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SÔNIA BRAGA | AGOSTO, 1982

Playboy Entrevista


Uma conversa franca com a nossa maior estrela

num momento decisivo da sua vida, quando se torna porta-estandarte

do "Cinema Popular Brasileiro".


Sônia Maria Campos Braga sempre teve a certeza de que iria brilhar um dia — só não sabia quando, nem como. Hoje, aos 32 anos, essa geminiana dividida e intuitiva, tem a clara e conturbada consciência de quem sabe que já foi longe demais! Embora, agora, ela esteja encerrando mais um ciclo de sua história pessoal e se veja de volta ao ponto de partida em sua vida. Um movimento que se repete desde que nasceu, em Maringá, no Norte do Paraná.


Órfã de pai aos 8 anos, quinta dos 7 filhos de sua mãe viúva, criada nos fundos de uma padaria no bairro do Belenzinho, em São Paulo, Sônia, Soninha, "Mana Campos", "Bragão", "Bragueti" — seja lá quantas forem as faces que formam a imagem da estrela maior, do cinema brasileiro —, Sônia Braga vive, nesse momento, sua última e mais espetacular aventura: a de saltar para as telas do mundo vivendo Gabriela de Jorge Amado, seu maior sucesso na TV do Brasil e de Portugal, contratada pela Metro e United Artists, ao lado de Marcello Mastroiani, numa produção de 3 milhões de dólares, dirigida por Bruno Barreto e, segundo ela, "rodada em português", nos últimos 90 dias, em Parati.


"Eu sei que estou exagerando. Mas esse é o momento mais forte da minha vida! Como Gabriela eu resgatei a beleza de todas as mulheres, as Marias brasileiras. Agora, essa Gabriela salta para o mundo! Quando eu me vi no News-week, vi uma vitória de todas as Marias, da mulher brasileira. Eu sou Maria também... eu tenho essa felicidade de ter Maria no nome."


Nesse momento de desabafo, Sônia é fiel à verdade. Sua história é comum, igual à de qualquer criança brasileira, que se torna adulta ainda criança e vai à luta, em busca de sua oportunidade. Secretária, recepcionista, enfim, atriz, já aos 18 anos nua num palco com todo elenco de Hair no primeiro nu coletivo do teatro brasileiro.


Começou a subir no cinema com A Moreninha, depois A Mestiça, Cleo e Daniel, ao mesmo tempo que saltava para o vídeo, indo de Vila Sésamo da TV Globo para o elenco de novelas. Fazia personagens de menina complicada, psicossomática e feia. Em 74, começou a explodir, na "Venus Platinada" ao ser convidada por Valter Avancini para fazer Gabriela — a novela que marca sua carreira — e ao filmar O Casal, de Daniel Filho, onde descobriu sua paixão pelo cinema. Mas o seu primeiro recorde de bilheteria viria com Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Bruno Barreto, com 10 milhões de espectadores no Brasil! Com A Dama do Lotação, de Neville d'Almeida e Eu Te Amo, de Arnaldo Jabor, ela alcançaria o mais alto degrau do sucesso comercial e profissional. Entre os 10 filmes nacionais de maior renda em todos os tempos, os três primeiros lugares são de Sônia Braga.


Uma carreira fulminante que a elevaria aos olhos da crítica mundial. Não é à toa que ela se julga hoje como a porta-estandarte do "Cinema Popular Brasileiro", líder de uma revolução de conquista do mercado interno e externo. Sua fala, nesse ponto, tem algo de "glauberiana", coisa que veio à tona agora, ao fazer Gabriela para a Metro e United. Sônia conquistou essa liderança com as mãos. E uma posição profissional e financeira invejável: desde Dona Flor ela é co-produtora dos filmes que estrela, ganhando percentagem na renda, além do salário pela filmagem. Em Gabriela seu salário é estimado em 200 mil dólares, ou 42 milhões de cruzeiros. Não vive como mito, mora num apartamento alugado em Ipanema, no Rio, comprou um outro recentemente e tem um sítio em Parati. Sua extravagância atual é viajar o mundo, ir de Lisboa a Nova York quando lhe dá na cabeça. Mas não vive de champanha e caviar.


Hoje, sua maior preocupação é se livrar do peso de seu próprio mito, para se mostrar uma pessoa comum que tomou a sua vida nas mãos e abraçou com paixão a sua profissão, sua vocação. Quer se desmistificar, saltar para o mundo como uma simples Maria que deu certo. Essa entrevista a PLAYBOY, ela concedeu ao editor Hamilton Almeida Filho, em junho, em meio às filmagens de Gabriela. Por 10 dias, ele acompanhou sua vida e seu trabalho e, em cinco sessões gravadas, recolheu suas declarações. Eis o seu relato:


"Sônia Braga é um Pelé, uma fina e requintada linhagem de gênios da raça, intuitivos e espontâneos, que trazem do berço, em si, a estrela e o brilho. A inteligência, a malícia, a sensualidade, o discurso, a intuição e a alegria, o sorriso brasileiro. Ela me lembra o Brasil dando risada, não sei porque.


"Vi sua estréia nos palcos, menina ainda, aos 17 anos, em Santo André, num grupo político- estudantil, como Angélica, personagem de Molière em Jorge Dandan.


"E agora, na Pousada do Ouro, anos depois, em Parati, ela estava inteiramente tomada pela sua loucura pelo trabalho, pela vida. 'Hoje eu acordei pensando no poder', me disse de cara. 'E aí pinta você pra fazer essa entrevista, não é demais?'


"Foi a porta de entrada em sua 'roda-viva', física e mental, na convivência que se iniciou então. Filmando à noite, dormindo até 2, 3 da tarde, todos os dias, comendo, falando, pensando e amando o trabalho, ela exibiu pra mim toda sua energia e eletricidade. Simples e charmosa; envolvente e sedutora, ela exerce nos bastidores um papel político importante, ao ter cuidados com todas as pessoas das filmagens. É o que ela chama de 'produção da afetividade'.


"O clima de Parati a deixa à vontade. Lá, ela fez A Moreninha, seu primeiro filme, viveu um forte romance em sua vida com Arduíno Colasanti e foi lá também que resolveu construir um sítio, quando era casada com o fotógrafo Antônio Guerreiro. Solta-se e sente-se em casa, mas não se comporta como estrela. Fez 32 anos no dia 8 de junho e foi festejada com muito carinho pelos astros e pelo pessoal da 'pesada, maquinistas, cenógrafos, iluminadores. 'Você sabe, eu sou uma kriptonita. Eu descobri isso nas entrevistas que dei lá fora. Eles me olham e não entendem como eu fui parar ali. Acho que eles vão ver Gabriela como um diamante bruto que tem dentro uma kriptonita verde.' Conta entre sorrisos, na bagunça de seu quarto, o 7, uma suíte no alto do casarão da Pousada do Ouro. As roupas, a cama sempre desarrumada, a fita com 'Ne me quite pas' no rádio-gravador, os livros de Fernando Pessoa, a poesia que lhe acompanha ultimamente.


'Você sabe quem me ligou? O senador Franco Montoro; ele me convidou para ir na Convenção do PMDB, em São Paulo. Vamos?' "Ela aceitou o convite assim, de estalo, marcando tomar um avião em Ubatuba na manhã do domingo da convenção, 20 de junho. Filmou na noite de sábado pra domingo até as 3 da manhã, quando foi obrigada a parar pra ser atendida por um médico na Santa Casa. Seu DIU, colocado há 3 anos, saiu fora do lugar e já estava provocando cólicas há mais de 15 dias. Brincando, tomou anestesia e saiu da mesa do hospital para o carro que a levou ao avião, que a trouxe ao campo de Marte, em São Paulo, ao lado do Anhembi, onde a convenção começava animada, barulhenta e indefinida.


"Sua chegada no palco do Anhembi foi triunfal — depois de uma verdadeira batalha para passar pelos fãs, de fora até lá dentro. Pegou o candidato Franco Montoro por uma mão e o professor Fernando Henrique Cardoso por outra, e começou a pular no meio dos dois, enquanto a galera explodia aos gritos de Sônia Braga! Sônia Braga! Uma coisa de arrepiar! Microfones em volta, câmeras de TV, ela desfilou sua intuição de puro animal político: 'Vim atender a um convite do senador Montoro. Estou com a sigla do PMDB — porque ela é nacional — e está com o desejo de democracia de todos os brasileiros. Eu represento a vontade inconsciente de liberdade... Vim fazer um discurso sobre a afetividade com a minha presença'. Emocionada deu duas horas de entrevistas numa linguagem simples e politicamente não convencional. Um repórter político do Estadão, tentou pegá-la, ao perguntar: 'Mas, essa é a sua primeira aparição política — o que é que você estava fazendo quando havia repressão?'


'Eu estava sendo reprimida!', responde-lhe Sônia, en passant. "Na volta, na manhã seguinte, ainda exausta e tensa, mas sem dar o menor sinal, ela levou um susto. O avião bimotor alugado para nos trazer de volta a Ubatuba correu, minúsculo, pela pista de Congonhas e, após um tranco do piloto, não conseguiu levantar vôo. Estávamos, naquele exato momento, gritando em meio ao barulho da decolagem: 'Vamos lá! Força...'


"De volta ao terminal da companhia apenas eu dei sinal de nervosismo. Pedi um uísque. Sônia pediu um sanduíche de queijo e um café. Num monomotor mais novo e 'mais simpático' voltamos a rolar pela pista de Congonhas e 40 minutos depois, Sônia vibrava conosco na deliciosa sensação que é transpor a Serra do Mar, entre Mogi e Ubatuba numa manhã de sol — por cima da floresta atlântica, ainda intocada pelo homem!


"Nessa noite, em Parati, começamos a gravar essa entrevista. Sônia estava com a emoção à flor da pele. E nossa conversa tomou o rumo intimista, de um testemunho dela sobre sua vida, sua história. A morte de seu pai foi revivida com intensidade nessa primeira sessão. Ele morreu por causa de um acidente de avião, em Mato Grosso. Corretor de terras e fazendas deixou de ir numa viagem com alguns amigos ou clientes. O avião caiu e ele ficou com o sentimento de culpa por não ter ido. Mas ao se incorporar na expedição de resgate dos acidentados, acabou morrendo de maneira até hoje não muito esclarecida para ela.


"Acompanhá-la nessa viagem, nesse mergulho no que chama de 'eumismo', uma palavra que criou para definir essa auto-interiorização, foi minha tarefa nos outros quatro dias. Estar sempre por perto quando ela acordava e segui-la até quando dissesse: 'Então, vamos lá?...'


"Ela é mais do que uma pessoa simples, despojada, capaz de ser franca, verdadeira e de se mostrar inteira — seja fisicamente ao falar e chegar a chorar durante um banho de luz, nua, de uma hora na entrevista; seja ao se aprontar pra entrar em cena, no camarim de Guilherme, o maquiador, fazendo xixi, sentada no banheiro com a porta aberta; ou mesmo rasgando o coração para falar da Maria Campos, sua face mais individual e íntima, capaz de sofrer e viver grandes amores.


"No seu quarto, pregado no teto arriado sobre sua cama, um poster do último disco de Caetano Velloso, com sua foto em negativo azul. Neste disco Caetano dedica a Sônia a música Trem das Cores. No poster, com sua letra trémula, Caetano escreveu:


'Maria te amo tanto, todas as cores, outra vez. Seu Caetano'.


"Ao ir embora, no décimo dia, nos despedimos na porta do hotel, num clima terno e de falta já. 'Como vai ser, amanhã eu acordo não te vejo aí... me deixa um retrato seu', pediu Sônia com seu jeito mais criança. Nos beijamos, segui pela rua de pedras irregulares até a esquina da praça da Matriz de Parati. Às minhas costas, Sônia olhava eu sumir na esquina e me viu tropeçar. Gritou: 'Cuidado! A minha vida vai indo aí na sua mala!' E deu risada, antes de completar:


'Só que esse filme não monta!'


"Monta, monta sim. Taí, Sônia!"


PLAYBOY — Quantas Sônia Braga há dentro de você?


SÔNIA BRAGA — Na realidade você é quantas pessoas você conhece. Isso eu aprendi com o cinema, com a profissão. Que você nunca é um personagem só. Você é quantas pessoas você conhece na vida!


PLAYBOY — Mas você distingue fases na sua vida, de modo a poder dizer que até certo ponto você foi assim, depois mudou...?


SÔNIA — Eu tenho uma caminhada meio sem memória até 8 anos de idade, infância normal e feliz. Se não tivesse ocorrido a morte do meu pai, minha infância teria sido uma coisa linear. Foi um fato tão importante, que hoje tem um novo valor pra mim. Porque consegui vê-lo hoje de outra maneira. Então, até os 8 anos, de Maringá a Curitiba, Campinas, chegando em São Paulo, eu não tinha consciência de vida e morte. A morte do meu pai foi uma coisa que mexeu muito comigo. Ele chegou à uma hora da tarde em casa e morreu às 8 horas da noite. Eu o vi chegar vivo e vi o corpo morto. Com 8 anos de idade, portanto, tive consciência da morte e da ausência. A partir daí me vejo realmente cada dia mais espectadora das pessoas. Não tinha noção do que era sofrimento. Eu estava assistindo ao sofrimento da minha mãe, dos irmãos mais velhos. Mas eu não sofri! Eu não sabia o que era isso. Esse sofrimento, é claro, bateu mais tarde. E ainda vai bater mais. Sei que ele vai me acompanhar.


PLAYBOY — Mas que efeito isso teve em você?


SÔNIA — É uma falta... eu não sei. A. gente vai partir assim pra um papo psicanalítico, porque é o meu clima hoje. É a relação da ausência, da paixão, da rejeição. Medo de amar, de ser amada... Eu sempre me senti um tanto estranha, em comparação com as outras pessoas. Como é que as pessoas se comportam? Como é que elas vivem? Como é que elas têm amigos? Por que eu não tenho? Que tipo de amizade flui em mim e como eu lido com a ausência? Então, tem essa coisa que é infância mesmo: acho que eu nunca acreditei que ia crescer, nunca acreditei que ia mudar de casa, embora a gente fosse meio cigano... eu sou uma pessoa estranha. Sou geminiana, sou esquisita.


PLAYBOY — E que visão você tem hoje de você menina?


SÔNIA — Não me lembro. A partir do dia que meu pai morreu, aí sim, eu me lembro da minha vida inteira, dia após dia. Tudo: como foi, pra onde eu fui, pra que colégio eu fui, como foi, onde eu andei, as pessoas. Minha mãe alugando uma padaria, a falta de farinha, eu saindo de um colégio de freiras e indo para um colégio misto.


PLAYBOY — Parece muito denso lembrar tudo isso...


SÔNIA — Eu acho que a minha paixão pela minha história, na verdade, é a única coisa de real que eu tenho. Eu sou apaixonada pela minha história e dependo dela até para o meu trabalho. É uma ferramenta de trabalho. Por isso eu a preservo e protejo. Por exemplo: o fato de eu ser feia quando era pequena, é fundamental pra eu ser bonita hoje! O fato de eu ter passado uma fase de pobreza, é uma denúncia de um período de minha vida, que é a História do Brasil. Eu me apaixono pela minha história brasileira, ela é a história de uma criança brasileira.


PLAYBOY — Como era a sua família?... Era classe média?... A sua história...


SÔNIA — Eu não sei essa história. É o seguinte: você só ouve o que está preparado para ouvir. Eu, nesse momento, estou preparada. Me sinto preparada para ouvir tudo como uma grande piada. Não acredito mais na mentira da postura da seriedade. A seriedade já me ameaçou. Não me ameaça mais! Então, a minha vida se dava assim. [Pausa.] Quando meu pai morreu ele ia comprar uma casa, era um palacete que a gente foi ver no Alto de Pinheiros. Tinha o sonho da casa, o dinheiro era uma coisa importante. Ele era um batalhador, trabalhava como corretor de terras. Morreu em razão de um acidente em Mato Grosso. Mas aí foi uma coisa do dia pra noite...


PLAYBOY — Você tem uma imagem forte, cinematográfica dessa época, lembra?...


SÔNIA — É, tem essa imagem. Primeiro, meu pai dirigindo um Jeep numa fazenda de não sei quantos alqueires, em Mato Grosso — "Férias com a família" — corta! — direto. — Minha mãe num Jeep também, indo buscar farinha pra fazer o pão na padaria, porque se não tivesse farinha, não vendia pão e não tinha dinheiro pra comprar o pão. Entendeu? Eu passo do patriarcado pro matriarcado assim, do Jeep pro Jeep!... É uma coisa de direção: um dia o homem na direção; no outro, a mulher.


PLAYBOY — Numa entrevista antiga, você disse que essa padaria era o lugar mais bonito de sua vida. Onde era, em São Paulo?


SÔNIA — Essa padaria era no Belenzinho, em São Paulo. Chamava-se "Padaria Âncora". Era uma casa, com uma sala enorme, cinco quartos — um casarão antigo com uma padaria embaixo. E havia um grande quintal vazio, um corredor com várias portas (dos quartos). No meio do quintal, meu avô fez duas barras de ferro pros meninos fazerem ginástica e, nessa mesma barra, pendurou um balanço pras meninas. Me sentia muito sozinha, nessa época. Não sei se foi um mês depois, mas pra mim foi da noite pro dia. Minha mãe tinha alugado a padaria e eu fui pra um colégio estadual misto. Fui de um universo para outro.


PLAYBOY — Vocês moravam todos juntos? Mãe e sete filhos?...


SÔNIA — É. Mais avô e avó, de parte de mãe e uma irmã dela, que tinha uma padaria em Curitiba — daí a padaria — , e que veio com o marido e os dois filhos pra ajudar. Era uma família enorme, 16 pessoas dentro de uma casa.


PLAYBOY — E por que você se sentia sozinha? Era uma atitude pessoal?...



SÔNIA — Era o meu cotidiano. Voltar do colégio, ficar de uniforme, sentada no balanço, conversando com os homenzinhos invisíveis que existiam embaixo da terra e mandando mensagens telepáticas em bolinhas de sabão. Quando eu passei de um colégio para outro, o primeiro boletim sue veio era vermelho. De azul no colégio de freiras, honra ao mérito e tal, eu passei para o vermelho. Cheguei trêmula em casa, mostrei pra minha mãe. E ela me disse: "Minha filha, a escolha é sua. Se você estudar vai ter uma profissão; se não, vai ser como as pessoas que não têm oportunidade de estudar. E você está tendo a sua". É isso: esse foi o primeiro sinal vermelho na minha vida!


PLAYBOY — Você vivia na "fossa"...


SÔNIA — Não. Teve uma época que eu fazia imitações, um teatro para a família: "Sônia, imita não sei o quê". E eu imitava, fazia figurinos, fazia essas coisas que são naturais numa criança e que eu não vejo como o despontar de uma vocação de atriz, entende?


PLAYBOY — Todos da família eram brasileiros puros?


SÔNIA — Todos do interior de São Paulo, índio e português... tem até essa história do Caramuru...


PLAYBOY — Que história é essa?


SÔNIA — Nós somos descendentes de Caramuru. Um maluco da família pesquisou e descobriu que esse Braga vem do Caramuru... Mas, na verdade, o meu pai veio de família classe média e a família da minha mãe era gente mais simples, de sítio. Mais ligada a terra, a planta, a bruxaria do interior. Minha avó sabia lidar com ervas, era uma pessoa impressionante. Eu era totalmente apaixonada por ela. E a vi morrer quando tinha 10 anos. O meu pai eu não vi morrer, porque ele morreu no hospital. Minha avó eu vi com vida, agonizando e morrendo.


PLAYBOY — A segunda morte a marcar sua vida?...


SÔNIA — É cruel você dizer que foi uma oportunidade. Mas se eu não disser, minha avó não vai viver de novo! Então, foi uma oportunidade que eu tive de assistir à morte duas vezes, em casa. Meu pai teve um enterro de primeira classe, os amigos pagaram, e a minha avó teve que ir para o necrotério. Naquele momento eu também descobri uma coisa: minha avó, a pessoa que me protegia na família, a última, tinha morrido. Foi como se eu tivesse visto o meu psicanalista morrer. Como é que você se sentiria?


PLAYBOY — A influência matriarcal em você é clara, não?...


SÔNIA — É clara. Mesmo se meu pai sobrevivesse, eu acho que as mulheres tomariam o poder dentro de casa, tranqüilamente. Acho que eu faria teatro, faria cinema, apareceria nua! Mas é uma suposição. Isso porque dentro dessa estrutura atual, a mulher brasileira tem esse poder. Elas são detentoras do poder dentro de casa mesmo!


PLAYBOY — Como você adquiriu essa visão "mulherista"?


SÔNIA — Dentro de casa. Minha mãe costurava pra fora, cuidava da família, dos filhos. Ela dividia as tarefas. "Maria encera a casa, limpa os móveis; Soninha fica com a parte da faxinha de água." Então eu limpava o banheiro, a cozinha e a escada. Aprendi com minha mãe, a disciplina dentro de um clima de organização social, de trabalho pra ter a comida. Se a gente não fizesse isso, ela não podia sair pra trabalhar, pra ganhar o dinheiro. Nesta época, lá em casa tinha xepa mesmo! A feira era a feira do meio-dia e meia!


PLAYBOY — Sua mãe foi marcante na sua vida...


SÔNIA — Minha mãe tem uma importância fundamental... Ela foi uma pessoa que não desistiu e passou pra mim a sua intuição. Ficou viúva mais nova do que eu hoje — com 30 anos, 7 filhos pra criar! Mas, naquela padaria, costurando de noite, dormindo pouco, ela cantava: "Eu não morro sem ver Paris, Paris, Paris". Tem uma cena assim. Meu avô arrumou um bico pra família ganhar mais dinheiro. Enfiar argolas em chupetas. Então, na mesa, toda a família reunida enfiando argola em chupeta, minha mãe cantava. E a gente rindo, claro! Passam-se os anos, estou no Rio, minha mãe telefonou do aeroporto do Galeão: "Oi, Soninha, tudo bem? Estou costurando para os Dzi Croquetes, eles me chamaram, estou indo para Paris morar lá com eles por uns dois anos". É nisso que eu olho a minha história e vejo assim o brasileiro. Sem oportunidade, sem escola, sem poder comer, se nutrir, e nisso estou olhando pra minha mãe. Posso estar simplificando. Se o Celso Furtado me vê dizendo isso!... Mas eu sei como se faz economia dentro de uma casa sem dinheiro. Eu encontrei oportunidades, apesar de tudo. Eu não acreditei na realidade!


PLAYBOY — Voltando à família, vocês são quantos homens, quantas mulheres?


SÔNIA — Quatro homens, três mulheres, uma mais velha que eu e outra mais nova. Três irmãos mais velhos e um mais novo. Mas você sabe de uma coisa: eu me demiti da família, enquanto família. Eu não acredito que as pessoas devem se amar porque pertencem à mesma família. Eu acho bonito quando se amam mesmo. Um dos meus irmãos, eu não vejo há muitos anos, não sei se ele gosta ou não de mim. Simplesmente porque eu não o conheço. A gente não se vê há uns 12 anos. Como é que eu posso amar uma pessoa que eu não conheço?


PLAYBOY — Dos irmãos, quem lhe marcou mais?


SÔNIA — Ficou mais forte a Aninha (a caçula), o Júlio, o Hélio e a Maria, única fora do teatro. Os outros três fazem parte também do universo da arte. A Maria tem uma confecção. Ela é afetividade mesmo.


PLAYBOY — Você já disse que ela foi muito importante na sua vida, lembra?


SÔNIA — Ela era a pessoa com quem eu tinha problema de beleza. Eu era a feia, ela era a bonita. Hoje percebo que sou até um pouco agradecida por ela ter sido tão bonita me proporcionando ser a feia.


PLAYBOY — Você era feia mesmo?


SÔNIA — Feia, horrorosa, dentuça, olhuda, "Maria Feia"... para os padrões de beleza da época. Esquelética, olhuda e dentuça! Teve um tempo na minha adolescência que não me lembro se eu era mulher, homem, gato, cachorro ou papagaio! Me chamavam de Zezé Macedo! Eu convivi com isso anos — era uma perseguição!


PLAYBOY — Sua vida seria muito diferente se seu pai não morresse?


SÔNIA — A influência da família seria mais forte... Mas eu brilharia de todo modo! Essa é que é a verdade!


PLAYBOY — Você tem certeza...


SÔNIA — Tenho, absoluta!


PLAYBOY — Que certeza era essa?


SÔNIA — Não era um projeto, era apenas uma certeza. Você vê o meu caso — sou uma atriz. Mas, eu não acho que ser ator é uma coisa excepcional. O ator, pra mim, quando se coloca numa posição acima dos outros, acho ele ridículo. O ator cumpre apenas uma função social. Na minha cabeça só existe uma coisa — sobrevivência. O meu padrão de vida continua lá embaixo, pra eu não me violentar, continuar a ser a mesma pessoa; não precisar fazer comercial anunciando tudo; não acreditar nas coisas que dizem de mim e que não sou. É mentira o que vendem do astro ou de uma estrela. Tem atores, eu sei, que alugam casas, emprestam, só pra mostrar nas revistas como é que eles vivem. Quer dizer, como é que não vivem!...


PLAYBOY — Seria uma confusão entre ficção e realidade?


SÔNIA — É. Eu sei que eu seria útil de qualquer maneira. Num momento de crise absoluta da minha vida, eu disse: "Vou deixar tudo — cinema, TV. Se der tudo errado, não tem importância, eu vou para uma fábrica, serei a melhor operária, e com certeza farei uma revolução nessa fábrica". Então, hoje, estou disposta a tudo! Ou eu vou ser como sou, uma excelente profissional no ramo em que estou, ou se por motivos políticos ou ideológicos, eu não servir mais ao poder estabelecido, serei simplesmente o que sou: uma operária!


PLAYBOY — Você relaciona isso com aquela certeza de que você ia "brilhar" de qualquer maneira?


SÔNIA — É! Esse brilhar é isso. Acho que é uma coisa que vem da minha mãe, dessa coisa matriarcal e mostra a força da mulher que tem a personalidade diluída entre a mulher e o homem. Pra mim, tanto faz se é gato ou cachorro. Se eu for um cachorro, serei seguramente o melhor cão!


PLAYBOY — E como é que você foi indo em direção ao "brilho"?...


SÔNIA — Minha irmã, a Maria, quando eu estava com 14 anos e ela com 16, começou a trabalhar. E dentro de casa eu percebi logo o seguinte: a mulher, pela tarefa que cumpre — lavar roupa, passar roupa, ou seja, se ela não trouxer uma coisa chamada dinheiro, não terá o menor valor. Eu era a escolhida pra fazer a faculdade, pra ser médica. Era a eleita! Mas eu via que a minha força de trabalho dentro de casa era distinguida como menor diante do dinheiro. Aí dei um basta, com 14 anos! Eu sentia a Maria com um poder maior porque ela trazia dinheiro. Então ela tinha melhores roupas, sapatos e perfumes. Eu tinha que ser ladra, tirar os parafusos da porta e roubar as roupas, os perfumes dela. Pensei: "Por que eu não posso conseguir isso através de mim mesma? Eu quero trabalhar também!"


PLAYBOY — Você foi ser o quê?


SÔNIA —- Eu fui ser uma secretária, recepcionista da Cagesp, Companhia de Armazéns Gerais de São Paulo. Antes eu trabalhei num bufê que era de um primo meu. Eu tinha curso de datilografia que meu avô me obrigou a fazer, ele achava uma coisa importante. Aliás é! A, s, d, f, g, h,j, k, l, ç, eu sei até hoje! Eu acho fundamental uma pessoa hoje, em 1982, saber bater à máquina! Então, eu batia orçamentos e convivia com esse teatro da classe média e burguesia, que eram as festas em São Paulo. E foi o Antonio Carlos, que me era cabeleireiro, que me conheceu como datilógrafa e me curtiu, quem me levou para um teste de modelo para uma revista da Editora Abril. Fui rejeitada, mas lá estava o Ronnie Von e ele gostou de mim. Me convidou para ir trabalhar no programa dele na TV, lendo cartas de fãs e eu fui. Lá na Abril eu conheci também o José Rubens Siqueira Madureira, que ia fazer um curta-metragem para o Festival do JB e também me convidou. Daí tudo começou!


PLAYBOY — Como ficou a sua cabeça, de repente trabalhando com o Ronnie Von?


SÔNIA — Hoje, pra mim, é fácil analisar o que era isso. Nessa época, em relação ao Ronnie Von, por exemplo, existia uma mentira muito grande, como se Aretusa (a mulher dele), fosse irmã dele por conveniência de não desiludir as fãs. Então, o que aconteceu. Eu era apaixonada por ele, pensava que ela era como irmã dele, e entendia os dois como indivíduos separados.


PLAYBOY — Cada um era cada um?...


SÔNIA De certa forma, é isso que me faz, ser eu mesma, um indivíduo. Se hoje eu me apaixono por um homem casado, não me importa. Pra mim ele é um indivíduo, ela é um indivíduo e eu sou um indivíduo também. Nada interfere em nada. Se eu vejo uma criança no berço, vejo ali um indivíduo, independente do pai, uma pessoa independente das outras.


PLAYBOY — E o que é que a empurrava pra frente? Do Cagesp ao curta-metragem?...


SÔNIA — Aí é difícil de explicar. Era a necessidade de sobrevivência, de criação que eu sempre tive, não sei desde de quantos anos. Uma imagem muito forte da minha infância é um depósito de lixo, ao lado de casa. Esse depósito era a coisa mais linda, mais mágica que eu já encontrei na minha vida! Alumínios revirados, algodões. Pra mim, ali, era a transformação de um mundo real. Todo o material desse depósito de lixo era inteiramente aproveitável, na minha cabeça. Não tinha carramanchão, não tinha nada mais fantástico. E aí vem uma coisa hoje assim, meio política, meio histórica, meio irreal: a gente é desse quintal, a América Latina é igual ao depósito de lixo no quintal ao lado da minha casa.


PLAYBOY — Quando é que você se torna adulta? Quando vai trabalhar...


SÔNIA — Me lembro dos toques dessa época. Eu já fumava na frente da minha mãe, ela sabia. Aí eu comecei a namorar um homem desquitado, minha mãe soube, me chamou, que cena!... Ela entrando no banheiro, e me explicando tudo, como era a vida, a diferença entre transar um cara solteiro e um casado. Foi um momento muito forte, aos 15 anos. Eu aprendi tudo, de uma vez!


PLAYBOY — Quando você sente que vai ser artista, atriz?


SÔNIA — Se foi aos 14 anos, quando eu descia as escadas imitando a Dalva de Oliveira, ou se foi aos 20 quando eu me profissionalizei para fazer novela de televisão, eu não sei.


PLAYBOY — Era simplesmente a busca do trabalho?


SÔNIA — Era uma forma divertida de trabalho. Até hoje é sobrevivência e profissão! É uma forma muito parecida à de todo brasileiro ser. Ele não tem acesso à cultura, à informação, não tem estudo, mas vira marceneiro! Como é que ele faz uma cadeira? Como é que constrói uma casa? Como é que eu faço arte?


PLAYBOY — Mas como foi que você virou atriz?...


SÔNIA — Pensando bem, hoje, eu acho que começa aos 8 anos, quando passei a ser uma observadora. Me lembro muito de ver como as pessoas se comportavam, e procurar imitar aquele sofrimento. Acho que criança faz isso em situações pesadas. A gente sofre na medida do que assistiu no cinema. A gente chora, hoje em dia, com a imagem que você viu no cinema ou na televisão. Mas quem começou a chorar eu não sei! Vejo assim: a partir dos 8 anos eu comecei a imitar as pessoas, que por sua vez, imitavam as pessoas. O sofrimento real, mesmo, eu não sei onde está... juro, eu não sei se o sofrimento e a alegria existem realmente! É feito a gente tomar uísque falsificado de verdade — ele não é um uísque de verdade? Ele é verdadeiramente falsificado, deve dar muito trabalho falsificar um uísque. Talvez seja até muito mais difícil do que fazer o uísque. Para ficar no mesmo tom, na mesma cor, quase o mesmo gosto. Como observadora dessa coisa toda, às vezes percebo que eu estou falsificando a emoção, a dor, a felicidade, a paixão. Somos falsificadores de tudo, apenas pra uma coisa, e com uma intenção: a de ser verdadeiro. É uma loucura!


PLAYBOY — Quando é que você saiu de casa?


SÔNIA — Tem uma frase da minha mãe, não sei se aos 17 ou aos 18 anos. Isso foi meio definitivo: "Apenas me diga onde você vai e a que horas mais ou menos você vai voltar". Primeiro tinha um limite de horário, um dia 10 horas, outro, meia-noite, no outro já era 4 da manhã. Por fim, não tinha mais hora. Aí eu saí de casa.


PLAYBOY — Aí você já estava fazendo teatro em Santo André?


SÔNIA — É. Com a Heleni Guariba...


PLAYBOY — Esse grupo de teatro é o que vai lhe marcar mais?


SÔNIA — Eu não sei o que marca mais. O grupo de teatro de Santo André era ligado ao Centro Cultural do ABC. Foi a minha intuição — que sempre foi a coisa mais forte — que me levou a estar ali, funcionando para o ABC que só foi descoberto agora com o Lula. Eu era uma "Lulinha"!


PLAYBOY — Uma "Lulete"...


SÔNIA — [Risos.] Uma "Lulete" se fosse agora. Antes, eu era uma "Lulinha", num grupo de "Lulinhas", sem saber o que era isso!


PLAYBOY — Em Santo André você já morava com outras pessoas?


SÔNIA — Em Santo André eu tomava 6 conduções pra chegar ao teatro. Até que um dia a Heleni disse: "Pô, Sônia, por que você não fica aí, você dorme aqui..."; "Estou sem escova de dentes...''; "Isso a gente arruma..." Fiquei um ano. [Risos.]


PLAYBOY — Você vivia então a época de militância política, dos idos de 68?


SÔNIA — Mas eu não tinha a menor profundidade — me interessava a vida! Eu ia pro palco fazer gracinha pro Dalton [de Lucca] por quem eu era apaixonada. A minha paixão nunca foi pelo teatro, a minha paixão sempre foi pela vida!


PLAYBOY — Mas o que vocês queriam?


SÔNIA — Agora eu sei que era isso: levar teatro para o povo! Mas eu não tinha noção de valores. Eu ia a passeatas, ia às assembléias no "Ruth Escobar", na época do CCC. Através das pessoas com quem convivi, eu podia até ter ido pra guerrilha urbana, pra luta armada. Evidentemente, uma metralhadora é uma coisa fascinante!


PLAYBOY — A mitologia da guerrilha...


SÔNIA — Não, não era mitologia não. Com 17, 18 anos você faz tudo, pra onde a tua intuição te leva. Minha intuição me levaria a brigar contra o poder estabelecido!


PLAYBOY — Por que você não foi?


SÔNIA — Olha, exatamente eu não sei. Minha memória também é traiçoeira, como qualquer uma. Eu diria pra você, hoje, que a minha vontade seria ter pegado em armas naquele momento, se eu tivesse a consciência que tenho hoje. E se eu tivesse a consciência de hoje, não pegaria em armas! É contraditório à beça! Em 68, não sei se raptaria o embaixador americano? Realmente, não sei o quanto eu era racional e o quanto era um puro animal?


PLAYBOY — Você nunca mais voltou a estudar?


SÔNIA — Nunca mais! Porque eu saquei que dentro de casa ou você sobrevive por si, ou você morre de fome — não tem quem te traga a comida! Minha mãe me mostrou que, apesar dos pesares, dentro de cada família brasileira, existe um sistema democrático de batalhar pela sobrevivência. O paternalismo não tem mais vez, o brasileiro aprendeu na prática, não na teoria. Não existe Lenine, entendeu?, existe é a prática mesmo. A consciência da sobrevivência...


PLAYBOY — Você morava, então, em comunidade?...


SÔNIA — Aí eu fico nesse grupo desde Santo André. Vou morar com o Dirceu Brizola [jornalista, hoje correspondente da Editora Abril em Roma] e Ana, eles se mudam de Santo André pra São Paulo, eu vou junto. A casa chamava "Bahia Drinks", na rua Bahia, em Higienópolis. A Heleni desaparece nesse tempo. E começa a época da bebida, das paixões verdadeiras, solitárias, a época em que eu descobri as bigamias. Nessa época me ensinaram tudo, eu estava a fim. Descobri o Porto de Santos, a Boca do Lixo, em São Paulo, os travestis, marinheiros, prostitutas, tudo numa visão inteiramente não crítica, vendo tudo como uma coisa criativa. Meu parâmetro nunca foi a sociedade constituída, mas sempre a marginalidade. Me lembro que a minha maior angústia nessa época, foi quando eu soube que a Heleni tinha "desaparecido"...


PLAYBOY — Tipo Stuart Angel...


SÔNIA — É. A gente soube que ela morreu. A minha angústia era acreditar que ela estava viva, sempre! Até hoje, de um certo modo, acredito que ela está viva em algum lugar. Quando veio a anistia, eu tinha quase certeza que a Heleni ia aparecer. E ela não voltou mais. Foi uma coisa muito complicada pra mim a morte dela. Eu poderia ter partido pra essa viagem com ela. Mas eu me mudei, troquei de canal, fiquei convivendo com a fantasia, a alegria, a bebedeira, as coisas boas que estavam acontecendo.


PLAYBOY — A Heleni significou uma pessoa que você poderia ter seguido e não seguiu?


SÔNIA — Claro. Se hoje, num domingo de folga das filmagens de Gabriela, vou de Parati até São Paulo, para a Convenção do PMDB, é porque a Heleni existiu na minha vida — evidentemente que é!


PLAYBOY — E os seus ídolos, quem eram?...


SÔNIA — É engraçado, eu nunca tive ídolos, nesse sentido de cinema, TV. Meus ídolos sempre foram assim: o Zé Rubens — de quem já falamos — , o Dirceu, a Ana, o Renato Pompeu [jornalista e escritor], as pessoas com quem eu estava. O Renatão foi uma pessoa importantíssima pra mim. A inteligência sempre me absorveu. E a burrice sempre me afastou. Os meus mitos eram reais...


PLAYBOY — Esse era o seu "desbunde"?...


SÔNIA — Pra mim era um filme de Fellini mesmo. Na rua Bahia, "Bahia Drinks". Só que pra mim não era o desbunde. Eu não desbundei. Por que tudo era novidade, não era revolta, nem "uma volta por cima... Pra mim era ida, era começo.


PLAYBOY — E como é que você foi parar no Hair?


SÔNIA — Eu estava vivendo há um ano quase sem trabalhar, na fantasia de Santo André, morando na "Bahia Drinks" quando voltou a aparecer o Zé Rubens e falou: "Olha, amanhã tem um teste pro Hair, por que você não vai?" Eu falei: "Hair? O que é isso?". E fui como eu estava vestida na época. Um cabelão aqui, blusa transparente, com flores, uma saia mini, uma bota até aqui e um olho maquiadérrimo! Tinha umas 500 pessoas no saguão do teatro, vi lá na porta um conhecido e fui atravessando. Alguém abriu a porta e gritou: "Uma moça e dois rapazes!" Eu estava na porta, entrei. Fui reprovada em todos os testes!


PLAYBOY — Todos!....


SÔNIA — Canto, dança e leitura: todos! No de leitura, quando o diretor, Ademar Guerra, me mandou ler o texto, eu disse pra ele: "Você vai me desculpar mas esse texto é muito chato!". Ele saiu de onde estava sentado, lá na platéia, me chamou na beira do palco. Quando eu me abaixei, ele falou: "Menina, é o seguinte: você vai lá e lê isso direito, porque isso é um Shakespeare!"... O Ademar me detestou! Mas Altair Lima, o produtor, me chamou e disse: "Olha, você vai ficar de stand by! [Substituta]".


PLAYBOY — Você se profissionalizou aí no Hair?


SÔNIA — Ali eu descobri o que era uma profissão! Peguei a minha estrutura profissional — uma estrutura de bailarina, não foi uma estrutura de ator. Sacou? Durante 5 meses de ensaio eu vivia Hair 24 horas por dia. A minha vida era aquilo. Pra mim a vida sempre foi o que eu estava fazendo. Por isso, os amores, as paixões, eles sempre estiveram dentro do trabalho. Porque pra mim o trabalho é a vida!


PLAYBOY — E a sua relação com o Ademar Guerra, ficou péssima pra sempre?


SÔNIA — Não, nós descobrimos o mesmo canal de comunicação — a comédia. Ele acabou por me apresentar várias coisas na vida. O Ademar era uma pessoa como eu, igualzinho a mim: também era uma pessoa solitária. Só que eu era desconhecida. A solidão dele era essa paixão pelo trabalho, como eu sempre tive. Pra mim não havia a menor diferença entre estar em casa ou no teatro. Não era no palco, não tinha platéia, você vê que a relação não é com o lance de platéia. É o lance do trabalho mesmo.


PLAYBOY — Viver o trabalho como um universo total?


SÔNIA — Você entende isso? São todas as cabeças que estão ali dentro o dia inteiro! Se apaixonar por pessoas que estão envolvidas no trabalho, essa coisa toda sempre esteve muito presente na minha vida. Como com o Dalton e o Pereio em Santo André... o discurso do Pereio sabe aquela coisa louca! Muito parecido comigo na época. A gente era igual. E também tem isso: eu nunca entendi muito esse negócio de idade. Eu sempre me apaixono pelas cabeças... Todo o universo do trabalho é a vida!


PLAYBOY — É isso que você quer mostrar como atriz?


SÔNIA — Quando você trabalha em arte, o fundamental é isso exatamente: é ser o repórter daquilo que você vê e vive. Mostrar, revelar os desejos às vezes contidos.

PLAYBOY — Você acaba refletindo o desejo das pessoas, é isso?


SÔNIA — É. Você vê isso em cinema, em teatro. Eu fico pensando o que é que seria um Shakespeare representado em sua época? Ou um Brecht? Devia ser igual ao "Asdrúbal Trouxe o Trombone" hoje. Mais divertido, sem a seriedade que se acrescentou depois. Teatro é a reportagem, é a crítica da sociedade. Penso assim, mas não entendo disso, não. Peguei aquela época louca de 1968, do Rei da Vela, de Roda Viva. Tive sorte de ver essas coisas sem ter noção do que eu estava vendo — e acho ótimo. Ia ao teatro assim como uma criança. Ria fora de hora. Adoro gente que ri fora de hora. Acho ótimo. No teatro não tem nada melhor do que uma pessoa rindo fora de hora. A platéia ri, saca que aquela hora é o humor dela, que ela tem aquele humor.


PLAYBOY — E o cinema, como foi que você descobriu?


SÔNIA — Eu fiquei no Hair uns três anos, de 69 a 71. Comecei a fazer televisão, com Vila Sésamo, fiz dois filmes [A Moreninha, e A Mestiça], mas só foi através do Daniel Filho, quando fui fazer O Casal, em 73, que descobri o trabalho no cinema! Porque nos outros dois filmes eu não tinha percebido. Mas aí vem o Daniel e diz: "A melhor escola para uma atriz é parar numa esquina e observar a vida". Era o que eu fazia! E o diretor chega e dá essa dica... Você pára numa esquina, você fica sabendo quem está angustiado, quem está feliz, quem está namorando, quem trepou, quem acabou de trepar, quem vai trepar. Você sabe tudo, as pessoas se colocam. Se colocam na luz, como no cinema. O cinema é exatamente a vida!


PLAYBOY — Quando é que você sacou que estava virando estrela?


SÔNIA — Quando começaram a me perguntar, mais ou menos na época da Gabriela na TV. Mas eu nunca consegui dar uma resposta. Começava a pensar: por que foram inventar essa coisa de estrela? É coisa da indústria, você como estrela acaba virando um produto vendável, etc. Mas nessa época me perseguia a música "Pequenino Grão de Areia", que se apaixona por uma estrela. Eu sempre gostei dessa música, minha mãe cantava, era uma imagem forte. No fundo, eu me identifico muito mais com o grão de areia...


PLAYBOY — Em Gabriela é que você veio a conhecer a popularidade?...


SÔNIA — Acho que eu nunca convivi direito com isso. Você não planejou, então de repente aconteceu e você está dentro da festa! Esse questionamento nunca partiu de dentro de mim pra fora, ele sempre foi uma coisa de fora pra dentro. Primeiro era estrela; depois virou mito, agora é símbolo... Eu não quero ser símbolo, entendeu? Eu não quero...


PLAYBOY — Quando você foi fazer Gabriela já partiu sabendo que ali estava a sua oportunidade de virar mito?


SÔNIA — Eu não sabia. Conscientemente eu não sabia disso. Eu sabia que era um trabalho importante, mas eu não via assim...


PLAYBOY — Como você reagiu quando foi fazer Gabriela pela primeira vez?


SÔNIA — Quando me disseram: "Sônia, você foi escolhida pra fazer Gabriela", eu me olhava assim, feia, branca! Aí começou a preparação em todos os sentidos. Na minha cabeça tem essa coisa de eu virar Maria, quer dizer, virar a mulher brasileira assumindo a sua beleza, se transformando numa coisa bonita. Conscientemente!


PLAYBOY — É uma coisa que pinta conscientemente na preparação do personagem?


SÔNIA — É. Imagina você se sentir feia a vida toda, já não ligar mais pra isso e, de repente, você representar, dentro da literatura brasileira, o padrão de beleza brasileiro. Você tem que se redescobrir inteiramente.


PLAYBOY — E o que você trouxe à tona dessa mulher brasileira?


SÔNIA — É igualzinho à minha história. Ela deixa de ser feia pra ser bonita. Ela deixa de esticar o cabelo, se solta, não liga mais pro padrão de beleza que lhe é imposto. Não é um movimento meu. É um desejo coletivo, da gente ser bonita, tudo que a gente é mesmo. O discurso não é meu, o discurso é brasileiro. Eu represento esse desejo — até Eu te Amo e até aqui, a Gabriela de novo, no cinema. Gabriela, em duas fases: em 74, num momento de fechamento político total, de constrangimento, ela era o discurso da liberdade; e agora, Gabriela vem discutir de novo em 82, a mesma metáfora, diante da abertura. Evidentemente, essa Gabriela vai aparecer de outra maneira, uma Gabriela com mais esperança. Então é um resgate mesmo! Agora, a Gabriela, a mulher brasileira, vai ser porta-voz dessa coisa toda no exterior. A Maria está pintando no News-week, entendeu? A Gabriela já foi, não tem retrocesso. Pra mim não tem!


PLAYBOY — Você disse que não tem ídolos, a não ser as pessoas com quem você conviveu; não haverá alguma mulher brasileira que tenha inspirado você?...


SÔNIA — Esse meu discurso desses anos todos é uma homenagem... — isso eu digo sem nenhum pudor — ... um meio de pegar a bola da Leila Diniz! A Leila deu um chute a gol mas não pôde completar a jogada. Então, eu peguei a bola, sem querer. Uma bola que bate no teu peito e você tem que concluir a jogada. Não é bem uma homenagem a ela, mas a todas as mulheres brasileiras que estavam assistindo ao discurso da Leila Diniz — e alguém tinha que continuar! Por acaso fui eu.


PLAYBOY — Você conhecia a Leila?


SÔNIA — Eu assistia à Leila, ela era uma força pra mim. Eu nunca senti a ausência da Leila porque pra mim ela permanece. O Cosmos você não destrói! E ela era "cosmética", ela era um cacique, um porta-voz da tribo!


PLAYBOY — Na sua cabeça como é que fica essa coisa de feminismo?


SÔNIA — Eu não uso mais "feminismo". Porque o feminismo é o antônimo de machismo. E, se o machismo pra nós latinos, é uma coisa grave, então, por que eu vou ser feminista? Eu decobri uma palavra que é: mulherista. Sou mulherista, Mulher Pau-Brasil!


PLAYBOY — O que vem a ser isso?...


SÔNIA — É ligado à Semana de Arte Moderna de 22. "Mulher Pau-Brasil" são as mulheres não reconhecidas, como a Pagu — a Patricia Galvão. É uma homenagem a todas as mulheres do movimento de 22 — Mulher Pau-Brasil!


PLAYBOY — Quem é Mulher Pau-Brasil hoje?


SÔNIA — A Maria da Conceição Tavares é uma Mulher Pau-Brasil. A Tisuka Yamasaki [diretora de cinema, autora de Gaijin], as atrizes Renata Sorrah, Fernanda Montenegro, Maria Gladys, Simone, Gal, Bethánia; Liège de Almeida [cineasta casada com Neville d'Almeida], a Tánia Lamarca [assistente de direção de Gabriela], a Aninha, minha irmã, sei lá. Eu não gosto de fazer lista. E a mulher brasileira, em geral, é muito Pau-Brasil...


PLAYBOY — Você é hoje uma prisioneira do cinema, depois do sucesso de Dona Flor, A Dama do Lotação e Eu te Amo, os três recordes de bilheteria?


SÔNIA — Existia o cinema e a TV, eu não era prisioneira de ninguém, de nenhuma concepção. Desde o começo da minha carreira fiz os três — teatro, cinema e TV. Isso me deu mais liberdade de eu ser eu nas três coisas, de permanecer com mais opções. Hoje o teatro me dá claustrofobia. Mas eu tive também esse privilégio diante da profissão: eu sempre pude optar pela minha cabeça. Há pouco, eu fiquei dois anos sem trabalhar e não me preocupei com isso.


PLAYBOY — Não existe preferência entre cinema ou TV?


SÔNIA — Não. Televisão é um trabalho mais descarado, existe mais a coisa de operário, é tudo a mecânica do trabalho. O cinema tem uma coisa que é a sofisticação, sabe? No cinema existe mais relaxamento, o ritmo é outro. Em TV não se conta o trabalho que você faz em casa, pois você não tem tempo de decorar cem páginas de um dia para outro.


PLAYBOY — Você trabalha, como atriz, de forma diferente na TV e no cinema?


SÔNIA — Não, pra você ver a minha postura profissional. Quando o Daniel Filho me chamou para fazer a novela das 8, Dancin' Days, ele tinha dúvidas, eu também. Afinal eu tinha 28 anos e a personagem que estava há 11 anos na prisão, ia chegar na novela com 34 anos de idade, com uma filha adolescente, ia até ser avó no ar! A gente então resolveu partir para o teste. Porque pra mim a coisa é sempre uma procura da melhor qualidade do espetáculo. Porque a minha estrutura profissional é de bailarina, por isso, talvez, seja um pouco diferente a minha visão do trabalho de ator. Sou um pouco crítica do estrelismo do ator. Ele não pode se apaixonar por ele próprio, dentro de um trabalho. Ele tem que ser apaixonado pelo trabalho todo, como uma bailarina. Então, não tem essa... se você rever Dancin' Days, você vai ver que o meu trabalho está bom, é uma coisa assim solta, calma.


PLAYBOY — Não é o papel que faz o ator, então?


SÔNIA — Não adianta você dar um papel excepcional para um ator, se ele não tiver consciência do que está fazendo. Se o Costa Gravas agora me chamar para fazer um papel, eu estou preparada! Se há 10 anos ele me chamasse, eu ia tremer na base. Se o David Hamilton, me chamasse agora para fazer uma foto, eu não faria uma foto com ele. Há 10 anos eu estaria preparada porque eu já estava naquele universo blue dele. Hoje, eu faria fotos com Helmut Newton ou com outro dessa fase dosada, de mostrar verdadeiramente as pessoas.


PLAYBOY — Você saiu, profissionalmente, pela primeira vez para o exterior com Dona Flor, não?


SÔNIA — Dona Flor foi um caminho. Como é que a gente chama uma coisa que é destinada?


PLAYBOY — Predestinada.


SÔNIA — Como se Dona Flor tivesse uma aura. O filme foi importante no Brasil, na conquista do mercado interno e também lá fora como filme brasileiro. Eu não quero cometer injustiças... Mas, em termos de cinema brasileiro lá fora tinha o quê? Não se falando é claro do Cinema Novo, do Nelson Pereira, do Glauber?... Quando eu fui com o Dona Flor era a primeira vez que eu ia a Nova York, era a primeira vez que eu via neve caindo de verdade. Tanto que nas entrevistas lá, eles perguntavam: "O que é que você achou de Nova York?"...


PLAYBOY — Mas eles lá também perguntam isso?... [Risos.]


SÔNIA — ... eles também perguntam isso pra quem está chegando. E eu dizia: "Nova York pra mim parece um bolo de glacê! Me lembra muito os bolos que minha avó fazia".


PLAYBOY — E foi aí que você foi descoberta pelo mundo?


SÔNIA — Foi. Mas só quando eu fui a Cannes, com Eu te Amo, no ano passado, é que as coisas começaram a acontecer. Eu estava nascendo interiormente. O fato do filme ter ido fora de competição, pra mim, individualmente, era uma coisa legal, que me possibilitava muito mais a observação do que era um festival. Ia ver os filmes e podia observar como as pessoas se comportavam. Eu encontrava o David Carradine, o Kung Fu, e ficava olhando a postura dele, quando aparecia em público e todos corriam atrás dele. Eu corria pra perto pra ver como ele se comportava.


PLAYBOY — Foi lá que a crítica derramou elogios ao seu trabalho?


SÔNIA — A crítica de Dona Flor nos Estados Unidos tinha sido ótima. Mas quando eu saí de Cannes com uma fotografia no Newsweek, despertou definitivamente a curiosidade das pessoas: "Quem é aquela?"... Enquanto isso, a Metro e a United Artists estavam procurando uma atriz pra fazer Gabriela...


PLAYBOY — Era um velho sonho da Metro...


SÔNIA — É! A Sophia Loren ia fazer, ia ser em inglês... Por coincidência, de Cannes eu vou pra São Francisco, para o Festival de Cinema Brasileiro. Estou em São Francisco e me ligam dizendo que eu tenho um encontro com o presidente da United Artists. Ele marcou o encontro na lanchonete da Metro, em Hollywood!


PLAYBOY — Como foi chegar em Hollywood?


SÔNIA — Eu fui pra Hollywood como quem vai pra Disneyworld! "Gente! A gente está indo pra Hollywood." Esse era o clima, de nenhum compromisso com a realidade. Passei seis horas lá, andei em 8 carros [risos], fui a mil lugares, vi tudo. Tive três encontros: com o presidente da UA , o primeiro; com a minha agência, o segundo; e com o produtor e o Hugh Hudson, diretor do Carruagens de Fogo, vencedor do Oscar desse ano.


PLAYBOY — Como você saiu de lá...


SÔNIA — Eu saio de lá, volto, aqui já tinha uns telefonemas: "Olha, Sônia vai ser você". Eu dizia — tudo bem, vamos ver! Mas tinha uma coisa na minha cabeça que falava: "De repente você vai trabalhar no exterior, e as coisas do Brasil?" Até que me veio na cabeça a MPB, a música popular brasileira. Em cima de uma frase do Arnaldo Jabor, que sempre dizia durante as filmagens do Eu te Amo, que a gente vai criar o Cinema Popular Brasileiro. Aí, pá! me bateu.


PLAYBOY — Foi onde você se segurou?


SÔNIA — O meu parâmetro é a MPB, que nunca perdeu a sua característica como música popular brasileira. O Jobim é o Brasileiro mais brasileiro dos brasileiros [risos], o Chico Buarque, o Milton Nascimento, o João Gilberto, todos eles são brasileiros, nunca deixaram de ser, e todos, na realidade, trabalham para companhias estrangeiras. Quando eu pensei isso — me deu uma tranqüilidade muito grande, me deu um apoio forte.


PLAYBOY — Você tinha medo de perder sua identidade?...


SÔNIA — Tinha, eu acho que sim! Acho muito natural você ter raptada a sua identidade. Raptada por uma coisa mais poderosa e você não voltar nunca mais! A vida é uma relação de poder, de interesses, além de uma relação afetiva. É poder contra poder, poder individual contra o poder estabelecido. De repente, um poder maior pode lhe absorver totalmente.


PLAYBOY — Você está correndo esse risco?


SÔNIA — Não é o risco que eu corro, absolutamente. Tanto que quando eu cheguei em Nova York, vindo de volta de Los Angeles, São Francisco, alguém da Embaixada falou comigo: "Olha Soninha, a gente viu tudo que está acontecendo com você! Você não pode deixar o Brasil..." Eu falei: "Olha, vocês tomem cuidado, se o artista brasileiro não for respeitado como ele merece, como ele deve ser respeitado, vocês vão perder a mim e atrás de mim vem um monte de artistas; eu vou me esforçar para isso por um único motivo: para reforçar os meus direitos no Brasil".


PLAYBOY — A visão crítica que você tem com relação ao papel da Carmem Miranda não é um pouco de medo disso tudo?


SÔNIA — Gabriela não é a repetição de Carmem Miranda. Aquela história toda do "Yes nós temos banana" não teria mais sentido. Acredito que a Carmem Miranda teve momentos ótimos, ela individualmente, na vida dela. Agora, evidentemente, hoje pensando dentro de um contexto mais político, você percebe que ela não foi nenhuma Leila Diniz!


PLAYBOY — Esse último ano seu foi emocionante, não? Uma explosão...


SÔNIA — Nesse último ano eu percebi muita coisa na vida. Como você não pode aprisionar pêssoas que você ama; de como você tem que ser generosa com as pessoas que você gosta, como você não deve aprisioná-las no momento em que você precisa delas, entendeu? Pelo contrário: você deve liberá-las para a vida! Esses momentos foram muito difíceis, era dia-a-dia, 24 horas por dia, uma discussão interna comigo, uma discussão externa... conversava com todo mundo, telefonemas para Nova York, uma conta de telefone enorme... Porque eu queria acertar. Foi a primeira vez que eu achei que não podia errar. Agora eu posso errar outra vez! Mas ali eu achei que tinha de ter, inclusive, a cumplicidade das pessoas que trabalham no cinema. Elas são cúmplices comigo nisso! Achei que nenhuma atitude minha deveria nem poderia ser uma atitude solitária. Então eu conversava com o [Hector] Babenco, ele estava lá, em Nova York, com o Nelson [Pereira dos Santos], que também estava lá, depois encontrei com o Cacá [Diegues], com o [Arnaldo] Jabor, conversei com o Daniel [Filho]... Eu abracei a bandeira do "Cinema Popular Brasileiro"!


PLAYBOY — E a sua intuição, o que dizia ela?...


SÔNIA — Eu sabia que quem ia me levar seria realmente a minha intuição! Então eu também deixei fluir... aí eu entendi: a intuição não morre! Você pode assassiná-la, mas ela não morre!...


PLAYBOY — Foi um mergulho profundo...


SÔNIA — Desde que eu voltei de Nova York até hoje! Aí tem uma história da vida que eu prefiro não entrar em detalhes. Foi um grande mergulho, onde as pessoas mergulharam comigo nessa coisa que é a vida, a profissão. Você sabe quando não decola um caminho sozinho. Esses dois, três anos, meu Deus! Eu rezei tanto! Aí tem momentos que eu me recuso até a contar agora, publicamente. A gente pode desligar o gravador — eu conto, sim. Mas essa história só posso contar a dois, a três, essa que é a realidade... Eu não estava com um projeto de vida e não sabia o que era isso! É o momento em que eu me atiro na vida mesmo, de cabeça, total — é onde eu encontro em mim aquela coragem de cacique da Leila!


PLAYBOY — Em algum momento da sua vida, talvez nesse aí, você deve ter sentido a necessidade de um grande amor, mas isso não casa com a sua história — você sempre vai em frente. Mas existem amores que não estão necessariamente dentro do trabalho, não?...


SÔNIA — Mas aí tem o seguinte, é uma coisa interessante a gente pensar nisso, sabe? Eu sempre canalizei a minha intuição para o trabalho, de repente posso ter perdido pessoas na vida...


PLAYBOY — E a Sônia Braga não tem um problema nessa área aí?... Se você se apaixona por um João, como é que é?


SÔNIA — Conversando com você, eu estou me sentindo como Maria, deu uma história. Uma história comum, vulgar, o trajeto de uma pessoa. Mas eu estou falando coisas assim que são a minha vida e que são captadas pela Sônia Braga, pelo mito. Que vão pra página, que eu vou ver impressas, que eu vou sofrer, não vou gostar. Então, quando eu dou essa entrevista — enquanto estou falando com você eu me sinto bem — mas quando você for embora, isso me apavora, eu fico apavorada!


PLAYBOY — Deu pra sentir desde ontem que você estava nesse processo...


SÔNIA — De pânico da responsabilidade! Isso também, eu agora deixo bem frisado: tem momentos em que eu não estou sendo verdadeira, tem momentos em que eu estou conversando com você e eu estou sonhando. Existe uma pessoa, que é a Soninha, conversando com você e dizendo coisas da minha vida; e tem outra, que é a Sônia Braga, essa que a gente está entrevistando!


PLAYBOY — Mas e a Sônia Braga, o que é o amor pra ela, a sua relação de amor?


SÔNIA — É difícil... Isso eu tentei explicar nesses 5 dias de gravação. Nesses cinco dias eu estou falando só uma coisa — é difícil uma relação de amor não porque eu sou Sônia Braga, o mito! É difícil uma relação de amor pra mim, pela minha história, entendeu? Eu acredito que as pessoas que se mataram — as pessoas célebres, artistas — , foi porque confundiram a sua história pessoal e o seu mito. Quem se esquece de sua própria história, evidentemente, parte para um ato solitário e esquece a sua própria vida. No fundo, quem se esquece da sua história — se esquece da vida!


PLAYBOY — Você é uma pessoa muito sozinha?


SÔNIA — Quando você descobre que é um indivíduo, você também se descobre solitário. Sabe aquela música do Caetano Velloso, "penso ficar quieto, um pouquinho, neste quarto de hotel" e que fala no final: "As vezes é solitário viver"? Pois é, é isso aí... Meu nome inteiro você sabe, não é?


PLAYBOY — Sônia Maria Campos Braga, não é?


SÔNIA — Tem pessoas que me chamam de Maria Campos — como o Caetano. Eu convivi com ele como Maria Campos. Então eu ligava pra ele, perguntavam quem quer falar, eu dizia: "Maria Campos...", ninguém sabia quem era. Foi uma época em que eu dividi minha alma e falei: "Eu sou duas pessoas, eu sou a minha secretária, eu não estou suportando isso, eu vou me despedir um dia; só não despeço a Maria Campos porque vou ter que pagar indenização por 31 anos de trabalho dela para a Sônia Braga".


PLAYBOY — Diga uma palavra possível sobre você e Caetano — ele pontilha toda a tua fala, esses dias todos...


SÔNIA — Mas aí é Maria Campos e Teles Viana. Nunca Caetano Velloso e Sônia Braga!...


PLAYBOY — Sim... mas eu queria uma palavra sobre a relação de vocês, das cabeças de vocês...

SÔNIA — Isso é um suicídio [risos], é um pouco impossível!


PLAYBOY — Você se entrega muito na relação com as pessoas?


SÔNIA — É, eu sou seletiva, sabe? Entro num lugar assim e pá! Sempre sobra uma pessoa — o que eu acho um erro, uma burrice. Porque eu me empobreço, não distribuo a minha afetividade. Ela devia ser um leque — que nem aquele negócio de equilibrar prato que se faz no circo. Se o equilibrista fizesse só com um prato, que raça teria? Nenhuma! Ele vai pro circo justamente porque ele faz com vinte pratos ao mesmo tempo, entendeu? Então, se eu conseguisse fazer com que a minha afetividade funcionasse em vinte pratos, eu provavelmente estaria num circo melhor do que esse em que estou. Eu me atiro nas relações, nas amizades; é de verdade, é profundo. Só que eu não fico acreditando muito naquilo. Chega um momento que eu penso: "Tem alguém que faz o roteiro da minha vida. Escreve as coisas mais absurdas e eu faço!"


PLAYBOY — ...Foi quando você criou o Arlindo, o seu roteirista?...


SÔNIA — Foi. Inventei um autor pra minha vida, que se chamava Arlindo. Tinha roteirista, contra-regra, cenógrafo, tudo. Então, "qual é o script de hoje, é isso? Então está bem, eu faço!" Era uma espécie de loucura, você consciente da sua loucura, você sabendo...


PLAYBOY — Uma auto-desintegração controlada...


SÔNIA — Totalmente sob controle! Faz um ano mais ou menos isso...


PLAYBOY — Ter um filho não é uma coisa que lhe faz falta?


SÔNIA — Faz! De uns três anos pra cá senti essa coisa de idade — toda mulher que chega aos 32 anos sem ter um filho, deve começar a pensar. Mas eu não acredito que possa ter um filho sozinha não, pelo menos como ponto de partida. Eu acredito na vida como liberdade de escolha, de desejos, da família e tudo isso. Agora, eu quero ter um filho junto com uma pessoal...


PLAYBOY — Mas você já teve vários casamentos, amores, porque você não teve filho até agora?


SÔNIA — Eu fiz projetos de ter filho mas não tive. É a realidade! Foi uma coisa da vida mesmo. Sabe de outra coisa? Tem horas que eu não sou homem, não sou mulher, não sou definida como homem ou mulher diante da vida. Talvez eu só possa ter um filho quando eu formar dentro de mim um casal adulto, e a gente conviver num universo adulto. Aí eu posso ter um filho.


PLAYBOY — Como você se coloca diante do casamento, da família, dessas coisas importantes da vida?...


SÔNIA — Eu só acredito na verdade. Quando você é ator, você percebe quando as pessoas estão mentindo muito mais facilmente. Quando me perguntam, "essa família é de verdade?", eu falo: "Não, é uma ilusão!" Ela está lá feito uma jóia, feito uma bijuteria, bonita mas não é de verdade, ela é uma ilusão! Eu quero uma família de verdade, com valores importantes, como a busca da harmonia, dentro da civilização, dentro do que for cultura... Por outro lado, eu acho bonito a família, assim como a do Caetano — dona Canô, "seo" Zezinho, Bethânia, aquele grupo. Todo mundo do mesmo sangue. Mas você pode fazer a tua família. Por exemplo: esse filme Gabriela, é uma família, mas vai acabar. O que eu acho do teatro social da família, em resumo, é o seguinte: tem hora que a família acaba, e não é só quando você sai de casa pra se casar. Tem uma hora que ela acaba mesmo. Se você não tem mais assunto, você tem que sair pra buscar as novidades, entendeu?


PLAYBOY — Esse é um momento muito forte na sua vida, não?


SÔNIA — Fortíssimo! Sei lá, de uns quatro ou cinco anos pra cá eu convivo com as pessoas mais interessantes desse país. Eu sei também que eu cheguei a elas pelo poder que eu mesma adquiri. Quando eu estou numa filmagem — como agora, aqui em Parati —, impedem 200 pessoas de entrar e uma fura o cerco, eu tenho a maior admiração por essa pessoa. Sei que ela é uma pessoa especial. Pois bem! Eu furei o cerco, cheguei nessas pessoas! E, na minha maneira de ver, eu cheguei a elas por eleição direta. Eu escolhi e fui escolhida!


PLAYBOY — E o filme, como está sendo em meio a tudo isso?...


SÔNIA — Aí tem o seguinte: é a vida! Eu nunca sei quando vai se manifestar a atriz, quando vai se manifestar a criança — a criança brasileira da minha história — que hoje está solta dentro de mim. Muitas vezes na tela, quando Gabriela passar no cinema, a gente vai ver isso. Eu não sei quem convive com o Marcello Mastroiani, quando é a criança ou quando é a atriz Sônia Braga. Eu era, porém, muito dividida, agora não sou mais. Agora eu passo á conviver, a caminhar com essa criança. Ela vai crescer, daqui a pouco vai ter vida própria. Vai começar a transar a afetividade com o trabalho, o amor, a vida e o trabalho, de uma maneira mais harmónica. Sem sustos, sem tanta culpa, sem tanto choro como era antigamente quando havia a fossa.


PLAYBOY — Será que isso é uma nova proposta de vida?


SÔNIA — Eu estou vivendo um momento de namoro dessas duas personalidades, que são bem a casa, a vida, a paixão, o trabalho, a vida no trabalho, a paixão no trabalho. Se eu usei essa criança o tempo todo pra eu ser atriz, eu quero provar pra mim mesma que eu não sou só isso! Faço outras coisas também... não vejo a minha vida determinada pelo fato de ser apenas atriz! Eu parei de usar o ator, não quero mais. O diretor pode ter na cabeça como é o revolucionário, e o ator pode chegar a interpretar bem como é o revolucionário. Mas se ele não tiver na cabeça o que é ser um revolucionário em todos os sentidos, ele não será um intérprete — será um atravessador! Eu cresci profissionalmente. Mas se eu não tivesse crescido como pessoa, eu não poderia interpretar outras personagens. É um caminho: da feia passa a ser bonita; passa a ser estrela, vira um mito e se torna símbolo da sexualidade. Eu percorri esse caminho junto como pessoa. Então é isso que eu quero: me resgatar como pessoa!


PLAYBOY — E dá pra segurar essa barra toda?


SÔNIA — Você só enlouquece na de mito, na de estrela, quando você acha que o mundo todo, em todos os minutos, está pensando só em você. Quando eu descobri, num dia de angústia, que as pessoas estão trabalhando nas fábricas, nos carros, estão fazendo compras nos supermercados, preocupadas com os filhos — e eu pensando que o mundo está pensando em mim... — aí me deu um alívio tão grande... sempre que volta essa angústia, sempre volta esse pensamento.


PLAYBOY — Você cai no real?


SÔNIA — É! Caio no real... O ator não pode se distanciar da realidade. A memória é uma coisa traiçoeira e os atores vivem muito da memória. Se eu, com o meu tipo físico, representar uma mulher do povo, o que vou fazer? Eu quero representar como é que uma mulher brasileira vive em 82. Mas se eu vivesse o que dizem de mim, eu estaria vivendo numa cobertura, com caviar e champanha, me vestindo, fazendo 200 mil comerciais por dia, trabalhando 24 horas para sustentar uma posição que não é minha. O ator — o jornalista também — é uma das profissões que dá pra comer caviar com o seu patrão. Só que eu não quero comer caviar com o meu patrão! Eu quero que o meu patrão me pague o caviar ao qual eu tenho direito para comer com quem eu quiser!


PLAYBOY — Qual o ciclo que se abre agora pra você?


SÔNIA — Esse último ano todo eu estava pensando assim qual será o meu próximo discurso? Mas eu já sei: o meu próximo discurso é a desmistificação, um trabalho importante. Porque de dentro pra fora você enxerga de uma outra maneira. Existe nas pessoas o desejo de que você permaneça lá, naquele lugar que elas lhe colocaram — e que você chegou. Mas, há algum tempo eu estou tentando sair. Agora sim eu estou convivendo com o sofrimento de saber o que é quando você é o mito...


PLAYBOY — E o que é isso?


SÔNIA — O sofrimento é o seguinte: "Como é que uma pessoa pode ser tão simples?" Isso, dito assim, já tem uma conotação... Então, quando eu ouço isso, sempre fico meio ferida, porque não tinha que dizer isso! Eu me sinto discriminada, quando me dizem "mas como ela é simples". E como se não fosse verdadeiro de minha parte, de dentro pra fora. Esse filme está sendo importante nesse sentido. Se tem câmera ou não, o problema é deles, porque eu estou vivendo sempre assim! E como se eu estivesse meio drogada dessa experiência — da minha própria experiência. Então, as pessoas me botam roupa, mandam pular o muro, eu pulo, depois eu saio, eu encontro outras pessoas, vou até o bar, tomo café, encontro você, converso. Não sei, eu realmente não sei onde está a câmera.


PLAYBOY — Você tem pleno controle da sua carreira hoje?


SÔNIA — Nada, mas nada mesmo me obriga a nada. Nada me obriga a fazer um comercial ou um papel que eu não queira, nada me obriga a nada na profissão! E isso é um reflexo da minha vida.


PLAYBOY — E o que você vai fazer depois de Gabriela?


SÔNIA — Eu comecei a entender todo o meu processo profissional. A televisão trouxe benefícios para o autor brasileiro, como foi com Gabriela. Botar o Jorge Amado às dez horas da noite, então, era uma contribuição — o discurso da liberdade na língua do seu próprio povo. A música popular tomou conta do mercado brasileiro, assim como o cinema retomou a nossa língua. O português não está mais em legenda — está na boca das pessoas na tela. Então chegou a hora que zerou! O cinema não deve nada à televisão, porque atingiu o seu próprio lugar, a idade adulta — agora ele caminha sozinho. A televisão segue como veículo importante, que deve ser assumido cada vez mais por pessoas que fazem arte no Brasil. Isto é, pelos intelectuais, para que ela se transforme numa coisa verdadeiramente importante para o Brasil! E nesse ponto eu zerei também, porque eu faço parte dessa história, entendeu? Em termos de crédito, débito, está zerada essa conta! É "ne me quite pas".


PLAYBOY — Tudo pago?...


SÔNIA — Agora eu estou a fim de errar, eu quero errar. Eu não preciso mais acertar. Agora tem um pouco o clima de que no erro está a criatividade. Estou interessada em saber em que ponto da história eu estou em 1982. Em 1500 é muito fácil entender a minha própria história — o Caramuru e a índia! Mas, em 82, com satélite, é difícil de você entender. Por que eu sou meio carapinha? Por que sou meio magra e gorda? Por que sou meio índia e negra? Além de portuguesa? E por que eu não tenho meus próprios castelos? Quando fui a Portugal eu entendi que Portugal é um Estado brasileiro, como se fosse o Maranhão — onde se fala sua língua e onde você encontra a sua história... de repente, você olha para um morro, um simples morro e vê um castelo mouro. Em Portugal eu encontrei os meus castelos perdidos.


PLAYBOY — E o que você espera do futuro?...


SÔNIA — Mudanças! Olha, o fato da gente ter conversado, por exemplo. É uma coisa que há seis anos atrás... primeiro eu não falaria — eu teria medo — segundo, eu não sabia falar. Eu não sabia quem eu era dentro de um país chamado Brasil. Mas essa concepção de Brasil que eu tenho hoje, essa imagem é uma coisa forte demais. Eu espero a liberdade, sabe?, a justiça, a distribuição de renda, o direito. O brasileiro não quer mais ser olhado como um mito da pobreza, da ignorância, da falta de poder pessoal. Se eu for falar tudo que eu espero e não espero...


POR HAMILTON ALMEIDA FILHO

FOTOS LUIZ CARLOS KFOURI


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2 opmerkingen


Ademar Amâncio
Ademar Amâncio
26 jun. 2023

Engraçado que não houve perguntas sobre sexo,justamente para o maior símbolo sexual do Brasil.

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Ademar Amâncio
Ademar Amâncio
26 jun. 2023
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Ela falando sobre sua suposta feiura é muito engraçado.

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