os conceitos como amor, família, vida, era, também a própria garantia de inocência das massas. E essa inocência era justamente a distância entre público e artista, uma barreira dificílima de se cruzar e que as artes mantinham como tal pois precisavam dela em estado puro e inadulterado para poder ter domínio de qualquer assunto na hora de entreter as massas. Claramente falsa e resultante de cinco séculos de manipulação estatal ou clérica, sempre se achou que o desmantelamento dessa falsa inocência iria devolver a clareza à humanidade. E a clareza, simplisticamente falando, era constituída de paz e de uma certa compreensão entre os humanos.


Então, como pode? Como pode o consenso do pacifismo ter resultado na mais sádica violência? Será que, à medida que nos liberamos dos conceitos desenhados para atingir um mínimo denominador comum, também desenvolvemos uma irritação com a possível chegada de um horizonte pacífico ou, pelo menos, calmo? Será que o possível confronto pacífico com a nossa própria natureza, no evento de não termos mais um inimigo nacional, produz tamanho desespero? Ou seremos eternas vítimas dessa engrenagem viciada que criava inimigos, sistemas antagônicos, censuras e ditaduras? Será que a violência fictícia nos mantém num estado de alerta e nos devolve algo de bestial que o racionalismo moderno nos roubou?


Como é que se chegou da denúncia da sujeira do establishment ao fim da guerra fria até o fascínio pelos Serial-killers? Em pouquíssimo tempo, o sexo quase desapareceu do cinema, para dar lugar ao "Glose" do olhar cínico de mulheres incentivando seus homens a destruírem uns aos outros com uma brutalidade pré-colombiana e os recompensando com uma cena de sexo frio no final. A cena de sedução virou um Glose da "bad girl" sorrindo e batendo uma carreira de pó no banheiro. O herói é aquele que não demonstra um pingo de humanidade pela morte de quem quer que seja.


O público de Nova York delira!!! O logotipo da cadeia de cinema americana Loews (agora comprada pela Sony) é o de um teatro grego que mais parece um coliseu. Sem dúvida é pra isso que o futuro retroandará. Entre Pulp Fiction, Natural Bonn Killers, Interview With a Vampire e o medíocre Frankenstein, morrem mais pessoas e ratos que nos filmes épicos de luta entre os povos, ou filmes sobre grandes guerras. E, ao contrário daqueles filmes, que tratavam os humanos com explosões quase assépticas, os de hoje se concentram em deixar a vítima esgotar seu tempo de pavor frente à câmera. A crueldade com que o espectador contemporâneo "grelha" sua vítima é espantadora. O cinema acabou se tornando aquilo que na década de 70 se chamava de "snuff' movie (filmes em que supostamente vidas reais eram sacrificadas na frente de uma câmera). E, ao mesmo tempo que me contorço ou desmaio no assento, não consigo deixar de me incluir nesse fascínio. Talvez ele venha do fato de estarmos cada vez mais afastados da "grande catástrofe" da guerra, reservada aos exércitos e especialistas, e esteja chegando a nós nascida na própria vizinhança e através de grupos étnicos ou sociais especializados em "virar a mesa". Alguns acadêmicos ainda atribuirão esse fascínio ao termo "decadência" ou ao conceito de desilusão de "fim de império". Claramente, nenhuma das duas hipóteses se aplica no mundo chocantemente redinamizado dos últimos quatro anos.


A platéia se levanta para sair do cinema e, ainda meio tonto, ouço comentários diversos sobre essa ou aquela cena "fantástica" em que um feto humano era devorado por um cachorro. Ao mesmo tempo em que acho saudável nos confrontarmos com essas imagens fantasmas que nos perseguirão pelo resto de nossas vidas, sei que a "massa" não ficará mais inteligente ou livre desses fantasmas por causa do exercício de vê-lo exaurido através da ficção cinemática. Pelo contrário. Como já aconteceu, alguns casos individuais se sentirão encorajados a imitar a tela. Os outros, simplesmente incorporarão aquela fase de violência ao seu vernáculo corriqueiro de forma que terão que renová-lo com outra, talvez mais violenta, com a constante correção vernacular dos tempos modernos. Mas, mais ainda que violência ou sangue, o evento mais forte na ficção ou na vida moderna é o desprezo. Em todas as épocas em que se manifestou socialmente, em grande estilo, o desprezo causou uma bestialização e banalização por tudo o que já se cultivou, principalmente a vida humana.


Não estou sugerindo que seja possível voltar à época da inocência. Sou feliz pelo leque de escolhas que possuo neste mundo consciente. Mas como artista tenho uma certa nostalgia dos tempos que separavam os "iluminados" dos "enganados". Como artista, tenho que estar alerta para o cuidado da minha arte não virar simplesmente um supermercado de demanda e entrega daquilo que a massa quer.


Essa hemofilia cinemática, mas que também infesta as televisões, a música e a literatura, representa a total perda daquela coisa que outrora era chamada de metáfora e que permitia ao artista uma profusão de visões articuladas que se materializavam e sugeriam novos caminhos para uma sociedade eternamente esfomeada por novas formas de comportamento. O cinema é a grande invenção deste século e mudou a nossa forma de compreender as coisas. Esse "milagre" da edição que ainda permite ao cinema coisas que não estão reservadas aos mortais em sua pobre realidade nada virtual está passando por uma dolorosa metamorfose que outrora chamaríamos de reacionária, pois a direção que toma em nada difere daquele famoso dizer popular, ópio do povo". Se o ópio de outrora era criativo, o de agora é aniquilante. A sugestão é que, lentamente, criemos uma carcaça de desprezo por qualquer coisa fora da nossa "ilha" individual.


Estamos a quase cinco anos de um milênio novo e, como acontece em datas assim tão célebres, o assunto homem moderno" volta à tona. Pode ser que essa contagem cristã de nada valha, mas algo me diz que existe uma pequena válvula escondida dentro de nossa consciência, detonada após o término da Segunda Guerra Mundial. Essas imagens apocalípticas que chamamos de pós-modernistas nada mais são que essa válvula tentando se esvaziar de um milênio cheio de conceitos errôneos e conclusões nulas, inclusive aquelas que rezam que tudo iria acabar antes do final dele. Talvez o fascínio pela hemofilia cinemática seja uma resposta simplista a um milênio de controvertidas experimentações sociais que nos colocaram, inúmeras vezes, em lados opostos do espectro, criando centenas de verdades absolutas e irrefutáveis e muita poeira através dos tempos. Estamos é exaustos. A arte dessa exaustão está tendo que produzir galões e mais galões de sangue para satisfazer a curiosidade sobre o ato de matar e morrer.


Na saída do cinema, pego um cigarro urgente, fecho o casaco, pois o frio é intenso, e caminho em direção ao carro. Num beco vejo um ser humano dormindo dentro de uma caixa de papelão e, em sua volta, várias manchas negras. Imediatamente eu as vejo vermelhas e imagino o pior. Eis que a figura desperta e me pega olhando fixamente. Com um olhar desafiador, ele me pergunta o que estou querendo e me manda andar. Sento no carro e de longe vejo como ele anda nervosamente em torno de sua caixa. Aí é que eu percebo que ele dormia imediatamente atrás da tela onde essas imagens se passavam. É tarde da madrugada e prefiro parar de fazer considerações sobre a curiosidade das coisas. Amanhã tenho que acordar cedo. Tenho muito o que fazer.

 

Por SIG BERGAMIN

 

Por RITA LEE

 

Por PAULO COELHO


"Sempre fui fascinado pela história dos livros sibilinos", eu comentava com Monica, minha agente literária, enquanto viajávamos de carro em direção a Portugal. "Existe um momento em que é preciso aproveitar as oportunidades que a vida nos apresenta, ou elas se perdem para sempre."


Para matar o tédio da longa viagem, recordei em voz alta o episódio. Na antiga Roma, as sibilas eram feiticeiras capazes de prever o futuro. Um belo dia, uma delas apareceu no palácio de Tibério com nove livros; disse que ali estava a história do Império, e pediu dez talentos de ouro pelos textos.


Tibério achou caríssimo e não quis comprar. A sibila saiu, queimou três livros, e voltou com os seis restantes para o imperador. "São dez talentos de ouro", disse. Tibério riu, e mandou-a embora; como tinha coragem de vender seis livros pelo mesmo preço de nove?


A sibila queimou mais três livros e voltou para Tibério com os únicos três volumes que restavam: "Custam os mesmos dez talentos de ouro." Intrigado, Tibério terminou comprando os três volumes, e só pôde ler uma pequena parte da história do futuro Império.


Quando terminei de contar a história, me dei conta de que estávamos passando por Ciudad Rodrigo, na fronteira de Espanha com Portugal. Ali também, quatro anos antes, um livro me havia sido oferecido, e eu não comprei.


— Vamos parar nesta cidade — eu disse.


— Por quê?


— Creio que o fato de ter me lembrado dos livros sibilinos foi um sinal para corrigir um erro do passado. Na primeira viagem de divulgação de meus livros pela Europa, resolvi almoçar em Ciudad Rodrigo. Depois, fui visitar a catedral, e encontrei um padre. "Veja como o sol da tarde faz tudo mais bonito aqui dentro", disse ele. Gostei do comentário, conversamos um pouco, e ele me guiou pelos altares, claustros, jardins interiores do templo. No final, ofereceu-me um livro que havia escrito sobre a igreja; mas eu não quis comprar.


Depois que saí, senti uma sensação de culpa muito forte; sou escritor, e estava na Europa também tentando vender meu trabalho; por que não comprar o livro do padre, nem que fosse apenas por solidariedade? Mas logo esqueci o episódio — e nunca mais voltara a lembrar, até este momento.


Monica e eu nos encaminhamos para a praça em frente à igreja. Um padre olhava o céu, distraído.


— Boa tarde. Vim aqui encontrar um padre que escreveu um livro sobre esta igreja, pois quero comprar seu livro.


O padre me olhou surpreso.


— O livro você pode comprar — disse. — Mas o padre, que se chamava Stanislau, morreu faz um ano.


Senti uma imensa tristeza. Por que eu não tinha dado ao padre Stanislau a mesma alegria que eu sentia quando via alguém com meus livros? Padre Stanislau tinha sido generoso, me mostrara a igreja, passamos juntos momentos tão bons; o que custava gastar umas poucas pesetas apenas para que ele ficasse contente?


Saí dali com o coração pesado. Ele jamais saberia o que eu estava sentindo; naquele caso, não havia uma segunda chance. Sentei com Monica num bar, pedimos café. Mas a tristeza não ia embora.


De repente, uma mulher se aproximou. Perguntou de onde vínhamos, e começou a conversar sobre a arquitetura da cidade. Eu não conseguia me concentrar no assunto, tão obcecado que estava com a história do livro.


— A senhora chegou a conhecer um padre chamado Stanislau? — perguntei, interrompendo-a.


— Foi um dos homens mais bondosos que passaram na minha vida —disse ele. — Ao contrário dos outros padres, vinha de uma família humilde, mas estudou e chegou a tornar-se um especialista em arqueologia; chegou até mesmo a escrever um livro sobre a catedral da cidade. Ajudou a conseguir para meu filho uma bolsa no colégio.


Num impulso, contei a ela tudo o que havia acontecido há quatro anos. Falei de minha sensação de culpa, da tristeza de não haver comprado o livro, da impossibilidade de corrigir esta situação.


A mulher riu.


— Mas você pode ir até a catedral e comprá-lo — disse.


— Não é a mesma coisa — respondi. — Queria comprar das mãos dele. Queria ver sua alegria ao saber que eu me interessava pelo seu trabalho.


— Não se culpe à toa, meu filho — ela disse. — Padre Stanislau está contente de qualquer jeito, por você ter voltado aqui. Vá até lá e faça o que sugeri; ele estará vendo do céu.


Quis acreditar que aquela mulher havia sido enviada por um anjo; suas palavras me deixaram mais animado. Imediatamente paguei a conta, nos levantamos e fomos até a igreja.


Entrei na catedral. Meus passos ecoavam no templo vazio, os olhos ainda ofuscados pelo contraste entre a claridade de fora e a escuridão dentro. Havia apenas um padre num confessionário, esperando os fiéis que não vinham. Dirigi-me para ele; o padre fez sinal que eu me ajoelhasse, mas eu o interrompi.


— Não quero me confessar — disse. — Vim de longe apenas comprar um livro, e não sei com quem falar.


— Sobre o que é o livro? — perguntou o padre.


— Sobre esta igreja. Foi escrito por um homem chamado Stanislau.


Os olhos do padre brilharam. Ele saiu do confessionário e voltou minutos depois com um exemplar.


— Que alegria você ter vindo de longe só por isso! — disse. — Eu sou irmão do padre Stanislau, e isto me enche de orgulho!


Eu senti a alegria voltando. Com tantos padres ali, eu tinha encontrado justamente o irmão de Stanislau.


— Ele deve estar no céu, contente por ver que seu trabalho tem a importância devida! — continuou o padre.


Sem querer ele repetia as palavras da mulher, e eu agradeci a Deus por aquele momento; sim, era um sinal. Stanislau estava sabendo.


Paguei o livro, com um sorriso nos lábios. Ele despediu-se de mim com um abraço. Quando eu já ia saindo, escutei sua voz.


— Veja como o sol da tarde faz tudo mais bonito aqui dentro! — disse.


Eram as mesmas palavras que o padre Stanislau me dissera quatro anos antes. E eu chorei de emoção, porque sempre há uma segunda chance na vida.

 
 

Por GUTO LACAZ

 

Por J.R. DURAN


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