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TIM MAIA | JULHO, 1991

Playboy Entrevista


Uma conversa franca com o artista que as plateias amam e os empresários odeiam sobre sexo, drogas, sucesso, funk, Jovem Guarda, Bossa Nova e sua guerra contra a Globo.


Quando os críticos discordam sobre a obra, o autor está de acordo consigo mesmo, costumava dizer Oscar Wilde. Se isso é verdade, ninguém vive mais em paz com seu trabalho do que o cidadão Sebastião Rodrigues Maia, brasileiro, solteiro, 48 anos, natural e residente na cidade do Rio de Janeiro, 1,69 m, 140 kg, profissão cantor, com várias passagens pelas melhores delegacias e por todos os palcos do Brasil — o fabuloso Tim Maia.


Não é força de expressão. Fabuloso vem obviamente de fábula, e isso é o mínimo que se pode dizer de um artista que, nos últimos 21 anos, especializou-se em sacudir a morna e cansada música popular brasileira deste período. Em vinte discos e zilhões de shows, Tim Maia tem brindado seus distintos auditórios com uma tal saraivada de ritmos— sambas, pagodes, baladas, soul, funk, jazz, blues, rock, xaxado, o que mais você quiser e, agora, a Bossa Nova —, que os atarantados críticos finalmente desistiram de classificá-lo. É como Tim Maia gosta.


Mas há alguns pontos sobre os quais nenhum crítico discorda. Por exemplo: Tim Maia é um excepcional cantor. Seu vozeirão, que parece capaz de remover montanhas e é quase inédito na música brasileira, já era perfeito para obrigar 5.000 pessoas a sacudirem qualquer salão. Mas Tim mostrou-se também um grande intérprete de música romântica, daqueles que precisam falar no máximo a dois corações de cada vez, e, este ano, superou-se novamente com o seu disco Tim Maia Interpreta Clássicos da Bossa Nova. Ninguém achava possível ele dar conta de um estilo de música que todos associam imediatamente ao jeito intimista de João Gilberto — mas, na avalanche vocal de Tim Maia, sucessos como Garota de Ipanema, Dindi e A Rã ganharam novíssima vida.


Há um outro lado na carreira de Tim Maia sobre o qual também ninguém discorda: ele é considerado o maior criador de casos da música popular brasileira. Frequentemente é acusado de faltar a shows marcados com semanas de antecedência. Quando isso acontece, a plateia, revoltada, costuma quebrar as instalações, como aconteceu no Circo Voador e em Villar dos Telles, no Rio. Ou então ele abandona o espetáculo no meio, reclamando do som deficiente, dos seguranças e até de garçons carecas. Mas há ocasiões também em que, deixando-se levar pelo embalo, Tim é capaz de cantar horas além do previsto e só deixar o palco quando lhe desligam o microfone.


Seu público cativo é enorme, embora você talvez não veja esse público, por ele ser quase todo constituído de brasileiros de baixa renda e que moram longe — pelo menos até o disco da Bossa Nova. E é um público absolutamente fiel, capaz de juntar tostões e enfrentar quilômetros para ir vê-lo, como aconteceu em princípios de junho quando ele se apresentou no quase inacessível Riocentro, também no Rio. A parte masculina desse público se identifica com a imagem que Tim passa no palco: a do macho desabrido e indomável, que ele, o público, sabe que topa todas as paradas. Quanto às mulheres, o que pensarão? Tim Maia é gordo e feio (ele próprio se acha), mas tem alguma coisa que as enternece. O que será?


Há um outro lado na vida profissional de Tim Maia que muitos de seus próprios fãs desconhecem: à sua maneira meio atabalhoada, ele é uma espécie de Sir Galahad da categoria dos cantores e compositores quando se trata de defender os seus direitos. Espinafra, briga e aciona (ou ameaça acionar) todo mundo: donos de gravadoras, empresários de shows, emissoras de rádio e, ultimamente, até a ultrapoderosa Rede Globo de Televisão, onde suas canções, segundo ele, estão proibidas de tocar até como fundo musical do Xou da Xuxa. "Acionar" é o seu verbo favorito — usa-o pelo menos uma vez a cada 5 minutos. A maioria dessas ameaças não se concretiza e, quando isso acontece e Tim Maia ganha a ação, seus adversários recorrem e não lhe pagam aquilo a que Tim julga ter direito. Mas, com isso, ele mantém os poderosos sempre em guarda e a uma prudente distância.


Para entrevistar Tim Maia, PLAYBOY destacou seu editor especial Ruy Castro. Como autor do recente best-seller Chega de Saudade — A História e as Histórias da Bossa Nova (Companhia das Letras), que desencadeou toda a onda de volta da Bossa Nova, Ruy era o homem indicado para entrevistar a mais recente e ilustre adesão àquele movimento. Mas Ruy é veterano de outras quinze entrevistas de PLAYBOY, entre as quais, há 10 anos, aquela com outro colega de turma de Tim Maia: Erasmo Carlos. São engraçadíssimos os comentários de Tim às respostas de Erasmo naquela entrevista. Eis o depoimento de Ruy:


"Tim Maia mora num apart-hotel mamute na Barra da Tijuca, com quinze andares e trinta — trinta! — apartamentos por andar. 'São 450 apartamentos', diz ele. 'Aqui tem de tudo, até tráfico de bebê'. Tim quer dizer com isso que nem precisa sair de casa para se abastecer de seus artigos de primeira necessidade, entre os quais as menininhas que batem à sua porta, interessadas em conhecer mais de perto o famoso cantor. E Tim não se faz de rogado: convida todas a entrar. E até as deixa chegar bem pertinho.


"Para um artista da sua estatura — embora ele seja baixo e tenha quase o mesmo de largura que de altura —, pode-se dizer que Tim Maia mora precariamente, apesar da vista deslumbrante que tem de sua varanda sobre o Oceano Atlântico. Seu apartamento de quarto e sala dá a impressão de que ele acabou de chegar do supermercado, tal a quantidade de sacos plásticos pelo chão, contendo qualquer coisa. Há um pequeno exército de faxineiras que entram e saem constantemente, mas nada parece transformar o recinto no apartamento de um astro. Tim não se incomoda: ostentação não é com ele. Jamais teria um iate tipo transatlântico como o Lady Laura de seu amigo (oh, well, quase isso) Roberto Carlos, a quem descasca impiedosamente nesta entrevista.


"Há um consenso, dentro e fora do meio artístico, de que Tim Maia é um exagerado — bebe demais e se excede em outros produtos, donde o seu comportamento agressivo e aparentemente irresponsável. Pode ser verdade, mas, durantes as 4 horas de entrevista — que ele fez questão de marcar para o caretíssimo horário de 9h30 da manhã —, Tim não fumou cigarros comerciais e limitou-se a beber dois ou três copos de uma inocente Coca-Cola. Era a imagem da sobriedade, embora não se possa dizer da serenidade: mesmo a zero em tudo, parece sempre a ponto de explodir quando fala de seus arqui-inimigos, os empresários de artistas e os donos de gravadoras. Mas é uma explosão que não tem nada a ver com o interlocutor. Para este — acreditem ou não — Tim Maia dá até uma impressão de grande candura.


"O ser humano dentro do corpanzil parece muito frágil, e talvez por isso Tim consiga arrebatar plateias tão diferentes: a dos doidões (como ele próprio os classifica) e a dos românticos. É o que lhe permite cantar com o mesmo élan coisas como Azul da Cor do Mar, Coroné Antônio Bento, Primavera, Padre Cícero, Rodésia e todos os seus sucessos. Ele é simultaneamente doidão e romântico e, dentro da sua típica desorganização, também muito inteligente. 'Tim Maia é uma das pessoas mais inteligentes que conheço', diz um seu velho amigo, o produtor musical Nélson Motta. 'É um mestre do improviso e um humorista nato'. É verdade. Sua conversa é um festival de gírias (todas traduzidas nesta entrevista) e de frases hilariantes (sempre ácidas) sobre praticamente todo mundo.


"Mas, por trás dessa efervescência, existe urna pessoa quase ingênua, que poderia ter até mais poder do que alardeia. Outros muito menos talentosos — e mais espertos — têm se dado melhor. Mas, pelo visto, ninguém é capaz de impedir Tim Maia de ser como é. Nem mesmo ele".


PLAYBOY: Desta varanda você tem a Barra da Tijuca aos seus pés. A carreira te deu mais do que esta vista maravilhosa?


TIM MAIA: Deu este apartamento, uma casa no Recreio dos Bandeirantes, um terreno na Lagoa que vale hoje 1 milhão de dólares e mais dois apartamentos. Num deles mora um irmão meu, o Altivo, há sete anos, sem pagar o aluguel e os impostos. Só paga o condomínio, senão é expulso. Há anos que eu peço para ele sair, mas ele continua lá com a mulher e o filho, que também já tem filhos. Ou seja, três gerações vivendo à custa do Tim Maia. Isso é irmão. Agora imagine quem não é irmão — gravadoras, empresários, televisão.


PLAYBOY: Comparado com a turma com quem você começou — Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa, Jorge Ben e Carlos Imperial, entre muitos outros que participaram daquela fase —, como é que você se situa? Estão todos muito bem de vida?


TIM: Duro, duro, ninguém está, porque todo mundo fez o seu pezinho de meia, mas eu acho que o Erasmo não está muito bem, não. Ele ganha com o Roberto, mas com grana mesmo, depois do Plano Collor, ninguém ficou. Jorge Ben acho que tem dinheiro suficiente. A Wanderléa estava bem naquela época, mas bem mesmo acho que não está, assim como o Carlos Imperial. Ele é meu vizinho no Recreio e abriu agora um 171 por lá: armou uma construtora, compra umas casas velhas e reforma.


PLAYBOY: O que é um 171?


TIM: Estelionato. Mas ele é boa pessoa. Eu costumo dizer que o Imperial é um canalha que presta. O destino fez com que a gente gostasse um do outro. Já o outro está riquíssimo, riquézimo.


PLAYBOY: Roberto Carlos?


TIM: Roberto Carlos. Ele tem dinheiro e filhos pra cacete. Cada ano aparece mais um. Ô menino pra fazer filho!


PLAYBOY: Vocês ainda se dão?


TIM: Eu nunca me dei com ele. Crescemos juntos na Tijuca, nos anos 50, ele tocou no meu conjunto durante dois anos e, depois dos ensaios, comia na minha casa, que meu pai fazia questão. Meu pai gostava de música, era cozinheiro e fazia aqueles lanches da pesada. Nós éramos da Zona Norte, mas aí ele foi se infiltrando com o Imperial, que era da Zona Sul, se enturmou e se fechou. Então nós fomos criados juntos, aprendemos música juntos, tivemos os mesmos sonhos de ficar ricos e famosos, ele comeu dois anos na minha casa, e meus filhos não o conhecem. Meus filhos, de 24 e 17 anos, não conhecem o Roberto Carlos. E também não faço questão que conheçam. O cara que é inteligente é humilde. Quando começa com essa pompa, essa coisa de secretário barrar os amigos, é porque é meio quatro, quatro, meia.


PLAYBOY: O que é quatro, quatro, meia?


TIM: É o cara que não chega a ser cinco. Quer ver uma coisa? Morei nos Estados Unidos de 1959 a 1964. Quando voltei, a Jovem Guarda já estava armada. Me meti numas encrencas, fui preso e puxei um ano de presídio. Quando saí da cana, eles — minha antiga turma — não queriam nem me ver — "Olha o Tião aí! Olha o Tião Maconheiro!". Fiquei três anos em São Paulo tentando fazer a Jovem Guarda, mas não me deixavam. Fui sabotado pelo Roberto Carlos e a turma dele aquele tempo todo. Eles tinham medo da Soul Music — depois é que eu vim a sacar. Naquela época, jamais imaginaria que eu, gordinho, mulato, fosse concorrer com eles, que eram os reis da Jovem Guarda [risos]. Até que finalmente me deixaram gravar um disco, mas, para isso, tive de ir procurar a Nice, então mulher do Roberto, na porta do hotel Excelsior, aqui no Rio. Ela já faleceu e Deus a tenha em bom lugar. Era uma mulher bonita, estava chegando da praia, de maiô, e eu com dez Dexanil na cabeça. Sabe aqueles comprimidos de coraçãozinho? Ela já me conhecia, me levou pro apartamento, me sentei e expliquei pra ela o que estava acontecendo. Que eu tinha puxado um ano de cana, que tinha ensinado o Erasmo a tocar violão, que o Roberto comeu dois anos na minha casa. Uma vez, na cana, li numa matéria: "Roberto Carlos compra seu oitavo carrão". E eu ali, levando porrada na cadeia, que loucura. Foi por isso que resolvi ir à luta e ir para São Paulo, mas ele me sabotou. A Jovem Guarda tinha medo de uma revolução.


PLAYBOY: A Jovem Guarda foi um movimento musical ou uma armação para vender botinha, chapéu e calça Calhambeque?


TIM: A Jovem Guarda foram os Beatles. E depois eles foram lançados pelo mundo, através de outras pessoas. Era preciso um Beatles em todos os lugares e eles foram inventando os Beatles nacionais. França foi o Johnny Holiday, no Brasil o Roberto Carlos, que já estava na jogada. Então foi aquela armação. O Ronnie Von também estava na jogada e bem que ele tentou ser cantor, mas não deu.


PLAYBOY: Qual é a idade real de vocês?


TIM: Eu estou com 48 anos, e o Roberto com 50 ou 51. Ele ficou uns três anos com 46, mas agora disparou e passou dos 50.


PLAYBOY: Na área da música pop, o sucesso tem a ver com a qualidade, o talento e a musicalidade ou é mais uma questão de marketing?


TIM: Pô, os Beatles foram uma jogada de marketing. Outro dia mesmo mostraram uma reportagem com o cara que era para ter sido o baterista dos Beatles [Pete Best] no lugar daquele outro [Ringo Starr]. O cara agora está tentando voltar, mas, com 50 anos, não vai dar. É como se a Celly Campello quisesse voltar com Estúpido Cupido. Não dá.


PLAYBOY: Mas, em 1970, você furou o boicote e fez o seu primeiro disco.


TIM: E fiquei 24 semanas em primeiro lugar com ele. A Polygram disse que vendeu 200 mil discos, mas, hoje em dia, fazendo um cálculo, eu sei que 24 semanas em primeiro lugar dá mais ou menos 600 mil ou 800 mil cópias. Então, eles me levaram a diferença. Mas isso vive acontecendo. A Continental está me devendo 100 mil cópias, a BMG Ariola, 200 mil, a Som Livre, 800 mil. São discos vendidos que eles não me pagam. Acionei todos, eu ganho, mas eles apelam. E agora acionei a Polygram, porque ela lança Tim Maia Várias, Tim Maia Outra Vez, Todas de Tim Maia, O Melhor de Tim Maia, Vamos com Tim Maia e o cacete, e só quer pagar 0,4% sobre 90%. Os advogados das gravadoras me dizem: "Você pode contratar o advogado que quiser, que nós o compramos". E compram mesmo, do juiz ao oficial de Justiça. É por isso que ninguém aciona gravadora, ninguém aciona a TV Globo.


PLAYBOY: Você acionou a Globo, não?


TIM: Eu acionei e estou fodido. Acionei a Som Livre porque eles botaram uma gravação minha no disco da trilha da Tieta, vendeu 800 mil cópias e eu não vi um tostão. Então, tive que acionar a Globo porque eles mandaram me cortar até do fundo musical do Xou da Xuxa. E quem mandou me cortar? O Bonifácio Sobrinho [Boni, da Globo]. Ele é o dono do meio artístico brasileiro? Eu fiz mais de vinte Globos de Ouro de graça, mais de dez Fantásticos de graça, já fiz Fausto Silva, fiz Trapalhões, fiz o próprio Xou da Xuxa — de graça. E agora eles me boicotam. Os futuros fãs, as crianças, não vão me conhecer mais. Eu não tenho o direito de prolongar a minha carreira e é por isso que vou acionar o próprio Roberto Marinho — para ele tocar a minha música na Globo. Até já liguei para a secretária dele e avisei.


PLAYBOY: Suponha que ele não te toca porque não gosta do que você canta.


TIM: Mas, quando eu fiz dez Fantásticos e vinte Globos de Ouro de graça, ele gostava. Se um juiz de Direito honesto disser que eu tenho de cantar lá, ele vai ter de me aceitar. Ele não tem o direito de me barrar porque a Globo nem é dele. A Globo é mais minha do que do Roberto Marinho — porque eu apareci mais vezes na Globo e rendi mais dinheiro para eles do que muitos lá. Desde o tempo do preto-e-branco, desde que a Globo era pobre, antes que eles tocassem fogo lá para trocar o equipamento — desde antes do incêndio.


PLAYBOY: Você vê alguma possibilidade de reatar com a Globo?


TIM: Por que não? Não sou nenhum santo, mas tenho três filhos, três cachorros, sou estimado pela comunidade, pelo Brasil inteirinho. Todo mundo quer me ver cantar na Globo porque ela é o veículo de comunicação mais danado. Pô, o Boni é sócio de um banco em Miami! Ele falou que estava duro, que ia ter de vender a casa dele. Ele vai é abrir um canal de televisão, como o Sílvio Santos fez. A Xuxa, qualquer dia, também vai ter uma televisão própria. Pois eu também quero abrir a minha: TV Sebastião, que é o meu nome, nascido na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.


PLAYBOY: Falando em santo, vamos esclarecer de uma vez por todas: por que você vive faltando aos shows? Isso até já é uma de suas marcas registradas.


TIM: Algumas vezes eu fiquei de rebordosa, realmente... A alguns shows eu não fui e a outros deixei de ir porque não estava a fim — para explodir a coisa. Por exemplo, eu já faltei no People [no Rio] porque não se tem condições de cantar lá. Não tem som, não tem estrutura, cheio de doidão e de garçom careca passando na sua frente. Tenho o maior grilo com garçom careca. A indústria de show no Brasil é a maior mentira. Outro dia, no Olympia, em Belo Horizonte, cantei durante 1 hora e 20, com a casa superlotada, e tive de mandar o público chegar para a frente, porque estava assim de gorila perto do palco — sem a menor necessidade. Quando voltei para o hotel, dois dos gorilas não me deixaram nem entrar no apartamento: ali no lobby mesmo me forçaram a assinar um cheque no valor de metade do cachê. Eu assinei, mas mandei sustar e agora vou acionar por agressão. Porque essas casas existem mesmo é para vender goró [bebida] — cachaça, uísque, caipirinha, Brahma, o que for. O negócio é vender álcool e, vendendo álcool, você coloca uma pá de gente louca na plateia, sem a mínima condição de colocar. E é por isso que precisa ter segurança com gorila — para resolver na base da porrada. Os gorilas da Xuxa, outro dia, chegaram a machucar pessoas. O People paga a miséria de Cr$ 8 000,00 [cerca de R$ 100,00 em valores atuais] de cachê a um músico. Mas vá ver quanto custa uma garrafa de uísque no People.


PLAYBOY: Pelo que se comenta, a bebida não cria problemas apenas para a plateia nos seus shows.


TIM: Eu só bebo para andar de avião, porque morro de medo, e antes de um show. Pô, com 5 mil pessoas lá dentro, todo mundo doidão, como é que você vai cantar careta? E quanto mais existirem casas que vendem bebidas pra gente cantar, mais a gente vai beber. Quando eu faço teatro, eu não bebo: o show é às 9 da noite, todo mundo sentadinho, eu faço o show e vou embora para casa. Já nas casas do Francisco Recarey, você tem de beber: são lugares que têm cheiro de álcool. O diabo já mora ali.


PLAYBOY: Como assim?


TIM: Por exemplo, eu sou fã dos espanhóis. Sou fã do Picasso, do André Segóvia, do Paco de Lucía — mais do que os espanhóis não existe em matéria de arte: grandes pintores, bailarinos, violonistas. Pois é o mesmo povo que mata um boi do jeito que eles matam, enfiando troços no pescoço do bicho, fazendo sangrar até morrer e gritando olé. Por que não enfiam um negócio daqueles no próprio rabo e não saem gritando olé? É esse tipo de espanhol que está no Brasil: Os matadores de touro, os Recareys da vida, e nós somos os touros para eles. Como é que um homem que era garçom há quinze anos pode ser dono de vinte casas no Rio de Janeiro se só sabe falar palavrões com sotaque? É por isso que está deteriorando tudo na música brasileira.


PLAYBOY: Explique melhor.


TIM: Ninguém mais canta no Brasil. Conjuntos vocais, só tem o Quarteto em Cy — que é aquele vocal meio pra baixo — e Os Cariocas, com quem eu gostaria de gravar. Eles são os melhores. O Brasil é um país com cento e tantos milhões e lá vai fumaça, e só tem um conjunto vocal. Não tem uma banda. Tinha o Black Rio, mas muito preto junto também não dá certo. E a qualidade do músico brasileiro está caindo. Ele era considerado um dos melhores músicos do mundo, mas os bons já se mandaram todos: Antonio Adolfo, Sergio Mendes, Eumir Deodato, Paulinho da Costa, uma porrada, já estão nos Estados Unidos faz tempo. Sobrou um segundo time por aqui, que é monopolizado pelos Recareys da vida e aceita trabalhar pela metade da tabela. Depois, morrem de fome. As pessoas costumam dizer: "O Tim Maia reclama pra cacete", mas alguém tem de reclamar. Os músicos estão ficando ruins porque não estudam o suficiente, não têm instrumentos e não têm condições de praticar. Estou tendo problemas agora com o meu novo repertório de Bossa Nova porque os que tocam Bossa Nova não tocam funk, e os que tocam funk não tocam Bossa Nova — não têm cancha de tocar o samba, o balanço que o samba exige no violão e na própria bateria. A Bossa Nova é um samba sofisticado da Zona Sul, mas é samba, e, este, os roqueiros não sabem mesmo. A qualidade dos músicos está caindo porque o brasileiro está totalmente influenciado por esse rock cansado que rola por aí. Ainda se fosse influenciado pelo Stevie Wonder ou mesmo o Prince...


PLAYBOY: Por que “mesmo o Prince”?


TIM: O Prince pediu 180 toalhas para tocar no Rock in Rio. Por isso, eu passei a pedir 18 toalhas em cada show, o que é 10%, pra ver se o Roberto Medina valoriza mais a gente.


PLAYBOY: Ele não valoriza?


TIM: Pô, ele foi sequestrado e lhe deram um gavião! Como é que um cara é sequestrado e ganha um gavião? O sequestrador pede 2 milhões de dólares, ele manda pegar 4 milhões no Banco Central, que, aliás, ainda não devolveu, com 2 ele paga os sequestradores e com os outros 2 faz o Rock in Rio! [risos]. Pode?


PLAYBOY: Segundo ele, o Rock in Rio deu prejuízo.


TIM: Bicho, o primeiro Rock in Rio deu prejuízo, o segundo deu prejuízo e ele continua fazendo. Ele gosta de prejuízo. Adora um prejuízo [risos]. Trabalha pra cacete, traz um monte de merdas para cantar no Rock in Rio e paga ao Prince 500 mil dólares para rebolar a bunda. Eu cobro 10 mil dólares e é difícil pra caramba receber esse dinheiro — na hora H a coisa fica por cinco, seis, oito mil dólares no máximo. Todos choram pra conseguir um desconto.


PLAYBOY: Esse choro é só com você ou é com todo mundo?


TIM: Com alguns não tem disso, porque eles trabalham com uma estrutura mais apurada. O Roberto Carlos, por exemplo, não deixa chegar a esse ponto, nem o Tom Jobim. Os cantores brasileiros precisam ver isso, para não caírem nas mãos dessa manada de lobos, desses espanhóis que só se referem aos artistas como veados e às mulheres como putas. Outro dia, estava um carinha no escritório, sentado com o pé na mesa e perguntando: "Como é, esse Tim Maia vem ou não vem?" Era o filho do Recarey dando uma de reizinho. É hereditário o desrespeito: tem o Recareyzinho, já tem o Boninho e vai ter também o Marcos Lazarozinho e o Manuel Poladianzinho [Marcos Lázaro e Manuel Poladian são empresários de artistas]. O que é que esses caras já fizeram pelo Brasil? Eu estou aí, levando porrada de gorila na madrugada de Belo Horizonte para defender a música brasileira. E quem é o doidão? Tim Maia. Se faltar a um desses shows sem estrutura, que eles vendem como dúzia de bananas, levo pedrada: "Tim Maia, mais uma vez, não foi!"


PLAYBOY: Você está apostando que vai conseguir romper com tudo — gravadoras, empresários, TV Globo — e ficar independente?


TIM: Já estou independente. Rompi faz tempo e, financeiramente, estou me dando muito melhor do que antes. Com o disco da Bossa Nova, estou ganhando mais dinheiro do que com todos os que eu gravei até hoje — e olhe que eu já tive disco que vendeu 400 mil. Isto apesar de a CID [Companhia Industrial de Discos] não estar entregando os meus pedidos — e por quê? Só pode ser por causa da máfia das gravadoras. "Mas, como?! Tim Maia, disco independente, cantando Bossa Nova, vendendo pra cacete, até a VEJA falando bem — não pode!" Então, eles estão segurando meus discos e eu vou começar a prensá-los em São Paulo. No resto, tenho condições e quero fazer a coisa sozinho: eu mesmo vendo, eu mesmo divulgo. Só não consegui ainda derrubar a ditadura do jabá.


PLAYBOY: Conto é essa ditadura?


TIM: Em inglês é payola. As emissoras de rádio não tocam se você não pagar — não der o jabá. O Rio de Janeiro é um dos centros mundiais do jabaculê. Nós somos testa-de-ferro das gravadoras multinacionais e elas não deixam tocar música brasileira no rádio, cara! Há uma lei que manda tocar 75% de música brasileira para 25% de estrangeira, mas eles só tocam a brasileira de madrugada, quando não tem ninguém ouvindo. Se continuarem não me tocando no rádio, vou entrar com uma ação na Justiça. Pô, sou brasileiro, faço música brasileira, sou uma empresa nacional, tem que tocar. O diabo é que os cantores, ao contrário dos atores, são a raça mais desunida que existe. Todos pensam que são malandros.


PLAYBOY: Dê um exemplo.


TIM: Se seu cobro 10 mil dólares por um show, vem um cara e diz: "Eu faço por 5 mil". E faz. Isso acontece até mesmo na minha própria família. Meu sobrinho Ed Motta, que eu vi nascer, dei violão, dei microfone para ele brincar. Daí a pouco o cara ficou besta pra caramba, nem fala mais comigo. Se deixar, ele manda o Tim Maia pra casa do cacete e me apaga. Ele não quer ser o sobrinho do Tim Maia, ele quer ser mais do que o Tim Maia — nada dessa história de continuar amigos e parentes. Levou meu conjunto pra tocar com ele, inclusive um músico que estava comigo há 10 anos. Só que este já está louco pra voltar porque acha que meu sobrinho não está com essa bola toda. Bem que eu avisei ao menino: "Vai devagar, que isso é só uma explosão". Acho que a explosão dele já deu o que tinha que dar. Gravadora é a maior ilusão. No começo, é retratinho na parede, aquele cheirinho de limpeza e, depois, é puro escravagismo, tipo Sargentelli [o empresário da noite Oswaldo Sargentelli].


PLAYBOY: O que o Sargentelli tem a ver com isso?


TIM: Foi quem inventou esse negócio de que preto só serve pra mostrar a bunda. Então as pretas não sabem nem falar, nem comer nem se vestir, moram no morro e vão mostrar a bunda pros turistas. Eles acham bacana, mas, também, eles não têm muita coisa pra fazer. E com isso os escravagistas ganham a grana em cima, principalmente o Recarey, que pegou a herança do Sargentelli. Nem paga nada pras mulatas. Gosto do Sargentelli, é uma pessoa legal, me conhece. Acho que ele não tem consciência do que fez com o Brasil. Com as mulatas do Brasil. Enquanto está vivo, ele deveria angariar fundos para fundar uma universidade de pretos, já que ele botou tanta preta pra mostrar a bunda. Enfim, fazer alguma coisa pela raça. Principalmente pelas mulatas, que ele chama de mulatas, mas que são pretas mesmo. Não existe nesse negócio de mulata — é light skin ou mestiço. Mulata é cor de mula. Filho de preto com branco é mestiço. Hoje você quase já não vê preto nos Estados Unidos. Eles estão cada vez clareando mais.


PLAYBOY: Em Nova York, onde morou dos 16 aos 21 anos, você era preto ou mestiço?


TIM: Hoje eu sou "latino", mas na época eu era preto mesmo. Só que eu passava um negócio no cabelo, ficava com o cabelo liso e parecia um havaiano preto. O pior é que, a partir dos 19 anos, eu já falava inglês sem sotaque. Às vezes eu procurava um quarto para alugar. "Room for rent", dizia o anúncio. Rua tal, número tal, telefone tal. Eu ligava com o meu inglês perfeito e o cara me dizia que o quarto estava vago, quanto era etc. Eu ia lá no ato e, quando tocava a campainha, ele dizia: "Acabamos de alugar", "A pia está quebrada" ou "Tem uma goteira em cima da cama". Isso várias vezes — porque era o preto que chegava, não era nem o latino nem o havaiano.


PLAYBOY: No começo dos anos 60, em Nova York, ainda era comum o negro ter de ceder o lugar para o branco no ônibus. Você pegou isso?


TIM: Jamais. E eu não aceitaria isso de jeito nenhum.


PLAYBOY: Você é uma pessoa gentil, sensível, quase doce. Por que essa fama de violento?


TIM: É aquele rótulo perigosíssimo: Tim Maia é doidão. Outro dia eu levei um bote da Polícia Federal em Curitiba. Tinha feito uma escala em São Paulo e tomei um gorozinho a mais no aeroporto. Quando cheguei a Curitiba, tinha um federal fazendo charme com uma moça na sala VIP. Eu brinquei um pouco, ele não gostou, foi lá dentro e voltou com outros seis federais. Como eu podia saber que ele era federal, se não estava de boina nem nada? Aí me deram uma geral, me desmoralizaram, me trataram como bandido. Pô, eles botam 100 americanos tomando pico na veia no Rock in Rio, como o Guns'n Roses, e não acontece nada!


PLAYBOY: Você não acha que já passou da idade de ser revistado em aeroportos?


TIM: Pois é, na hora pensei até em ligar para o dr. Romeu Tuma, mas não vou ficar aí atrás de federal. Numa dessas, eu danço. Quatro ou cinco policinhas desses me apagam. E não é medo, porque eu subo morro sozinho, a qualquer hora — Rocinha, Pavãozinho, Dona Marta etc. Sou carioca, nasci aqui, sempre subi, não tem esse negócio.


PLAYBOY: E, para transar, você é dos delicados ou dos violentos?


TIM: Eu sou artista, sou do amor. Se duvidar eu até deixo a moça me comer, de tão gentil que sou. O que eu sou é um pouco afoito por causa da fimose.


PLAYBOY: Você tem fimose?


TIM: Pois é, ainda. Mas, hoje em dia, com esse negócio da doença, vai ver que é até bom ter fimose. A gente fica mais protegido. A fimose é aquele cabrestinho. Com ele, o peru fica sempre coberto e, portanto, muito sensível. Saiu, bateu, gozou. Com a camisinha está sendo melhor pra mim, porque ela prende a cabeça e não tem aquele negócio de ejaculação rápida. Nunca pensei em operar. Dizem que tem pessoas de 60 anos que operaram e se deram bem. Um amigo meu, guitarrista, operou. A mulher estava reclamando que ele estava galo demais, na base do "vai ser bom, meu bem, não foi?".


PLAYBOY: E as moças não reclamam de você?


TIM: Muito. Você perde a mulher logo, essa é que é a verdade. No momento em que ela pega um sem fimose, vai embora correndo. Em batizado de judeu, então, está assim de homem sem fimose.


PLAYBOY: Você não acha que bebida demais também atrapalha o desempenho?


TIM: Não. Um bom uísque, bem controlado — pra também não broxar — até ajuda. Com um bom 12 anos, na décima dose, tanto faz ter ou não ter fimose. Fica até difícil de baixar.


PLAYBOY: Você broxa muito?


TIM: Nunca broxei na minha vida.


PLAYBOY: Oh, não, outro Ziraldo!


TIM: Graças a Deus. Eu tenho fimose, sou doidão, mas me alimento muito bem, tomo minhas vitaminas. Então, acho que é isso. Nunca me aconteceu. Nem bêbado.


PLAYBOY: O que é melhor, um grande porre ou uma grande mulher?


TIM: Uma mulher. O porre faz mal ao fígado. A mulher é o complemento do homem [risos]. E também não é só o sexo. Existe o amor, a companhia. Todas as minhas mulheres têm saudade da minha companhia, tenho certeza disso. Do meu peru eu sei que elas não têm saudade. Mas do meu carinho, do papo, do violãozinho quando elas chegavam em casa, de ver a novela com elas, ah, isso elas têm. Não sou machista.


PLAYBOY: Quantas vezes você já casou?


TIM: Casado mesmo, três vezes. Mas nunca assinei nada. Morei com três mulheres, além de algumas cocotinhas — uma delas de 14 anos. Ela fez 15 anos lá em casa, era mais doida do eu, só pensava em sexo, dólar e rock and roll. Então não deu para aguentar. Uma menina legal, a Marcinha. E morei com uma agora que me deu uma chifrada tão boa que eu ainda estou raspando o chifre.


PLAYBOY: Pelo que você conta, isso de levar chifre não acontece muito com você?


TIM: Acho que acontece com vocês também. Se eu falo no assunto, é porque eu sofro muito. Eu sou um corno sofrido.


PLAYBOY: Ser o Tim Maia ajuda a atrair as mulheres?


TIM: Bem, eu estou virando grife. Meu sobrinho Ed Motta, 150 kg, acabou de casar agora, aos 19 anos, com uma mulher de 29. Há dois anos ninguém queria saber dele.


PLAYBOY: Falando nisso, quanto você pesa?


TIM: Depende das noites que eu durmo. Como dormi nos últimos dois dias, devo estar pesando 140. Quando não durmo, caio para 136.


PLAYBOY: Ser gordo atrapalha para transar?


TIM: O problema do gordo é só um: quando ele beija, não penetra; e, quando penetra, não beija.


PLAYBOY: Há pouco, você declarou à Folha de S. Paulo que seu hobby era masturbação. É mesmo?


TIM: E verdade. Até hoje eu toco minhas punhetinhas, graças a Deus. Às vezes, até com a mulher do lado. Masturbação é um troço da mente. Tomo um gorozinho legal, tomo um banho, aí vem a inspiração e eu descasco aquela bananinha.


PLAYBOY: Woody Allen disse que masturbação é fazer sexo com a pessoa de que você mais gosta. É isso?


TIM: Ou seja, você mesmo. O bom quando você se senta em cima da mão esquerda, para ela ficar dormente e você pensar que é outra pessoa que está tocando. Antes de comer mulher, eu tocava o instrumento. Acho que as mulheres também se masturbam.


PLAYBOY: Por que você paga às mulheres para ter sexo, como declarou recentemente no programa de televisão do Amaury Jr. na Bandeirantes?


TIM: Pago mulher para ficar comigo aqui neste apartamento, porque tenho o maior grilo de ficar sozinho. Elas vêm, dormem, algumas vezes nós transamos, outras não. Tem uma que vem sempre, já é amiga. Come até dizer chega, vê TV, não faz nada, dorme e leva Cr$ 10.000,00.


PLAYBOY: A quem você pagaria milhões para transar?


TIM: A nenhuma.


PLAYBOY: Você não tem fantasias com os grandes símbolos sexuais, como Xuxa, Vera Fischer ou Doris Giesse?


TIM: Tenho, adoro todas elas, mas não pago mais que a tabela. Toda mulher merece uma grana, mas além da tabela, nunca. Porque aí vem o arrependimento. O michê é uma coisa rápida. Nós fomos criados ali na zona, no mangue, naquela base do "Vamos logo meu filho", "Já foi, meu filho?". Daí veio o costume de ser apressado quando tem de ser apressado. Não pode ficar com muito romance, é uma coisa de segundos.


PLAYBOY: Sua primeira vez foi no mangue?


TIM: Não. Foi na Tijuca, com uma amiga nossa chamada Marisa Boca-de-Merda, porque ela tinha um mau hálito horroroso. Todos nós comemos — eu, o Roberto, o Erasmo.


PLAYBOY: Erasmo Carlos declarou a PLAYBOY, há cerca de dez anos, que já havia transado com mais de mil mulheres. Você acredita?


TIM: É por isso que ele está broxa [risos]. Já transou tudo a que tinha direito. Deve ser verdade que ele comeu mais de mil porque, na época da Jovem Guarda, aquela rapaziada era fogo.


PLAYBOY: Qual foi a coisa mais louca que você se lembra de ter feito em termos de sexo?


TIM: Uma fiz uma suruba com dez mulheres. Foi ali na Gávea, onde eu morava. Já tinha quatro mulheres lá. Eu havia combinado com mais duas, então ficaram seis. De repente, não sei como, eram dez. Eu prometi: "Vou dar um presentinho para cada uma". Aí ficou todo mundo nu, eu dei conta de umas três e depois não aguentei mais, porque estava doidão. Inclusive tinha duas tão interessadas uma na outra que não dava nem para chegar perto.


PLAYBOY: Você já deve ter transado com alguma mulher muito conhecida e desejada, não?


TIM: Nunca transei com uma mulher famosa. Namorei umas chacretes que, por sinal, já estão até casadas, todas duas. Outro dia transei com uma mina aqui. Eu estava sozinho. Uma amiga minha disse que não podia vir e recomendou uma colega. Eu estava de rebordosa, a moça chegou e foi logo dizendo: "Boa noite, Tim Maia, você sabe que eu sou de programa, não sabe?" Bonitinha, corpo bacana. Aí ela continuou: "Mas às 7 da manhã tenho que levantar porque preciso levar meu filho no colégio". Quando deu 6h43, maior escuro, ela gritou: "TIM MAIA!!!". Eu acordei assustado e quase a agredi. Ela se levantou e foi embora mesmo. Comecei a achar que seria preferível não ter chamado ninguém e ficado calmo do que me meter com uma louca daquelas.


PLAYBOY: Isso não o deprime?


TIM: Eu gostaria de transar com umas artistas bonitas, umas Doris da vida. Solteiras — porque tem muita mulher casada. Mas, não sei por que, nunca. Outro dia, a Vera Fischer e o Felipe Camargo estiveram aqui em casa. A Vera começou a brincar comigo e o Felipe não gostou. Eles são meus amigos, tenho muita admiração por ela. Daria para comer umas artistas se eu saísse com o carro bonitinho, ficasse calmo, fizesse aquele perfuminho e investisse. Mas não sou muito de investir, sou mais da espontaneidade. Não sou sexualmente planejador. Fui criado na zona, pagando aquele royalty normal. Às vezes a gente deixa de transar um romance com uma pessoa do nosso nível intelectual, artístico, social — enfim, uma cantora, uma atriz — porque são poucas as oportunidades. A gente não se comunica. Aquela Patrícia [a cantora Patrícia Marx], eu daria tudo só para olhar a Patrícia. Faria qualquer voz, até um vocalzinho, só para ficar com a Patrícia.


PLAYBOY: Você pensa mais em sexo hoje do que, digamos, há uns 20 anos?


TIM: Vamos ver. Eu estava cantando no People, sentou uma comadre com umas coxas, que eu fiquei cantando de olho nela o tempo todo. Tentei falar com ela, dar um disco, mas o namorado não deixou. [Divagando]. Sexo é coisa gostosa. Assim de mulheres bonitas no Brasil. Ontem eu cantei na Mangueira, pintou uma mina lá, a madrinha da bateria. Muitas vezes é fã, não está a fim de transar com você. Pô, eu peso 140 quilos, não sou nenhum galã, sempre fui complexado, mas você vai ficando popular, as mulheres gostam. Graças a Deus, com esse lance de cantar Bossa Nova, estou ficando charmoso, as mulheres estão chegando perto.


PLAYBOY: Por causa da Bossa Nova?


TIM: É. Eu estou trazendo uma coisa diferente. O maior nome da Bossa Nova era o Johnny Alf, mas ele é preto. João Donato também é bom demais. Aí vieram o João Gilberto, que é um supermúsico, mas complicado até para receber presente, e o Tom Jobim, um cara malandro pra caramba, mas que não canta nada. Se eu fosse o Tom Jobim, nunca cantaria. Ficaria só com o piano. É como cheirar e tocar flauta ao mesmo tempo. Eu não cheiro, mas também não toco flauta.


PLAYBOY: Você costuma dizer que não bebe, não fuma e não cheira, só mente um pouquinho, não?


TIM: Eu sou igual ao Roberto Carlos, sou caretinha. Tudo que sei sobre tóxicos aprendi nos livros. Por causa desse papo, eu perdi outro dia uma grande amizade, quando disse que o Nelson Gonçalves tinha parado e o Chico Anysio estava dando um tempo — de se apresentar no interior, claro. O Chico grilou comigo e eu lhe pedi desculpas, mas a culpa foi do Ivan Cardoso, diretor de múmia, numa entrevista comigo para a Interview.


PLAYBOY: Você apoiou a campanha do presidente Collor, a do "Diga não às drogas", argumentando: "É isso mesmo, deixa pra quem gosta, que já está escasso nas bocas". Está escasso mesmo?


TIM: Esse negócio de tóxico, eu acho o seguinte: não é comigo. Primeiro, porque é contra lei. Segundo, é perigosíssimo. Faz mal à saúde e o pior é você ser preso. Um amigo meu, o Paulo Bagunça, ex-salva-vidas e agora polícia, pai de três filhos, foi preso porque outros policiais encontraram 10 gramas de brizola [cocaína] com ele. Já a filha daquele juiz no Rio, que foi encontrada com 80 quilos de brizola no apartamento do pai, está na rua. Por isso, acho besteira eu falar de tóxicos. Isso é coisa de quem tem grana, de quem tem poder. O dinheiro manda em tudo. Se pago mulher para ficar comigo é porque sou um cara solitário, e minha grana — eu, que nunca especulei, nunca comprei dólar — está com o Collor. Mas o doidão é o Tim Maia ou o Lobão.


PLAYBOY: Você acha que droga é coisa de jovem?


TIM: Depende da droga. Urubu é urubu e gavião é gavião. Nenhum tóxico é igual, e maconha não é tóxico. Eu sou contra cocaína. Meus filhos não cheiram, não quero que eles usem nada. Morei em Nova York e conheci tudo isso lá. Fui fazer um curso na Universidade de Nova York e aprendi como se tomava pico. Isso não pode ser tratado demagogicamente. A maior propaganda da cocaína está na televisão. Eles mostram o papelote, mostram o cara com aquela faquinha abrindo os pacotes da Colômbia. São toneladas e toneladas diariamente no vídeo. Agora, um tequinho, dois tequinhos, eu li numa revista que não faz mal. Mais do que isso, é broxante. Aliás, o excesso de goró também broxa.


PLAYBOY: Qual foi o seu recorde de birita até hoje?


TIM: Cinco garrafas de uísque em três dias. Mas tenho um amigo que, se pudesse, ia morar dentro de uma fábrica de haxixe. Ontem mesmo estava pensando: "Eu tenho que parar...".


PLAYBOY: Você já se imaginou vivendo sem esses troços?


TIM: Eu não sei, porque sou careta, mas tenho um amigo que... Olha, isso é uma total demagogia. O que é preferível? Você queimar uma canabis gostosinha e ficar relax ou fazer aborto como esses aborteiros por aí? Aqui em Copacabana está assim de aborteiros, matando crianças. Na década de 80, fiquei dois anos naquela seita, Universo em Desencanto — e caretinha. Inclusive tive filho porque me desintoxiquei.


PLAYBOY: Como é que você foi parar nessa?


TIM: Por causa de um livro que me foi dado pelo Tibério Gaspar [músico], chamado justamente Universo em Desencanto. Sou chegado em ufologia, já estive em vários simpósios, procuro conhecer pessoas que se interessam por seres extraterrenos. Nunca tive contato direto, mas sabe aquela história de que Paris é lindo? Aí o cara te pergunta: "Você conhece Paris?". E você responde: "Não, mas tenho um irmão que tem uma tremenda vontade de conhecer". Nunca tive contato, mas sei de casos, sempre estudei isso. Então fui para essa seita, que prometia me preparar para entrar em contato com seres extraterrenos. Quando cheguei lá, vi que o negócio era umbanda, candomblé, baixo espiritismo. O chefe era o Manoel Jacinto Coelho, que acabou de morrer. Ele passou quinze anos com o seu Sete da Lira e tinha uma propriedade enorme em Nova Iguaçu, que incluía até um motel para extraterrenos. O homem morreu, mas a família continua administrando essa farsa, vendendo milhares de livros. A filha dele agora está dizendo que eu queria ficar com os direitos do negócio.


PLAYBOY: O que você fazia para o Universo em Desencanto?


TIM: Só de excursão para São Paulo eu fiz umas dez — pagando tudo, ônibus e mais ônibus. Íamos na televisão com o livro nas mãos e, só de uma vez, o Jacinto vendeu 10 mil livros. Ele era esperto também e comprou dez rolos de tape que eu tinha gravado na RCA. Com eles, foram feitos dois LPs e quatro compactos. O negócio todo girava em torno de vender o livro. É por isso que eu tenho hoje essa birra com livro, não leio mais nada, nem gibi.


PLAYBOY: Que história era aquela de um motel para extraterrenos?


TIM: Ele comia todo mundo lá, principalmente a Rubenilda, mulher do João Feijão, que trabalhava com ele, e a mulher do Francisco, que trabalhava comigo. E mais a irmã da mulher do Francisco. Era um tarado sexual e aquilo era uma sacanagem total.


PLAYBOY: E como foi que você descobriu?


TIM: A Rubenilda me contou. E depois as pessoas que ele sacaneou foram me revelando: dono de haras, de metade de Jacarepaguá e de várias empreiteiras que fizeram a ponte Rio-Niterói. Milionário. Enquanto eu estive lá nunca ganhei tanto dinheiro e nunca perdi tanto dinheiro.


PLAYBOY: Você é normalmente muito explorado?


TIM: Pois não contei que tenho um irmão que mora há sete anos no meu apartamento sem pagar nada e não desocupa? Outro dia, ligou para cá uma mulher chamada Rosemary, que andava sumida há uns nove meses, e falou: "Tim, nasceu, é menina". Fiquei sem entender. Ela explicou: "Eu não queria falar nada, mas ela está tão fraquinha, está no hospital". E eu disse: "Mas eu não transei contigo!". E ela: "Você não se lembra daquela noite em que você mandou eu fazer aquele carinho com a mão em você? Aí, eu peguei o negócio e botei lá". E eu: "Que negócio?". E ela: "O esperma". A menina nasceu agora, em março ou abril. E, como essa, tem mais de dez que ligam para cá com a mesma história. "Lembra quando eu estive aí? Pois estou grávida!".


PLAYBOY: Você, que é um artista independente, bem-sucedido e amado por milhares, não acha a sua vida particularmente sem glamour?


TIM: Concordo. Essa última mina que morou comigo é uma fã que foi me ver num show. Eu percebi que estava entrando numa furada por causa do nível das irmãs, da família dela. Mas a gente quer ser bacaninha e se ferra. Não é ser calculista, mas é preciso ver direito as coisas. O preço da fama é isso. Eu fiz o curso completo de malandragem na rua: seringas, loucuras, roubos, furtos, coisas ruins. Você adquire um conhecimento que não leva a lugar nenhum. Se eu tivesse estudado pintura, talvez hoje estivesse pintando melhor. Se tivesse estudado música, a vida seria mais fácil. Toco contrabaixo, mas não leio música, só cifra. Ou um outro estudo qualquer — arte culinária, por exemplo. Poderia fazer uma comidinha que fosse melhor pra mim.


PLAYBOY: Até onde você estudou?


TIM: Nenhum de nós — eu, o Roberto, o Erasmo — estudou porra nenhuma. Quem estudou mais foi até o 3º ano ginasial, no máximo. Na realidade a única formação que nós tivemos foi o curso de datilografia no Colégio Ultra, na Tijuca, e mesmo assim incompleto [risos]. Hoje, o Roberto e o Erasmo são metidos a intelectuais: o Roberto fuma cachimbo e o Erasmo diz que lê Shakespeare [risos]. Se eu não tivesse ido para os Estados Unidos, não teria aprendido a falar inglês fluentemente, que é o que me salva hoje. Quando cheguei lá, não sabia nada, exceto um rock do Ronnie Self chamado Bop-A-Lena — que depois o Jorge Ben começou a cantar. Daí o seu apelido de Babulina.


PLAYBOY: No seu disco de Bossa Nova você canta Garota de Ipanema em perfeito inglês.


TIM: Sim, porque em português, até o D. Helder Câmara já gravou e só falta o Romeu Tuma. Eu estava em Nova York quando a Bossa Nova estourou por lá, de 1960 a 1964. E estava inclusive na plateia do Carnegie Hall na noite daquele concerto [21 de novembro de 1962]. Cheguei até a gravar uma Bossa Nova naquela época, New Love, com o [baterista] Milton Banana, que participado do concerto. O Stan Getz [também músico, morto recentemente – em junho de 1991] estava fazendo o sucesso com o Desafinado, e eu corri os Estados Unidos dizendo que aquela música era brasileira, quando os caras achavam que era americana.


PLAYBOY: Você se dá com o João Gilberto?


TIM: João Gilberto não é uma pessoa, é um telefone. É um grande cantor e um grande músico, mas é um cara muito estranho, interiorizado, cheio de grilos. Há quem ache ele 22 [maluco], mas ele não rasga nota de 100 dólares, nem come cocô. João Gilberto é semi-22. Outro dia eu estava na casa dele e ele passou o dia falando assim: "Gilberto Gil é bicha. Gil é bicha. É bicha". Sou fã do Gil, achei uma brincadeira boba, não sabia porque ele estava falando aquilo. Dias depois, a [atriz] Maria Gladys foi visitá-lo e ele passou o dia falando: "Tim Maia é bicha. Tim é bicha. Bicha". Eu fiquei sabendo, liguei para a casa dele e disse: "Olha aqui, seu isso, bicha é isso e aquilo da senhora sua mãe. Vou contar pra todo mundo o que você fica fazendo nesse apartamento e te expulsar do Rio de Janeiro" [risos]. João Gilberto é um geniozinho, mas precisa ser mais humilde. A humildade é tudo.


PLAYBOY: Roberto Carlos é um geniozinho?


TIM: Não. Roberto Carlos é inteligente, batalhador e canta mais ou menos.


PLAYBOY: E Tim Maia?


TIM: Por enquanto é um sujeito que, em vez de estar dormindo com uma Miss Brasil maravilhosa até às 9 da manhã, acaba dormindo com uma prostituta que sai correndo às 6h43 e ainda leva quinzinho. Mas isso vai mudar.


POR RUY CASTRO

FOTOS NANA MORAIS


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