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ATIREI PARA MATAR

Depoimento



Atirei em Gerard Ford para matar

Confissões da mulher que quase mudou a história dos EUA


Por ANDREW HILL


Já estive em quatro prisões diferentes, desde o dia do atentado. Em cada uma delas, as pessoas me perguntavam: "O que você estava pretendendo quando atirou em Gerald Ford?" Eu sempre respondi: "Pretendia matá-lo". Isso em geral provoca um minuto ou dois de silêncio absoluto, tempo suficiente para que a idéia do assassinato se acomode na cabeça da pessoa. E então seja essa pessoa branca ou preta, velha ou moça, condenada por assalto, agressão ou posse de drogas sempre ouço o comentário, carregado de emoção: "Gostaria mesmo que você tivesse matado esse f... da p...!"


Assim começa o depoimento exclusivo de Sara Jane Moore, gravado durante vários encontros com o jornalista de televisão e repórter free-lancer Andrew Hill numa cela da prisão municipal de San Francisco, Califórnia. O depoimento revela, segundo Hill, menos uma criminosa do que uma vitima, "uma mistura imperfeita e patriotismo, exibicionismo, paranóia política de terrorismo urbano uma infeliz viúva de Tio Sam, produto típico desta safra do Bicentenário". Mas, além disso, Sara Jane deixa a impressão de que pode ter havido alguma coisa a mais por trás de sua decisão de atirar para matar o presidente Gerald Ford no dia 22 de setembro de 1975. Eis o seu depoimento:


Ford é um bobão. Não tenho nada contra ele. Era a Presidência da República que eu queria atacar. Se ele morresse, Nelson Rockefeller assumiria o cargo, e aí as pessoas iam ver quem é que manda mesmo no pais. Nunca tivemos aqui uma verdadeira democracia. Agora não temos nem mesmo um governo representativo, ninguém elegeu Ford ou Rockefeller, um era deputado, o outro governador. Depois de Watergate, a imprensa vive dizendo que "o sistema provou que funciona". Na verdade, provou o contrário, provou que os verdadeiros donos do país continuam muito "na deles". Com Ford morto, as pessoas teriam que enfrentar Rockefeller, o que com certeza acabaria com os sonhos de muita gente. Mas acho que supus no povo americano uma consciência política que ele ainda não tem.


Certo, muita gente também me pergunta como eu posso justificar o assassinato como uma forma de conscientização política. Eu pergunto: "E como se justifica bater numa criança?" É isso que milhões de mães fazem todo dia, para educar seus filhos. Um governo que usa o assassinato como arma — seja contra líderes estrangeiros, seja aqui mesmo no país contra dissidentes — deve esperar que essa arma se volte contra ele. Lamento que isso seja necessário, mas acredito que vá acontecer cada vez mais freqüentemente.


Assim mesmo, há uma parte de mim que está satisfeita por eu não ter matado um ser humano. Será que estarei louca? Os psiquiatras decidiram que não, tanto que fui julgada e condenada. Mas, se eu enlouqueci, fui levada a isso pelo sentimento de ódio contra o que tem acontecido a meu país nesses duzentos anos de "liberdade". Alguém, em algum ponto da história, precisa lançar a faísca que irá atear o fogo na pradaria da verdadeira revolução americana. Eu tentei. E falhei.


"SE ELE ATRAVESSASSE EU NÃO ERRARIA AQUELE ROSTO QUADRADO E IDIOTA"

Como pude falhar, eu até hoje não entendi. Só pode ter sido culpa daquele 38, uma droga de revólver, que eu fui obrigada a comprar poucas horas antes, e que nem sequer tinha experimentado. Sou uma excelente atiradora: sabia que Ford estava usando colete a prova de balas, e por isso fiz mira bem na cara dele. Daquela distância eu não podia errar. A mira era perfeita. A arma é que não prestava.


Pouco antes de atirar em Gerald Ford eu escrevi um poema. Era mais ou menos assim:


Firme-firme

Minha mão segura

Meu olho certo

Meu coração frio

E minha arma cantará

Pelo meu povo

Sua raiva aos gritos

Seu ódio purificado

No sangue desse monstro.


Houve um momento, de pé ali na calçada, que qualquer coisa me poderia ter feito dizer: "Isso é ridículo, o que é que eu estou fazendo aqui?" Houve mesmo um instante em que tentei me mexer, sair dali, mas o ajuntamento era muito grande, eu não conseguiria atravessar a multidão. E então eu já tinha caído na armadilha: minha mão dentro da bolsa, empalmando o revólver, o dedo encontrando o gatilho. Logo ele apareceu — um alvo fácil, aquela cara quadrada e grande, aquele sorriso palerma. Não sei como pude errar.


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Um dos homens da segurança mentiu no tribunal. Contou que eu teria dito, ao ser presa, que atiraria mesmo que Ford estivesse cercado pela multidão. O que eu disse foi o contrário: minha preocupação era a de não atingir nenhum inocente. Sabia que ele estaria com a segurança redobrada, por causa do atentado de Squeaky Fromme, aquela garota da família Manson, dias antes. Por isso, pensei em ir na véspera a Palo Alto, onde Ford estaria fazendo um discurso, para dar uma espiada no esquema de segurança.


Mas a polícia não deixou. Dois dias antes, alguém deu uma dica à polícia de San Francisco de que eu andava circulando com um 44 carregado na bolsa. Eles me detiveram e confiscaram o revólver e a munição. À noite, foi a vez do Serviço Secreto, responsável pela segurança do presidente. Eles foram até minha casa, muito gentis, e me perguntaram sobre a história. Eu lhes disse que tinha intenção de ir a Palo Alto para participar de uma demonstração de protesto, e que eu sempre levava uma arma comigo.


No fim da conversa, perguntei: "O que quer dizer tudo isso?" Eles disseram: "No futuro, toda vez que acontecer de você e o presidente estarem na mesma cidade, nós viremos ter uma conversinha". "E por quanto tempo?", quis saber. "Pelo resto da sua vida."


Pode parecer estúpido, mas aquilo soou como um desafio. Eles tinham a minha arma e o meu retrato. E eu tinha um dia para arranjar outra arma e deixá-los feito bobos.


Foi o que fiz. Comprei o 38 de Mark Fernwood, o mesmo homem que me havia vendido o 44. Se ele fosse um cara de esquerda, ou mesmo um liberal, a esta altura já estaria em cana, acusado de conspiração ou de cumplicidade, em vez de continuar solto ganhando dinheiro com seus negócios. Acontece que Mark Fernwood é um dos líderes regionais da John Birch Society, organização de direita que vive caçando "comunistas" e negros. A certa altura ele chegou a tentar uma transação com a promotoria para receber a arma com que atirei em Gerald Ford.. Queria vendê-la como peça de coleção. Imagine-se por quanto...


Quando entrei na casa de Fernwood para comprar o 38, já sabia bastante sobre os dois lados. Quero dizer, sobre o mundo violento em que se defrontavam os esquerdistas partidários da luta armada, os fascistas tipo John Birch Society e o FBI. Até poucos dias antes do atentado contra Ford eu havia sido informante do FBI. Na manhã do atentado conversara pelo telefone com Bertram Worthingtom, que era meu "controle" no bureau. E da John Birch Society eu conhecia o suficiente para saber que eles faziam, à direita, as mesmas coisas pelas quais o FBI prendia gente à esquerda. Os federais estavam sempre interessados em armas — quem as tinha, onde as havia conseguido etc. Quando aparecia um caso assim nos meus relatórios, eles ficavam realmente excitados. Aí eu dizia: "É um membro da John Birch Society", e recebia um sermão sobre o direito dos cidadãos de carregarem armas para protegerem seus lares etc. Só que o pessoal de John Birch ia um pouco mais longe: eles usavam balas "dum-dum", que abrem um rombo no corpo da pessoa.


"ATÉ POUCOS DIAS ANTES DO ATENTADO EU ERA UMA INFORMANTE DO FBI"

Meu envolvimento com o FBI começou pouco depois do seqüestro de Patty Hearst. Seu pai, o milionário Randolph Hearst, havia criado os centros de distribuição de alimentos grátis na área de San Francisco, atendendo à primeira exigência dos seqüestradores, o Exército Simbionês de Libertação (ESL). Nessa época eu trabalhava como contadora free-lancer, e ofereci meus serviços ao programa, de graça. Lá fiquei conhecendo muitos dissidentes de esquerda, entre eles Popeye Jackson, líder da United Prisioners Union, uma organização que lutava pelos direitos dos presidiários. Por meu intermédio, ele se ofereceu para ajudar Randolph a entrar em contato com Patty, ainda em poder dos seqüestradores. Os homens do FBI souberam dessa oferta e me procuraram: eles queriam acompanhar de perto, sem interferir, as negociações da família para libertar Patty. E assim eu me tornei uma informante.


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E então, certa manhã, lá estava eu, de acordo com as instruções, na esquina das ruas X e Y, debaixo de um poste, esperando por um carro verde, placa n.° tal, pensando: "Esse é o pior filme policial classe B que eu já vi na minha vida". É sério, eles fazem exatamente como no cinema. Não sei se é o cinema que imita o FBI, ou se são os policiais que, de tanto verem os filmes, resolvem fazer igual. Lá pelas tantas apareceu mesmo o carro verde, parou, e eu entrei no banco de trás, onde já havia um homem: era Bertram Worthingtom, o agente que seria responsável por mim no bureau.


Mas os federais não estavam interessados em Popeye Jackson. Mostraram-me uma foto de um homem que, segundo eles, era o verdadeiro contato com os seqüestradores de Patty Hearst. Eu o conhecia de vista, e recebi instruções para ficar de olho nele. Nunca o identifiquei publicamente, para não complicar ainda mais a sua vida. Por isso, vou chamá-lo simplesmente de Tom.


Por essa época eu freqüentava reuniões, seminários e discussões de grupo que serviam de apoio aos guerrilheiros urbanos. Taquigrafava informações, roubava caderninhos de endereços, juntava documentos políticos, e depois passava tudo para o FBI. Eles são muito específicos nas suas exigências a um informante. Se eu tinha um encontro com alguém, devia colocar no meu relatório se a pessoa chegara na hora ou atrasada, que roupa usava, o que tomava com o café, que tipo de conversa tinha, além de suas idéias políticas, é claro. "Queremos conhecê-los melhor do que seus amigos mais íntimos, para podermos prever suas reações", eles costumavam dizer.


As pessoas que Tom conhecia no ESL foram mortas no tiroteio em Los Angeles, aquele que foi transmitido ao vivo pela televisão. Com isso, o FBI passou a demonstrar mais interesse pelas coisas que eu via e ouvia nas reuniões. Não é que eles tivessem deixado Tom totalmente de lado. Ele ainda está vivo e em liberdade, os federais continuam de olho nele, e um dia vão liquidá-lo, como aos outros. É assim que eles sempre fazem. Mas Tom deixara de ser o alvo principal. Recebi instruções para me infiltrar em mais de uma dezena de grupos e organizações, e continuar mandando meus relatórios.


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Não me envolvi com o FBI por causa de dinheiro. Eu vivia numa casa confortável e tinha boa renda. Do FBI recebi exatamente 816 dólares e 26 centavos (cerca de Cr$ 9.000), apenas como reembolso de minhas despesas. O que me fez virar uma espiã foi o quadro que o FBI pintou dos esquerdistas: a verdadeira encarnação do demônio, agentes pagos de governos estrangeiros. Contra esses eu podia conciliar a minha disposição de defender meu país e a minha preocupação para com as "boas causas" nas quais eu vinha me envolvendo há anos, como a luta pelos direitos civis e dos negros.


Mas aos poucos comecei a perceber que eles eram pessoas realmente dedicadas. Vi que eu compartilhava de seus sonhos e invejava sua dedicação. Não eram "inimigos da pátria". Eram pessoas sérias, trabalhando por mudanças qualitativas no sistema. Certo, eles eram violentos, mas porque não acreditavam que houvesse outro meio. Tornei-me consciente do que estava fazendo. Eu estava vendo pessoas serem presas, e mesmo mortas, pela polícia, com base em informações muitas das quais eu própria havia passado ao FBI. Eu não podia continuar a traí-los. É claro que eu podia largar o FBI e tudo, e voltar para minha confortável casa. Mas eu não queria — eu queria continuar estudando a teoria daqueles grupos. Não sabia se eles tinham a resposta certa, mas com certeza apresentavam uma alternativa viável.


"POR OUTRO LADO, MEU CORAÇÃO E MENTE ESTAVAM COM A REVOLUÇÃO"

E o FBI sempre saberia onde me achar. Eu ficaria sob sua constante vigilância, e tinha medo. Os seus agentes são bastante sinceros quando falam em "neutralizar" pessoas. Há três métodos: ou eles conseguem reunir provas suficientes para mandar a pessoa para a prisão, ou ficam em cima dela até que ela desista, ou, então, a liquidam. Nunca hesitam em atirar. Bert, meu controle no FBI, anda armado 24 horas por dia. Uma vez ele me disse: ""Não acho que você esteja levando isso tão a sério quanto deveria. Isso é uma guerra".


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Em julho de 1974, eu abri o jogo com meus amigos de esquerda. Primeiro contei para Tom. Foi mesmo engraçado. Naquela noite eu usei pela primeira vez a palavra "porco", que é como os policiais são conhecidos entre os dissidentes. "Sou um tira, um porco." Ele perguntou: "Do Departamento de Polícia de San Francisco?" Eu disse: "Não". Ele: "Estadual?" "Não." "Departamento do Tesouro?" "Não." Ele disse, então: "Só fica sobrando um. FBI?" Eu disse: "Sim". Ele não acreditou. Uma quarentona, branca, da alta classe média, quem iria acreditar? É por isso que eu tinha êxito: não tenho cara de agente. Mas ele me fez uma série de perguntas para se satisfazer e finalmente reconheceu que eu era realmente o que dizia ser.


A primeira reação de Tom foi comentar que o FBI nunca iria me largar. Em seguida, disse que teria que conversar com seu grupo. Eles debateram o problema e chegaram à conclusão de que eu era um risco, do ponto de vista da segurança, e que teriam de cortar todos os contatos comigo. Entretanto, eles acreditavam em minha sinceridade, e por isso iriam tomar uma decisão, para eles, perigosa: não contariam que eu era informante. Fui deixada em liberdade para encontrar meu caminho no "movimento" como pudesse. E assim, por muitos meses, Tom não disse nada a mais ninguém. Por isso, não vou identificá-lo agora.


Quando Tom se despediu de mim, não percebi o quanto me veria isolada. Por essa época Bert estava em Washington, e não pude conversar com ele. Eu tinha relações superficiais com outros grupos dentro do movimento, mas isso não me satisfazia. Aqueles dias sem contato com Bert me fizeram perceber que era ele, na verdade, quem orientava meus estudos teóricos, na medida em que escolhia os grupos nos quais devia me infiltrar, e era dele que eu ficava sabendo quem estava fazendo o quê na esquerda.


Ao mesmo tempo, comecei a desconfiar que o grupo de Tom estivesse a fim de acabar comigo. Os informantes descobertos não costumavam ser tratados como eu fora. E violência e morte eram coisas comuns naquela área.


Assim, eu estava lutando com minhas convicções, lutando para encontrar um lugar onde continuar meus estudos, lutando contra o medo. Finalmente, quando Bert voltou de Washington, contei a ele sobre a minha situação. De acordo com a prática nesses casos, fui desligada como informante e aconselhada a me afastar do movimento. Quando eu me recusei, e continuei a fazer novos contatos na esquerda, que para eles pareciam importantes, Bert convenceu seu superior, e eu fui readmitida. Segundo ele, foi a primeira vez que isso aconteceu na história do FBI.


Isso foi em outubro de 1974. Em janeiro de 1975, contei meu caso a Charles Garry, um advogado de esquerda de San Francisco. Ele disse que eu havia criado mais problemas do que imaginava. Eu estava na obrigação de contar tudo às pessoas que eu havia prejudicado e de provar a elas até que ponto meu interesse em continuar na esquerda era sincero. Acho que Garry falou certo. Eventualmente, essa atitude me levou à tentativa de assassinato contra Ford, mas ele estava certo. E eu não mudaria se tivesse que voltar atrás.


Chamei então os líderes de cada uma das três organizações com as quais eu havia trabalhado no movimento, e contei-lhes quem eu era, QU pelo menos havia sido. Duas organizações trataram do assunto a nível de cúpula, mas a terceira espalhou a história pelo movimento, e as pessoas começaram a me perturbar. O FBI está certo em sua tática de procurar saber quem está tendo problemas dentro de cada organização, para depois se aproximar da pessoa, convencê-la a não protestar e a tornar-se informante. Foi o que aconteceu comigo, por estar com raiva. Mas ao mesmo tempo meu "coração e mente" estavam com os revolucionários. Essa é a parte que eu não consigo entender em mim.


De qualquer forma, foi nesse ponto que eu comecei a fazer o papel de agente duplo. Por um lado passava as informações do FBI ao movimento, dizendo às pessoas que se acreditavam clandestinas que o FBI sabia de tudo sobre elas. E ao mesmo tempo, quanto mais se espalhava pelo movimento a história de que eu tinha sido informante, mais gente me procurava para que eu lhes dissesse qual era sua ficha, e da conversa com elas eu tirava mais informações que passava ao FBI. Não sei como pude me controlar, fazendo as duas coisas ao mesmo tempo. Em parte, pensei que se eles eram tão estúpidos de virem falar comigo, uma ex-informante, então mereciam mesmo uma


Pode parecer que o FBI também era estúpido, mas eles tinham suas razões para me manter. Em primeiro lugar, eu lhes disse que estava desiludida com a esquerda; em segundo, minhas informações eram importantes. Por volta de outubro de 1974 eu lhes havia prestado um serviço bastante valioso. Algo que não posso revelar agora, uma das poucas coisas que fiz e que não me deixou com problemas de consciência. Foi naquele ponto que as sementes do que eu iria fazer a 22 de setembro de 1975 foram plantadas. Foi um momento em que minhas convicções políticas coincidiram com algo que o bureau e o serviço secreto queriam. Mas não posso falar mais nada.


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Estou tentando dizer a verdade, ser honesta. Com certeza o FBI fará tudo para me prejudicar, mas e daí? A essa altura, não me importo mais. Estou na prisão. Ninguém pode fazer mais nada contra mim, a não ser me matar.


Todo aquele período como agente duplo foi muito estranho. Na verdade, não havia só duas Sara Moore, mas três: 1 ) A Sara que se tornava uma partidária da guerrilha urbana — sem dizer a ninguém, nem ao FBI nem aos seus outros amigos da esquerda; 2) Sara, ex-informante convertida, lutando para ser aceita pelos teóricos esquerdistas "respeitáveis"; 3) Sara, informante do FBI, denunciando quem se aproximasse, e informando sobre os novos grupos com os quais estabelecia contato.


Alguns esquerdistas me diziam: "Você deve escrever sobre suas experiências. Conte como você se envolveu, o que fez para o FBI, a quem você denunciou. Agora, você deve se limitar a escrever-. A princípio, o FBI mandou que eu bloqueasse todas as conversas sobre o meu passado. Quando me recusei, argumentando que não chegaria a lugar nenhum sem uma declaração pública me pediram que: 1) Ficasse firme com a minha história, não revelando nada mais e, se possível, até menos do que havia dito antes; 2) Fosse honesta sobre as instruções do FBI para mim, e sobre a forma pela qual me trataram.


Minha declaração por escrito tonou-se um documento muito importante. Chegou-se a falar que circularia a nível de liderança em várias organizações. Mas as primeiras seis pessoas que viram o rascunho disseram: "Não, é muito perigoso, é muito quente". Pensei que eles se referissem aos eventuais problemas que eu teria com as autoridades. Mas o caso era outro. Mesmo sem usar o nome de Popeye Jackson no documento, ele foi reconhecido imediatamente. E isso era mau para mim. Quando ele foi assassinado, ao desligar o telefone depois de saber da notícia, pensei: "Oh, meu Deus, matei Popeye!" Naquela mesma semana, recebi outro telefonema: "Você é a próxima", disse uma voz que eu não conhecia.


Foi quando resolvi comprar uma arma. Um amigo de tendências conservadoras deu-me o endereço de Fernwood, o homem da John Birch. Quem entrasse em sua casa nunca poderia pensar que ele fosse um vendedor clandestino de armas. Mas ele tinha até um stand secreto de tiro, conhecido só dos membros de seu grupo direitista. Cheguei a praticar lá uma vez, com a 44, aquela primeira arma que a polícia apreendeu.


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E eu chego então a um ponto de minha história que não posso esclarecer inteiramente: quando e por que decidi matar Ford. Ainda não achei um meio de falar sobre isso e proteger os outros. Não estou dizendo que alguém tenha me ajudado a planejar o atentado. Mas há outras coisas, outras pessoas, embora não em termos de uma conspiração. Certas coisas sobre as quais eu ainda não posso falar.


Não fui forçada, pelo medo, a atirar em Ford. As ameaças de morte contra mim, na verdade, me deixaram mais livre. Eu achava mesmo que seria morta, e ainda acho. Alguém me perguntou se o atentado não foi realmente uma tentativa de suicídio. De jeito nenhum. Ser morta no local, era um risco que eu corria. Mas eu não estava deprimida, nem nada.


SARA JANE MOORE

tentou matar o presidente Gerald Ford a 22 de setembro de 1975 — e isso é tudo que se sabe com certeza sobre sua biografia, pois o resto é tão confuso e contraditório quanto sua própria pessoa. Alguns relatórios afirmam que ela nasceu Sara Jane Kahn no dia 15 de fevereiro de 1930, em Charleston, West Virginia, EUA, e que Moore é o nome de sua mãe. Uns dizem que ela casou três, ou quatro vezes; que teve quatro, ou cinco filhos; que em 1950, quando servia no corpo militar feminino, desmaiou perto da Casa Branca com todos os sintomas de amnésia — uma doença cujos efeitos ainda hoje poderiam beneficiar Sara Jane, pois ela se recusa terminantemente a falar sobre o passado. Além disso, o juiz Samuel Conti, ao pronunciar a sentença que a condenou à prisão perpétua pelo atentado, selou todas as provas apresentadas no julgamento, e que poderiam servir para esclarecer alguns aspectos obscuros de sua vida. Uma coisa, porém, é certa: essa "quarentona, branca, de classe média alta", como ela própria se descreve em seu depoimento, conseguiu enganar a todos, à direita e à esquerda, durante todo o tempo. Mas se enganou na pontaria.


Eu precisava fazer alguma coisa. De um lado, as ameaças de morte; do outro, o FBI, que eu sabia que nunca me deixaria em paz, e cuja ligação comigo eu não tinha forças para quebrar. Além disso, havia meu interesse genuíno em continuar estudando teoria revolucionária, e de fazer algo que me reabilitasse junto à esquerda. Tinha que ser algo que me comprometesse de público com as coisas que eu dizia; e, ao mesmo tempo, sujasse tanto a minha barra com o FBI que eles nunca mais ousariam me usar para seus fins.


Tentei outras coisas. Conversei com um repórter do New York Times e me ofereci para criar uma armadilha para o FBI. Eu daria um jeito de me encontrar com Bert e permitir que o repórter nos fotografasse juntos, no momento em que eu estivesse assinando um relatório confidencial. O repórter queria escrever a matéria, mas tinha medo da armadilha da foto, do que o FBI poderia fazer com ele depois. E assim eu desisti da história.


Antes, eu havia tentado cair na clandestinidade. Entrei em contato com alguns grupos guerrilheiros — mas então Popeye foi morto e as coisas começaram a acontecer rapidamente. Os grupos me acusavam de ter denunciado Popeye; e o FBI me avisou que eu estava em perigo, e que deveria pedir proteção ao Departamento de Polícia de San Francisco. Disseram-me também para não falar à polícia sobre a morte de Popeye, que eu devia alegar a emenda constitucional que permite ao cidadão calar-se para não se incriminar. Fiquei ainda mais apavorada. Uma oferta de proteção partiu da Polícia de San Francisco; recusei quase em pânico, dizendo-lhes que se tentassem me proteger estariam assinando minha sentença de morte. Um jornalista que estava escrevendo uma matéria sobre mim, a partir de minha participação no caso Hearst, foi entrevistar meu controle no FBI. Implorei a ele que não me expusesse ao risco, dizendo: "Acho que você não entende as forças que irá pôr em ação". Ele me respondeu que, de acordo com suas fontes, eu já estava em perigo mesmo antes que a matéria fosse publicada. No FBI, ele foi advertido novamente de que estava pondo minha vida em risco. Os federais não gostaram de eu ter falado, e caíram em cima de mim. Charles Bates, o agente encarregado do escritório de San Francisco, veio me dizer que, se o FBI não gostasse de qualquer coisa na matéria, ligaria para a publicação e mandaria censurar, e que eles já tinham feito isso várias vezes.


Nunca li a tal matéria. E esse pequeno episódio me levou ao lance seguinte. Quando o FBI e as outras pessoas me mandaram sair da cidade, disse que não tinha dinheiro. O FBI me fez uma oferta generosa, se eu lhes desse informações adicionais. Quando eu hesitei, eles acrescentaram a possibilidade de me arranjarem um lugar, para mim e meu filho — e mesmo falsas identidades, se eu colaborasse. Fiquei tentada. Estava apavorada, louca para encontrar uma saída.


Mas eu já não podia trocar a liberdade de outras pessoas pela minha. E assim finalmente parei de andar em cima da cerca — e o caminho a seguir estava definido. Abandonei todas as outras atitudes, que eu havia pensado em tomar contra o FBI ou o governo, como inúteis à causa da revolução. Achei que útil seria assassinar Ford.


O plano deu errado desde o início, como numa comédia antiga. Fiz uns contatos com uns amigos para que eles ficassem com meu filho, mas não deu em nada. Também não consegui sublocar meu apartamento. Tudo que eu tinha estava nele: quadros, mobília, todos os equivalentes adultos de um ursinho de pelúcia.


Além disso, tive um hóspede inesperado, na semana em que planejava queimar alguns papéis, inclusive o documento que a polícia apreendeu, e que diz que eu planejava matar o presidente. E então Squeaky Fromme, aquela garota da "família" de Charles Manson, tentou matar Ford. Se não fosse por aquele incidente, Ford provavelmente teria atravessado a rua para cumprimentar o povo, e eu teria tido uma chance melhor, e nunca, nunca mesmo, teria errado aquele rosto grande, quadrado e idiota, naquela tarde em San Francisco.


ILUSTRAÇÃO ALBERTO NADDEO



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