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ZECA BALEIRO | SETEMBRO, 2005



Sucesso como cantor, compositor e produtor, o maranhense low profile revela que passou tardes no submundo paulistano à espera de drogas


POR THALES DE MENEZES

FOTO ALEXANDRE BATTIBUGLI


O quinto álbum de Zeca Baleiro acaba de sair, Baladas do Asfalto e Outros Blues. Disco meio rock and roll desse maranhense que a crítica insiste em classificar como representante de uma tal "nova MPB". Zeca, 38 anos, não é tão novo assim na música. Está em São Paulo desde 1991, mas só seis anos depois chegou ao disco. Entre seus projetos sem prazo de entrega estão um disco infantil e um livro de receitas. Entre os terminados estão o novo CD e mais dois que saem agora, produzidos por ele: um com material inédito do cantor e compositor Sérgio Sampaio (já morto, famoso pela música Bloco na Rua) e outro com 11 cantoras de primeiro time (de Ângela Maria a Zélia Duncan) cantando versos da escritora Hilda Hilst que Zeca musicou. Foi na correria para finalizar esses discos que o cantor falou a Thates de Menezes.





1. Você preparou três discos nos últimos meses e mesmo assim continuou fazendo shows. É um workaholic? Sou, mas estou tentando me curar. Passei seis anos sem férias. Cheguei agora a um esgotamento tal que estou tentando me converter a outro tipo de vida, sair de São Paulo, morar num lugar mais tranqüilo.


2. A gente fica sabendo a toda hora sobre seus projetos, mas sua mulher, Mara, e seus dois filhos nunca aparecem na imprensa. Eu já trabalho demais, se levar a família para o foco das atenções aí minha vida acaba mesmo. Não vou abrir minha casa para a Caras, podem tirar o cavalo da chuva. Meus filhos estão ocupados com a infância deles.


3. E a sua infância? Desde moleque você queria ter banda, compor? Meu lance era a coisa do compositor que canta. Ter banda é coisa de paulista [risos]. Eu saí do interior para São Luís com 8 anos. Jogava bola, jogava botão, ia brincar no mangue. Tinha 13 anos quando descobri a música e a literatura. Aí saí da rua, vivia trancado no quarto. Quando ia até a quitanda a galera vinha, olha o veadinho lá, ele não joga mais bola”, "é uma bicha mesmo", aquelas coisas [risos]. Mas segurei a onda.


4. Como era em casa, com os irmãos? Sou caçula ele seis irmãos, a raspa do tacho. Meus pais já tinham idade avançada, por isso fiquei com nome de santo [José Ribamar Coelho dos Santos], porque minha mãe ficou com medo que algo desse errado. Lá em casa todos cantam afinado, a família da minha mãe tinha muito músico amador.


5. Como aprendeu a tocar? Lá pelos 13 ou 14 anos, pedi para o meu pai e ele descolou um músico da antiga, um cara que já morreu, Oswaldo. Cara boêmio, tinha um bigodinho dos anos 40, engraçado pra caramba, cheio de mulheres. Em uma semana ele me deu as posições básicas e eu parei de fazer aula, achava que isso já me bastava. Claro que ele me fez tocar A Montanha, do Roberto Carlos, Noite Feliz, essas coisas...


6. Você também começou cedo a curtir escrever? Sim, desde sempre. Minha mãe guarda com ela até hoje um caderninho com uns acrósticos que eu fazia com uns 10 anos, quadrinhas de aniversário, essas coisas. Meu pai quase nos obrigava a ler, sempre foi um leitor compulsivo. Era farmacêutico, então chegavam aqueles almanaques do Biotônico Fontoura e ele passava para a gente. Era uma informação diluída, noções de astrologia, mitologia grega, uma porrada de coisas.


7. Você tentou fazer duas faculdades. Foi para satisfazer seu pai? Precisava fazer, né? Aquela família interiorana cobra. Fui fazer agronomia, muito mais pela "agro" que pela "nomia". Fui achando que era um curso com alguma poesia, mas era chato pra cacete. No semestre seguinte fui fazer jornalismo, já estava envolvido com música, participava de festivais.


8. Nos anos 80 você ficou um tempo em Minas, não? Sim, fui pra lá, depois voltei ao Maranhão e só vim para São Paulo em 1991. Eu achava que fazia uma coisa interessante, mas lá em Minas comecei a me achar um merda. Qualquer boteco tinha caras que tocavam e cantavam pra cacete. Eu falei: "Pô, sou um bosta, preciso melhorar pra caramba". É que na época eu não tinha a percepção que meu negócio não era tocar em bar.


9. Por que viajou para Minas? Tinha acabado de largar o jornalismo, achava que não seria porra nenhuma. Uns amigos músicos foram para Belo Horizonte morar numa pensão, começaram a tocar na noite e me chamaram. "Vem pra cá, tem um lugar pra você." Larguei tudo e fui, não tinha muito a perder. Peguei um ônibus São Geraldo [risos] e fui. Pombas, era um quarto de dois por dois com dois beliches, quatro neguinhos lá dentro.


10. Como acabou a aventura mineira? Fiquei menos de um ano, mas com muita noitada, muito tudo. Tenho desvio de septo nasal, estranhei o frio e vivia congestionado. Aí consegui um horário com um grande otorrino da cidade, em tese já seria para que rolasse uma cirurgia. Um dia antes liguei para confirmar o horário e a secretária dele me disse: "Ah, você não soube? O dr. Benjamim morreu!" O cara morreu trocando urna lâmpada em casa, caiu da escada e bateu a cabeça. Pensei: "Bicho, o destino matou o cara para ele não me matar" [risos]. Não sou muito místico, mas sou sugestionado. Fiquei apavorado e voltei pra São Luís. Lá arranjei urna namorada. A mãe era doceira de mão cheia e tivemos a idéia maluca de montar uma loja de doces.


11. É dessa época que vem seu nome artístico? O apelido veio na faculdade de agronomia, quando andava com os bolsos cheios de bala, mas ele ficou assim meio obscuro. Aí, com a loja, voltou com carga total. Montei a loja, ficamos um ano com ela e faliu, lógico. Meus amigos iam beber a féria do dia no boteco ao lado, mas foi um tempo divertido. Continuei agitando, tentando armar shows. São Luís era muito difícil, sem alternativas. Então muita gente mergulhava na birita, nas drogas. Eu próprio [risos] . Quando eu saí pra São Paulo, em 1991, era uma busca desesperada de refazer a vida. Eu vim com a minha mulher da época, Solange. A gente botou as coisas todas num Fiat Uno, televisão e o escambais, e veio. Foi uma viagem de 20 dias: Teresina, Fortaleza, Salvador, Arraial d'Ajuda, Belo Horizonte, até chegar a São Paulo. Inesquecível.


12. Os tempos foram difíceis depois da chegada? Cara, quando vim para São Paulo, eu era muito junkie. Como não tinha realizado meu projeto profissional, comecei a tentar me afirmar por outras vias: álcool, drogas e o cacete. Andava muito pelas sinucas lá da Lapa, esperando a hora de comprar pó. Eu me achava o bambambã [risos], mas era um otário. Rolou muita droga, mas algumas coisas aconteceram que me fizeram aliviar essa rota.

13. Que tipo de coisas? Uma pessoa muito importante para mim morreu e isso deu uma chacoalhada grande. Foi o que me fez mudar.


14. Aí você se dedicou realmente à música? Mesmo nesse momento de loucura, de baixo astral e de submundo, nunca parei de buscar as coisas, mas era uma busca sem foco, tudo aquilo gerava um amargor: "Porra, eu não consigo". Fui fazendo shows onde desse, compondo, fazendo demo.


15. O ano da virada foi 1997. Veio a participação no disco acústico da Gal, seu primeiro álbum... Nunca lembro bem o que veio primeiro. O convite para cantar com a Gal surgiu porque uma música minha, À Flor da Pele, era inspirada num sucesso dela nos anos 70, Vapor Barato. Juntamos as músicas no Acústico, repercutiu. Meu primeiro álbum, Por Onde Andará Stephen Fry?, vendeu muito, chegou às 100 mil cópias.


16. O segundo disco, Vô Imbolá, era parecido com o anterior. Depois veio o Líricas, mais introspectivo. Foi uma ruptura pensada? Um pouco. Os dois primeiros são como metralhadora giratória, não me agradam completamente. A gravadora escolheu Samba do Approach para divulgar o segundo disco. Mandavam a música para as rádios de MPB, um segmento que eles chamam de "música adulta contemporânea", seja lá o que isso for [risos]. Aí essas rádios falaram: "Ah, isso não toca aqui". Nas rádios de samba diziam que não era samba. Já a rádio rock recusava porque era MPB, a rádio MPB dizia que era rock [gargalhadas]. Eu desafio essa coisa da segmentação.


17. Você costuma ser classificado como "nova MPB". As pessoas são treinadas para pensar assim, o que é uma tristeza. Você pega a geração pós-tropicalista, os primeiros discos do Sérgio Sampaio ou do Luiz Melodia, eles iam do samba ao blues com a maior fluência. A coisa foi empobrecendo. Porra, o cara que ouve rap não pode gostar de samba, de rock, de jazz, de outras coisas? Não quero ser messias, mas acho que o meu trabalho, e o de outras pessoas, vai reeducando o público, mostra que é possível.


18. Mas você se enxerga dentro de alguma turma? Na vida eu sou meio gregário, mas na música eu tô mais pra Gregório. Sou muito solitário. Às vezes me colocam em turminhas, inevitavelmente com o Chico César e outras pessoas da nossa geração com as quais eu não tenho contato. O Chico mesmo, moramos juntos, já fomos muito amigos, mas hoje eu passo anos sem encontrá-lo.


19. Você cita e canta coisas do Luiz Melodia, Sérgio Sampaio, Jards Macalé, Walter Franco. Você é um novo "maldito"? Sempre tive muita simpatia por eles. Era charmoso ser maldito nos anos 70, você era associado a Baudelaire, Rimbaud e tal. Com o tempo e a necessidade de sobreviver do seu próprio trabalho, o que todos querem, até os malditos, isso vira um entrave. Pô, deixam de chamar o cara porque ele é "maldito", encrenqueiro. Eu não quero isso pra mim.


20. Às vezes você está alegre no show, mexendo com o público, brincando com as garotas. Outras vezes, muito mais melancólico... Isso depende de muitas coisas. Primeiro, de quantas doses de uísque você toma antes do show [risos] . O clima pode mudar muito de um lugar para outro, tem platéia mais atenta, tem aquela cheia de garotinhas gritando "lindo". Eu improviso muito. Se resolvo cantar um cover do Benito de Paula, vou lá e canto. Acho que meu público já foi educado para esperar surpresas.


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