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TONY RAMOS | JUNHO, 1979

Playboy Entrevista



Uma conversa franca (e íntima) sobre mulheres, sucesso e política com o jovem ator que se tornou um dos mais populares galãs da TV brasileira


Talvez ninguém se lembre muito bem daquele ator com jeito de meninão desprotegido, que trabalhou — ao lado de nomes famosos como Sérgio Cardoso e Juca de Oliveira — nas primeiras grandes telenovelas brasileiras de sucesso, como Antônio Maria e Nino, o Italianinho. Afinal, apesar de, na época, já ser um ator com muitos anos de experiência na TV Tupi, ele ainda não era nenhum nome consagrado, ninguém que fosse reconhecido e perseguido pelas fãs no meio da rua. Mas hoje, depois de dois grandes sucessos como personagem principal em O Astro e Pai Herói — novelas que foram recordistas de audiência na televisão brasileira —, o paranaense (nasceu em Arapongas, mas seus pais o trouxeram para São Paulo quando estava com meses de idade) Tony Ramos — cujo verdadeiro nome é Antônio Carvalho Barbosa — foi elevado à categoria de ídolo nacional.


O menino que jogava peladas nas várzeas e ruas de Vila Maria ainda não se acostumou com o sucesso repentino e com o assédio permanente das fãs em todos os lugares por onde passa. Mas admite que gosta das manifestações de carinho que recebe, principalmente quando vêm das pessoas humildes e espontâneas que enxergam no ídolo a materialização de seus sonhos e angústias. E também, ao contrário de muitos de seus companheiros, não faz mistério sobre as coisas de sua vida ou de sua família.


Com 31 anos de idade, está casado há dez com Lidiane — colega de bairro e dos tempos de colégio — e é pai de dois filhos, Rodrigo e Andréia, por quem tem verdadeira adoração. Para mostrar o que pensa e quem é esse ídolo que faz as mocinhas suspirarem quando aparece — mas que é um homem absolutamente "comum", do ponto de vista estético, com 1,75 m e olhos castanhos iguais aos da maioria dos homens brasileiros —, o repórter Marco Aurélio Borba, de PLAYBOY, acompanhou-o durante uma semana, vendo-o apresentar um festival de música em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, assistindo-o gravar capítulos da novela Pai Herói, nos estúdios da TV Globo, no Rio, e observando-o na intimidade de seu apartamento carioca, na convivência com a esposa e os filhos.


Durante todo esse tempo, Tony Ramos mostrou-se por inteiro, falando com franqueza e espontaneidade de seus grilos e suas angústias. Mostrou-se paciente e atencioso para com todas as fãs que tentaram agarrá-lo e beijá-lo à saída do aeroporto de Campo Grande; atendeu com solicitude e carinho às humildes arrumadeiras do hotel que lhe pediram, encabuladas, a oportunidade de serem fotografadas a seu lado. Mas, ao mesmo tempo, não escondeu a irritação diante da paparicação que sofreu por parte de um milionário mato-grossense que, a pretexto de convidá-lo para um almoço em sua suntuosa casa de campo, só queria, na verdade, exibi-lo para seus convidados e, finalmente, também se deixar fotografar a seu lado, certamente para enriquecer uma galeria de fotos de personalidades conhecidas que, com duvidoso gosto, enfeita as paredes de uma das salas.


Religioso como qualquer brasileiro, se benzeu sempre durante os pousos e decolagens dos aviões; indignado — também como qualquer brasileiro comum —, protestou aos palavrões contra o atraso dos vôos. No estúdio, durante as gravações, brincou sempre com todos — dos companheiros mais famosos aos funcionários mais humildes —, contando piadas e dizendo palavrões. Enfim, mostrando-se bem diferente da imagem de "moço bonzinho" que a televisão nos mostra diariamente. Ao final da entrevista, e depois de confessar que nem sempre as vacas foram gordas para ele (“houve tempos, na Tupi, em que só consegui sobreviver graças aos cartões de crédito”), o famoso Tony Ramos, ídolo nacional, admitiu que esta foi a primeira vez que ele falou livremente para um jornalista: “Não sei por que, mas há uma crença generalizada de que os mocinhos da TV são burros e vazios, não têm nada pra dizer além do que está nos scripts. Eu acho que tenho e que devo dizer”. A seguir, o que ele tem a dizer.


PLAYBOY — Há uma crença generalizada entre o público de que os astros da televisão brasileira ganham verdadeiras fortunas em salários. Quanto ganha um galã famoso como você?


TONY RAMOS — Eu ganhava 25 mil cruzeiros na Tupi, quando fui para a Globo, em abril de 1977, ganhando 40 mil. Atualmente ganho 80 mil.


PLAYBOY — Então, basicamente foi por dinheiro que você passou para a Globo, depois de ter trabalhado quatorze anos na Tupi?


TONY — Eu tinha mil razões. Desespero, vontade de fazer coisas novas, que na Tupi eu não tinha condições de fazer... e também não nego que eu queria começar a receber meu salário em dia. Aí você poderia argumentar que eu poderia ter ficado e brigado por tudo isso. Mas, se eu tinha uma outra emissora me querendo, por que não ganhar um pouco mais, recebendo em dia e sem precisar brigar? Eu tenho mulher e dois filhos...


PLAYBOY — Assim, o dinheiro não foi o único fator, mas foi um fator importante, não?


TONY — Você tem de ganhar dinheiro para viver. Meu salário não é suficiente para deixar ninguém rico. Sou obrigado a fazer coisas paralelas...


PLAYBOY — Publicidade, apresentar festivais, bailes de debutantes?


TONY — Esse tipo de coisas...


PLAYBOY — Durante um único fim de semana em Campo Grande você ganhou mais de 100 mil cruzeiros para ser o apresentador de um festival de música popular e fazer um comercial de televisão para uma firma local.


TONY — Estou comprando um apartamento no Rio, tenho de pagar as prestações . . . e também ainda não terminei de pagar meu carro...


PLAYBOY — Um Mercedes?


TONY — Não, uma Belina. Comprada a prestações. Por isso muitas vezes eu rezo para me aparecer um convite para um trabalho extra qualquer.


PLAYBOY — E como você se sente sabendo que atores experientes e veteranos ganham menos? Mário Lago, por exemplo, ganha só 40 mil cruzeiros por mês — você o conhece, não?


TONY — Claro que conheço e posso lhe garantir que minhas relações com ele são da maior fraternidade. Nossa atitude é a de estarmos atentos para isso. Você citou Mário Lago, mas há outros grandes atores que ganham salários apenas medianos. Estamos sempre discutindo isso abertamente, sem mágoas e sem ninguém jogar na cara de ninguém: "Você ganha mais do que eu e não merece". Você jamais ouvirá isso de um grande ator, jamais. Muitos pensam que existe uma grande competição entre os atores, um querendo comer o outro. Isso é mentira, sabe? Os atores, hoje, já estão indo mais ao sindicato, já estão discutindo mais a sua profissão, já estão mais atentos ao problema de salários. Mas ninguém pede rios de dinheiro. Talvez até devêssemos pedir, sabe? Mas só pedimos uma parte do bolo.


PLAYBOY — Toda vez que queremos descobrir os salários dos artistas de televisão eles se esquivam. Por quê?


TONY — Eu mesmo sinto pudor de falar sobre isso. No meu caso, é que fico pensando: poxa, tem tanta gente ganhando menos que eu... Mas não posso raciocinar assim, tenho é de entender que esses que ganham menos deveriam ganhar mais. Esta é que é a solução certa — e não eu diminuir de salário.


PLAYBOY — Você já sentiu constrangimento por sentir que ganha mais do que atores que são melhores do que você?


TONY — Agora mesmo eu sinto um pouco isso. Mas eu não me freio, eu falo o que penso. É que sou muito cético em relação ao sucesso. Sempre penso que, de repente, eu posso ficar desempregado e aí vou precisar ter algum dinheiro de reserva. Acho também que, antes de mais nada, não devo nunca me deslumbrar, devo é estar sempre preparado para as dificuldades de minha profissão. Nada veio de graça para mim. Trabalhei e estudei muito até chegar onde estou.


PLAYBOY — Como você começou?


TONY — Comecei fazendo teatro amador, em São Paulo, aos 14 anos. No mesmo ano me inscrevi num programa que existia na TV Tupi paulista, chamado Novos em Foco, produzido e dirigido por Ribeiro Filho. Foi ele quem me descobriu e me lançou profissionalmente. Um dia eu me apresentei a ele, na emissora. Olhou pra mim e disse: "Você é muito pequeno ainda, garoto, mas, como meu programa é pra revelar novos valores, vamos tentar". Depois de fazer um teste comigo, Ribeiro Filho me apresentou ao Cassiano Gabus Mendes, que ia começar a dirigir uma novela de Geraldo Vietri e precisava de um ator de minha idade para um papel. Cassiano me perguntou se eu queria o tal papel e é claro que eu queria. Foi assim que eu comecei.


PLAYBOY — E quem convenceu você de que tinha mesmo vocação para representar?


TONY — Várias pessoas me convenceram disso. Pessoas como o Juca de Oliveira, Lima Duarte e Sérgio Cardoso, que uma vez me disse uma coisa que passei a carregar comigo, como uma espécie de lema. Foi quando trabalhei com ele na novela Antônio Maria, em 1968. Um dia ele me disse: "Olha aqui, rapaz, o teu caminho é muito bonito nesta profissão; faça-o com dignidade, como você tem feito até agora, que você vai chegar lá".


PLAYBOY — E antes de começar a carreira de ator? Como foi a sua vida antes dos 14 anos?


TONY — Eu era filho de uma professora primária e de um vendedor que fazia de tudo para tentar ter algum. Quando meus pais se separaram eu conheci os problemas da falta de dinheiro. Morávamos em Vila Maria, na periferia de São Paulo. Cresci jogando bola de pé no chão, nas ruas sem asfalto, nos terrenos baldios...


PLAYBOY — Infância de menino pobre...


TONY — Não. Soa meio falso dizer que fui um menino pobre. Como é que eu posso me situar? Você talvez possa [risada]. Veja bem... minha mãe era professora primária...


PLAYBOY — Isso diz tudo?


TONY — Não sei se isso é ser pobre ou não. Em 1955, quando minha mãe se desquitou, ganhava 1.800 cruzeiros por mês... cruzeiros velhos. Meus tios, os dois irmãos mais velhos dela, ajudavam nas despesas da casa.


PLAYBOY — Você era filho único?


TONY — Era. Só vim a ter uma irmã bem depois, quando minha mãe se casou novamente. Então, seria meio desonesto eu dizer que fui um menino pobre, porque pobres de verdade são esses garotos que estendem a mão para a gente nas ruas, vendo a ostentação passar ao lado deles e eles descalços, com os olhos brancos de fome. Se eu afirmasse aqui que fui um garoto pobre estaria fazendo pieguice. Não, fui só um garoto da classe média batalhadora, é isso aí...


PLAYBOY — Você sentia muito a ausência de seu pai?


TONY — Sentia. Meus tios foram meus pais substitutos, eles eram pessoas incríveis, vinham conversar comigo, traziam presentes, queriam saber da minha vida... e eu ia tocando meu barco, tentando não ter crises, não ter dramas, mas, no fundo, eu tinha sim. Sentia falta da mão do pai, daquele "vamos conversar de homem pra homem", enfim, sentia falta do calor que hoje eu dou para meus filhos.


PLAYBOY — Você vê sempre seu pai?


TONY — Não, porque ele mora bastante longe de São Paulo. Mas não é porque não o queira ver, e sim por falta de oportunidade.


PLAYBOY — O que você sente por ele?


TONY — Sinto uma vontade enorme de conhecê-lo melhor, de saber o que vou poder sentir por ele.


PLAYBOY — Você sente amor por ele?


TONY — É, eu acho um pouco duro dizer que não sinto amor. Como é que não sinto amor se eu me emociono quando penso nele?


PLAYBOY — De certa forma, você não substitui seu pai por outro, por seu padrasto?


TONY — Não fui eu quem o substituiu: ele é que conseguiu ser substituído.


PLAYBOY — Ele não sente orgulho de ser seu pai?


TONY — Sente sim. Sente porque ele já me disse isso, e me emocionou muito quando disse.


PLAYBOY — Seus filhos o conhecem?


TONY [longa pausa] — Não conhecem, mas eu acho isso péssimo, e eles vão conhecer. Mas eles sabem que meu pai existe, já conversei com eles sobre isso.


PLAYBOY — Teu pai também tem filhos do outro casamento?


TONY — Tem.


PLAYBOY — Então são teus irmãos, também. No entanto, você respondeu que só tinha uma irmã...


TONY [pausa] — Ih..., mas é claro que são meus irmãos... Acho que respondi aquilo porque a minha vivência maior é com minha mãe. Mas como eu te disse, esse é um departamento da vida que eu ainda estou tentando arrumar...


PLAYBOY — Quando você começou a ganhar dinheiro, qual foi a primeira coisa que quis comprar?


TONY — Uma casa. Sempre moramos em casa alugada. Só recentemente, há uns quatro anos, minha mãe e meu padrasto compraram um apartamento, financiado pela Caixa Econômica. Mas sempre sonhamos em ter uma casa nossa e eu cresci fazendo disso a meta principal de minha vida. Mas só em 1974, quando fiz uma novela na Tupi chamada Ídolo de Pano, consegui um aumento de salário que me permitia arcar com a dívida da compra de uma casa. Talvez, se nós fôssemos sozinhos, eu e minha mulher, se não tivéssemos filhos, eu não me preocupasse tanto em comprar casa, mas é aquela coisa do instinto tribal, você quer dar um teto para os seus filhos, não é?


PLAYBOY — Com que idade você descobriu o sexo?


TONY — Lembro-me de que, quando eu tinha uns 14 ou 15 anos, pouco antes do segundo casamento de minha mãe, a minha avó, coitada, algumas vezes tentava fazer o papel de meu pai e me perguntou um dia: "Você já... já teve alguma experiência com mulher?" E eu respondi a ela: "Não sei, vovó, não sei". E não sabia mesmo: sexo era uma coisa que ainda não havia aparecido para mim. Sabe? Antigamente eu não contaria essas coisas a você, mas hoje não há problema, eu já me conheço bem...


PLAYBOY — Então, até aquela idade você ainda não tinha descoberto o sexo?


TONY — Só dentro de minha cabeça, mas nem sequer me masturbava, nem isso eu havia conhecido...


PLAYBOY — Não mesmo?!


TONY — Não. Por quê? Talvez porque eu não tinha um pai, um homem que me explicasse o que era sexo. E eu tinha muito receio, muito mesmo, não sabia o que era aquela excitação que às vezes eu sentia, por exemplo, quando via uma mulher bonita no cinema. Só depois daquela conversa com a minha avó eu comecei a fazer perguntas a meus tios sobre o assunto. Então o meu tio mais velho me disse que, quando chegasse a hora, eu falasse com ele, que ele me levaria na zona. Mas nunca me levou...


PLAYBOY — Mas quem iria decidir que essa "hora" era chegada?


TONY — Aí é que está . . . eu é que não saberia decidir. Mas não acho que eu tenha sido um caso único. Toda uma geração aí cresceu oprimida pelos tabus... é pecado pensar nisso, é pecado fazer aquilo, é pecado ir além de beijinhos com a namorada, é pecado não sei o quê! Ainda hoje esses tabus continuam existindo. Acredito que muitos jovens ainda hoje, em pleno final do século XX, o homem desembarcando na Lua, carros de Fórmula 1 andando a quase 400 quilômetros por hora, e mesmo assim muitos jovens permanecem sem resposta para essas perguntas. As minhas respostas eu fui encontrando sozinho, com o passar do tempo.


PLAYBOY — Você acha que falando sobre isso — e sendo uma pessoa conhecida — estará ajudando esses jovens a encontrar esse tipo de respostas?


TONY — É claro. Daí ter aceito uma entrevista com esse nível de franqueza. Eu não quero ficar tagarelando como se fosse dono da verdade, não quero nunca que, ao ler esta entrevista, o leitor escreva para vocês dizendo: Ah, que rapaz bonzinho, que homem não sei o quê. Não é nada disso. Simplesmente, cada um tem o seu temperamento. Eu, por exemplo, não tenho instinto dom-juanesco: quando amo uma pessoa, amo só essa pessoa, a minha mulher, que amo há dez anos. O problema maior é que muitas pessoas esperam que você se defina segundo um padrão standard... essas pessoas talvez esperem que eu dê sobre mim informações sensacionalistas...


PLAYBOY — Informações que nada têm a ver com você?


TONY — É [risada], numa boa. Talvez eu devesse dizer: "Não, eu me masturbei, eu fiz isso, fiz aquilo". Mas prefiro ser honesto.


PLAYBOY — Você já falou de sua infância até os 14 ou 15 anos. E, depois, como foi? Fale de sua primeira experiência sexual.


TONY [após uma longa pausa] — A primeira foi com uma profissional. Eu tinha, sei lá, uns 16 anos. E havia um problema que hoje, sei, é uma coisa insignificante e comum, mas na época era um drama terrível pra mim. É o seguinte: eu tinha um problema de fimose, que tornava muito dolorosa para mim a relação sexual. Mas sem um pai que me orientasse, não soube como resolver essa dificuldade até os 19 anos. Foi quando resolvi casar e consultei um médico. Ele falou: "isso aí é uma coisa sem importância, que a gente resolve com uma cirurgia". E resolveu mesmo.


PLAYBOY — E suas primeiras namoradas?


TONY — Foram namorinhos sem nada de especial. Sem aquele clic... esse clic eu tive foi com a minha mulher. Foi uma coisa bonita, rapaz...


PLAYBOY — Foi um clic inesperado ou vocês já se conheciam?


TONY — Foi inesperado. Numa festa no colégio em que estudávamos. Ela estudava à tarde e eu à noite, porque trabalhava durante o dia. Por isso não havíamos nos encontrado antes.


PLAYBOY — Que idade você tinha?


TONY — Dezoito, dezenove anos.


PLAYBOY — Ela sabia que você era Tony Ramos, o ator?


TONY — Eu ainda era desconhecido, ainda não tinha nome algum. E além disso ela não costumava assistir às novelas da TV Tupi, onde eu trabalhava. Puxei conversa com ela, na festa, mas não deu a menor impressão de estar correspondendo. Perguntei se queria se encontrar comigo, na semana seguinte. "Por quê?", disse ela. Senti aquele gelo, mas não desisti. Fui procurá-la à saída das aulas. E falei, assim sem mais nem menos: "Você quer namorar comigo?" Ela levou o maior susto, ficou olhando pra mim, "esse cara deve ser maluco", deve ter pensado...


PLAYBOY — Ela é mais nova do que você?


TONY — Dois anos e meio. Tinha dezesseis anos, quando começamos a namorar. E nunca tinha beijado um homem. Mas foi um negócio muito legal, eu comecei a conhecer uma criatura realmente legal, uma pessoa inteligente, sensível, amiga. Alguém que também queria conhecer alguém que a entendesse, ela que também era filha de pais desquitados. De repente as coisas foram se juntando, ela se abrindo, eu me abrindo... e começou a nossa vida de namoro, namoro tradicional, a gente ficou noivo mesmo, eu respeitava as regras todas, a gente tinha vontade de se morder... mas havia todo um bloqueio, porque fomos criados assim, ela foi, eu fui.


PLAYBOY — Não passava dos simples beijinhos?


TONY — Passava, é claro. Tinha também os abraços, os amassos, os apertos e a gente ficava maluco um pelo outro. Uma maluquice bonita, rapaz, que os tabus cerceavam...


PLAYBOY — Agora, passemos ao capítulo seguinte...


TONY — Eu sempre pensei em me casar cedo, eu queria formar família cedo, queria curtir filhos, sempre gostei de ter crianças comigo. E a gente então decidiu: daqui a um ano e meio a gente se casa. Duros, sem um tostão. Mas aluguei uma casa na Aclimação, me virava na Tupi, dublava filmes para a televisão, fazia teatro. Logo ela ficou grávida e aí começou um novo caminho em minha vida, que era o de ver aquela mulher de barriga grande, cuidando da casa, limpando o chão — pois nós não tínhamos empregada — e aí comecei a conhecer uma nova pessoa, uma pessoa que não tinha frescura com a vida. Então, o respeito que eu sinto hoje por ela nasceu naquela época. Respeito-a como mulher, como ser independente, como amiga, mãe, e como amante, como a grande amante que ela é.


PLAYBOY — Voltando um pouco atrás, à época em que você conheceu e namorou sua mulher, naquela época você se achava um cara irresistível?


TONY — Nunca, pelo contrário, eu me achava um puta de um chato... eu sempre tive problema de...


PLAYBOY — Era tímido?


TONY — Era. De certa maneira eu sou tímido até hoje, se bem que seja muito comunicativo com meus amigos, faço amizades com facilidade, mas diante de estranhos eu me bloqueio muito. Mas sem essa de narcisismo, de achar que uma pessoa poderia se interessar por mim pelos meus lânguidos olhares, ou pela minha esbeltez, que aliás não possuo. Eu sou um homem de 1,75 m, 70 quilos, pernas grossas [risada]... sou um cidadão normalíssimo.


PLAYBOY — Você acha que, se não fosse a televisão, as mulheres olhariam para você na rua?


TONY — Não olhariam mesmo. A televisão exerce um fascínio, que é o fascínio da fantasia...


PLAYBOY — Sua mulher também acha isso?


TONY [rindo] — Ah, isso você vai ter de perguntar a ela.


PLAYBOY — Voltando agora aos problemas que estão dentro de você, suas angústias de infância, sua insegurança de adolescente sem pai, todas essas crises desapareceram com a idade adulta?


TONY — Acho que sim, mas... não sei. Há momentos em que sinto angústias estranhas, mas não sei dizer se elas são um resíduo do passado...


PLAYBOY — Você já fez análise?


TONY — Não. Nunca senti necessidade. Tenho amigos que fazem, ou já fizeram, e dizem ter obtido bons resultados. Mas também tenho recebido outras informações a respeito, nada positivas. Prefiro resolver eu mesmo os meus problemas. Acho que tenho de resolvê-los na porrada da vida, sabe? Assumindo as minhas coisas e me questionando, tentando me responder, conversando com você, como faço agora.


PLAYBOY — Essa reação sua não estará escondendo um certo medo seu de ser questionado por um analista sobre coisas de seu passado?


TONY — Não, tanto que você me questionou aqui. Simplesmente acho que sou eu que tenho de resolver minhas angústias. Sei que isso não é fácil, tem gente que entra em parafuso e precisa mesmo de uma orientação clínica para suportar a barra, mas eu ainda não entrei em parafuso.


PLAYBOY — Você há pouco lamentou a existência de tabus que cercearam o comportamento das pessoas de sua geração. Falemos dessas normas sociais deformadoras. O que, por exemplo, você pensa do machismo?


TONY — O que é o machismo? É ser garanhão, cantar qualquer mulher que aparece pela frente? Isso é um negócio de baixo nível, no meu modo de ver as coisas. Acho que ser macho, ser homem, é ser antes de mais nada um cara honesto, saber olhar a gente nos olhos, ser um grande amante...


PLAYBOY — E o que é ser um grande amante?


TONY — É ser o homem de uma mulher só, esse é que é o grande amante. Aí vão falar assim, "Pô, esse cara é um babaca, um chato, fica dizendo por aí que uma escapulida não tem de existir". Para mim não tem. Agora, quem quer escapulir, tudo bem. Quer prevaricar, está na dele, pô! Você não está conversando aqui com o dono da verdade e muito menos com um ditador de comportamentos.


PLAYBOY — Quer dizer que nunca prevaricou?


TONY — Não, a partir de meu casamento, não.


PLAYBOY — Você cobra de sua mulher a mesma fidelidade?


TONY — Não cobro coisa alguma de ninguém. Apenas ela me dá essa fidelidade. Aí você poderia perguntar: como é que você tem certeza disso? Olho no olho, compadre: Olho não trai olho de ninguém, sabe? Eu estou conversando com você neste instante, olhando no teu olho, sentindo você... sou um observador, sabe? Um homem que observa muito o ser humano. Observo muito e ouço muito. Às vezes falo pouco, mas ouço muito. E, afinal, não é vantagem alguma alguém nunca ter prevaricado durante o casamento. Não estou erguendo bandeira alguma: nunca prevariquei porque nunca precisei prevaricar. A matemática, no meu caso, é muito mais simples do que se poderia imaginar: um mais um é igual a dois.


PLAYBOY — Seu casamento já dura dez anos. É muito raro, hoje em dia, encontrar-se um casamento com dez anos de duração no qual o casal possa dizer tranqüilamente: "Nosso casamento vai muito bem". O seu casamento vai muito bem?


TONY — Vai muito bem. Agora me pergunte por que ele vai bem.


PLAYBOY — Por quê?


TONY — Porque eu tenho uma tigresa em casa, uma tigresa de corpo, de alma, de raça, de carinho e, principalmente, de cabeça. Então essa tigresa completa aqui o tigrão, sei lá...


PLAYBOY — O Tony Ramos criança e o Tony Ramos marido já estão bem explicados. Passemos ao Tony ator, ao profissional. Você deixou a Tupi, depois de ter trabalhado lá durante quatorze anos, abrindo mão, segundo consta, de todos os direitos que você teria. Não acha que abrir mão desses direitos é um péssimo exemplo para os seus colegas?


TONY — Essa informação chegou até você deformada. Renunciei aos meus direitos, mas em troca de uma multa contratual de 80 e tantos mil cruzeiros que eu teria de pagar. Por isso, aceitei receber apenas minhas férias, meu 13.° e meu salário até aquele momento. Esse acerto foi feito entre a empresa e o meu advogado.


PLAYBOY — Qual é, hoje, sua opinião sobre a Tupi?


TONY — Uma empresa fortíssima, mas que não conhece o poderio que tem. Um elefante adormecido, uma empresa que precisaria ser dirigida por pessoas que não falassem todas ao mesmo tempo, e sim uma de cada vez.


PLAYBOY — Em alguma ocasião, quando não tinha ainda a maturidade que tem hoje, você se deixou deslumbrar pelo sucesso?


TONY — A resposta é curta e simples: não. Em momento algum minha profissão me deslumbrou. Pelo contrário, sempre achei que a profissão de ator é como qualquer outra e se ela em alguma coisa difere das demais é por ser uma profissão na qual se ganha tapinhas nas costas em dias de sol e pontapés no rabo em dias nublados. Eu experimentei as duas coisas: muitos tapinhas e muito pé no rabo também. A profissão de ator é feita de castelos de areia, assoprou caiu.


PLAYBOY — Na sua opinião, quais são os problemas mais graves do ator brasileiro, atualmente?


TONY — O mais grave de todos é ainda a falta de mercado de trabalho. Na televisão existe apenas a Globo, a Tupi e só agora a Bandeirantes. No teatro são cada vez mais raras as montagens de espetáculos com elencos numerosos. E isso não ocorre por culpa dos empresários ou dos atores. Acontece, simplesmente, que um espetáculo teatral de grande elenco significa, quase sempre, prejuízo certo. Outro problema — sempre é bom insistir — é o da remuneração baixa, atores excelentes ganhando muito mal. Nunca me procuraram para se queixar disso, mas sei, por exemplo, que Laura Cardoso, uma grande atriz, deveria ganhar muito mais do que ganha. Cláudio Corrêa e Castro é outro que deveria ganhar muito mais...


PLAYBOY — Mais do que você?


TONY — Por que não? Mas seria ingenuidade não levar em conta o interesse mercadológico que se impõe na televisão e ao qual não se pode fugir. A presença de atores como Francisco Cuoco, Glória Menezes ou Regina Duarte significa para a TV mais audiência e, conseqüentemente, maiores lucros. Assim, é justo que esses nomes recebam mais.


PLAYBOY — Isso então significaria que o sucesso dos nomes que acaba de citar está mais ligado à aparência física deles do que ao talento?


TONY — Glória Menezes é uma das melhores atrizes do Brasil. Quem a viu no palco, ou no cinema, sabe disso. Portanto não foi apenas aparência física que a levou até onde está. Cuoco é um dos melhores atores brasileiros, é que as pessoas... a memória é curta, você sabe... as pessoas se esquecem de ter visto Cuoco fazendo teatro do mais alto nível, no TC, no Teatro dos Sete, companhias que conquistaram expressivos lugares na história do nosso teatro. A verdade é que aparência bonita não basta para fazer uma carreira de ator. Eu parto do princípio de que o público não elege seus ídolos gratuitamente. Um Robert Redford, por exemplo, que é um cara bonito, será só por isso que se tornou um sucesso de bilheteria? Nada disso, ele também transmite alguma coisa a mais para as pessoas.


PLAYBOY — Explique melhor essa "alguma coisa a mais".


TONY — Muito bem: você já viu muita mulher bonita no cinema americano e europeu que sumiu sem deixar lembranças. A Jaqueline Bisset é uma mulher belíssima, mas eu não vejo nada nela, além de sua beleza. Agora, Jane Fonda, que é tão bonita, tão gostosa, tão charmosa quanto Jaqueline Bisset, tem, entretanto, muito mais do que sua beleza. Jane Fonda é linda, mas seu sucesso foi construído com trabalhos magníficos como os que fez em Julia, Barbarella, Klute e Amargo Regresso. Esse mesmo exemplo se aplica aos atores e atrizes da televisão brasileira sobre os quais falamos. Eles chegaram aonde estão porque têm talento, têm magnetismo, conseguem transmitir emoção ao público em geral.


PLAYBOY — Quantas cartas de fãs você recebe por mês?


TONY — Sei lá. Nunca contei. Mas durante a duração de uma novela eu devo receber em média, por mês, cerca de mil cartas.


PLAYBOY — Quantas você costuma responder?


TONY — Nunca respondi uma carta. Acho que não devo responder, exatamente para não alimentar ilusões nas pessoas. Evidentemente, eu não poderia ler mil cartas por mês, pois não teria tempo. A maioria delas nem mesmo chega às minhas mãos. Na TV Globo há um departamento para fazer triagem da correspondência para os atores. Às vezes fico sabendo que me escreveram esse número de cartas porque eles me informam a respeito. Mas nunca contei...


PLAYBOY — E quando você não está fazendo novela, quantas cartas recebe?


TONY — Umas cinqüenta, cem cartas por mês. O departamento de triagem me avisa: olha, tem umas cartas pra você pegar aí, umas cartas que a gente achou que valeria a pena você ler.


PLAYBOY — Quando você sente que uma mulher está se insinuando para você, ainda que você não tope, seu sentimento machista não fica gratificado?


TONY — Nunca. Eu fico é preocupado, pois entendo que ela não está me cantando, mas sim cantando o personagem que eu represento naquele momento. Repito aqui: se eu não fosse um ator, seria um cara tão comum, como tipo físico inclusive, que passaria na rua e nem sequer seria notado. Daí eu não me deslumbrar, daí meu sentimento machista não se sentir gratificado.


PLAYBOY — Mas se você não fosse um ator, fosse um compositor e cantor, como Roberto Carlos, ou o Chico Buarque?


TONY — É, eu acho que o Chico deve receber muita cantada...


PLAYBOY — Mas nesse caso é ele mesmo que as garotas cantam, não é o personagem.


TONY — Muitas vezes é o carisma que o artista tem. Ou talvez, no caso de Chico, seja o carisma de suas letras. A moça pode, de repente, estar se insinuando para a letra do Apesar de Você...


PLAYBOY — Então seria uma transa com Olhos nos Olhos, ou O Meu Amor, e não com a pessoa do Chico?


TONY — Você está me entendendo. É uma transa com aquele cara que ela uma vez viu em cena em algum show, em algum programa de televisão. Ou talvez ela esteja a fim de cantar aquele cara que deu uma entrevista que a empolgou muito. Quanto a mim, quero acrescentar mais uma coisa para deixar bem clara a minha posição: eu fui criado achando que, quando você ama uma pessoa, para que a sua relação com ela dê certo, você tem de respeitá-la rigorosamente. Se você não quer ser traído — pois, no fundo, nenhum homem quer — então não traia também.


PLAYBOY — Mas o que é ser traído?


TONY — É ser enganado na confiança que você tem numa pessoa. Acho que não deve ser muito agradável para uma mulher saber que o cara dela está transando com outras Acredito que toda mulher sente isso e a gente tem de respeitar esse sentimento dela. Mas eu tenho um certo constrangimento em falar essas coisas, porque posso, sem querer, estar atacando alguém. Mas não estou fazendo isso: eu também estou em aberto, posso até vir a ser esse cara, um dia... Mas, antes de sê-lo, eu colocaria claramente o problema para minha mulher pensar.


PLAYBOY — Admite então que poderá prevaricar um dia?


TONY — Sim, porque todo ser humano pode vir a sofrer mudanças. Ninguém pode afirmar que está fechado para qualquer mudança.


PLAYBOY — Você não se preocupa com a possibilidade de ser chamado de bicha quando recusa uma mulher?


TONY — Não. Não me preocupo porque eu sei que não sou [risada].


PLAYBOY — Você se acha bom de cama?


TONY — Ah... [encabulado] Acho que sou um cara legal. Eu sou... acho meio cabotino falar sobre isso, acho meio estranho...


PLAYBOY — Você sente constrangimento de falar sobre sexo?


TONY — Não. Talvez eu possa responder a sua pergunta. Mas ela me deixou meio assim... meio vermelho. Talvez porque sinta um pouco de timidez em falar dessas coisas... Mas, sabe, eu me considero um grande amante. E, para mim, o grande programa sexual é aquele que você faz com a sua mulher, com seu amor. Então eu sou um cara que tenho uma grande amante. E acho que dou no couro [risada]...


PLAYBOY — Nas numerosas entrevistas que você deu antes desta, nota-se claramente que evitou se abrir, se expor. Autodefesa?


TONY — Acho que por falta de tempo. Com você eu me propus a fazer um tipo de entrevista que nunca havia feito. Você me acompanhou até Campo Grande, a 2 mil quilômetros de distância. Você presenciou um festival que eu apresentei, ficou comigo no mesmo hotel, jantou comigo, me acompanhou ao estúdio de televisão, viajou de avião comigo, sofreu comigo o atraso do avião, depois acompanhou todo um dia de trabalho meu, depois foi jantar em minha casa, e eu também fui jantar na sua. Nunca nenhum entrevistador havia feito isso. Não porque eu não quisesse. Em suma, você me deu tempo para que eu me abrisse... Você está aqui, na minha casa, esticado no sofá de couro da minha sala, comigo sentado à sua frente, descalço; minha família está aí do outro lado, vendo televisão, e eu estou me sentindo muito bem, muito à vontade para discutir certas coisas mais íntimas, porque estou sabendo que você vai tratá-las com correção, com humanidade. Estou me abrindo com você assim: rel... Não estou suando, nem tremendo, nem medindo o que devo dizer, buscando palavras. Tudo está saindo naturalmente. Como eu sou.


PLAYBOY — Você sempre fez questão de se afirmar como religioso. Como é a sua transa com Deus?


TONY — Quando vocês jornalistas colocam as coisas desse modo: "Você faz questão", podem levar as pessoas a crer que eu sinto necessidade de mostrar ao público que sou religioso. Eu não faço questão de dizer que sou religioso: apenas sou. Transo com Deus num nível muito bonito. Parto do princípio de que todos nós fomos gerados por um ser maior, cósmico, que está lá em cima, lá no espaço. Fui criado dentro da religião católica, mas nunca tive problemas em conhecer outras religiões. Durante uns dois ou três anos, por exemplo, freqüentei a igreja presbiteriana, a batista, a adventista. Eu tinha colegas de escola que eram protestantes e ia às igrejas deles. Encaro a religião não como um dogma, mas como um estado de alma. Eu vejo a religião ficar mais bonita no momento em que homens como dom Paulo Evaristo Arns, como dom Ivo Lorscheiter começam a questionar toda a pompa da Igreja, seu poderio econômico. É uma coisa bonita.


PLAYBOY — De quem você se sente mais próximo: João XXIII, Paulo VI ou João Paulo II?


TONY — Deste último, o Wojtyla, homem vigoroso, trabalhador, com cheiro de terra. Mas ao mesmo tempo não posso esquecer João XXIII e a revolução que ele fez na Igreja.


PLAYBOY — Você transa bem com ateus?


TONY — Claro, claro. Com ateus, com marxistas, transo muito bem, sem problema algum. Porque acho que todas as pessoas têm de se manifestar abertamente, livremente.


PLAYBOY — O que você diz das acusações que tantas vezes têm sido feitas a dom Hélder Câmara, de que ele seria um marxista?


TONY — Dom Hélder é um ser humano maravilhoso, preocupado com o seu próximo. Ele é um liberal, mas é acima de tudo um cristão, e também um ser humano vivenciado nos problemas do povo, nas dificuldades de seus irmãos.


PLAYBOY — Mudando de assunto, você já teve alguma experiência homossexual?


TONY — Nunca.


PLAYBOY — Qual a sua opinião sobre o homossexualismo?


TONY — Eu não conheço bem o assunto, embora já tenha lido alguma coisa sobre ele, visto filme... e até trabalhei numa peça que trata disso, Os Rapazes da Banda. Posso lhe dizer que, por princípios meus, jamais iria criticar os homossexuais por serem homossexuais. Mas trata-se de uma questão que ainda não está bem explicada para mim. Não sei por que uma pessoa é homossexual, não sei. Mas respeito. Se as pessoas estão nessa e se dão bem, OK.


PLAYBOY — Alguns países socialistas chegaram a considerar o homossexualismo um problema político e a punir os homossexuais com penas rigorosas. Hoje mesmo, no Irã, estão reprimindo violentamente os homossexuais. O que você acha disso?


TONY — Acho uma barbaridade! De repente, só porque alguém tem um tipo de problema pessoal... Eu considero um problema, porque, claro, na minha cabeça não entra que esse tipo de relacionamento seja normal. Não pode ser. Agora, porque encher o saco dessas pessoas, se não estão perturbando ninguém, estão somente tendo as suas vidas?


PLAYBOY — E se os revolucionários — os do Irã, por exemplo — acharem que o comportamento homossexual pode comprometer a tentativa de criar uma sociedade nova, um homem novo?


TONY — Eu acho que, se querem criar algo novo, têm de criar a liberdade do homem, e que essa liberdade tem de vir acompanhada de uma nova responsabilidade. Responsabilidade para com você mesmo, para com o seu próximo. Essa responsabilidade é também a de não encher o saco do próximo. Português bem claro: é não encher o saco!


PLAYBOY — Você tem amigos homossexuais?


TONY — Claro. E são pessoas muito legais...


PLAYBOY — Certamente você conhece — e não vá me dizer que não conhece! — grandes ídolos do cinema, do teatro e da televisão que exibem uma imagem de machões mas são homossexuais.


TONY — Conheço, tanto em nível brasileiro como internacional.


PLAYBOY — Pode citar alguns?


TONY — Jamais faria isso. Seria uma atitude preconceituosa, pô! Claro que tem muito bicha por aí, mas acho que nas outras profissões também tem, não é?


PLAYBOY — Tony Ramos é um bom ator?


TONY — Sim, eu me considero um bom ator.


PLAYBOY — Quantas novelas você fez até hoje?


TONY — Não me lembro o número exato. Umas vinte e duas, vinte e cinco, aproximadamente.


PLAYBOY — E peças de teatro?


TONY — Fiz... Quando as Máquinas Param, O Grito de Liberdade, Os Rapazes da Banda, Pequenos Assassinatos, Absurda Pessoa, Leito Nupcial... fiz oito peças.


PLAYBOY — Qual foi, dentre todos esses trabalhos, o mais gratificante para você?


TONY — Em teatro, foi Quando as Máquinas Param, de Plínio Marcos. Nós estávamos encenando a peça para os sindicatos...


PLAYBOY — Em que ano foi isso?


TONY — Em 1969.


PLAYBOY — Você aceitaria fazer, hoje, esse tipo de teatro? Representar para os operários?


TONY — Claro que sim. E gostaria de fazer.


PLAYBOY — Renunciando ao seu sucesso atual na televisão?


TONY — Essa renúncia não seria necessária. Eu poderia perfeitamente fazer as duas coisas. Gosto demais de trabalhar em televisão. Mas posso fazer teatro durante os três meses de intervalo entre uma novela e outra.


PLAYBOY — E onde você se sente mais à vontade: no palco ou representando em frente às câmaras?


TONY — Embora tenha feito muito teatro, minha formação foi feita mais na televisão. Mas ninguém pode negar que existe um certo clima de preconceito contra a televisão e, em especial, contra as telenovelas. Clima esse criado por uma certa "elite" intelectual.


PLAYBOY — Preconceito injustificável, no seu modo de ver?


TONY — No meu modo de ver as novelas são um veículo popular maravilhoso. Até onde foi possível, até onde a censura deixou, durante esses anos todos, as novelas foram um veículo que propôs discussões sobre o ser humano, seus problemas e também as suas fantasias . . . fantasias que todos nós temos na nossa vida pessoal. Não nego, porém, que os preconceitos que existem contra as novelas me deixam um pouco preocupado...


PLAYBOY — Com o quê?


TONY — Com a imagem que o público possa ter de mim: "Será que esses caras que trabalham na televisão são pessoas fúteis?" Eu não sou uma pessoa fútil! Não abro mão de dizer isso: não sou nenhum herói, não sou um panfletário, mas também não sou fútil. Por isso acho importante estar me abrindo aqui com a maior franqueza, por achar que alguém, ao ler minhas opiniões, talvez diga: "Esse galãzinho de TV até que sabe falar".


PLAYBOY — Você já fumou maconha?


TONY — Não, eu nunca transei tóxicos. Uma coisa que faço questão é ser eu mesmo, sem fugas. Por isso, não gosto nem de tomar Melhoral. Além disso, os tóxicos hoje são muito curtidos por modismo — e como não suporto modismos...


PLAYBOY — Mas muitos acham que esse modismo tem muitos adeptos entre os artistas. Você nunca percebeu um colega drogado, no trabalho?


TONY — Nunca! Em todos esses anos de trabalho na televisão, nunca vi ninguém drogado. E olhe que é fácil perceber quando uma pessoa está drogada. Quanto a essa história de que os artistas são muito chegados a droga, posso afirmar também que nenhum dos meus amigos — e olha que tenho pelo menos uma dezena de amigos no meio artístico —, posso afirmar que nenhum deles transa tóxicos.


PLAYBOY — Vamos conhecer agora seu lado político. Nas últimas eleições, você votou na Arena ou no MDB?


TONY — Eu estava em trânsito, não pude votar.


PLAYBOY — E se tivesse votado?


TONY — Teria votado no MDB.


PLAYBOY — Já votou na Arena alguma vez?


TONY — Já, já votei.


PLAYBOY — Em quem?


TONY — Votei num homem que pediu meu voto e que me parecia estar fazendo um bom trabalho na Câmara Federal. Votei no Adhemar de Barros Filho. Isso foi em 1970... Agora parece que admitir ter votado na Arena virou palavrão. Mas faço questão de afirmar que não votei enganado.


PLAYBOY — Mudou suas posições depois?


TONY — Olhe, na entrevista que deu a PLAYBOY, Chico Buarque fez uma observação brilhantíssima. Ele disse mais ou menos assim: "Me preocupam muito as pessoas que de repente começam a ser também de oposição". Eu, por exemplo, nunca fui um homem de posições políticas. Nunca fui mesmo. Sempre sofri críticas por isso e acho que vou continuar sofrendo, sendo bombardeado por um lado e pelo outro, por ser um liberal. Eu entendo como liberal o homem que respeita você, que está aí à minha frente, perguntando o que quer, assim como tenho de respeitar o crítico que acha o meu trabalho uma merda...


PLAYBOY — Quem teria merecido seu voto, se você tivesse votado em novembro último?


TONY — Gostaria muito de ter votado num homem que eu acho brilhante, o Audálio Dantas. Outro candidato que me impressionou bem foi Fernando Henrique Cardoso. Mas também admiro muito o Franco Montoro. E, se eu votasse no Rio de Janeiro, teria votado em Heloneida Studart, uma mulher moderna, inteligente, batalhadora, mãe de quatro ou cinco filhos, uma mulher normal...


PLAYBOY — Você já fez alguma coisa na vida da qual se arrependeu?


TONY — Fiz sim. Várias. Mas a que mais me marcou foi ter deixado o elenco de Quando as Máquinas Param, em 1970, para trabalhar em Os Rapazes da Banda. Fiz isso para ganhar mais dinheiro. Mas me arrependo mesmo.


PLAYBOY — O que você acha da censura? Você a aprova?


TONY — Sou contra qualquer tipo de censura. Acho que nós é que temos de ser nossos censores. Veja bem, eu creio que até as 7 horas da noite a televisão está ligada em qualquer lar brasileiro ou mundial. Às 7 horas, inevitavelmente, as crianças estarão em frente ao aparelho. Então acho que a gente teria de ter uma responsabilidade maior ao mostrar certas coisas, em determinados horários, porque as crianças estão vendo. Isso não significa autocensura, mas simplesmente bom senso.


PLAYBOY — Você acha então que a censura deve acabar ou deve continuar de outra forma?


TONY — Acho que ela nunca vai acabar. Recentemente eu li a carta de um leitor, num jornal do Rio, reivindicando mais censura para a televisão. Na novela O Astro, por exemplo, meu personagem, Márcio, não era para ter casado com a Elisabeth Savalla. Mas recebemos uma ordem, numa quinta-feira, dizendo que teríamos de gravar a cena do casamento, pois a censura exigia isso, a pretexto de que a heroína não poderia aparecer como mãe solteira. Até há algum tempo as novelas não podiam apresentar personagens desquitados. A televisão não tem muita saída, ela tem de mostrar a vida. E, veja você, não é só a televisão que pode ser alienante. Disco também pode, jornal também, revistas também. Você me pergunta se acho que a censura deve acabar... Sou um pouco cético a esse respeito.


PLAYBOY — Explique melhor.


TONY — Eu não sou negativista, pelo contrário... Mas sou um pouco cético quanto a certas expectativas. Sou cético quanto à política em geral, da esquerda ou da direita. Então, quando dizem que a censura vai acabar, eu não acredito. Acredito que ela vá ser... ou possa ser, amenizada. Poderá adotar critérios novos de avaliação. Nisso eu acredito.


PLAYBOY — Se você não fosse um ator, o que gostaria de ser?


TONY — Ah, uma porção de coisas. Gostaria, por exemplo, de ser um tenista profissional, assumidão. Já joguei muito tênis e ainda hoje bato bem na bola, sabe? Gostaria muito de viajar pelo mundo, talvez seja por isso que gostaria de ser um tenista. Mas, num nível mais concreto, menos utópico, eu gostaria de ser diplomata...


PLAYBOY — Também por causa das viagens?


TONY — Pode ser. Quando eu era pequeno sempre sonhava viajar, e nunca pude. Ser diplomata talvez fosse uma fórmula.


PLAYBOY — Uma última pergunta: como você se sentiu dando uma entrevista tão completa para uma revista como PLAYBOY?


TONY — Eu conheço a PLAYBOY americana, conheço a italiana, conheço a alemã e a brasileira... devem existir mais, não? Nove? Pois o fato é que conheço a PLAYBOY há pelo menos uns quinze anos, e tenho por ela o maior respeito. Sabia que poderia me abrir numa entrevista para PLAYBOY, porque ela é uma revista digna, séria, que, por exemplo, publica Miguel Arraes em suas páginas, mostrando-o a toda uma geração que não o conhecia. Certas pessoas ainda acham que PLAYBOY é só uma revista de mulher nua, o que é um lamentável engano. Além disso, ver uma mulher nua é uma coisa muito bonita, não é? Mas o importante é que, ao lado dessas belas mulheres, PLAYBOY continue apresentando os artigos de altíssimo nível que apresenta.


POR MARCO AURÉLIO BORBA

FOTOS GILSON BARRETO


Publicada em junho de 1979, ed. 47. Editora Abril, São Paulo - SP.
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1 comentario


Ademar Amâncio
Ademar Amâncio
10 ago 2023

Incrível,ele com 14-15 anos sequer masturbava,nesta idade eu já estava esgotado de tanto me masturbar,inclusive pensando nele.Comecei bem criança e até hoje aos 59 anos continuo com esse hábito,transar eu nunca transei,intestino não é órgão sexual,de sofrimento eu entendo,fui.

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