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TOM CAVALCANTE | JUNHO, 2009

Playboy Entrevista


Uma conversa franca com o humorista mais popular do Brasil

sobre sua obsessão por máscaras e pegadinhas, brigas no Sai de Baixo,

o padrinho Chico Anysio, palanques políticos, saia-justa com

o ex-presidente Sarney e o dia em que, se passando por Lula,

puxou a orelha de dois senadores do PT

O humorista Tom Cavalcante guarda em casa um completo arsenal para palhaçadas. São máscaras, perucas e outros acessórios que usa para pregar peças nos amigos, familiares e, principalmente, nas cin­co empregadas domésticas. Sua mais recente aquisição é um totem em ta­manho real do jogador Ronaldo, do Corinthians, que já foi colocado no ba­nheiro de serviço para assustar as mo­ças e em outros cômodos de seu apar­tamento para surpreender a mulher, Patrícia, empresária de 32 anos, e os três filhos — Ivete, de 23 anos, Ivens, de 21, e Maria Antonia, de 9. Ao contrá­rio de muitos profissionais da graça que, paradoxalmente, são rabugentos na vida privada, Tom é bem-humora­do, num estilo que por vezes lembra traquinagens dos tempos de escola.

Antônio José Rodrigues Cavalcante nasceu em Fortaleza há 47 anos, filho de um comerciante e de uma dona de casa. Aos 13 anos, ficou órfão de mãe e a partir daí teve de se virar para ajudar no sustento da casa. Na adolescência, fa­turou alguns trocados como jogador de futebol. Medíocre com a bola mas aci­ma da média na arte de fazer graça, tro­cou os gramados pelos microfones das rádios, onde começou a dar vida a seus primeiros personagens, honrando a tra­dição dos conterrâneos Renato Aragão e Chico Anysio. Não demorou muito, Tom passou a ser convidado a realizar shows de humor nos bares de Fortaleza. Mas foram necessários dez anos de in­sistência até que conseguisse uma vaga num programa de televisão: a Escolinha do Professor Raimundo, de Chico Anysio, como intérprete do bêbado João Canabrava.

Antes de começar a lotar teatros por todo o país, Tom participou de campa­nhas políticas, animando comícios dos então candidatos ao governo Tasso Jereissati e Ciro Comes. O reconhecimen­to de seu talento chegou no início dos anos 1990, quando foi contratado pela Rede Globo, onde participou do humo­rístico Sai de Baixo e estrelou seu próprio programa, o Megatom. O sucesso levou a revista VEJA a estampá-lo na capa apontando-o como uma máquina de fa­zer rir. Em 2004, ele se transferiu para a Record incumbido de implantar o núcleo de humor da emissora. Hoje, assina a direção-geral da sitcom Louca Família e comanda o Show do Tom, no qual exer­cita com maior desenvoltura seu princi­pal talento, o de imitar personalidades. Tom Cavalcante evita divulgar valores, mas seu patrimônio e seu estilo de vi­da dão uma mostra de que dinheiro não é uma preocupação. Faz viagens luxuosas com a família para o exterior pelo menos duas vezes por ano e mora num dos endereços mais caros do país - uma cobertura nova em folha a uma quadra da Praça Vilaboim, no bairro de Higienópolis, na zona oeste de São Pau­lo. Foi lá que ele recebeu a editora Adria­na Negreiros para uma conversa rega­da a suco de tangerina e pães de quei­jo. "Sabia que o [ex-presidente] Fernando Henrique é meu vizinho? Ele mora bem aqui perto”, gabou-se logo de início.


PLAYBOY Vocês são próximos?


TOM CAVALCANTE Sim, de ele vir aqui em casa, de jantarmos com dona Ruth.


PLAYBOY Você é amigo de vários políticos, como o senador Tasso Jereissati [PSDB-CE], o governador Aécio Neves [PSDB-MG].


TOM Sim, e do presidente Lula também. Ele até me ligou aqui em casa no ano passa­do. Deviam ser umas 10 da noite. Achei até que era um dos meus amigos hu­moristas brincando comigo. [Imita a voz do presidente.] "Vamos jantar. Ou você quer que eu mande alguém buscar você aí?” Também sou muito amigo do Geraldo.


PLAYBOY Alckmin [ex-govemador e atual secre­tário de Desenvolvimento de São Paulo]?


TOM É... E do senador Aloizio Mercadante [PT-SP], do deputado Ciro Gomes[PSB-CE].


PLAYBOY Quando o humorista é amigo do po­lítico, isso não interfere no trabalho dele?


TOM Não, porque eu não tenho uma denúncia a fazer por meio do meu hu­mor. Faço humor pelo humor, nada que atinja a gênese do cara. É um humor mo­leque. E eu sou amigo das pessoas, não tenho nenhuma tendência partidária.


PLAYBOY Os políticos não se irritam com as suas imitações?


TOM Não. Sempre imitei o Lula, o Fernando Henrique, o Tasso, o Ciro...


PLAYBOY Talvez não assumam em público, mas um funcionário de Roberto Justus [apresentador do programa O Aprendiz] contou à PLAYBOY que, no começo, quando você imitava o patrão dele na TV, o dia seguin­te na agência era um inferno. O Justus ficava num humor terrível.


TOM [Risos.] No começo foi assim mesmo, mas de­pois ele assimilou. Embora eu não te­nha um texto grotesco pra atingir a pessoa, a minha imitação caminha numa linha tênue entre o real e o ima­ginário. Aí é que está o segredo. E o Ro­berto, quem conhece ele de perto sa­be que ele é muito... [Procura a palavra.]


PLAYBOY Vaidoso.


TOM Sim, vaidoso, muito poli­do. Mas depois ele começou a gostar. Ele só dizia: “Eu não tenho esse ne­gócio de tique nervoso. Você pode pa­rar com isso!”. [A assessora de Tom inter­vém: "Conta a pegadinha do dia em que vo­cê chegou em casa caracterizado de Justus".]


PLAYBOY Como foi isso, Tom?


TOM Ah, pegadinha eu faço direto. As meninas que trabalham aqui em casa vieram todas do interior. Um dia, eu estava montado de Justus e liguei para uma novata, que tinha acabado de chegar do interior da Bahia. Falei: “Andréa, o Roberto Justus tá indo aí em casa. Você serve um café pra ele que eu tô chegando”. Aí cheguei caracterizado e ela abriu a porta. Eu estava de óculos escuros, eram 2 da tarde. [Imita a voz de Justus.] — Boa tarde. O Tom já chegou? — Não, senhor, seu Roberto, mas o se­nhor pode entrar.


PLAYBOY Ela não reconheceu você?


TOM Nada. Aí eu sentei ali no sofá. Ela se aproxi­mou e viu minha cara meio branca por causa da maquiagem, que a luz da TV disfarça. E começou a rir. Eu disse: — Você está rindo de quê? Você acha que eu sou um imbecil? — Não, senhor, me desculpe. Deu um choque, e ela deve ter pensado: “Vixe, é ele mesmo!”. Não saí do persona­gem. Ela baixou a cabeça, e eu aproveitei. — Você é de onde? — Sou da Bahia, seu Roberto. — Já me viu na televisão? — Não, porque seu programa é muito tarde, seu Roberto. — Pois devia. Para aprender um pou­co, ter cultura.


PLAYBOY Coitada. Deve ter sofrido um bocado.


TOM Eu agora mesmo tô com um totem do Ronaldo aqui, gigantesco. É pôr ali no banheiro das empregadas pra elas se assustarem [Risos.] Máscaras eu tenho todas que você possa imagi­nar. Trago dos Estados Unidos, de lá­tex. Fui com uma delas pra Redenção [cidade no interior do Ceará], botei uma e disse [faz voz de velho]: “Boa tarde, seu menino!”. E era pai pegando os filhos, igual a rabo de burro, pra sair dali voando [Vira-se para a empregada: "Fátima, pega ali uma máscara no meu guarda-roupa".]


PLAYBOY Você curte uma molecagem.


TOM Eu cur­to muito isso. [A mulher de Tom, Patrícia, chega com uma máscara de látex de um velho.] Ó aqui esta máscara. Você não se as­susta com um negócio desses? Você fica nu com uma máscara dessas e pega um amigo que tá te visitando desprevenido.


PLAYBOY Você já fez isso?


TOM Já. Uma vez veio um amigo meu lá do Ceará passar a noite aqui em casa. Ele estava sen­tado bem aqui neste sofá assistindo a um filme, e eu vim pela porta, com a máscara. Quando ele me viu, come­çou a gritar: “Patrícia, Patrícia!”. Aí eu disse: “Deixa de ser frouxo, cara, gritando por uma mulher!” [Risos.]


PLAYBOY Na época em que era radialista em Fortaleza, você também aprontava das suas. Certa vez, imitando Lula na rádio, mudou o endereço de um comício. Como foi isso?


TOM Era na épo­ca da campanha para governador, e o Lula foi pra Fortaleza dar apoio para o pessoal do PT. O Lula ia fazer um comício na Praça José de Alencar às 5 horas e eu, irresponsável total, fiz ele transferir para a Praça do Ferreira, às 8.


PLAYBOY Como você fez isso?


TOM Eu fingi que o Lula estava dando uma entrevista. Era longa, de mais de uma hora, e a todo momento ele quer dizer, eu avi­sava [imita a voz]: “Companheiros, esta­rei na Praça do Ferreira às 8 da noite. Queria convocar todos os companhei­ros para a Praça do Ferreira” [risos].


PLAYBOY Que sacanagem!


TOM Só depois é que ele veio a ficar sabendo o motivo do esvaziamen­to do comício da Praça José de Alencar. E o evento teve de ser transferido mesmo, porque eu trabalhava na maior rádio do estado. Muito louco isso, né? Agente não tinha noção. Fazia muitas brincadeiras na rádio que chegavam a beirar o sério.


PLAYBOY Por exemplo?


TOM Uma vez eu estava numa unidade móvel da emissora e chamei a central da rádio como se fosse da polí­cia. [Faz voz de policial.] “Estou me servindo aqui do microfone desta unidade móvel para comunicar que acaba de pousar, positivo, próximo aqui à beira-mar, um jato da Força Aérea Brasileira.” Nossa, o que foi de carro de rádio e da televisão em Fortaleza para cobrir esse negócio! E até hoje, lembrando esses episódios, os amigos me colocam em saias-justas.


PLAYBOY Que tipo de saia-justa?


TOM Outro dia eu estava na casa do Tasso [Jereissati, senador] e lá estava também o José Sarney [presiden­te do Senado]. Aí o Tasso chegou pra mim e disse: “Conta aquela história que tu fez no rádio”. Eu ri um pouco, disfarcei e saí. Não contei. Porque essa história me deixa numa saia-justa, entende?


PLAYBOY Entendo, mas agora você vai contar essa história.


TOM Tá bom. O Sarney ainda era presidente da República, estava em Fortaleza, e a dona Iolanda Queiroz, dona da rádio onde eu trabalhava, foi ao aeroporto buscar a dona Marly [esposa de Sarney]. No carro, quando elas voltavam do aeroporto, o motorista ligou o rádio e estava passando o meu programa. Na época, eu gostava de imitar o presidente Sarney comentando novelas. Estava no ar uma novela com o Tony Ramos e a Re­gina Duarte. Eu fazia assim [imita a voz de Sarney]: ”Tony Ramos não tem condições de namorar Regina Duarte se a Glória Pires é amante dele na novela”. Espan­tada, a dona Marly falou: “Mas o Zé [Sar­ney] tá na rádio? O Zé tá falando isso na rádio?” Foi um constrangimento geral.


PLAYBOY O senador Tasso também gosta de pedir que você faça imitações.


TOM Outro dia ele me ligou, estava nu­ma votação seríssima lá no Senado, e tinha dado uma pausa. Era uma vo­tação tensa, que interessava ao go­verno Lula. Aí o Tasso falou assim: “Tom, eu tô aqui perto do Tião Viana [PT-AC] e de alguns outros senado­res. Eu vou passar para o Mercadante, e você faz de conta que é o Lula”. Eu dis­se [imita a voz de Lula]: "ô, Mercadante? Cê não tá me apoiando, não? Cacete!”.


PLAYBOY E qual foi a reação do senador Mer­cadante?


TOM "Estou, presidente, estamos todos lhe apoiando, fique tranquilo, Lula”. E eu disse: “Pois deixa eu falar com Tião!". Quando o Tião atendeu, eu falei: “Cê tá com covardia, Tião?” E o Tião, todo educado: “Não, presidente, o senhor pode ter certeza de que a banca­da inteira está trabalhando". Aí o Merca­dante pensou com calma até que matou a charada: “Isso não é o Lula, não, é o Tom, né? Isso é o Tasso com as brincadeirinhas de cearense dele! ”. Ficou pê da vida [risos].


PLAYBOY Quando você percebeu que tinha ta­lento para a imitação?


TOM Com 7 anos eu imitava cantores, voz de mulher e bi­chos. Papai mostrava uma gaiola e dizia: “Este pássaro canta ao meu comando”. Chegavam lá em casa uns senhores de idade, e ele dizia: “Canta, graúna”. E eu, atrás da porta, imitava o som da graúna.


PLAYBOY Você achava nessa época que esse seria o seu futuro profissional?


TOM Nada. Achava que ia ser médico. Com uns 15,16 anos, entrei numas de querer ser jogador de futebol. Joguei no juvenil do Ceará, no Fortaleza e no Calouros do Ar, que era um time ligado à base aérea de Fortaleza.


PLAYBOY Qual era sua posição no time?


TOM Eu jogava de meia-direita. E aí nasceu meu primei­ro personagem. Depois que minha mãe morreu, mudei para o Montese, um bair­ro com sete times da liga do subúrbio. Ali moravam alguns jogadores profissio­nais, e eu me interessei em fazer amiza­de com eles. Os caras falaram: “Como é teu nome? Os meninos estão dizendo que é Marcelo". E aí virei Marcelo. Até hoje, quando volto no Montese, falam comigo assim: “Tu chegou quando, Marcelo?”


PLAYBOY E você era um bom jogador?


TOM Media­no. Eu brincava muito. Dizia assim: “Se eu não conseguir ser jogador de futebol, vou embora ser artista no Rio de Janeiro ou em São Paulo”. Os meus amigos respondiam: “Rapaz, tu devia ir mesmo. Tu é muito mais engraçado como comediante do que bom jogador”.


PLAYBOY Dizem que você prestava mais atenção aos radialistas do que ao jogo em si.


TOM Meu ouvido é um radar para tudo. Por isso eu imito. Eu estava ali dentro de campo e ouvia o narrador na beira do gramado [imita o narrador]: “Daqui a pou­co você vai ter Fortaleza e Fluminen­se”. A bola vinha, e eu prestando aten­ção na narração. Até que fui fazer um teste na rádio O Povo. Não passei, mas consegui emprego de revisor no jornal.


PLAYBOY O que tem a ver uma coisa com a outra?


TOM Nada. Como fiz o teste na rádio e não en­trei, passei no jornal, que ficava no mes­mo prédio, e perguntei: “Não tem em­prego de nada pra mim aí, não?” Tinha de revisor, e eu fiquei. Eu precisava de um salário, ganhava muito pouco no fu­tebol. Mas não me conformei com aquilo e fui fazer um teste na FM 93. Quando cheguei lá, tinha 17 na minha frente na fila. Todos entraram, menos eu. Engraçado isso. Tudo comigo é difícil.


PLAYBOY Sua mãe morreu quando você tinha 13 anos. Como seu pai fez para cuidar dos três filhos na ausência dela?


TOM Na morte dela tudo mudou. Ela perdeu um filho de 3 meses, de meningite, e acusou o golpe. Veio o câncer, e em um ano ela de­finhou. Um dia ela foi pro hospital, ficou lá uns dez dias. Uma noite meu pai me mandou ir ao quarto falar com ela. Soltei um beijo e disse: “Volto já”. Então fui cor­rer com meu irmão dentro do hospital, e fomos expulsos de lá pelos seguranças. Papai disse antes de eu sair: “Falou com sua mãe, né?” Eu disse: “Falei. Amanhã eu volto”. Mas não teve esse amanhã.


PLAYBOY O que aconteceu?


TOM Eu e meu irmão fomos para a aula de manhã. A coor­denadora nos chamou na sala e disse: “Vocês têm de ir para casa agora". Não tinha coragem de falar. E como é que fala “vai pra casa que sua mãe morreu? É igual àquela piada do quartel. O cara chega e fala assim: “Quem tem mãe dê um passo à frente. Você não, fulano”.


PLAYBOY Você só descobriu quando chegou em casa?


TOM Eu vim entrando no quarteirão lá de casa e vi aquela multidão. Pensei: “O que será isso?” Eu era uma criança que vi­via num mundo lúdico de trepar em goiabeira, de correr atrás de bola. Aí fui me aproximando e vi aquela cena. Minha mãe estava vestida com a roupa de São Francisco. Foi uma coisa tão estranha, tão dura, que naquele momento quebrei um pacto de amizade com tudo. É uma imagem muito forte: a pessoa que você viu um dia antes está ali deitada [pausa].


PLAYBOY Tom?


TOM Tô querendo chorar... Enfim, a partir dali começa uma história de sobrevivência. Minha irmã foi morar em Tianguá [cidade serrana do Ceará], meu irmão foi morar com outro parente, e eu fui morar com uma tia em Fortale­za. Um lar foi desfeito. Até que, um ano e meio depois, papai se casou de novo e voltamos a morar com ele. A vida era dura. Por isso eu tinha de trabalhar. Quando fui reprovado no teste da FM 93, meu pai ficou com dó e foi até lá pedir ao gerente da rádio para me dar mais uma chance. Ele falou: “Dê 15 dias para ele se preparar e faça outro teste”.


PLAYBOY E deu certo?


TOM Foi dito e feito. Passei no novo teste, e me colocaram para fazer um programa às 3 da madrugada. Foi onde nasceu o Tom Cavalcante. Precisava de um nome para rádio. Foi quando eu entrei numas de fazer personagens na rádio, brincadeiras com os outros radialistas.


PLAYBOY Essas brincadeiras fizeram com que você recebesse suspensão por inven­tar telefonemas e visitas de ouvintes. Qual era o teor das conversas com esses ouvintes falsos?


TOM Eu dizia assim para o outro locutor: “Fala aí que você está recebendo uma senhora que se per­deu na rodoviária de Fortaleza”. E ele dizia: “Estamos aqui com a dona Ma­ria de Fátima Rodrigues. Ela está aqui nos estúdios da rádio. Veio de Tauá, no Ceará, está perdida e procura por seus fa­miliares”. Aí eu entrava [imita a voz de uma velha sertaneja]: “Tô aqui desde manhã. Não tenho para onde ir. Queria por favor que quem tivesse me ouvindo viesse me buscar”. Aí pronto, suspenso. Quando voltei, com raivinha, aprontei de novo.


PLAYBOY O que você fez?


TOM Eu não tinha responsa­bilidade, tinha 20 anos, e fiz as vozes de todos os locutores da rádio, da meia-noite às 5 da manhã. A cada hora entrava um. Mas com essa coisa da imitação comecei a fazer shows nos bares de Fortaleza e a lo­tar as casas. As pessoas me diziam: “Você tá perdendo tempo aqui em Fortaleza”.


PLAYBOY Foi aí que você tentou iniciar uma carreira profissional e em, 1984, candidatou-se a uma apresentação no Show de Calouros, do SBT, em São Paulo. Mas foi barrado na por­ta. O que aconteceu?


TOM Eu tinha difi­culdade de comunicação. Sabe aquele sujeito histriônico que já chega e faz você rir? Eu não era assim. Eu era as­sustado com São Paulo. Eu ali, naquela fila, em pé, dois dias, até que o cara me perguntou: “O que você faz?” Eu disse: “Eu imito, canto”. Mas não mo­tivei o cara. Ele disse: “Não, obrigado”.


PLAYBOY Você também tentou emprego na TV Globo, no Rio de Janeiro, mas deu ou­tra vez com os burros n’água. Como foi a experiência?


TOM Eu consegui uma vaga num voo de instrução num Bandeirantes da FAB que ia de Fortaleza para o Rio. E aquilo foi balançando demais. O piloto estava sendo monitorado por outro para receber o brevê. Eu não tinha noção do perigo. Chegou em ilhéus, na Bahia, o piloto foi abastecer e quebrou o trem de pouso. Chegamos ao Rio às 3 da madru­gada. O cara que ia me receber morava em Niterói e já tinha ido me buscar duas vezes. Às 7 e meia da manhã liguei para o sujeito. Ele atendeu assim: “Porra, já fui duas vezes aí. Quem é você para chegar na casa dos outros desse jeito?”


PLAYBOY E o que você fez na sua estada?


TOM Eu ia para a padaria Século 20 [próxima aos estú­dios da Rede Globo, no bairro do Jardim Botânico, no Rio]. Ficava ali. Na minha cabeça, eu ia chegar e entrar na televisão. Mas não existe isso. Eu digo aos mais novos, que reclamam que não conseguem falar comigo: “Cara, tem toda uma história a ser construída. No meu caso, foram dez anos tentando diariamente”. Bom, mas aí não deu certo e eu voltei para Fortaleza. Nes­sa época eu já fazia campanha política.


PLAYBOY Você trabalhou na campanha de Tasso Jereissati para o governo do Ceará, em 1986. 0 que você fazia?


TOM Eu entrei na campanha como quarto locutor de um comício em Quixadá [interior do estado], Mas, quando o Tasso me viu, não me largou mais. Certa vez, num comício na periferia de Fortaleza, o Tasso, para brincar com o Fagner, me colocou no pal­co e o locutor anunciou: “Com vocês, Rai­mundo Fagner”. Lotado, 60 mil pessoas para ver o show dele, e aí eu entrei [canta imitando a voz de Fagner]: “O aço dos meus olhos / e o fel das minhas palavras...”. Aí eu vejo o Fagner lá no fundo, que não me conhecia, nervoso: “Que porra é essa? Vou embora!”. O Tasso acalmou o cara. E o Fagner subiu no palco, mas eu continuei cantando, empolgado.


PLAYBOY E qual foi a reação de Fagner?


TOM Dis­se: “Corta o microfone dele aí!” [Ri­sos.] Ficou puto da vida. Mas foi aí que eu conheci o Fagner e pedi pra ele me apresentar ao Chico Anysio. Fui me encontrar com o Chico numa casa de praia e mostrei tudo que era persona­gem. Ele foi se interessando por aquilo, mas, na verdade, a minha cara não era a de quem queria atuar. Ele me pergun­tou se eu escrevia. Eu disse que sim.


PLAYBOY Era mentira?


TOM Mentira, eu não escrevia uma linha de nada. E ele me pediu uns textos pro Painho [personagem de Chico Anysio]. Aí corri para um amigo jornalista, que começou a escrever os textos pra mim. Mas fui aprendendo e logo comecei a escrever meus próprios textos. Pegava textos dos outros redatores, levava para Niterói, pegava a máquina de escrever e ficava meio que copiando para tentar entender como era aquela mecânica toda.


PLAYBOY Você já não morava em Fortaleza?


TOM Eu viajava e achava que ia ficar em de­finitivo no Rio. Mas não dava certo, e eu voltava. Foi quando nasceu a Ivete, minha primeira filha, prematura, com 650 gramas. E eu voltei para For­taleza. Mas passou um tempo, e dali a pouco eu tentava de novo ir para o Rio. Quando consegui assinar meu primei­ro contrato no Rio com o Chico Anysio, voltei para Fortaleza e anunciei na im­prensa. Saiu no jornal: “Cearense é con­tratado por Chico Anysio para a Globo”. Quando cheguei lá, não era nada disso.


PLAYBOY E o que era?


TOM Era um dinheiro muito pe­queno para trabalhar como redator du­rante três meses. Falei pra todo mundo que ia atuar. Passou um mês, dois, e todo mundo: “Cadê o cara?” Aí o Chico disse: "Melhor você voltar, porque aqui você não vai fazer nada”. Voltei humilhado.


PLAYBOY Como você garantia seu sustento nes­se período?


TOM Fazia campanha política. O Chico me dizia: “Você vai estrear”. Aí eu ia para o Rio. Chegava lá, e nada. Eu estava com tudo pronto para estrear o seu Venâncio, um velho nordestino que ia participar da Escolinha. Aí apareceu o Nerso da Capetinga arrebentando. Não teve pra ninguém, e o Chico disse: “Senta aí e fica quieto”. Aí eu voltava e enfrentava as cobranças da família, porque gasta­va dinheiro com passagens e nada dava certo. Dez anos nessa confusão e nada.


PLAYBOY Quando sua sorte começou a mu­dar?


TOM Uma vez o Chico foi pra Fortaleza e jantei com ele. Aí fiz o personagem bêbado. Ele ficou encantado. E estreei o João Canabrava em uma semana.


PLAYBOY Todo mundo briga com o Chico Anysio, mas ainda hoje vocês são amigos. Qual é o seu segredo?


TOM Mas a gente brigou.


PLAYBOY Mas já fizeram as pazes.


TOM É. Ele brigou feio comigo porque eu saí da Escolinha. Foi por ciumeira. Passei a ser um dos fi­lhos mais queridos do Chico Anysio, por­que quando o João Canabrava emplacou os olhos se voltaram para mim. E quan­do eu saí da Escolinha pra fazer o Sai de Baixo o Chico estressou. Mas a briga não foi acentuada como falaram na época. Sempre fiquei muito na minha, e hoje a nossa relação é solidificada. Adoro ele. Mas muita gente briga com o Chico para sempre. Tu não tem de se irritar com as coisas que ele diz. Outro dia a gente estava num restaurante e o garçom de­morou a trazer o peixe. Quando a comi­da chegou, ele disse: “Não quero mais, pode levar pra tua mãe”. Eu disse: “Ele tá brincando”. Mas ele tava falando sério.


PLAYBOY Sua saída do Sai de Baixo é cercada de mistérios. Há rumores de que você brigou com o ator Miguel Falabella e com o diretor Daniel Filho. O que aconte­ceu?


TOM Ali existiam cinco loucos dentro de um teatro. Aquilo foi transformado num reality show. A gente entrava na segunda- feira e saía na quarta à noite. Eu carrega­do de shows, o Miguel com as peças dele, a Marisa Orth com a banda dela e a Clau­dia Jimenez com seus shows. Éramos cin­co artistas muito ocupados. Nas segun­das-feiras, das 2 da tarde às 10 da noite, nós revisávamos o texto. O Daniel Filho fazia questão de que fosse daquele jeito. Então era estresse em cima de estresse.


PLAYBOY Estresse com você?


TOM Às vezes era comi­go porque eu saía para lanchar quando iam ensaiar. Eu dizia: “Mas eu estou com fome, cheguei agora de Belém”. Aí a Claudia estressava com o Daniel Filho: “Não vou fazer essa marcação. Não vou cair no chão para ser chamada de baleia”. Depois começou uma história de “ah, ele tem mais texto”. E foi na época em que o meu personagem, o Ribamar, começou a ganhar tamanho, foi para a capa da VEJA.


PLAYBOY Na época você chegou a ser suspenso pela Rede Globo. Por quê?


TOM Porque eu cheguei atrasado. Estava vindo de Ma­naus. Eram compromissos assumidos, agenda de shows. Quando cheguei, não tinha ninguém no teatro. Todo mundo se rebelou, algo na linha “Não vamos espe­rar o bonitão, não”. Era só uma hora de atraso, mas tinha muita vaidade por ali.


PLAYBOY Em entrevista à PLAYBOY, o ator Tony Ramos disse que a crítica bra­sileira é blasé com a comédia. Você concorda?


TOM No Brasil existe essa coisa de tratar o humor de forma marginal. Hoje eu faço shows em grandes empre­sas, mas antigamente não tinha isso.


PLAYBOY O seu humor, por ser mais escracha­do e popular, é mais vítima desse tom de desprezo?


TOM Meu programa é para o povão mesmo, para a dona Maria lá da favela. TV aberta é pro povão. Quem tem dinheiro compra DVD, vê TV a cabo. Mas eu fui lapidando meu humor. Tive oportunidade de viajar, ler. Hoje sou muito benquisto em certos ambientes. Fernando Henrique vem jantar aqui, O Aécio. Daqui a pouco aparece o Fausto Silva. Frequento um mundo que certas pes­soas desse segmento blasé nem sabem.


PLAYBOY Como assim?


TOM Frequento os mesmos res­taurantes que eles em Paris, tenho casa onde eles têm. Há uns tipos que se ves­tem com uma couraça de grife e falam assim [faz voz de dondoca]: “Ah, você é... humorista?” Eu digo: “Sou, sua coisa!” [Risos.] Eu tenho é pena dessa gente.


POR ADRIANA NEGREIROS

FOTOS MARCELO SPATAFORA


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